Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1401/12.7TTLSB.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: PEDIDO PRINCIPAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Numa acão laboral contra duas RR em que relativamente a uma se formula o pedido principal e a outra pedido subsidiário nos mesmos termos, caso a R contra quem foi formulado o pedido principal seja julgada insolvente, em principio só quanto a ela deve a acção ser julgada extinta por inutilidade superveniente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA propôs processo comum contra BB, SA e CC, SA.

Pediu a condenação: da 2ª R, na reintegração, salvo se até à sentença optar pela indemnização em vez da reintegração, e a pagar 885,70€ de retribuições vencidas bem como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, 1.549,97€ a título de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal bem como os que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, valores acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data em que são devidos até efectivo e integral pagamento; subsidiariamente, a 1ª R, na reintegração salvo se até à sentença optar pela indemnização em vez da reintegração, a pagar 885,70€ de retribuições vencidas bem como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, 1.549,97€ a título de férias vencidas não gozadas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal bem como os que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, valores acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data em que são devidos até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese: como trabalhadora de limpeza desempenhou as suas funções por conta da 1ª R até 31.12.2012, na Marinha; a 01.02.2012, a empreitada da Marinha foi adjudicada à 2ª R, pelo que nos termos da cláusula 17ª do CCT para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpezas o contrato de trabalho transmitia-se para a empresa a quem fosse adjudicada a empreitada; houve adjudicação, mas apenas, parcial, e, a 2ª R não aceitou a transmissão do contrato com o fundamento de que apenas aceitava a transmissão dos contratos das pessoas que trabalhavam nas messes da Marinha; a 1ª R também entendeu que já não trabalhava por sua conta; por isso é obrigada a instaurar uma acção de impugnação do despedimento contra as duas entidades patronais.

Na audiência de partes não houve conciliação.

Ambas as RR contestaram.

Elaborou-se despacho saneador.

A 1º R requereu:
“A A. deduziu o pedido principal dos presentes contra a 1ª R. CC S.A. (Cfr. p.i. a fls.).
2.A referida Ré CC foi declarada insolvente por sentença proferida no processo que corre termos sob o n.º 392/13.1 TYLSB do 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, publicada em 11/03/2013 (Documento 1, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
3.A ora Ré tomou agora conhecimento que a A. reclamou os seus créditos, com os fundamentos da presente acção, no âmbito do supra identificado processo de insolvência, tendo os mesmos sido reconhecidos nos termos do disposto no art. 129º do CIRE (Documento 2, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais - Cfr. Crédito relacionado e reconhecido sob o n.º 3236).

Ora:
4.O artigo 90.º do CIRE consagra “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
5.Sendo que o art. 128º do mesmo Código consagra que “dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham” (n.º 1) e que “a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento” (n.º 3).
6.Das normas consagradas no referido CIRE, designadamente no artigo 128º e seguintes, decorre, entre outras, a necessidade de todos os credores do insolvente de reclamarem os seus créditos no âmbito do processo de insolvência para que possam aí obter pagamento, nomeadamente, aos credores que beneficiem de decisão definitiva.
7.Conforme bem explicita Maria Adelaide Domingos “o processo de insolvência ao privilegiar a finalidade de liquidação do património do devedor e a correspondente repartição do produto pelos seus credores, determina que os créditos emergentes da ilicitude do despedimento se reconduzam a uma vertente indemnizatória de natureza pecuniária, implicando adaptações ao regime substantivo prescrito no Código do Trabalho, mas não existem razões processuais ou substantivas que afastem a competência do tribunal de insolvência para proceder à verificação desses créditos. Também não existem razões atendíveis para que o processo laboral impugnativo do despedimento continue a sua tramitação, pelo que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência do devedor, deve ser extinta a instância por inutilidade da lide, nos termos do artigo 287.º, alínea e), do CPC ex vi artigo 1.º, n.º 1, do CPT» (Domingos, Maria Adelaide; «Efeitos Processuais da Declaração de Insolvência sobre as Acções Laborais Pendentes», in Memórias do IX e X Congressos Nacionais de Direito do Trabalho, Instituto Lusíada de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2007, p. 285).
8.No concernente à questão dos efeitos da declaração de insolvência nas acções laborais, o Supremo Tribunal Justiça tem entendido que tendo transitado em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a acção que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente, deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287.º, al. e), do CPC (Cfr. a esse título e de forma inequívoca os Acórdãos do STJ de 25/03/2010, 13/01/2011 e 20/09/2011, processos n.º 2532/05.5 TTLSB.L1.S1, 2209/06.4TBFUN-L1.S1 e 2435/09.4TBMTS.P1.S1, respectivamente, todos acessíveis em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).
9.O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 15/05/2013 proferido no âmbito refere inequivocamente que “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do CPC.” (Doc. 3, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais - Acórdão do STJ de 15-05-2013, Acórdão uniformizador de jurisprudência, Recurso n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 - 4.ª Secção, relator: Fernandes da Silva – acessível através da consulta dos sumários do mês de Maio de 2013 da Secção Social no link http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, sublinhado e negrito nosso).
10.Nesse mesmo sentido veja-se o muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2013, com os descritores “Declaração de insolvência - Acção declarativa para obtenção do reconhecimento de créditos laborais - Inutilidade superveniente da lide”, que expressamente refere “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.” (Doc. 4, que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais - Acórdão do STJ de 19/06/2013, Recurso n.º 314/08.1TTALM.L1.S1 - 4.ª Secção, Relatora: Isabel São Marcos, acessível através da consulta dos sumários do mês de Junho de 2013 da Secção Social no mesmo link http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, sublinhado e negrito nosso).
11.Face ao exposto, atendendo ao pedido formulado pela A. nos presentes autos, a sentença de insolvência da R. CC e tendo o crédito reclamado pela mesma sido reconhecido no supra identificado processo de insolvência da R. CC, deverá a presente ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide nos termos e ao abrigo do disposto no art. 277º, al. e), do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26/06, ex vi art. 1º, n.º 2, al. a), do CPT (em conformidade com o consagrado no supra citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência).
Termos em que se requer que seja declarada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide nos termos e ao abrigo do disposto no art. 277º, al. e), do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26/06, ex vi art. 1º, n.º 2, al. a), do CPT e em conformidade com o consagrado no supra citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 15/05/2013.

