Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
370/15.6T8MFR.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
COMPROPRIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O pedido de declaração judicial de dissolução da união de facto exigido pelo Artigo 8º, nº3, da Lei nº 7/2001, de 11.5., deve ser entendido - primordialmente – como reportando-se ao exercício de direitos dependentes da dissolução da união de facto legalmente tipificados tais como a proteção da casa de morada de família (artigos 4º e 5º da Lei nº 7/2001) ou as prestações da segurança social em caso de morte de um dos companheiros e não tanto às relações de liquidação do património comum adquirido na pendência da união de facto.

II. De todo o modo, tal pedido está em cumulação aparente e não em cumulação real com os demais pedidos, nada impedindo o tribunal que o aprecie nessa circunstância.

III. Tendo sido proferido despacho, transitado em julgado, que convolou ação declarativa de condenação em processo especial de divisão de coisa comum (fundamentando-se tal despacho na consideração de que o pedido formulado pela autora assenta no pressuposto de que o PPR e as ações são bens da compropriedade das partes, pretendendo a autora por termo a uma situação de compropriedade), está arredada a apreciação de questões que excedam a existência da compropriedade, designadamente se ocorre enriquecimento sem causa do réu à custa da autora ou se a autora prestou obrigações naturais.

IV. No âmbito da união de facto, os companheiros podem acordar na compropriedade dos bens, não se presumindo a compropriedade nem se podendo aplicar analogicamente o regime previsto para a separação de bens do casal.

Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Raquel intentou ação declarativa de condenação contra Telmo, pedindo a condenação do Réu a pagar à Autora € 13.925,84, correspondente a ½ do valor das ações V... e € 20.192,82, correspondente a ½ do valor do PPR, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação.

Fundamentando tal pretensão, alegou que viveu com o réu em união de facto de 2000 a 2014, tendo nesse período duas filhas em comum. Em maio de 2003, Autora e réu constituíram um PPR que, por decisão de ambos, foi constituído em nome do Réu. Em junho de 2000, autora e réu decidiram subscrever ações V..., tendo o réu também investido, por decisão de ambos, o seu subsídio de Natal em ações V..., sendo o valor da carteira de ações de € 27.851,67 aquando da cessão da união de facto. Na data da separação, autora e réu acordaram que os valores do PPR e das ações constituía património mobiliário que estava em comum. As poupanças em causa foram constituídas através do rendimento de ambos e no pressuposto da continuação e subsistência da união de facto, ocorrendo um enriquecimento do réu à custa da autora, devendo o réu entregar metade de tais valores à autora.

Por despacho proferido em 21.2.2017, foi entendido que ocorria um erro na forma do processo, determinando-se a correção da distribuição da ação, passando a mesma a ser tramitada como ação de processo especial de divisão de coisa comum (fls. 262-263).

Ocorreu julgamento com produção da prova oferecida pelas partes.

Em 21.9.2017, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto:
a)- Declaro a existência de compropriedade sobre dinheiro que constitui o PPR melhor identificado em 5.;
b)- Declaro a existência de compropriedade sobre o dinheiro proveniente da alienação das ações V... melhor identificadas em 9.;
c)- Fixo as quotas das partes naqueles direito de propriedade em metade para cada uma das aqui partes;
d) Declaro a divisibilidade dos bens em apreço.»
***

Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«A) O presente recurso de Apelação vem interposto da decisão final proferida nos autos de Ação de Divisão de Coisa Comum, que correram termos pelo Juízo Local Cível de Mafra, sob o processo n.º 370/15.6T8MFR, que declarou a existência de compropriedade sobre o dinheiro que constitui o PPR identificado no ponto 5 dos factos considerados provados; declarou a existência de compropriedade sobre o dinheiro proveniente da alineação das ações V... identificadas no ponto 9 dos factos considerados provados; fixou as quotas das partes na ação naquele direito de propriedade na proporção de metade; declarou a divisibilidade dos bens em apreço e condenou ainda as partes em custas na proporção do respetivo  decaimento.
B) Nos aludidos autos de Divisão de Coisa Comum, a ora Recorrida pediu a condenação do Recorrente no pagamento da quantia de € 13.925,84 correspondente a ½ do valor das ações V..., e da quantia de € 20.192,82 correspondente à ½ do valor do PPR, alicerçando tais pedidos no facto de considerar que os montantes em causa lhe pertencem na referida proporção, não obstante apenas estarem titulados pelo aqui Recorrente, porquanto foram constituídos na constância da união de facto em que ambos viveram.
C) A Recorrida não deduziu na ação interposta o pedido de reconhecimento judicial da dissolução da união de facto, nos termos preceituados pelo nº 3 do artigo 8º da lei nº 7/2001 de 11 de maio, questão esta de conhecimento oficioso, o que compromete desde logo a procedência da ação;
D) A decisão recorrida, viola as normas jurídicas dos artigos 402.º, 403.º, 404.º, 1403.º, 1404.º, 473.º e 474.º todos do Código Civil e artigo 8.º nº 3 da Lei 7/2001 de 11 de maio, na redação introduzida pela Lei 2/2016 de 29 de fevereiro, pelo que se conclui não dever ser reconhecido à Recorrida o direito à compropriedade do PPR e das ações, determine a improcedência da ação e, em consequência, a absolvição do Réu do pedido.
E) Não se conforma o ora Recorrente, com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, particularmente com a matéria de facto dada como provada nos números 5, 6 e 9 dos factos provados, considerando-os incorretamente julgados, porquanto, da prova documental carreada para os autos, designadamente, os documentos 1 a 111 juntos com a contestação e os documentos A a G juntos com a contestação à petição inicial aperfeiçoada, e das declarações de parte do Réu impunha-se decisão diversa da ora recorrida;
F) Assim como também considera incorretamente aplicado o direito, que deve regular as relações patrimoniais emergentes da uniões de facto, que a ser correntemente aplicado, culminaria forçosamente em decisão antagónica à proferida;
G) Diferentemente do que consta da Decisão recorrida, considera o Recorrente, que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e da documentação junta aos autos, resultou provado que, o PPR e as ações V..., só por si tituladas, pertencem-lhe em exclusivo, porquanto foram, - constituído o PPR e adquiridas as Ações -, com quantias monetárias exclusivamente suas, sem a comparticipação da Recorrida, e por decisão apenas sua, com as legais consequências;
H) Resulta do número 5 dos factos provados, da decisão sub judice que: “Em junho de 2003 A. e R. contraíram um empréstimo junto do BES no valor de €40.000,00, e para obter condições mais vantajosas, contraíram um PPR em maio de 2003, o qual, por decisão de ambos, apenas foi subscrito pelo R., somente por este titulado. (sublinhado nosso)
I) Porém, entende o Recorrente que, a matéria de facto dada como provada no supra referido número 5 dos factos provados da sentença recorrida, deve ser objeto de alteração, devendo passar a constar que: “Em julho de 2003, A. e R,. contraíram um empréstimo junto do BES no valor de € 40.000,00, e para obter condições mais vantajosa, o R. constituiu um PPR em maio de 2003.”, suprimindo-se a expressão, “o qual por decisão de ambos, apenas foi subscrito pelo R., somente por este titulado”;
J) Resulta também do número 6 dos factos provados, da decisão sub judice que:
“O PPR foi constituído e reforçado mensalmente através de débito na conta conjunta identificada em 3 e com o intuito de constituir uma poupança do casal”; (sublinhado nosso);
K) É entendimento do Recorrente, que, também a matéria de facto dada como provada no número 6 dos factos provados da sentença deve ser objeto de alteração, passando apenas a constar que: “Este PPR foi constituído e reforçado mensalmente através de débito na conta conjunta identificada em 3.”, suprimindo-se a expressão, “e com o intuito de constituir uma poupança do casal”;
L) Resulta ainda dado como provado no número 9 factos provados, da decisão sub judice que: “Por decisão conjunta das partes e com o objetivo de realizar um investimento das poupanças do casal, o Réu optou pelo pagamento em ações de parte do seu subsídio de Natal nos valores ali referidos;
M) Pelo que, igual decisão de alteração da matéria de facto se impõe sobre o facto considerado provado no número 9, devendo dele apenas constar que: “....o R. optou pelo pagamento em ações de parte do seu subsídio de Natal nos seguintes anos.....(que aqui se dão por reproduzidos nos precisos termos em que constam referidos na decisão e que supra se transcreveram sob a alínea i) do n.º 3):”, suprimindo-se a expressão que a antecede, “Por decisão conjunta das partes e com o objetivo de realizar um investimento das poupanças do casal ...”.
N) O Tribunal “a quo” assentou a sua convicção, nos documentos juntos aos autos cuja genuinidade não lhe suscitou dúvidas; na factualidade inscrita pelo Recorrente na contestação deduzida a fls. 245, sobretudo no artigo 71º do mencionado articulado; e ainda nas declarações de parte prestadas, mormente, as prestadas pelo Réu, ora Recorrente;
O) Entende o Recorrente, que o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova em que assentou a sua decisão;
P) O facto de o Recorrente ter adquirido as ações V... e constituído o PPR durante a união de facto, não investe a Recorrida no direto à compropriedade, seja na proporção de metade, seja em qualquer outra, desses bens;
Q) Errou o Tribunal “a quo” na apreciação do alegado pelo Recorrente no artigo 71.º da contestação à petição inicial aperfeiçoada, na medida em que lhe atribuiu uma literalidade que não consta efetivamente do texto inscrito, e descontextualiza o sentido em que a mesma foi aduzida aos autos;
R) O Recorrente não alegou no artigo 71.º, como consta da fundamentação da decisão que, “Desde que começaram a viver juntas, as aqui partes, tomavam todas as decisões em conjunto.”;
S) O alegado pelo Recorrente no artigo 71.º da Contestação é que: “A gestão da vida familiar, sempre foi feita em conjunto, não somente pela Autora como alega”, alegação que sequer se prende com o PPR ou com as ações V...;
T) Resultou tal alegação da impugnação aos artigos 54º F e 54º G, aditados pela Autora à petição inicial, que foi convidada a aperfeiçoar por despacho de 31.05/2016, onde esta havia alegado serem somente por si executadas as tarefas referentes à gestão da vida familiar;
U) O Tribunal “a quo” errou também na apreciação da prova no que respeita às declarações de parte do Recorrente, porquanto da valoração que delas fez, considerou que o PPR e as ações V... pertencem ao Recorrente e à Recorrida na proporção de metade, dando como provados os factos 5, 6 e 9 dos factos provados da sentença, por considerar que estes produtos financeiros foram constituídos por decisão de ambos; como um projeto por ambos concertado com vista à constituição de uma poupança comum;
V) Das declarações prestadas pelo ora Recorrentes, resulta precisamente sentido contrário ao vertido na decisão sub judice;
W) Delas resultou que os produtos financeiros em causa, não obstante parte deles terem sido adquiridos na constância do união de facto, foram constituídos e reforçados por decisão exclusiva do Recorrente, e com recurso a meios que exclusivamente lhe pertenciam, e que não pretendeu colocar à disposição da economia comum;
X) Foram tais produtos financeiros constituídos com o único intuito de ingressarem exclusivamente no património próprio do Recorrente, e não no património comum dos conviventes;
Y) Errou também o Tribunal “a quo” na apreciação e valoração das Declarações de parte prestadas pelo Recorrente que constam gravadas no ficheiro de áudio 20170913100624_3669486_2871368, com início às 10h:26m:24ss e fim às 11h:13m:26, de minutos 01.22 a 02:15; de minutos 02.21 a 3:16; de minutos 03:23 a 3:45; de minutos 03.50 a 4:17; de minutos 12:52 a 13:03; de minutos 13:11 a 16:03; de minutos 20:28 a 20:59; de minutos 21.07 a 21:46; de minutos 21.47 a 21:53; de minutos 21.58 a 22:12; de minutos 33:32 a 33:53; de minutos 35:12 a 35:30; de minutos 35:31 a 35:51; de minutos 35:53 a 36:04; de minutos 36:04 a 36:18; de minutos 37:14 a 37:19; a minutos 37:17; de minutos 37:30 a 37:37; de minutos 37:37 a 37:38; de minutos 38:21 a 38:54; de minutos 49:31 a 50:30; de minutos 55:06 a 55:09; de minutos 55:15 a 55:27, cujo teor é aquele que já consta transcrito no ponto 24 das alegações, para o qual se remete, e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais por uma questão de economia processual;
Z) Se tivesse sido feita uma correta valoração das declarações transcritas, a que supra se alude, deveria o Tribunal “a quo" ter decidido em sentido contrário ao vertido na decisão em crise, ou seja, não deveria ter considerado como provado que o PPR foi constituído e reforçado por decisão conjunta dos conviventes; não deveria ter considerado como provado que aquela aplicação foi constituída como uma poupança do casal, como fez, erradamente, ao dar como provado o constante dos números 5 e 6 dos factos provados;

