Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA INDEFERIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/17/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | - Tendo em conta que nos termos do art.º 17.º do CIRE que prevê a aplicação subsidiária das Normas do Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do Código de Insolvência, deve ao incidente de destituição de administrador de insolvência aplicar-se o disposto no art.º 6.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “cumpre ao Juiz (…) dirigir activamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (…) de forma a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável”. - Ou seja, a lei processual civil privilegia, claramente, o papel activo do juiz na busca da verdade material e de soluções justas e substantivas em detrimento das decisões formais determinadas pelos obstáculos de natureza adjectiva. - Assim, para o caso de considerar insuficientes os factos alegados para integrar a conduta da AI, alegadamente, “agressiva”, “ameaçadora” e “ persecutória”, o Tribunal a quo, em vez de pura e simplesmente indeferir a pretensão do Requerente, deveria ter convidado o mesmo a concretizar a sua alegação. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO: E ... Lda., apresentou-se à insolvência, uma vez que não conseguia fazer face às suas despesas correntes e às responsabilidades, tendo sido proferida sentença, datada de 21 de Outubro de 2014, na qual o Tribunal decretou a insolvência daquela sociedade comercial. Naquela mesma sentença foi nomeada para exercer funções como Administradora de Insolvência, a Exma. Sra. Dra. A.... Sucede que a Sociedade Insolvente requereu ao Tribunal a quo a destituição da Sra. Administradora de Insolvência, por considerar impossível a sua manutenção no cargo, em face da quebra da relação de confiança que deve existir entre o Devedor e o Administrador de Insolvência. Ouvida a Sra. Administradora de Insolvência, que negou qualquer comportamento menos correcto para com o sócio-gerente, o Tribunal a quo proferiu despacho de indeferimento do pedido de destituição formulado pela sociedade insolvente e ora Apelante. Esta, inconformada com tal decisão, veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I – A Sociedade Insolvente requereu ao Tribunal a quo a destituição da Sra. Administradora de Insolvência, a Sra. Dra. A..., por considerar objectivamente impossível a sua manutenção no cargo, em face da quebra da relação de confiança que deve existir entre as Partes. II – A Sociedade Insolvente indicou testemunhas, para prova dos factos que havia alegado no seu Requerimento, tendo em conta que não era possível apresentar outra prova que não a testemunhal, tendo o Tribunal a quo optado pela sua não inquirição. III – Não pode o Tribunal a quo afirmar que inexistem factos passíveis de consubstanciar justa causa de destituição, quando não deu oportunidade à Recorrente de fazer prova dos factos efectivamente ocorridos. IV – O sócio-gerente da Sociedade Insolvente, o Sr. M..., descreveu perante diversas pessoas o comportamento incorrecto que a Sra. Administradora de Insolvência teve para consigo no âmbito do presente Processo de Insolvência. V – Da figura do administrador de insolvência é esperada uma atitude isenta, correcta, urbana e diligente, em face das obrigações a que se encontra adstrito. VI – Quando o comportamento do administrador de insolvência não se coaduna com as suas funções, a relação de confiança é é quebrada, existindo fundamento para destituição deste com justa causa. VII – Na óptica de MENEZES LEITÃO, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 6.ª ed., pag. 104, o conceito de justa causa é um “conceito vago e indeterminado que abrange naturalmente a violação grave dos deveres do Administrador, mas também quaisquer outras circunstâncias que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo.” Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja revogado o Despacho que indefere o pedido de destituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência, substituindo-o por outro que ordene a sua destituição com justa causa. Assim se fará JUSTIÇA! Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II-OS FACTOS: Os elementos com relevo para a decisão são os que constam do relatório supra. Destaca-se ainda o teor do despacho recorrido, para melhor esclarecimento: “Fls. 308 A insolvente vem pedir a destituição da Sr. Administradora com justa causa, alegando para tanto que: a) O Sócio-gerente da insolvente, o Sr. M... afirmou perante familiares e amigos que estava a ser alvo de um comportamento persecutório por parte da Sr. Administradora; b) E que esta o tratava de forma agressiva e proferia ameaças, nomeadamente, afirmando, sem qualquer fundamento, que o mesmo estaria a ocultar deliberadamente factos e bens e a violar a lei intencionalmente. c) Que em consequência o Sr. M... suicidou-se. Vejamos. Em primeiro lugar expressamos o mais absoluto pesar por esta morte e sentimentos para com os respectivos familiares e amigos. Todavia, importa separar de forma objectiva a ocorrência deste óbito violento, das causas que podem integrar a destituição dos Sr. Administradores e da sua efectiva comprovação. Desde logo, no caso exposto pela insolvente, não são indicados factos concretos que permitam sujeitar a contraditório e a prova a alegada actuação da Sr. Administrador. Com efeito, são usadas conclusões para descrever a imputada actuação, designadamente, “tratar de forma agressiva”, “perseguir” e “ameaçar”, sem indicar o acto em si mesmo que permita ao tribunal chegar a essa mesma conclusão. Acresce que, ouvida a Sr. Administradora, negou qualquer atitude menos correcta para com o falecido Sr. M..., afirmando ter sempre existido entre ambos um comportamento cordial. Nesta conformidade, e na falta de elementos factuais que importem assacar à Sr. AI uma conduta violadora dos seus deveres, indefere-se o pedido da sua destituição.” III-O DIREITO: Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição do Tribunal, a questão que importa apreciar consiste em saber se havia fundamento legal para indeferir a requerida destituição da administradora de insolvência. O artº 56º do CIRE dispõe sobre a destituição do administrador da insolvência: “1- O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se ouvida a comissão de credores, quando exista, fundadamente considerar existir justa causa.(…)” Como resulta do citado normativo, a destituição do administrador da insolvência só pode ter lugar se existir justa causa, revelada nos factos alegados e provados no processo. A lei não fornece a definição ou um conceito de justa causa nem sequer enumera casuisticamente as situações susceptíveis de constituírem justa causa. A ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício das suas funções. A justa causa, quando não resulte de incapacidade do Administrador para o exercício das respectivas funções, pressupõe a violação grave dos deveres no exercício das respectivas funções. Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções. A justa causa terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão.[1] O artº 16 do Estatuto do Administrador de Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho) elenca os deveres do Administrador da Insolvência, destacando-se nos números 1.º-3.º: 1- O administrador da insolvência deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes. 2- O administrador da insolvência, no exercício das suas funções, deve manter sempre a maior independência e isenção, não prosseguindo quaisquer objectivos diversos dos inerentes ao exercício da sua actividade. 3- Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte,os administradores da insolvência inscritos nas listas oficiais devem aceitar as nomeações efectuadas pelo juiz, devendo este comunicar à comissão a recusa de aceitação de qualquer nomeação.(…) Da leitura destes preceitos, resulta a relevância que a lei confere às funções do administrador de insolvência enquanto “servidor da justiça e do direito”, devendo como tal mostrar-se digno “da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes”, devendo manter “sempre a maior independência e isenção”. Nestas condições, afigura-se-nos que constitui especial dever do Tribunal, fiscalizar essa actuação, utilizando todos os meios legais para detectar as situações em que os deveres do administrador de insolvência não estejam a ser cumpridos nos níveis de rigor e exigência previstos na lei. Ora, se é certo que podemos até concordar com o Tribunal a quo ao entender que a Apelante não foi devidamente explícita na alegação de factos concretos que permitissem aferir se efectivamente a Administradora de Insolvência tratou o Sócio –gerente da Insolvente “ de forma agressiva”, se o “perseguia” e “ameaçava”, a verdade é que tais imputações são tão graves que mereciam do Tribunal um tratamento mais aprofundado. Tendo em conta que nos termos do art.º 17.º do CIRE que prevê a aplicação subsidiária das Normas do Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do Código de Insolvência, deve no caso concreto aplicar-se o disposto no art.º 6.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “cumpre ao Juiz (…) dirigir activamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (…) de forma a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável”. Ou seja, a lei processual civil privilegia, claramente, o papel activo do juiz na busca da verdade material e de soluções justas e substantivas em detrimento das decisões formais determinadas pelos obstáculos de natureza adjectiva. Assim, para o caso de considerar insuficientes os factos alegados para integrar a conduta da AI, alegadamente, “agressiva”, “ameaçadora” e “ persecutória”, o Tribunal a quo, em vez de pura e simplesmente indeferir a pretensão do Requerente, deveria ter convidado o mesmo a concretizar a sua alegação. Procedem, assim, as conclusões da Apelante. De o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro, em conformidade com o exposto e as disposições legais aplicáveis. IV-DECISÃO: Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, por consequência revogar o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que, em conformidade com o supra exposto, designadamente, convide a Apelante a concretizar os factos ocorridos. Sem custas. Lisboa, 17 de Setembro de 2015 Maria de Deus Correia Maria Teresa Pardal Carlos de Melo Marinho [1]Vide a este respeito, Luis Menezes Leitão, Código da Insolvência, p.88. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: |