(…)”.

Juntou-se informação nos termos do artº 38º, nº 3, alª b), do CIRE sobre tal declaração de insolvência e relação de créditos reconhecidos, nos termos do artº 129º do CIRE, do administrador da insolvência, no qual consta a A com crédito reclamado e reconhecido como privilegiado sob condição.

A A respondeu:
“(…)

1-Efectivamente, a A., quando teve conhecimento da Insolvência da R. CC, foi ao respectivo processo reclamar os seus créditos laborais.
E fê-lo,
2-Sob condição, na medida em que, nos presentes autos discute-se a ilicitude de um despedimento por não aplicação da Cláusula 17.ª do CCT STAD (da limpeza),
Ou,
3-Por não aplicação do n.º 2, da Cláusula 15.ª, por remissão do n.º 8, da Cláusula 17.ª do supra referido CCT.
Assim,
4-Estando envolvidas duas RR. (CC e BB) não poderia a A. ter reclamado os seus créditos, no processo de Insolvência da CC, senão sob condição suspensiva, o que efectivamente o fez.
Assim sendo,
5-Pese embora o facto dos referidos créditos terem sido admitidos, os mesmos foram sob condição.
Condição essa,
6-Confirmada pela análise do quadro junto pela R. BB, com o presente requerimento.
Pelo que,
7-Salvo o devido respeito não poderá dar lugar à Extinção da Instância por inutilidade superveniente da lide,
Aliás,
8-Alega e requer, a R. BB, “(…) que seja declarada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide (…) e em conformidade com o consagrado no supra citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 15/05/2013.”
Salvo o devido respeito,
9-Não pode o tribunal estribar a sua decisão baseando-se num Acórdão Uniformizador que não transitou em julgado.
Senão vejamos,
10-A A. notificada do Requerimento da R. BB procurou consultar o referido Acórdão.
Porém,
11-Por mais pesquisas que efectuasse não conseguiu aceder ao texto integral do Acórdão.
Assim,
12-Decidiu telefonar para o Supremo Tribunal de Justiça onde foi informada que o processo, onde foi proferido o identificado Acórdão, encontra-se em recurso no Tribunal Constitucional.
13-Contactado o Tribunal Constitucional, foi a A. informada que ao processo foi atribuído o n.º 564/2013, da 2.ª Secção e que ainda não há decisão, não tendo por isso transitado em julgado.
14-Ainda que o Tribunal entenda que deve ser declarada extinta a instância não poderá ser com base num Acórdão que ainda não transitou em julgado.