AA) Pois, resultou provado das declarações prestadas pelo Recorrente que, as partes constituíram vários bens em nome de ambos, durante a vivência em união de facto, que dividiram entre si após a separação, e entre os quais não se encontrava o PPR em apreciação nos autos, por ser nominalmente titulado pelo Recorrente, e a ele pertencente;
BB) Resultou igualmente provado que, o PPR foi constituído nominalmente pelo Recorrente porquanto era este quem tinha capacidade financeira para o subscrever e reforçar;
CC) Que o PPR, somente pôde ser constituído, e assim beneficiar os conviventes nas condições do empréstimo que haviam contraído, porque o Recorrente tinha disponibilidade financeira para tal;
DD) Que os reforços do PPR foram sempre aumentando em proporção aos aumentos salarias e progressão da carreira do Recorrente;
EE) Dos autos resultou indubitável que o Recorrente auferia rendimentos muito mais elevados que a Recorrida, como aliás resulta do número 9 dos factos provados da decisão, reconhecendo o Tribunal “a quo” que os rendimento do Recorrente representavam 70% do rendimento comum;
FF) Errou também o Tribunal “a quo” na apreciação e valoração das declarações de parte prestadas pelo Recorrente, que constam gravadas no ficheiro de áudio 20170913100624_3669486_2871368, com início às 10h:26m:24ss e fim às 11h:13m:26, de minutos 42:36 a 42:42; de minutos 42:43 a 42:51; de minutos 43:42 a 44:09; de minutos 44:31 a 45:04; de minutos 45:11 a 45:30; de minutos 47:29 a 48:19, cujo teor é aquele que já consta transcrito no ponto 40 das alegações, para o qual se remete, e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual;
GG) Resultou das declarações de parte do Recorrente a que supra se alude, que este não era titular de nenhuma outra conta bancária para além da referida no nº 3 dos factos provados; era nessa conta bancária que eram depositados todos os rendimentos que auferia, fossem retribuições mensais ou fossem prémios de desempenho, em valor muito superior ao que a era assegurado pela Recorrida na mesma conta;
HH) Resultou também provado que era a partir da referida conta bancária que, o Recorrente, além de fazer face às despesas da economia comum, fazia face às suas despesas pessoais, uma vez que não era titular de nenhuma outra conta bancária, à semelhança da Recorrida que também suportava as suas despesas pessoais a partir da referida conta bancária, nomeadamente as despesas com a aquisição do seu veículo de uso pessoal, prestação mensal e combustível;
II) Despesas estas que o Recorrente não tinha, uma vez que fazia parte das suas regalias laborais a atribuição de veículo 365 dias por ano, combustível e portagens;
JJ) Ora, deveria o Tribunal “a quo” ter valorado as declarações de parte do Recorrente transcritas no número 40 da alegações, de modo oposto ao que fez, pois que, à semelhança da Autora, que destinava parte do vencimento que depositava na conta conjunta a despesas que só a si diziam respeito, que não eram da economia comum, ao Recorrente era também lícito, e até espectável, em face do valores que depositava na aludida conta, que fizesse a partir dela o pagamento de suas despesas pessoais, no caso a saída dos valores mensais para o reforço do PPR por si titulado;
KK) Assim, impunha-se também, da análise crítica desta prova, decisão diferente da ora recorrida, a qual deveria ter sido no sentido de considerar que o PPR, nominalmente constituído pelo Recorrido, foi constituído com meios próprios, sem a contribuição da Recorrida, por vontade e decisão sua, e consequentemente declarar improcedente a ação e absolver o Réu do pedido;
LL) A decisão do Tribunal “a quo” enferma também de erro na apreciação da prova no se refere ao ponto 9 dos factos provados da decisão, porquanto considerou provado que as ação V... foram adquiridas por decisão conjunta dos conviventes e com o objetivo de realizar um investimento comum;
MM) Entende o Recorrente, mais uma vez, que o Tribunal “a quo” não poderia ter considerado que as ações pertencem a ambas as partes na proporção de metade, ou em qualquer outra;
NN) Porquanto errou também na apreciação das declarações de parte prestadas pelo Recorrente que constam gravadas no ficheiro de áudio 20170913100624_3669486_2871368, com início às 10h:26m:24ss e fim às 11h:13m:26, de minutos 04.26 a 4:29; de minutos 04.37 a 4:56; de minutos 05:03 a 5:07; de minutos 05:07 a 5:15; de minutos 05:14 a 5:36; de minutos 05.38 a 06:03; de minutos 06.05 a 6:11; de minutos 06.12 a 6:13; de minutos 06.22 a 6:32; de minutos 06.34 a 7:02; de minutos 10:04 a 10:06; de minutos 10:07 a 10:18; de minutos 33:32 a 33:53; de minutos 33:54 a 34:17; de minutos 34:18 a 34:27; de minutos 34:28 a 34:44; de minutos 35:03 a 35:06; de minutos 35:07 a 35:08; de minutos 35:08 a 35:11; de minutos 35:12 a 35:30; de minutos 37:14 a 37:19; a minutos 37:17, cujo teor é aquele que já consta transcrito no ponto 54 das alegações, para o qual se remete, e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual;
OO) Ora errou o Tribunal “a quo” na valoração que fez das declarações do Recorrente, a que supra se alude, as quais deveriam ter sido valoradas de moldes a considerar que as ações em referência são pertença exclusiva do Recorrente;
PP) Desde logo, porque, o Recorrente é subscritor de ações V... desde o ano de 1999, e por isso, antes de conhecer a Recorrida;
QQ) As ações foram adquiridas com a afetação direta de valores de subsídios de Natal devidos ao Recorrente, valores esses diretamente compensados pela sua entidade patronal no processamento do recibo de vencimento, que sequer foram colocados à disposição do Recorrente, e nunca disponibilizados para a economia comum;
RR) Era o Recorrente quem decidia quantas ações comprar, e quando comprar, sem que alguma vez tivesse discutido o assunto com Recorrida;
SS) Do que resultou expresso nas declarações de parte supra referidas, deveria Tribunal “a quo” ter considerado que as ações V... foram adquiridas apenas por decisão própria do Recorrente, com meios que lhe pertenciam em exclusivo, e consequentemente declarar que as mesmas lhe pertencem em exclusivo;
TT) Assim, impunha-se que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” fosse em sentido diverso daquele em que decidiu;
UU) Porquanto, entende o Recorrentes, que das declarações de parte por si prestadas, bem como da prova documental junta aos autos, quanto à factualidade sobre as ações V..., e contrariamente ao que foi considerado provado pelo Tribunal “a quo”, entende este ter resultado expressa e claramente provado que, as ações em causa, foram adquiridas por decisão sua, com recurso a meios que exclusivamente lhe pertenciam, e com recurso a meios financeiros que o Recorrente sequer disponibilizou para a economia comum. Tais ações foram constituídas com o intuito de ingressarem exclusivamente o seu património próprio, e não no património comum dos conviventes;
VV) Ainda que, se admitisse que o PPR e as ações V... pertenciam a ambas as partes na ação, - o que não se concede por tudo quanto anteriormente se deixou exposto – ainda assim, o Tribunal “a quo” não poderia ter decidido no sentido de atribuir à Recorrida o direito à proporção de 50% sobre os bens;
WW) Ao considerar-se que a Recorrida tem direito a 50% dos valores do PPR e das Ações, porque “levava as filhas à escola, pagava faturas e fazia compras”, são violadas as normas consagradas nos artigo 402.º a 404.º do C.C.;
XX) Além de, contrariar a prova produzida pelos documentos 1 a 66 juntos com a contestação, e pelos documentos A a G juntos com contestação à petição inicial aperfeiçoada, - extratos bancários de onde se afere os valores dos vencimentos mensais depositados pelos Recorrente e Recorrida na conta conjunta e demonstrações de liquidação de IRS do Recorrente -, dos quais resulta provado que o Recorrente auferia rendimentos mensais muito superiores aos da Recorrida;
YY) A Recorrida manteve sempre a sua ocupação laboral, não abdicou da sua carreira em prol da vivência comum que estabeleceu com o Recorrido, a família contava com o apoio de uma empregada diária para executar as lides domésticas, o que representava um custo de € 550,00/mês conforme alegado pelo Réu no artigo 49.º da contestação, e ao que a Autora não deduziu qualquer impugnação;
ZZ) Em coerência normativa com o disposto no artigo 402.º do Código Civil, as atividades executadas pela A. no que respeita às filha e à gestão das questões domésticas e correntes da família, a que Tribunal “a quo” se refere na fundamentação da sua decisão, são consideradas à luz do direito como uma obrigação natural, porquanto se fundam num mero dever moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível.
AAA) E na esteira do disposto no artigo 403.º do C.C., não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coação – no cumprimento de uma obrigação natural, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.11.2012 no âmbito do processo 444/09.2TCFUN.L1-A-8 referido no número 85 das alegações e disponível em www.dgsi.pt.
BBB) Portanto, não poderia o Tribunal “a quo” reconhecer à Autora, o direito a 50% dos bens em apreço pelo facto de a mesma desempenhar, de livre vontade, obrigações naturais;
CCC) Com efeitos a partir de janeiro de 2000, Recorrente e Recorrida efetivamente estabeleceram uma vivência comum, tendo optado, em detrimento do casamento, por viver em condições análogas às dos cônjuges, pelo que repudiaram ficar sujeitos às normas imperativas que regulam o instituto do casamento, e se é certo que, a Lei Portuguesa adotou um conjunto de medidas para proteção da união de facto, é igualmente verdade que, o legislador não introduziu nesse conjunto de medidas qualquer disciplina, quer imperativa quer convencional, de regulamentação das relações patrimoniais entre os conviventes;
DDD) O “Instituto do casamento” e a “união de facto” são caracterizados por regimes jurídicos diferentes, pois que, enquanto que o casamento é caracterizado por uma formalização de vontades, cuja celebração, importa os efeitos resultantes de um regime legal imperativo, e a vinculação dos cônjuges ao cumprimento de certos deveres, enquanto que na união facto, prevalece a autonomia privada dos conviventes, particularmente no que concerne às questões patrimoniais;
EEE) Pelo legislador, não foram pois, estabelecidas quaisquer regras relativas à administração e disposição dos bens de cada um, nomeadamente em sequência da dissolução da união; o ordenamento jurídico português reconhecia ao Recorrente a faculdade de, durante todo o tempo que durou a união de facto, vincular as suas relações patrimoniais e jurídicas, bem como a administração dos seus bens, do modo que lhe aprouvesse, e consequentemente, o facto de viver em união de facto não lhe retirou a livre administração e disposição dos seus bens próprios;
FFF) Ora, tendo em conta o regime legal da união de facto, os seus membros, quando pretendam assegurar questões de natureza patrimonial, devem recorrer aos institutos gerais do direito privado, optando por adquirir em compropriedade os bens que pretendam que sejam comuns. Tendo sido este o procedimento adotado pelos aqui Recorrente e Recorrida, que sempre que pretenderam que determinado bem pertencesse a ambos, adquiriram-no em nome de ambos;
GGG) Assim, errou por isso, o Tribunal “a quo” na aplicação do direito, porquanto aplicou ao caso concreto as regras gerais da compropriedade; fez uma errada analogia entre o casamento e a união de facto, uma vez que decidiu como se as partes tivessem escolhido viver sob os efeitos do casamento contraído sob o regime de bens adquiridos;
HHH) Deveria o Tribunal “a quo” ter-se sustentado nos institutos gerais do direito, mormente no instituo do enriquecimento sem causa, e analisando casuisticamente, decidir com recurso a esse instituto subsidiário, vide neste sentido o Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 29.11.2012 no âmbito do processo 444/09.2TCFUN.L1-A-8 referido no número 85 das alegações e disponível em www.dgsi.pt.
III) Ainda assim, sempre se dirá que nem recorrendo ao instituto subsidiário do Enriquecimento Sem Causa a Recorrida poderia ver procedente a ação intentada, pois não logrou provar, não obstante ter sido convidada ao aperfeiçoamento da petição inicial, para alegar factos que pudessem preencher esse enquadramento legal, que o Recorrido tivesse constituído o PPR e as V..., à custa do seu sacrifício, e de modo injustificado;
JJJ) Em coerência normativa com o disposto no artigo 473º do Código Civil, aquele que sem causa justificativa , enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou; porém, para que haja enriquecimento sem causa, é necessário a verificação cumulativa de 3 (três) requisitos: Que haja uma transferência patrimonial do património de alguém para o património de outrem; que essa transferência tenha sido à custa de outrem e que não haja causa justificativa para esse enriquecimento;
KKK) Ora, como resulta da fundamentação da decisão sobre o número 11 dos factos provados, o Recorrente auferia mensalmente valores muito superiores aos da Recorrida;
LLL) Errou também o Tribunal “a quo” na aplicação do direito, ao ignorar o preceituado pelo nº 3 do artigo 8º da lei nº 7/2001 de 11 de maio, que impõe a dedução do pedido de dissolução judicial da união de facto na ação em que pretendam as partes fazer valer direitos patrimoniais resultantes da mesma;
MMM) A Recorrida não deduziu na ação, como legalmente lhe competia, o pedido de dissolução judicial da união de facto, de conhecimento oficioso, o que por si só compromete a procedência da ação, e neste sentido Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23 de fevereiro de 2017, referido no número 95 da alegações; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de maio de 2010, referido no numero 96 das alegações, disponíveis em www.dgsi.pt.
NNN) Pelo que, salvo melhor opinião, de toda a prova produzida nos autos, contrariamente àquele que foi o sentido da decisão do Tribunal “a quo” que errou na sua apreciação e valoração, resultou provado que o PPR e as ações V... pertencem em exclusivo ao Recorrente, e ponderadas as circunstâncias de facto concretamente apuradas e o direito aplicável, impõe-se concluir, em sentido diverso do perfilhado na sentença sub judice ;
OOO) Pelo exposto, considera o Recorrente que deverá ser anulada a presente decisão e substituída por outra que considere por não provados os factos 5, 6 e 9 que o Tribunal “a quo” considerou provados na douta Sentença, e em consequência, que o PPR e as ações V... pertencem em exclusivo ao Recorrente, declarando-se improcedente a ação e consequentemente absolvendo-se o Recorrente do pedido
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, a decisão sub judice ser anulada e substituída por outra que determine a improcedência do pedido.
Só assim se fazendo JUSTIÇA!»