No entanto,
15-Se o Tribunal entender declarar extinta a instância quanto à R. CC, deverão os autos prosseguir os seus termos quanto à R. BB.
Por todo o exposto,
Requer-se a V.ª Exa.:
O prosseguimento dos presentes autos até a final”.

Foi junta certidão da referida decisão de 07.03.2013, a declarar insolvente a 2ª R, com nota de trânsito em julgado referente ao dia 01.04.2013, assim como da sentença homologatória do plano de insolvência de 22.01.2014, transitada em 11.02.2014.

Certificou-se ainda que “a sentença de homologação da deliberação da Assembleia de Credores que aprovou, nos seus precisos termos o plano de insolvência da sociedade CC, SA, proferida em 22.01.2014 transitou em julgado em 11.02.2014” e “que o credor AA reclamou créditos laborais no valor de € 18.636,61 nos autos tendo o mesmo sido reconhecido como priveligiado (sob condição) pelo Sr. Administrador de insolvência e não constando dos autos que tenha recebido qualquer quantia por conta do crédito reclamado.”.

Em 28.04.2014 foi proferido este despacho:
“(…)

Face ao exposto e nos termos do arts. 269º/1c), e 272º/1 e 2, do C.P.Civil de 2013, aplicáveis ex vi do art. 1º/2a) do C.P.Trabalho, decide-se:
1)considerar verificada a pendência de causa prejudicial relativamente à presente acção;
2)consequentemente, determinar a suspensão da presente instância até ser proferida decisão definitiva (transitada em julgado) no incidente de verificação e graduação de créditos no qual seja apreciado o crédito reclamado nesta acção, ou até ao encerramento do processo de insolvência que constitui o proc. nº 392/13.1TTLSB do 2ºJuízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
(…)”

Foi ainda proferido este despacho:
“Tomei conhecimento do Plano de Insolvência da 2.ª Ré que antecede.
Antes de mais, porque tal não é perceptível do Plano (em que algumas das páginas estão ilegíveis – fls. 753 a 755), notifique a A. e a 2.ª Ré para, no prazo de 10 dias, virem informar os autos sobre se:
-os créditos laborais reclamados pela A. estão incluídos no aludido plano de insolvência e se os mesmos dizem respeito à indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho; ou se
-no Plano de Insolvência a A. é uma das trabalhadores cujo contrato de trabalho se mantém e que constam da listagem de fls. 721 a 759.”

A 2ª R expôs nestes termos:
CCS.A., Ré nos Autos acima em referência, nos quais é Autora AA, tendo sido notificada do douto Despacho com a RE 329952365, vem informar os autos do seguinte:
Os créditos reclamados pela A. no processo de insolvência incluem créditos laborais e indemnização legal, conforme reclamação que se junta.
No Plano de Insolvência a A. não é uma das trabalhadoras cujo contrato de trabalho se mantém.”
Juntou-se cópia da reclamação de créditos da A, cujo teor se dá aqui por reproduzido, mas, em síntese, aludindo a esta lide, funda-se na mesma relação jurídica controvertida.

Foi então proferida decisão:
“(…)
Pelo exposto, julgo extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide.
As custas, nesta parte, serão suportadas pelo autor e pelas ré CC S.A., sem prejuízo da isenção de que beneficie a autora – artigo 536.º, nºs 1 e 2, alínea e) do CPC.
(…)”.

A A recorreu, recurso admitido com efeito meramente devolutivo.
Concluiu:
(…)
Termina pretendendo o provimento do recurso, revogando-se a decisão impugnada.

Não se contra-alegou.

O processo foi com vista ao MP, o qual emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem para a inexistência de causa para a inutilidade superveniente da lide.

Os fatos em debate são os que objetivamente resultam deste relatório.

O tribunal a quo proferiu tal despacho com base na jurisprudência uniformizada do STJ, pelo acórdão 1/2014, de 08.05.2013, DR, I, de 25.02.2014, sendo que no acórdão do TC 46/2014 de 09.01.2014, DR, I, 11.02.2014 conheceu da constitucionalidade do sentido normativo desse acórdão relativamente aos princípio da igualdade, previsto no art 13º da CRP, e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artº 20º, nºs 1 e 5 da Constituição, assim decidindo: “Não julgar inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC”.

No seu recurso, tal como no requerimento que se aludiu da sua autoria, a recorrente pelo menos admite quanto à 2ª R, contra quem deduziu o pedido principal, que a instância possa ser julgada extinta pela causa em debate, prosseguindo no entanto os autos quanto à outra recorrida, contra quem foi deduzido o pedido subsidiário.