A apelada apresentou contra-alegações , propugnando pela improcedência da apelação. A apelada requereu a ampliação do objeto do recurso, requerendo que o facto não provado sob 17 passe a provado.

QUESTÕES A DECIDIR.

Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.- Impugnação da decisão de facto (factos provados sob 5, 6 e 9 e facto não provado sob 17);
ii.- Relevância da inobservância do preceituado no nº3 do Artigo  8º da Lei nº 7/2001.
iii.- O direito da Autora a metade dos valores do PPR e das ações.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. As aqui partes viveram em união de facto entre Janeiro de 2000 e Junho de 2014;
2. As aqui partes são pais de Sofia..., nascida a ...2004, e de Inês ..., nascida a ...2006;
3. Para organização da sua vida familiar e economia comum, as aqui partes eram titulares da conta bancária n.º 6..., aberta no BES a 06.08.2001;
4. A partir de Novembro de 2001, os rendimentos do trabalho das aqui partes eram transferidos para a conta acima identificada, sendo que era com recurso ao seu saldo que se realizavam as despesas familiares do casal, nomeadamente pagamentos de empréstimos bancários contraídos para aquisição da habitação comum;
5. Em Julho de 2003, A. e R. contraíram um empréstimo junto do BES no valor de € 40.000,00, e para obter condições mais vantajosas, constituíram um PPR em Maio de 2003, o qual, por decisão de ambos, apenas foi subscrito pelo R., somente por este titulado;
6. Este PPR foi constituído e reforçado mensalmente através de débito na conta conjunta identificada em 3. e com o intuito de constituir uma poupança do casal;
7. Em Junho de 2014, o montante aplicado no PPR ascendia a € 40.385,63;
8. O R. foi trabalhador da Companhia Portuguesas de Hipermercados (Au... Portugal) até Agosto de 2015, sendo que esta entidade oferece a possibilidade de o subsídio de Natal ser pago parcialmente através de ações V...;

9. Por decisão conjunta das partes e com o objetivo de realizar um investimento das poupanças do casal, o R. optou pelo pagamento em ações de parte do seu subsídio de Natal nos seguintes valores e anos:
i.- Ano 2000 500 € 1.556,50:
ii.- Ano 2011 1260 € 4.486,86;
iii.- Ano 2002 100 € 384,00;
iv.- Ano 2003 100 € 406,00;
v.- Ano 2004 200 € 866,00
vi.- Ano 2005 200 €896,00;
vii.- Ano 2006 200 € 940,00;
viii.- Ano 2007 300 € 1.548,00;
ix.- Ano 2008 300 € 1.644,00
x.- Ano 2009 200 € 1.088,00;
xi.- Ano 2010 300 € 1.737,00;
xii.- Ano 2011 300 € 1.896,00;
xiii.- Ano 2011 32 € 808,96;
xiv.- Ano 2012 300 € 1.971,00
xv.- Ano 2013 300 € 2.079,00;
xvi.- Ano 2014 300 € 2.166,00

10. Em Junho de 2014, o R. era titular de ações V... no valor de € 27.851,67;

11. As aqui partes eram trabalhadores por conta de outrem auferindo mensalmente os seguintes valores, que foram depositados na conta identificada em 4.:
i.- Fevereiro de 2003 - A.: € 1.173,20, R.: € 2.564,65;
ii.- Maio de 2003 - A.: € 1.220,34, R.: € 2.098,56;
iii.- Julho de 2003 - A.: € 1.209,92, R.: € 2.087,33;
iv.- Maio de 2004 - A.: € 1.197,47, R.: € 1.445,06;
v.- Outubro de 2004 - A.: € 1.255,47, R.: € 1.482,94;
vi.- Janeiro de 2005 - A.: € 1.300,07, R.: € 1.508,65;
vii.- Fevereiro de 2005 - A.: € 1.413,56, R.: € 3.882,22;
viii.- Abril de 2005 - A.: € 1.299,12, R.: € 1.503,94;
ix.- Maio de 2005 - A.: € 1.351,28, R.: € 1.634,97;
x.- Junho de 2005 - A.: € 1.349,40, R.: € 1.546,28;
xi.- Julho de 2005 - A.: € 1.358,44, R.: € 2.397,52;
xii.- Agosto de 2005 - A.: € 1.321,43, R.: € 1.508,46;
xiii.- Setembro de 2005 - A.: € 1.333,84, R.: € 1.550,08;
xiv.- Outubro de 2005 - A.: € 1.356,66, R.: € 1.546,38;
xv.- Dezembro de 2005 - A.: € 1.353,02, R.: € 1.522,68;
xvi.- Janeiro de 2006 - A.: € 1.060,48, R.: € 1.650,23;
xvii.- Fevereiro de 2006 - A.: € 1.416,89, R.: € 6.251,82;
xviii.- Março de 2006 - A.: € 1.356,61, R.: € 1.620,66;
xix.- Junho de 2006 - A.: € 1.355,68, R.: € 2.114,38;
xx.- Julho de 2006 - A.: € 1.378,11, R.: € 2.780,69;
xxi.- Fevereiro de 2007 - A.: € 1.563,10, R.: € 5.886,30;
xxii.- Junho de 2007 - A.: € 1.563,10, R.: € 3.284,04;
xxiii.- Fevereiro de 2008 - A.: € 1.790,33, R.: € 6.580,20;
xxiv.- Junho de 2008 - A.: € 3.346,20, R.: € 5.159,80;
xxv.- Julho de 2008 - A.: € 1.784,16, R.: € 5.158,03;
xxvi.- Agosto de 2006 – A: € 941,16; R: €2.567,35;
xxvii.- Dezembro de 2006 – A: 1.229,73, R: €9.541,56;
xxviii.- Dezembro de 2008 - A.: € 2.548,76, R.: € 4.324,15;
xxix.- Janeiro de 2009 - A.: € 2.548,76, R.: € 4.324,15;
xxx.- Fevereiro de 2009 - A.: € 1.827,89, R.: € 7.710,05;
xxxi.- Maio de 2009 - A.: € 1.970,89, R.: € 4.124,30;
xxxii.- Julho de 2009 - A.: € 1.969,61, R.: € 3.861,05;
xxxiii.- Agosto de 2009 - A.: € 2.732,89, R.: € 4.414,14;
xxxiv.- Janeiro de 2010 - A.: € 1.794,19, R.: € 2.361,35;
xxxv.- Fevereiro de 2010 - A.: € 1.893,02, R.: € 9.740,51;
xxxvi.- Março de 2010 - A.: € 953,60 R.: € 2.356,07;
xxxvii.- Abril de 2010 - A.: € 1.950,91, R.: € 2.673,74;
xxxviii.- Maio de 2010 - A.: € 1.865,22, R.: € 2.335,07;
xxxix.- Julho de 2010 - A.: € 1.804,69, R.: € 5.029,87;
xl.- Agosto de 2010 - A.: € 1.832,72, R.: € 4.466,94;
xli.- Setembro de 2010 - A.: € 1.870,02, R.: € 2.630,97;
xlii.- Fevereiro de 2011 - A.: € 1.807,93, R.: € 11.842,28;
xliii.- Março de 2011 - A.: € 1.822,91, R.: € 2.821,11;
xliv.- Abril de 2011 - A.: € 1.786,50, R.: € 3.118,30;
xlv.- Maio de 2011 - A.: € 1.840,10, R.: € 2.500,71;
xlvi.- Junho de 2011 - A.: € 1.840,10, R.: € 2.500,71;
xlvii.- Setembro de 2011 - A.: € 1.840,10, R.: € 2.558,65;
xlviii.- Outubro de 2011 - A.: € 1.784,99, R.: € 3.032,21;
xlix.- Dezembro de 2011 - A.: € 1.744,32, R.: € 2.452,92;
l.- Fevereiro de 2012 - A.: € 1.669,62, R.: € 11.204,30;
li.- Maio de 2012 - A.: € 1.856,07 R.: € 5.313,26;
lii.- Agosto de 2012 - A.: € 1.707,54, R.: € 4.335,30;
liii.- Fevereiro de 2013 - A.: € 1.460,60, R.: € 9.028,28;
liv.- Abril de 2013 - A.: € 1.524,80 R.: € 3.324,71;
lv.- Julho de 2013 - A.: € 986,80, R.: € 5.551,19;
lvi.- Agosto de 2013 - A.: € 1.512,49, R.: € 3.964,67;
lvii.- Setembro de 2013 - A.: € 1.515,49, R.: € 2.671,66;
lviii.- Fevereiro de 2014 - A.: € 1.452,57, R.: € 14.235,50

12. Durante o período de licença de maternidade gozada pela A. na sequência do nascimento da segunda filha do casal, a mesma recebeu da Segurança Social cerca de € 5.000,00, montante depositado na conta de depósito melhor identificada em 3.;
13. A gestão da vida e economia comum, nomeadamente através da celebração dos contratos de água, eletricidade, telefone e compras para o agregado familiar competia à A.;
14. Após o nascimento das filhas das partes, foi a A. quem passou a acompanhar as menores, levando-as ao médico, procedendo à sua matrícula nos estabelecimentos de ensino, sendo a respetiva encarregada de educação;
15. Até ao ano fiscal de 2010, as aqui partes apresentavam IRS em separado pois tal permitia ser a A. reembolsada, cujo valor era depositado na conta referida em 3.;
16. Até ao ano fiscal de 2010, o R., após a liquidação do IRS, tinha sempre que pagar mais a título de tal imposto, sendo que o montante necessário saía da conta bancária em referência.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Impugnação da decisão de facto (factos provados sob 5, 6 e 9 e facto não provado sob 17).
(…)
Pelo exposto:
1. Improcede a impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados sob 5, 6 e facto não provado sob 17;

2. Procede a impugnação da matéria de facto quanto ao facto provado sob 9 cuja redação passa a ser a seguinte:
«O Réu optou pelo pagamento em ações de parte do seu subsídio de Natal nos seguintes valores e anos:
i.- Ano 2000 500 € 1.556,50:
ii.- Ano 2011 1260 € 4.486,86;
iii.- Ano 2002 100 € 384,00;
iv.- Ano 2003 100 € 406,00;
v.- Ano 2004 200 € 866,00
vi.- Ano 2005 200 €896,00;
vii.- Ano 2006 200 € 940,00;
viii.- Ano 2007 300 € 1.548,00;
ix.- Ano 2008 300 € 1.644,00
x.- Ano 2009 200 € 1.088,00;
xi.- Ano 2010 300 € 1.737,00;
xii.- Ano 2011 300 € 1.896,00;
xiii.- Ano 2011 32 € 808,96;
xiv.- Ano 2012 300 € 1.971,00
xv.- Ano 2013 300 € 2.079,00;
i.- Ano 2014 300 € 2.166,00.»

Relevância da inobservância do preceituado no nº3 do Artigo 8º da Lei nº 7/2001.
Sustenta o apelante que o tribunal a quo ignorou o preceituado no Artigo 8º, nº3, da Lei nº 7/2001, de 11 de maio, o que por si só compromete a procedência da ação, invocando em abono da sua posição o Acórdão da Relação de Évora de 23.2.2017.

Apreciando.
A autora não formulou o pedido a que se reporta o Artigo  8º, nº3, da Lei nº 7/2001. Nos termos deste preceito, «A declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na ação mediante o qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em ação que siga o regime processual das ações de estado.»

O apelante louva-se no Acórdão da Relação de Évora de 23.2.2017, Isabel Imaginário, 1223/14, segundo o qual o pedido de declaração judicial de dissolução da união de facto constitui condição de procedência de ação na qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, peticionando-se em tal ação a declaração de compropriedade de uma fração autónoma adquirida na pendência da união de facto.

Discordamos da posição de tal aresto. Em primeiro lugar, a pretensão de declaração da compropriedade de bem adquirido na pendência de união de facto não está, necessariamente, dependente da dissolução da união de facto. Com efeito, nada obsta a que tal tipo de pedido seja deduzido na pendência da união de facto, havendo que distinguir entre a admissibilidade do pedido e a sua plausibilidade estatística, realidades diversas. A referência do nº3 do Artigo 8º ao exercício de direitos dependentes da dissolução da união de facto deve ser entendida como reportando-se – primordialmente - a situações legalmente tipificadas tais como a proteção da casa de morada de família (artigos 4º e 5º da Lei nº 7/2001) ou as prestações da segurança social em caso de morte de um dos companheiros. As relações de liquidação do património comum adquirido na pendência da união de facto, qualquer que seja a via seguida, não são legalmente tipificadas e autonomizadas decorrendo apenas da aplicação de institutos gerais do direito civil, v.g., sociedades de facto e enriquecimento sem causa, e não de regimes legais específicos da união de facto (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.2009, João Bernardo, 09B652).

Acresce que, consoante se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.5.2010, Catarina Arêlo Manso, 336/09, «A declaração de dissolução da união de facto não tem autonomia em relação ao pedido que o companheiro da união de facto já dissolvida haja deduzido; por isso, estando nós face a uma cumulação aparente, o Tribunal não desrespeita o princípio do pedido quando conhece do pedido que foi deduzido (o de atribuição da casa de morada de família) declarando o pressuposto de que o pedido depende, ou seja, declarando judicialmente dissolvida a união de facto, mesmo que não tivesse sido pedida.» No mesmo sentido, vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.3.2009, Granja da Fonseca, 74/05,nos termos do qual lei impõe que o tribunal profira tal declaração [de dissolução da união de facto] mas não impõe que o interessado deduza tal pedido como se estivéssemos face a uma cumulação real de pedidos. Em sentido confluente, cf. ainda Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 3.7.2008, 5443/08, de 18.12.2008, 8391/08, ambos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com.

Termos em que improcede a questão suscitada pelo apelante.

O direito da Autora a metade dos valores do PPR e das ações.

É sabido que o direito a viver em união de facto está abrangido no direito ao desenvolvimento da personalidade (Artigo 26º, nº1, da CRP), constituindo a união de facto uma realidade materialmente distinta do casamento. Uma legislação que equiparasse inteiramente a união de facto ao casamento seria inconstitucional (direito de contrair casamento – 36-1 CRP – tem um dimensão negativa: direito de não casar). Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 210/2007, na ótica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submetem a um determinado regime jurídico não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por não o fazer.

No que tange à caraterização geral das relações patrimoniais entre os unidos de factos, acolhemos a síntese expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2010, Rosa Coelho, Processo 1874/05,www.colectaneadejurisprudencia.com
“É a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que, entre nós, regula a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em união de facto há mais de dois anos - seu art. 1º, nº 1.
Nela se estabelecem os efeitos jurídicos dessa relação de vida em comum que, abrangendo áreas como a proteção da casa de morada de família, a assistência social do membro sobrevivo e a equiparação, para efeitos de tributação em IRS, dos unidos de facto aos cônjuges - cf. os seus arts. 3º, 4º -, nenhuma repercussão tem a nível do património dos membros da união de facto.

Ao contrário do que sucede no âmbito do casamento celebrado segundo o regime de comunhão geral ou de comunhão de adquiridos, não pode aqui falar-se da existência de um património comum, não fazendo sentido, ao invés do que se sustenta na conclusão 13ª, pretender que ao caso se aplique analogicamente o contido no Código Civil - diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência - quanto a bens comuns do casal, designadamente nos seus arts. 1724º a 1733º.

É certo que a comunhão de vida, própria da união de facto, gera, a maioria das vezes, a contribuição - quer com a perceção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas indispensáveis à vida do casal - de ambos os membros para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal, como sejam a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam, surgindo, assim, situações patrimoniais merecedoras da tutela do direito. Mas tal tutela não existe ainda na nossa ordem jurídica. (3)
E não existe fundamento - aliás, nem a apelante ensaia indicá-lo - para fazer aqui uso, por analogia, dos acima referidos dispositivos legais, visto que na união de facto não existem as razões justificativas que, no casamento, levaram a essa regulamentação - cf. art. 10º, nºs 1 e 2.

Basta pensar no feixe de obrigações e direitos que, inexistindo na união de facto, vinculam reciprocamente cada um dos cônjuges ligados pelo vínculo contratual do casamento - art. 1672º -, sendo de destacar, atento o seu cariz patrimonial, os deveres de cooperação, de assistência e o de contribuição para os encargos da vida familiar - arts. 1674º, 1675º e 1676º.

Tais deveres, sendo o casamento celebrado segundo o regime de comunhão geral ou de adquiridos, justificam a definição legal de um acervo de bens comuns; nem estes, nem os demais deveres próprios dos que se unem pelo casamento, vinculam os que optam pela união de facto.

No claro dizer de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (4) "Os membros da união de facto em princípio são estranhos um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais."

E, havendo que partilhar o património do "casal", cessada que seja a união de facto, porque aqui não vale o regime dos arts. 1688º e 1689º, respeitantes unicamente ao casamento, "as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no contrato de «coabitação» eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais". (5)

Também França Pitão (6) escreve: "(...) é óbvio que não poderá falar-se da existência de um património comum, muito embora a maior parte das vezes os bens tenham sido adquiridos com dinheiro de ambos ou, pelo menos, com o esforço de ambos, prevendo-se neste caso a hipótese em que um deles não tem profissão remunerada, mas contribui com a sua força de trabalho na vida do lar que constituíram."

Não havendo comunhão de bens, sempre pode existir, sem dúvida, e nos termos gerais, compropriedade sobre bens que ambos os unidos de facto tenham adquirido.

Mas, como dispõe o art. 1316º, o direito de propriedade adquire-se, entre outras formas, por contrato.

E os contratos de compra e venda de bens imóveis e de quotas de sociedades por quotas, para serem válidos, têm de constar de documento escrito, no primeiro caso, de escritura pública - arts. 874º e 875º do CC e art. 228º do Código das Sociedades Comerciais.

Não figurando a apelante como compradora nos contratos, através dos quais o apelado adquiriu, quer o imóvel sito em ..., quer a quota na sociedade G, nunca lhe poderia ser reconhecida a compropriedade sobre tais bens.

Não demonstrou, ao menos, que tivesse contribuído com dinheiro seu para tais aquisições, sem o que nem sequer poderia fazer funcionar a seu favor o instituto do enriquecimento sem causa - art. 473º (…)”.

No caso em apreço, por despacho de 21.2.2017 foi convolada a ação declarativa de condenação em processo especial de divisão de coisa comum, fundamentando-se tal despacho na consideração de que o pedido formulado pela autora assenta no pressuposto de que o PPR e as ações são bens da compropriedade das partes, pretendendo a autora por termo a uma situação de compropriedade (fls. 262-263).

Considerando que tal despacho transitou em julgado porquanto não foi impugnado por qualquer das partes no âmbito do recurso da decisão final (cf. Artigos 644º, nº3, e 620º, nº1, do Código de Processo Civil), a única questão que cumpre decidir é a de saber se se logrou provar a compropriedade do PPR e das ações ou não. Não cabe aqui apreciar se ocorrem no caso em apreço situações de enriquecimento sem causa, de prestação de obrigação natural ou outras porquanto tais questões excedem o objeto do processo, definido por despacho transitado em julgado.

Consoante refere Ana Rita Laranja Pontes, Os efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto: a divisão do património no final da vida em comum, 2014, p. 34,
 «Aos comproprietários é sempre conferido o direito de divisão dos bens comuns, não existindo um direito sobre o todo, distinto do direito detido sobre cada bem em concreto. Porém, a aplicação do regime da compropriedade implica a intervenção de ambos os comproprietários no momento da aquisição do bem sendo que, para prova de tal facto, poder-se-á recorrer aos meios comuns, nomeadamente, à prova documental ou testemunhal. Pelo que, este regime é derrogado quando os bens se encontrem registados apenas em nome de um dos conviventes e não seja feita prova da comparência de ambos os membros da união no ato de aquisição do bem. Destaque-se que, nos casos em que a propriedade de determinado bem não é registável, a prova da compropriedade desse bem apresenta-se bastante comprometida, dependendo, em exclusivo, da análise dos indícios que orientem para a participação de ambos os conviventes, no momento da aquisição da coisa».

Na jurisprudência, tem sido enfatizado que os companheiros podem acordar na compropriedade dos bens, não se presumindo a compropriedade nem se podendo aplicar analogicamente o regime previsto para a separação de bens do casal (Acórdãos da Relação do Porto de 28.10.2013, Eusébio Almeida, 68/11 e de 16.5.2016, Carlos Querido, 7818/15). No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2017, Ana Boularot, 3712/15, considerou-se que quer as relações pessoais quer as relações patrimoniais na união de facto não estão sujeitas ao regime específico que o casamento prevê quanto a esta matéria, sendo os seus efeitos a esses níveis diversos dos que provêm do casamento, ficando os patrimoniais sujeitos ao regime geral, sem prejuízo, contudo, do que as partes possam convencionar entre si (v.g., aquisição de bens em conjunto, abertura conjunta de contas bancárias e sua movimentação). Em sentido confluente,  no Acórdão da Relação do Porto de 10.7.2013, Maria João Areias, 2273/11, entendeu-se que, face à inexistência de qualquer presunção de compropriedade, o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, terá de provar a existência de um património comum resultante da união de facto.

Revertendo à matéria dos autos, face à factualidade provada sob 5 e 6, infere-se que autora e réu convencionaram que o dinheiro do PPR em causa constituiria um bem adquirido e reforçado em compropriedade (cf. artigos 1403º, nº1, 1316º e 219º do Código Civil), havendo que presumir a igualdade das quotas (Artigo 1403º, nº2, do Código Civil). Diversamente, no que tange às ações, a matéria provada designadamente sob 9 é insuficiente para estribar um acordo de aquisição das mesmas em regime de compropriedade, sendo ainda certo que as mesmas foram inequivocamente adquiridas com bens próprios do réu (trabalho e subsídio de Natal), sem qualquer contributo da Autora.

Termos em que a apelação deve ser julgada parcialmente procedente.

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em:
I. Declarar dissolvida a união de facto entre a autora e o réu:
II. Julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o dispositivo da sentença impugnada sob b), a saber “Declaro a existência de compropriedade sobre o dinheiro proveniente da alienação das ações V... melhor identificadas em 9.”, declarando-se que tal quantia pertence em exclusivo ao Réu;
III. No mais, julgar a apelação improcedente, ficando as alíneas c) e d) do dispositivo reportadas apenas à alínea a) do dispositivo, suprimindo-se a alínea b) do mesmo.
Custas pelo apelante e pela apelada na proporção de 59% e 41%, respetivamente (Artigo 527º, nº1 e nº2, do Código de Processo Civil).



Lisboa, 20.2.2018


                                  
(Luís Filipe Sousa)                                  
(Carla Câmara)                                  
(Higina Castelo)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santo s, 07P2433, de
9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

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