Acontece que entendemos o mesmo, sufragando-se na íntegra o aresto de 21.05.2014 deste tribunal, na Apelação 352/13.2TTLSB.L1, em que foi relator o Exmº Desembargador José Eduardo, citado pela recorrente.

Esse acórdão debruça-se precisamente sobre acção proposta por trabalhadora contra as ora RR, fundada em idêntica relação material de direito de trabalho e na pendência da qual se verificou a declaração de insolvência da 2ª R e em cujo processo a trabalhadora reclamou créditos em conformidade, sendo o mesmo reconhecido sob condição.

Iremos citá-lo em larga medida já que o mesmo praticamente esgota os argumentos jurídicos em abono da respectiva decisão.

Refere o mesmo:
“(…)
A 2ª Ré CC, SA foi declarada insolvente por sentença prolatada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, em 7/3/2013, e já transitada em julgado, o que, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça com o n.º 1/2014, publicado no D.R., l. Série, n.º 39, de 25/02/2014, implica, efetivamente a extinção da instância quanto a referida sociedade, dado aí se ter interpretado o regime legal aplicável da seguinte forma:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.° do C.P.C.”.
(...)

Mas será que tal extinção da instância por inutilidade superveniente da lide deve abranger igualmente os pedidos e causa de pedir alegados subsidiariamente contra a 1.ª Ré, como veio a declarar o tribunal recorrido, por considerar que os mesmos não podiam ser tramitados e apreciados autonomamente, por se acharem intrinsecamente dependentes daqueles deduzidos contra a CC?

Salvo o devido respeito por tal opinião, afigura-se-nos que a resposta tem de ser negativa, pelas razões que iremos passar a expor.

Os artigos 468.º a 469.º do Código de Processo Civil possuem a seguinte redação:
(…)

Artigo 469.°
Pedidos subsidiários.
1.Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tornado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
2.A oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos nos termos do número anterior; mas obstam a isso as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus.
(…)

Ora, cruzando a forma como a Autora articula os seus fundamentos de facto e de direito e, a partir deles, formula as suas pretensões contra as duas Rés com os estatuído nas disposições legais antes transcritas, não podem restar dúvidas de que a mesma demanda a título principal a 2.ª Ré CCSA e a 1.ª Re BB, SA a titulo subsidiário, isto é, solicita a condenação desta última para o caso dos pedidos deduzidos contra a outra demandada não serem julgados procedentes à cabeça e em primeira mão.

Castro Mendes (Em “Direito Processual Civil”, Volume II, 1980, Edição da AAFDL, páginas 287 e 313 e segs.), acerca da noção dos pedidos alternativos e subsidiários e depois de definir pedido em processo civil como “solicitação do autor de uma actuação judicial determinada (condenação, declaração, execução, arresto ou outra), solicitação que está na base do processo”, sustenta o seguinte:

Verifica-se um caso de pedidos alternativos quando num mesmo processo se formulam duas ou mais pretensões, disjuntivamente, para vir a ser satisfeitas em última análise apenas uma.

A alternatividade pode ser real ou aparente. A primeira resulta das características da própria relação material; a segunda, da forma como os pedidos são formulados perante o tribunal.

Segundo esse autor, a alternatividade real acha-se prevista no artigo 468.º do Código de Processo Civil e traduz-se na circunstância do autor, ainda que a escolha lhe pertença, possa pedir ao tribunal que o réu seja condenado em alternativa no caso de o seu direito ser em alternativa (art.ºs 543.º e segs. do Código Civil) ou quando o mesmo se resolve em alternativa por “mora debitoris”, ou seja, o titular de um crédito em alternativa não tem de escolher ele, ou provocar a escolha, antes de mover a acção declarativa. Pode formular o pedido em alternativa. (...)

A alternativa aparente e a situação em que o autor formula dois pedidos, reconhecendo que só um e substantivamente procedente; e solicita ao tribunal que atenda um deles apenas, porque só a um (embora só a final se determine qual) sabe que tem direito. (...)

Ora, no nosso direito, a alternativa aparente só é possível sob a forma de subsidiariedade de um dos pedidos ao outro. Ao tribunal não se propõem dúvidas a esclarecer; formulam-se pedidos a aceitar ou a rejeitar.

Encontrando-se tais pedidos subsidiários previstos no artigo 469.º do Código de Processo Civil, tal subsidiariedade não exige conexão (ponto criticável “de jure condendo”), nem compatibilidade substantiva entre os pedidos, mas exige a sua compatibilidade processual, nos termos do art.º 31.º, n.º 1, sendo também possível a subsidiariedade de causas de pedir ou de meios de defesa (mas já não de sujeitos, segundo o mesmo autor e face ao regime adjetivo então em vigor).

António Santos Abrantes Geraldes (“Em temas de processo declarativo”, Volume I, Janeiro de 2003, 2.ª Edição Revista e Ampliada, págs. 156 a 158)), defende, acerca dos pedidos subsidiários, o seguinte:

Justifica-se a previsão da subsidiariedade de pedidos como forma de, com economia de processos, acautelar melhor os interesses prosseguidos pelo autor, colocando-o, por exemplo, a coberto das excepções peremptórias de caducidade ou de prescrição.

Com efeito, é natural que possam surgir dúvidas objetivas quanto à legitimidade de determinada pretensão fundada, por exemplo, num determinado contrato, ou que o autor não esteja inteiramente convencido da possibilidade de conseguir provar em tribunal os factos de que depende o reconhecimento do direito que prioritariamente pretende ver apreciado.

A utilidade desta formula adjetiva mais se evidencia quando se permite ao autor deduzir pedidos substancialmente incompatíveis sem correr o risco de indeferimento liminar ou de absolvição da instância com base em ineptidão da petição inicial (art.º 469.º, n.º 1).

Em qualquer das referidas circunstâncias se torna possível (e aconselhável) a dedução de pedidos subsidiários, sendo certo que a apreciação do pedido secundário ficara dependente da improcedência (ou de qualquer outra forma de extinção da instância) do pedido prioritário.

Atentas as razões aduzidas, e face à remissão que no art.º 469.º, n.º 2, é feita para as normas da coligação (art.º 31.º, a admissibilidade da formulação subsidiária de pedidos pressupõe que entre um e outro se verifique uma determinada conexão substancial (v. g. identidade de relação material litigada), não se concebendo a apresentação de pedidos sem qualquer nexo entre eles. (Cft. A. Castro, in PCD, vol. 1, pág. 160. A subsidiariedade só é expressamente autorizada quanto aos pedidos, embora não exista qualquer limitação quanto a alegacão de causas de pedir subsidiárias, assim como não há qualquer impedimento a utilização de meios de defesa subsidiários - cfr. C. Mendes, in DPC, vol. II, pág. 397.

No sistema anterior, constitua entendimento generalizado a inadmissibilidade de subsidiariedade quanto aos sujeitos passivos (pedir a condenação de A ou, não sendo o caso, de B ou de C. Neste sentido cfr. C. Mendes, in DPC, vol. 11 pág. 397, e na Revista ”O Direito”, ano 102.0, pgs. 212 e segs., onde anotou o Acórdão do STA, de 5-12-67, e Ac. do STJ de 21-3-72, in BMJ215.º/1 92.

Proferido depois da entrada em vigor da reforma processual, embora aplicando ainda a lei anterior, o Ac. da Rel. de Évora, de 17-4-97, in BMJ 466.º/611, concluiu ser legítima a subsidiariedade de réus em acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viacão, sob o pretexto de existirem dúvidas quanto a identificação dos responsáveis.

Dentro do novo quadro legal, a questão encontra-se expressamente resolvida, como emerge do art.º 31º-B, segundo o qual é admissível a dedução de pedidos subsidiários por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado, desde que se alegue dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida.

Esta possibilidade legal tem em vista economizar meios e processos, e prevenir os resultados negativos que poderiam ocorrer nos casos em que existam sérias dúvidas quanto a titularidade da relação material controvertida (v.g. decurso do prazo de caducidade enquanto decorria uma acção proposta contra quem não era responsável).

Como resulta da lei, e admitida não apenas a subsidiariedade passiva, como a subsidiariedade quanto aos sujeitos ativos da relação processual.

Finalmente, o incidente de intervenção principal provocada pode anda ser utilizado para resolver situações de dúvida que apenas são detetadas no decurso da acão (art.° 325.º, n.º 2). (Nota de Rodapé do autor transcrito).

Chegados aqui e tendo em atenção os excertos doutrinários deixados acima reproduzidos, afigura-se-nos que o tribunal da 1.ª instância não podia julgar extinta a instância com referência as duas Rés, desde logo porque apenas a 2.ª ré foi declarada insolvente e, nessa medida, somente quanto a ela era possível declarar a mencionada extinção com base em tal fundamento.

O tribunal recorrido entendeu que a natureza subsidiária do pedido deduzido contra a l.ª Ré obstava a que os autos prosseguissem apenas contra ela, mas temos para nós que, com a declaração de extinção da instância quanto a Ré CC, os pedidos formulados contra a 1.ª Ré BB, SA passaram a ser as únicas pretensões que, com base na causa de pedir que os sustenta, o tribunal poderia apreciar e julgar, tendo, nessa medida, assumido uma natureza ou papel diverso dos originalmente delineados pela Apelante, quando tinha pela frente as duas demandadas.

Afigura-se-nos que a referida e inicial subsidiariedade, que caracterizava a causa de pedir e os pedidos articulados contra a Apelada, deixou de existir, com a saída de cena da outra empresa de serviços de limpeza, por forca da sua insolvência e da declaração de inutilidade superveniente da lide, tendo aquelas pretensões saído então da sombra e da segunda linha onde se encontravam e se transformado nas únicas e por isso principais causas de pedir e pretensões a ser decididas pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa.

António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, página 157, Nota de Rodapé 238, refere o seguinte, em situações próximas ou equiparadas a que se verifica nos presentes autos:

“As situações expressamente abarcadas pela letra do art.º 469.º, n.º 1, devem equiparar-se aos casos em que, tendo sido formulado pedido principal e pedido subsidiário, o autor desiste do primeiro (cfr. Ac. do STJ. de 7-4-88, in BMJ 376.º/563), ou em que, relativamente a este, o processo termina com decisão de absolvição da instância.”

Mesmo que não se concorde com tal perspectiva, importa não olvidar as razoes de facto e jurídicas que motivam a Autora a demandar as duas Rés e que são, em grande parte, comuns a ambas (indo ao encontro das situações referidas por Abrantes Geraldes na Nota de Pé de Página identificada sob o n.º 5), não se mostrando o litígio solucionado ou ultrapassado pela mera extinção da instância quanto a uma das Rés, dado que o mesmo se estriba na definição da entidade empregadora da trabalhadora, na sequência da perda parcial do local e cliente, e da transmissão ou não do seu contrato de trabalho entre as duas Rés.

Também não é possível a demandante acionar, no quadro do processo de reclamação de créditos da 2.ª Ré CC e conjuntamente com esta última, a aqui Apelada e 1.ª Ré, por forma a poder confrontar ambas com as mesmas causas de pedir e pedidos que aqui foram alegados.

Tal significa que a aqui recorrente, a confirmar-se a extinção total da presente instância, sempre teria de intentar urna outra ação contra a Ré BB, SA, com vista a discutir a eventual manutenção na sua esfera jurídica do vinculo laboral da Autora e, a confirmar-se tal cenário, a qualificação como despedimento da atitude de não-aceitação nos seus quadros daquela, com as inerentes consequências jurídicas, que se traduzem em pedidos similares aos formulados nesta ação contra as duas Rés.

Ora, a ser assim, por que não determinar, nem que seja por força dos princípios da celeridade, economia processual e da adequação formal, previstos nos artigos 265.º e 265.º-A do Código de Processo Civil, o aproveitamento e prosseguimento dos autos contra a aqui recorrida, com o preciso propósito de julgar tais questões?

A resposta não pode deixar de ser afirmativa, logrando-se também por esta via o que já antes se deixou defendido, a saber, a não extinção da instância quanto a Ré BB, SA e o prosseguimento dos autos para o julgamento da causa de pedir e dos pedidos a mesma respeitantes.

Logo, pelo conjunto de fundamentos expostos, julga-se o presente recurso de Apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que declarou a extinção da instância quanto a l.ª Ré BB, SA, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação contra a mesma”.

Por tudo isto, diremos apenas então que não se pode afirmar, como na decisão impugnada, que “Resulta do exposto que o prosseguimento da presente ação deixou de ter qualquer utilidade, quer em face do pedido principal – por estar já satisfeito no âmbito do processo de insolvência, quer em face do pedido subsidiário, já que este, por imposição legal, apenas seria tomado em consideração no caso de não proceder o pedido principal (cfr. artigo 544.º, n.º 1 do CPC)”.

Pelos motivos expostos, aqui tem também a decisão recorrida que ser revogada na parte em que julgou extinta a instância quanto à 1ª R, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação contra esta.

Decisão.

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, na parte em que julgou a instância extinta quanto à 1ª R, assim se determinando o normal prosseguimento dos autos contra a mesma.
Sem custas.
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O acórdão compõe-se de 21 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa,16.03.2016


Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos
Decisão Texto Integral: