Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
816/11.2TBSXL.L1-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: BASE INSTRUTÓRIA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
VALOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sendo pedida indemnização relativa a reparação e privação de veículo automóvel e sendo invocada pelo demandado a sua “perda total”, para efeitos de aplicação do disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. c) do Dec.lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, a prova do “valor venal” do veículo, compete ao demandado que invoca a “perda total” do veículo, não podendo o tribunal inverter o ónus da prova, quesitando o valor contraposto pelo autor, porque tal inversão ocorre fora da previsão deste instituto, estabelecida pelo art.º 344.º do C. Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
J… propôs contra F… e V… esta ação declarativa de condenação, nos termos do Dec.lei n.º 108/2006, de 8 de junho, pedindo a condenação destes a entregarem-lhe a quantia de € 10. 148,90, correspondentes ao preço de reparação do seu veículo (€ 4.028,90) e à privação de uso desse mesmo veículo (€ 6.120,00) com fundamento em que o seu veículo foi embatido por veículo conduzido pelo segundo R, por culpa deste, que não dispunha de seguro automóvel, sendo que o 1.º R se propôs entregar-lhe um valor que era inferior ao real valor do seu veículo.
Citados os RR, contestou o F… dizendo que se propôs entregar ao A… o valor correspondente ao valor do veículo, que o A… não aceitou, pedindo a absolvição do pedido,
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, condenando os RR a pagarem, solidariamente ao A… a quantia de € 1.734,00, absolvendo-os do restante pedido.
Inconformado com essa decisão, o A… dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a revogação da sentença na parte em que absolveu os RR e a condenação destes na totalidade do pedido, formulando as seguintes conclusões:
A) Não pode o Recorrente conformar-se com a Douta Sentença proferida em sede dos presentes e que decidiu: “ Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condeno os Réus, F… e V…, solidariamente, no pagamento ao Autor da quantia de 1.734,00€ (mil, setecentos e trinta e quatro euros), absolvendo-os do demais peticionado.”
B) A discordância do Recorrente reconduz-se à valorização e interpretação dada pelo Tribunal a quo quanto à prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, através da qual considerou como não resultaram provados, parcialmente, os artigos 1º, 3º, 4º e 5º, e o artigo 2º, na totalidade, da douta Base Instrutória.
C) Relativamente ao artigo 1º da Base Instrutória, entende o Recorrente que o mesmo resultou integralmente provado, nomeadamente na parte relativa à realização pelo mesmo das revisões periódicas aconselhadas ao veículo automóvel e que tenha procedido à substituição de todas as peças e componentes do mesmo ao menor desgaste, conforme resultou do depoimento prestado pelas testemunhas O… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 1, minutos 03:07 a 04:30] e A… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 4, 04:29 a 04:44; 04:55 a 05:12].
D) Impunha-se igualmente entendimento diverso ao Tribunal a quo no que tange ao quesito 2º da base instrutória, porquanto as Testemunhas O… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 1, 04:37 a 04:59]e J2… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 302:49 a 04:28] afirmaram ter tido um conhecimento direto do preço de mercado de veículos de idênticas características às do veículo automóvel do Recorrente. Devendo o depoimento de ambas as testemunhais ser tido como credível, como aliás o foi a propósito do quesito 1º.
E) Ainda quanto ao artigo 2º da Base Instrutória, crê-se que a prova do mesmo resultou reiterada pelo depoimento prestado pela testemunha A… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 4, 05:29 a 06:36], que é pessoa do meio e conhecia o veículo automóvel do Recorrente.
F) E a credibilidade desta testemunha não poderá ser afetada sob o argumento invocado pelo Tribunal a quo, inerente a um hipotético interesse da mesma no sucesso da ação, atendendo a que ainda lhe falta receber o valor correspondente ao IVA sobre o valor da reparação do veiculo do Recorrente. Ora, tal valor não corresponde a um “ganho”, já que o mesmo deve ser entregue em termos tributários, apenas estando em seu poder temporariamente e a titulo transitório. O verdadeiro “ganho”, “lucro”, da Testemunha pela reparação do veículo encontrava-se já devidamente liquidado ainda antes da interposição da ação, não dependendo, de medida alguma, do resultado da presente demanda (quer procedesse ou improcedesse a presente ação o Recorrente terá sempre de lhe pagar o valor do IVA).
G) Explicitou ainda a testemunha A…, o motivo da sua discórdia face ao valor venal apresentado pelo Recorrido F… e a necessidade da sua elevação para correspondência com o valor real do veículo [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 412:53 a 13:45]. Tendo ainda indicado que o valor inicialmente atribuído pelo Recorrido F… não contemplava a circunstância do mesmo ter sido equipado com sistema GPL, nem tão pouco o seu estado de conservação [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 4, 15:21, 15:40 a 15:46, 16:43 a 16:48, 17:33, 19:37 a 20:17, 20:43 a 21:02].
H) Ainda quanto ao valor venal do veiculo automóvel do Recorrente, não se poderá colher o entendimento, genérico e simplista, adotado pelo Tribunal a quo a este propósito, segundo o qual: “ (…) o valor apontado pelo Autor baseia-se no facto de o veículo estar muito estimado, muito bem tratado, sempre reparado. Sem dúvida que isso influi positivamente no valor de venda de um veiculo, todavia, por estimado que esteja um veiculo, o critério dominante para a fixação do seu valor de mercado – e é nela que se baseiam os cálculos da Eurotax e também das revistas que todos já consultámos – é o ano do veiculo. Pois, por estimado e tratado que esteja, o que releva é a durabilidade dos seus componentes, o tempo de vida útil destes, que se conta do ano de fabrico. (…)”.
I) De facto, não se ignora que a idade do veículo automóvel é fator determinante do seu valor comercial, porém não poderá ser o único e, nalguns casos, – como o dos autos – não poderá ser o de maior preponderância. Não se podendo ter por referência os dados apenas considerados pela Eurotax, que se trata de uma forma “despersonalizada” de atribuir um valor “aproximado” do valor comercial dos veículos. Tanto assim o é que a referida formula não permite contabilizar e considerar, para efeitos de atribuição do valor comercial, fatores que a influenciam, como seja a instalação de sistema GPL – como resultou do depoimento da testemunha A….
J) Afirmar-se que é do ano do veículo que se infere a durabilidade dos seus componentes, devendo ser esse o fator determinante para o apuramento do seu valor, seria ignorar que a durabilidade dos componentes depende diretamente do uso dado ao veiculo (poderíamos, nessa medida comparar um automóvel com cinco anos de idade, com 300.000km percorridos, com outro veículo com nove anos de idade, mas com 100.000km e concluir em termos genéricos que o desgaste dos componentes do veiculo com nove anos é superior ao que apenas tem cinco anos, mas o dobro de quilómetros percorridos e tal não nos parece razoável). Estar-se-ia ainda a ignorar outras circunstâncias que influem diretamente no valor do veículo automóvel, tais como a realização das revisões periódicas e se as mesmas são efetuadas ou não junto do representante da marca.
K) Acresce que a afirmação do Tribunal a quo – “Por isso, por estimado que esteja um veículo, é inexorável que ao fim de alguns anos (e por isso muitas pessoas mudam de carro com a antecedência necessária) os materiais comecem a desgastar e a exigir reparações e substituições frequentes, com os inerentes custos. E, obviamente, que esses encargos com oficina, na idade em que os veículos começam a precisar de lá ir mais amiúde, são essenciais para a definição do seu valor.” – não poderá ser acolhida, pelo menos no caso dos autos.
L) E face à prova testemunhal produzida, não se compreende que o Tribunal a quo a pretira face a “prints” de pesquisas na internet do valor de veículos semelhantes, cuja apresentação, como afirma, poderia ter tido lugar pelo Recorrente. O que apenas seria, como se disse, uma forma genérica e pouco precisa de determinar o valor venal do veículo.
M) No que respeita ao artigo 3º da Base Instrutória, sobre o qual entendeu o Tribunal a quo apenas ter resultado provado parte do mesmo, excluindo-se que “a reparação do veiculo foi concluída em março de 2009, e não antes por o Autor não poder pagar o seu custo” manifesta igualmente o Recorrente a sua discordância. Pois, resultou do depoimento prestado das testemunhas J2… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 3, 04:32 a 06:03, 12:03 a 12:08] e A… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 4, 06:53 a 07:20, 21:21 a 21:34] o facto de o Recorrente ter procedido ao pagamento da reparação do veículo automóvel sinistrado, o que fez através de tranches, espaçadas no tempo, por um período de seis meses.
N) Quanto ao quesito 4º da Base Instrutória, atinente ao montante suportado pelo Recorrente com a reparação do veículo, o Tribunal a quo considerou-o que apenas se terá provado que o mesmo despendeu uma quantia não concretamente apurada, entre € 3.400,00 (três mil e quatrocentos euros) e € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros). Mas, como resultou do depoimento prestado pela testemunha A… [Audiência de Discussão e Julgamento de 19 de abril de 2012, Faixa 4, 07:15 a 09:36, 10:27 a 11:00, 11:06 a 12:28] que o montante global da reparação do veículo é precisamente aquele que consta do orçamento apresentado ao Recorrido F…, ou seja, € 4.028,90 (quatro mil e vinte e oito euros e noventa cêntimos), incluindo IVA. Do qual apenas permanece por liquidar o valor correspondente ao IVA, o qual terá de ser liquidado pelo Recorrente.
O) Assim, impunha-se ao Tribunal a quo considerar como provado que o valor global a suportar pelo Recorrido como encargo com a reparação do veículo automóvel o montante de € 4.028,90 (quatro mil e vinte e oito euros e noventa cêntimos).
P) No que tange ao artigo 5º da Base Instrutória, pese embora se encontre elencado como tendo sido apenas parcialmente tido como provado, constata-se do seu teor que o mesmo resultou como provado na íntegra. Pelo que a sua inserção (ainda que parcialmente) no elenco dos factos não provados e provados apenas poderá resultar de um manifesto lapso de escrita.
Q) Considerando que, como se alegou, há de se ter como provado que o valor venal do veículo automóvel, à data do sinistro, seria não aquele que foi apresentado pelo Recorrido F…, mas sim € 6.000,00 (seis mil euros), o mesmo não supera o valor da reparação adicionado ao valor do salvado em 120%.
R) Nesse sentido, não se poderá lançar mão da disposição constante dos n.º 1 e 3 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, assistindo ao Recorrente o direito em ver o seu veículo reparado, pelo que se impõe substituir a Douta Decisão proferida que condene os Recorridos no pagamento ao Recorrente do montante correspondente à reparação do veículo automóvel.
S) E, também nesse sentido, serão os Recorridos responsáveis pelo período total de imobilização do veículo, ou seja, pelos 180 dias, cuja indemnização se terá de atribuir à razão diária de € 34,00 (trinta e quatro euros), multiplicada por esse número de dias de imobilização, no montante global de € 6.120,00 (seis mil, cento e vinte euros).

O apelado F… apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1) A propriedade do veículo de matrícula …-XM encontra-se registada a favor de V … desde 26/12/2007, encontrando-se registada desde essa mesma data o “encargo” de reserva a favor da IFC…, S.A.” (A).
2) A propriedade do veículo de matrícula …-NU encontra-se inscrita a favor de J… desde 12/8/1999 (B).
3) Em 9 de setembro de 2008, a responsabilidade emergente da circulação do veículo de matrícula …-XM não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros (C).
4) Nesse dia 9 de setembro de 2008, de noite, pelas 22h40m, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula …-NU, da marca “..” e modelo “Accent” e o veículo automóvel de matrícula …-XM, da marca “…” (D).
5) No momento do embate, o veículo NU estava estacionado e fora de funcionamento, e o veículo XM era conduzido pelo 2º Réu, V… (E).
6) À data e hora do acidente, o tempo estava bom e o piso seco (F).
7) O veículo NU encontrava-se estacionado na Avenida 6 de novembro, no Seixal, junto à berma da faixa de rodagem direita daquela via de trânsito, no sentido descendente, em direção à Avenida … (G).
8) O veículo XM circulava na Avenida .., seguindo no sentido …l – …(Norte-Sul) (H).
9) Ao chegar à interceção da Avenida … com a Avenida …, o 2º Réu executou a curva à sua direita, de forma a entrar nesta Avenida (I).
10) O 2º Réu fazia circular o XM a uma velocidade não inferior a 80Km/h e ao executar a curva à direita, perdeu o controlo da viatura, e consequentemente na Avenida 6 de novembro entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido contrário àquele em que seguia, na direção do veículo NU, acabando por nele embater (J).
11) O embate ocorreu entre a parte dianteira do XM e a parte dianteira do NU (K).
12) Com a força do embate, o veículo NU (acabou por subir o passeio do lado direito e embater no veículo de matrícula …-ZE que se encontrava estacionado imediatamente atrás do mesmo (L).
13) Do acidente descrito, resultaram danos no veículo NU na sua parte dianteira e traseira, designadamente nos pára-choques dianteiro e traseiro, “capot” e faróis de iluminação dianteiros e traseiros (M).
14) O F… orçamentou o custo de reparação dos referidos danos, após vistoria, em 4.028,90€ (N).
15) Após o acidente foi chamada ao local a PSP, da Esquadra de Trânsito do S…, que elaborou participação de acidente de viação que consta de fls. 22 a 30 dos autos. (O).
16) Após ter reclamado junto do F…, este concluiu pela “perda total” do veículo, atribuindo-lhe o valor venal de 2.579,00€ e o valor de 250,00€ ao salvado (P).
17) Face à discordância do Autor, o F… reviu aqueles valores, atribuindo 3.109,00€ de valor venal ao veículo (Q).
18) À data do acidente, o NU tinha percorrido apenas 93.000,00Km (R).
19) Pouco tempo antes do acidente, o Autor havia colocado um sistema “GPL” no veículo (S).
20) O FGA comunicou ao Autor, em 30 de outubro de 2008, o valor de indemnização que fixava em 2.859,00€ (documento de fls. 38).
21) À data do acidente, o veículo NU encontrava-se em bom estado de conservação, tinha sido estimado e guardado em garagem (resposta ao quesito 1º).
22) O Autor deu entrada ao veículo NU na oficina de reparação de automóveis denominada …, Lda.”, a qual procedeu à reparação do veículo (resposta ao quesito 3º).
23) O Autor pagou quantia não concretamente apurada, entre 3.400,00€ e 3.600,00€, pela reparação do veículo (resposta ao quesito 4º).
24) O veículo NU esteve imobilizado cerca de 180 dias, durante o qual o Autor não o pôde utilizar, sendo o seu único meio de deslocação e que utilizava para deslocações a Silves (resposta ao quesito 5º).
25) O valor diário de aluguer de um veículo semelhante ao NU é de 34,00€ (resposta ao quesito 6º).


B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-a, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consistem em saber se: a) deve ser alterada a decisão em matéria de facto declarando-se provados os artigos 1, 3, 4 e 5 da base instrutória, que o tribunal a quo julgou parcialmente provados, e o artigo 2 da mesma base instrutória, que o tribunal a quo julgou não provado na totalidade (conclusões A) a P); b) assiste ao Recorrente o direito em ver o seu veiculo reparado e a ser indemnizado pelo período de imobilização do veículo invocado, ou seja, 180 dias (conclusões Q) e R)).

I. Quanto à primeira questão, a saber, se deve ser alterada a decisão em matéria de facto no que respeita aos art.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 da base instrutória.

I.1. Invertendo a ordem lógico/numérica dos artigos da base instrutória, começaremos pelo art.º 5.º porque se nos afigura que, mais do que uma discordância com a decisão de primeira instância, se trata de um lapso material, sem qualquer influência na decisão da causa e suscetível de correção.
O art.º 5.º da base instrutória, a fls. 112, tem a seguinte redação:
5.º
O veículo NU esteve imobilizado cerca de 180 dias, período durante o qual o Autor não o pode utilizar, sendo o seu único meio de deslocação e que utilizava para deslocações a Silves?
O tribunal a quo respondeu a este quesito, a fls. 134, nos seguintes termos:
24) (provado apenas que) O veículo NU esteve imobilizado cerca de 180 dias, durante o qual o Autor não o pôde utilizar, sendo o seu único meio de deslocação e que utilizava para deslocações a …”.
Mais decidiu o tribunal a quo que: “…e não se provou parte dos quesitos …5º”.
Confrontando o texto constante da base instrutória e aquele que o tribunal a quo deu como provado, apesar das declarações de (provado apenas que) e “…e não se provou parte dos quesitos …5º”, constatamos que este último apenas não contém a palavra “período”, que consta do primeiro.
A ausência desta palavra não altera o respetivo facto, que se mantém com o mesmo sentido, que são os 180 dias de imobilização do veículo.
E que assim é resulta também da decisão do tribunal a quo relativa ao pedido de indemnização por imobilização do veículo.
Pedindo o apelante a quantia de € 6.120,00, correspondente ao valor diário de substituição (€ 34,00) durante esses 180 dias, o tribunal a quo arbitrou-lhe a indemnização de € 1.734,00, não por considerar diferente período de imobilização, mas por considerar que essa imobilização só deveria ser considerada, para efeitos indemnizatórios, até à data em que o apelado F… comunicou (a primeira instância interpretou esta comunicação como uma última proposta de indemnização, portanto, um pôr à disposição do apelante o que, no seu entender, era o valor do veículo, deduzido do valor do denominado “salvado”) ao apelado o valor da indemnização, o que ocorreu a 30 de outubro de 2008 (n.º 20 dos factos provados).
Procedendo agora à correção desse erro material, declaramos provado o art.º 5.º da base instrutória e, em consequência, fixamos ao facto sob o n.º 20, o seguinte conteúdo:
20) O veículo NU esteve imobilizado cerca de 180 dias, período durante o qual o Autor não o pode utilizar, sendo o seu único meio de deslocação e que utilizava para deslocações a Silves.

I.2 Retomando a apreciação da decisão em matéria de facto, mas agora na ordem numérica dos artigos da base instrutória, verificamos que o art.º 1.º, a fls. 112, tinha a seguinte redação:
1.º
À data do acidente, o veículo NU encontrava-se em bom estado de conservação: tinha sido estimado, sujeito a todas as revisões periódicas aconselhadas, guardado em garagem e tinham-lhe sido substituídas todas as peças e componentes ao menor desgaste?
Sobre ele, o tribunal a quo deu a seguinte resposta:
“21) (provado apenas que) À data do acidente, o veículo NU encontrava-se em bom estado de conservação, tinha sido estimado e guardado em garagem”.
Pretende o apelante que esta resposta deve ser alterada, declarando-se o quesito simplesmente provado, por tal resultar dos depoimentos das testemunhas O… e A….
Ouvidos tais depoimentos, verificamos que a testemunha O… afirma claramente que o veículo estava rigorosamente novo, sempre assistido na marca, ia às revisões, eu acompanhava-o ia buscá-lo (às revisões), o aspeto era novo, guardava numa garagem; por sua vez, a testemunha A…, gerente de empresa de reparação automóvel, declarou conhecer o apelante e o seu veículo e que este estava em bom estado, estimado, da maneira que o carro estava, estava cinco estrelas.
Da conjugação de ambos os depoimentos firmamos a convicção de que o texto do quesito, com o facto instrumental (relativamente ao seu valor imediatamente antes do acidente) nele contido, que é o bom estado de conservação do veículo e os cuidados que tal proporcionaram, se prova na sua totalidade.
Analisada a fundamentação da decisão do tribunal a quo constatamos que a ausência de prova da expressão. “…sujeito a todas as revisões periódicas aconselhadas, … e tinham-lhe sido substituídas todas as peças e componentes ao menor desgaste”, se estruturou na insuficiência da prova testemunhal e na ausência de “…documento comprovativo da realização e pagamento dessas revisões e substituições, o que se impunha”.
Começando por esta última asserção, diremos que, percebendo a preocupação do tribunal a quo na fundamentação da sua decisão, inserida na ideia comum, que também aceitamos, de um certo valor acrescido que a prova documental, a não podemos aceitar nos seus precisos termos.
Na ausência de norma que, no caso concreto, imponha tal espécie de prova (documental), o facto em causa pode ser provado através de prova testemunhal (art.ºs 392.º e 393.º do C. Civil este, a contrario).
Assim sendo, resta-nos aquilatar da alegada insuficiência da prova testemunhal produzida.
Tal insuficiência poderá, eventualmente, reportar-se à expressão “…e tinham-lhe sido substituídas todas as peças e componentes ao menor desgaste”.
De facto, nenhuma das testemunhas declarou um tal preciosismo, que o é relativamente à afirmação de que o veículo foi “…sujeito a todas as revisões periódicas aconselhadas, …”.
Sabemos, todavia, que nesta área económica da manutenção e reparação automóvel, a chamada “revisão” de um veículo corresponde, grosso modo, ao seu exame periódico, em ordem a detetar e substituir os componentes que se mostrem infuncionais ou suscetíveis de determinar a infuncionalidade de outros componentes, de modo a garantir o bom funcionamento do veículo.
E essa “revisão” resulta claramente provada pelos depoimentos citados.
Por outro lado, tanto a revisão, como a substituição de peças, como a permanência em garagem, como a estima do veículo, são apenas factos ilustrativos do bom estado de conservação, afirmado na primeira parte do quesito e que o tribunal a quo declarou provado.
Não obstante este bom estado de conservação e os respetivos factos ilustrativos constituírem um facto instrumental relativamente ao valor do veículo, não podemos, pois, deixar de alterar a decisão do tribunal a quo, declarando provado o quesito 1.º na sua totalidade, a saber, que:
À data do acidente, o veículo NU encontrava-se em bom estado de conservação: tinha sido estimado, sujeito a todas as revisões periódicas aconselhadas, guardado em garagem e tinham-lhe sido substituídas todas as peças e componentes ao menor desgaste.

1.3. O art.º 2.º da base instrutória, que o tribunal a quo declarou não provado, tem o seguinte conteúdo:
2.º
O valor venal do NU, à data do acidente, era de 6.000,000 €?
Pretende o apelante que a matéria do quesito resulta provada pelos depoimentos das testemunhas O…, J2… e A….
Previamente à análise da prova e à exegese da decisão recorrida sobre ela proferida, não podemos deixar de referir que não é este o momento processual próprio para aferirmos se, em face do litigio dos autos, tendo em atenção as várias soluções plausíveis da questão de direito (art.º 511.º, n.º 1, do C. P. Civil), o quesito deveria conter esta ou outra matéria, como aliás, premonitóriamente, resulta da fundamentação da decisão em matéria de facto, quando nela se diz que: “Finalmente, quanto ao valor venal do veículo, foi efetuada prova contraditória com o valor que (de) perícia levada a cabo a pedido do F…, não tendo a prova produzida pelo Autor sido suficientemente convincente, credível e isenta para se poder concluir, com segurança, que o valor venal do veículo fosse de 6 mil euros”.
Neste momento processual consideraremos o quesito tal como está formulado, limitando a nossa ação à reapreciação da prova e consequente sindicância da decisão em matéria de facto.
Ouvidas as testemunhas, constatamos que:
A testemunha O…, depois de declarar que acompanhou o apelante na procura (no mercado) de veículos com as mesmas características do veículo do apelante, afirmou que encontraram veículos por volta de seis mil euros, cinco mil e oitocentos euros…com as mesmas características era tudo carros de outras marcas tudo para mais”.
A testemunha J2…, cunhado do apelante, depois de declarar que andou com o autor à procura de carros, refere o preço de dez mil euros para veículos semelhantes.
A testemunha A…, com especiais conhecimentos na matéria uma vez que trabalha no ramo da reparação automóvel, sendo gerente de uma empresa, depois de declarar que disse ao apelante que o carro tinha valores para reparação, que na altura do acidente… valia, valia (seis mil euros), que era capaz de ser difícil (adquirir um carro semelhante por seis mil euros), mais referindo em contra-interrogatório que, nos usos do ramo da reparação, para determinação do valor de uma viatura, se considera o preço de compra, o preço de venda e o preço intermédio de ambos, que é o considerado “quando é para ir para salvado”.
Não tendo sido produzida outra prova ou contraprova, nem a mesma invocada pelos apelados, não podemos deixar de referir que a fls. 67 dos autos se encontra um documento junto com a contestação, com os dizeres “… Peritagem Automóvel, S. A”, “Relatório de Avaliação de Danos”, “Cotações do Veículo Valor Venal 2.579,00 euros”, documento que também não é referenciado na fundamentação da decisão sob recurso.
Sendo, pois, estes os elementos de prova a valorizar, não podemos deixar de considerar que, tendo o apelante oferecido três testemunhas para prova do valor do veículo à data do acidente, uma das quais com especiais conhecimentos dessa área de atividade, porque gerente de uma empresa de reparações, e limitando-se a apelada a apresentar um documento por si agenciado e em desacordo com o valor que ela própria atribuiu ao veículo (o valor de € 3.109,00 constante da al. Q dos factos assentes, sob o n.º 20 supra), o apelante produziu prova suficiente e a que lhe era exigível para prova do quesito.
Entendemos a fundamentação do tribunal a quo, para a sua resposta negativa ao quesito, ao reportar-se à ausência de “prints” de pesquisas da internet, a cálculos da “Eurotax” e a “revistas da especialidade”, mais uma vez, como uma exigência de segurança, inerente ao especial valor da prova documental.
Acontece, todavia, que o que está em causa nos autos e em particular no quesito 2.º, é o valor do concreto veículo sinistrado, para determinação do qual poderiam ser oferecidos elementos de prova relativos a veículos com matrícula do mesmo ano, mas não o valor destes.
Para a aferição desse concreto valor serão importantes os valores de mercado de veículos, o mais possível, semelhantes, sendo certo que este valor não poderá deixar de ser temperado pelo facto, de todos conhecido no comércio, entre as sociedades comerciais que a ele se dedicam e os cidadãos individuais que com elas contratam, que o valor do mesmo veículo varia consoante a posição em que essas sociedades intervêm no negócio.
É um se estão a vender e um outro, mais baixo, se estiverem a comprar.
Invocamos este argumento apenas para referi que os “prints”, os cálculos da “Eurotax” e de “revistas da especialidade”, para além de genéricos, dirigindo-se a grupos de veículos, enfermam ainda da referida característica, própria do comércio.
Isto dito, o que está em causa no quesito 2.º, que para tal utiliza a expressão “valor venal” Conceito definido pelo art.º 41.º, n.º 2, do Dec.lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, como o “…valor de substituição (do veículo) no momento anterior ao acidente”.

, atento o principio indemnizatório da reconstituição in natura, consagrado no art.º 562.º do C. Civil, conjugado com o principio (supletivo) da indemnização em dinheiro, consagrado no art.º 566.º do C. Civil, é saber se o veículo do apelante, tal como estava à data do acidente, valia seis mil euros, o que passa também por saber se com essa quantia o apelante poderia adquirir um veículo o mais semelhante possível a ele.
E nesta perspetiva, o apelante fez a prova que lhe era exigível, de modo algum se podendo acompanhar o tribunal a quo quando invoca as relações de amizade relativamente às testemunhas O… e J2… e o ato de reparação relativamente à testemunha A…, para desvalorizar os seus depoimentos.
As testemunhas oferecidas pelo autor/apelante são estas porque são aquelas que, sociologicamente, dele e dos factos da sua vida, estão mais próximas.
Procede, pois, a apelação quanto ao quesito 2.º, devendo alterar-se a decisão do tribunal a quo e declara-se provado que:
O valor venal do NU, à data do acidente, era de 6.000,000 €.

1.4. O art.º 3.º da base instrutória tem o seguinte conteúdo:
3.º
O Autor deu entrada ao veículo NU na oficina de reparação de automóveis denominada “…, Lda”, a qual procedeu à reparação do veículo, que ficou concluída em março de 2009, e não antes por o Autor não poder pagar o seu custo?
Relativamente a este quesito, como consta a fls. 133, o tribunal a quo declarou:
“ (provado apenas que) O Autor deu entrada ao veículo NU na oficina de reparação de automóveis denominada “…l, Lda.”, a qual procedeu à reparação do veículo”, fundamentando a sua decisão, relativamente aos segmentos não provados – data da conclusão da reparação e causa que a determinou – na ausência de prova, nomeadamente, em relação à data, “…que não resultou do depoimento do dono da oficina, nem de qualquer documento”.
Pretende o apelante que os depoimentos das testemunhas J2... e A … impõem a prova total do quesito.
A testemunha J2… declarou que o veículo demorou seis meses a ser reparado e que tal aconteceu por falta de dinheiro do apelante, o qual “foi pagando aos poucos”.
Por sua vez, a testemunha A… declarou que o apelante é que deu ordem para reparação do veículo, “à conta dele” e que “demorou algum tempo a pagar”.
Tais depoimentos provam suficientemente que o veículo ficou reparado cerca de seis meses depois do acidente, ou seja em março de 2009 o que, aliás, está de acordo com a resposta do tribunal a quo ao quesito 5.º, em que dá como provada a imobilização do veículo durante 180 dias (seis meses), mas não permitem declarar que tal aconteceu por o Autor não poder pagar o seu custo.
Com efeito, de acordo com os depoimentos das testemunhas, o tempo de reparação do veículo foi determinado, antes de mais, pelo arrastar do litígio e pela ausência de ordem de reparação por parte do apelado F… e só em segunda linha por falta de recursos do apelante, o qual, tendo dado ordem de reparação do veículo, “à conta dele”, “demorou algum tempo a pagar”.
No litígio dos autos, tal como delimitado pelas partes, não é questionada eventual demora na reparação do veículo, razão pela qual se configurar com o irrelevante o motivo ou os motivos que a tenham determinado.
Todavia, o mês e ano da reparação encontram-se claramente provados pelo que, também por razões de coerência com o decidido relativamente ao quesito 5.º, não poderemos deixar de alterar a decisão do Tribunal a quo, respondendo ao quesito 3.º nos seguintes termos:
Provado apenas que o Autor deu entrada ao veículo NU na oficina de reparação de automóveis denominada “…, Lda”, a qual procedeu à reparação do veículo, que ficou concluída em março de 2009”.

1.5. O art.º 4.º da base instrutória tem o seguinte conteúdo:
4.º
O Autor pagou 4.028,90 € pela reparação do NU?
O tribunal a quo respondeu restritivamente a este quesito, como a fls. 133 consta, declarando que:
“ O Autor pagou quantia não concretamente apurada, entre 3.400,00€ e 3.600,00€, pela reparação do veículo ”.
Pretende o apelante que o depoimento da testemunha A… determina que o quesito se prova na totalidade devendo a decisão em matéria de facto ser alterada em conformidade.
Antes de entramos na reapreciação da prova produzida relativamente a este artigo da base instrutória convém esclarecermos que o facto contido no quesito e relevante para decisão da causa, não é tanto o que o apelante pagou, mas o valor da reparação do veículo, sendo o primeiro facto apenas o instrumento (veículo) do segundo, esse sim, relevante para decisão da causa.
Este nosso entendimento é reforçado pelo facto supra descrito, sob o n.º 14 da matéria de facto, nos termos do qual o apelado F… orçamentou o custo de reparação do veículo em 4.028,90 €.
O que está, pois, em causa no quesito é saber se é esse, ou outro, o valor da reparação.
Se o apelante pagou ou se devia ter pago, mas não pagou, releva apenas no âmbito do negócio que celebrou com o terceiro reparador.
No âmbito da relação indemnizatória entre ele e os apelados o que releva é o valor da reparação, o valor necessário para reposição do veículo na situação em que se encontrava antes do acidente (art.º 562.º do C. Civil).
Passando agora à apreciação do depoimento da testemunha A….
A testemunha foi perguntada, diretamente, sobre a quantia que lhe foi paga e não sobre o custo da reparação, o qual apenas surge no seu depoimento de uma forma indireta, como referência para o que lhe foi pago pelo apelante.
Atentos os termos da pergunta, a testemunha começou por referir “três mil e tal euros”, referiu depois “três mil e quinhentos e três mil e seiscentos” e, por último “três mil e quatrocentos”, mais dizendo que ainda não emitiu a fatura porque não foi paga a totalidade, “está tudo em aberto” e “falta o IVA”.
Sobre o custo da reparação a testemunha é perentória quando afirma que: “…a reparação...o orçamento que eu tinha, mas eles queriam dar perda total...tanto que eu levei-lhe o mesmo valor (da reparação orçamentada) …falta o IVAestou à espera quando ele pagar o resto passo-lhe a fatura…” e mais à frente “…eu é que fui o orçamentista”.
O depoimento da testemunha permite-nos concluir, com segurança, que recebeu do apelado a título de reparação do veículo, uma quantia entre três mil e quatrocentos e três mil e seiscentos euros, a que falta acrescentar o IVA e emitir a correspondente fatura, e que o custo da reparação tem o valor de € 4.028,90.
A resposta do tribunal a quo dando como provado, apenas, que o apelado pagou uma quantia entre 3.400,00€ e 3.600,00€, pela reparação do veículo é uma resposta incompleta, quer nos termos imediatos do quesito (o que foi pago), quer na perspetiva mediata do quesito, que é o que releva para decisão da causa (valor da reparação).
Por uma e outra das razões (resposta incompleta e insuficiente para decisão da causa), não poderemos deixar de alterar a decisão recorrida e responder a tal quesito, de uma forma corretiva, que considere a prova produzida e que contemple o valor da reparação, nos seguintes termos:
4.º Provado apenas que o valor de reparação do NU foi orçamentado em € 4.028,90, dos quais o autor já pagou uma quantia entre € 3.400,00 e € 3.600,00.

1.6. Procede, pois, a apelação quanto à pedida alteração da decisão em matéria de facto relativamente aos artigos, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da base instrutória pelo que, atenta a correção de lapso material quanto ao art.º 5.º da mesma base instrutória, a MATÉRIA DE FACTO a considerar para decisão da causa é a seguinte:

1) A propriedade do veículo de matrícula …-XM encontra-se registada a favor de V … desde 26/12/2007, encontrando-se registada desde essa mesma data o “encargo” de reserva a favor da FC…, S.A.” (A).
2) A propriedade do veículo de matrícula …-NU encontra-se inscrita a favor de J … desde 12/8/1999 (B).
3) Em 9 de setembro de 2008, a responsabilidade emergente da circulação do veículo de matrícula …-XM não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros (C).
4) Nesse dia 9 de setembro de 2008, de noite, pelas 22h40m, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula …-NU, da marca “.…” e modelo “…” e o veículo automóvel de matrícula …-XM, da marca “…” (D).
5) No momento do embate, o veículo NU estava estacionado e fora de funcionamento, e o veículo XM era conduzido pelo 2º Réu, V… (E).
6) À data e hora do acidente, o tempo estava bom e o piso seco (F).
7) O veículo NU encontrava-se estacionado na Avenida 6 de novembro, no …, junto à berma da faixa de rodagem direita daquela via de trânsito, no sentido descendente, em direção à Avenida … (G).
8) O veículo XM circulava na Avenida …, seguindo no sentido …H).
9) Ao chegar à interceção da Avenida … com a Avenida …., o 2º Réu executou a curva à sua direita, de forma a entrar nesta Avenida (I).
10) O 2º Réu fazia circular o XM a uma velocidade não inferior a 80Km/h e ao executar a curva à direita, perdeu o controlo da viatura, e consequentemente na Avenida 6 de novembro entrou na faixa de rodagem destinada ao sentido contrário àquele em que seguia, na direção do veículo NU, acabando por nele embater (J).
11) O embate ocorreu entre a parte dianteira do XM e a parte dianteira do NU (K).
12) Com a força do embate, o veículo NU (acabou por subir o passeio do lado direito e embater no veículo de matrícula …-ZE que se encontrava estacionado imediatamente atrás do mesmo (L).
13) Do acidente descrito, resultaram danos no veículo NU na sua parte dianteira e traseira, designadamente nos para-choques dianteiro e traseiro, “capot” e faróis de iluminação dianteiros e traseiros (M).
14) O F… orçamentou o custo de reparação dos referidos danos, após vistoria, em 4.028,90€ (N).
15) Após o acidente foi chamada ao local a PSP, da Esquadra de Trânsito do …, que elaborou participação de acidente de viação que consta de fls. 22 a 30 dos autos. (O).
16) Após ter reclamado junto do F…, este concluiu pela “perda total” do veículo, atribuindo-lhe o valor venal de 2.579,00€ e o valor de 250,00€ ao salvado (P).
17) Face à discordância do Autor, o F… reviu aqueles valores, atribuindo 3.109,00€ de valor venal ao veículo (Q).
18) À data do acidente, o NU tinha percorrido apenas 93.000,00Km (R).
19) Pouco tempo antes do acidente, o Autor havia colocado um sistema “GPL” no veículo (S).
20) O F… comunicou ao Autor, em 30 de outubro de 2008, o valor de indemnização que fixava em 2.859,00€ (documento de fls. 38).
21) À data do acidente, o veículo NU encontrava-se em bom estado de conservação: tinha sido estimado, sujeito a todas as revisões periódicas aconselhadas, guardado em garagem e tinham-lhe sido substituídas todas as peças e componentes ao menor desgaste.
22) O valor venal do NU, à data do acidente, era de 6.000,000 €.
23) O Autor deu entrada ao veículo NU na oficina de reparação de automóveis denominada “…, Lda”, a qual procedeu à reparação do veículo, que ficou concluída em março de 2009
24) O valor de reparação do NU foi orçamentado em € 4.028,90, dos quais o autor já pagou uma quantia entre € 3.400,00 e € 3.600,00
25) O veículo NU esteve imobilizado cerca de 180 dias, durante o qual o Autor não o pôde utilizar, sendo o seu único meio de deslocação e que utilizava para deslocações a …s (resposta ao quesito 5º).
26) O valor diário de aluguer de um veículo semelhante ao NU é de 34,00€ (resposta ao quesito 6º).

2. Quanto à segunda questão, a saber, se assiste ao apelante o direito em ver o seu veículo reparado e a ser indemnizado pelo período de imobilização do veículo invocado, ou seja, 180 dias.
A sentença recorrida, que condenou os apelados a pagarem ao apelante a importância diária de € 34,00 desde a data do acidente, em 10 de setembro de 2008, até 30 de outubro seguinte, data em que o apelado F… comunicou ao apelado o valor da indemnização (nas condições que acima referimos aquando da correção do lapso material na resposta ao artigo 5.º da base instrutória), no mais os absolvendo do pedido, estruturou a sua decisão de direito, essencialmente, no disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. c) do Dec.lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.
Este art.º 41.º, n.º 1, al. c) dispõe o seguinte:
“1.Entende -se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos”.
Em aplicação deste preceito, entendeu o tribunal a quo que os danos sofridos pelo veículo se deveriam classificar como de “perda total”, sendo devida ao apelante, a título de ressarcimento de tais danos, apenas a quantia que o F… se propôs entregar-lhe (n.º 20 da matéria de facto), calculada nos termos do n.º 3 deste mesmo preceito, acrescida de quantia indemnizatória da privação do veículo até à data do oferecimento da primeira quantia (art.º 42.º, n.ºs 1, 2 e 5 do mesmo diploma).
Para o efeito, o tribunal a quo fundou a “conclusão”, de “perda total”, em duas premissas (factos), quais sejam, que o valor do veículo era de € 3.109,00 e que o valor da reparação era de € 4.028,90.
Ora, se este último (custo da reparação) – não obstante o que expendemos relativamente à alterada resposta ao artigo 4.º da base instrutória e embora da al. N) da Matéria de Facto Assente, a fls. 110, apenas constasse que o F… orçamentou o custo da reparação nesse valor – se poderia considerar como admitido por acordo o mesmo não acontece relativamente ao primeiro (valor venal do veículo), sobre o qual as partes se encontravam em desacordo, pelo que a conclusão de “perda total” se mostra incorreta, porque não suportada pelas respetivas premissas.
Uma coisa é o veículo ter o “valor venal” de € 3.109,00 e outra bem diferente é o F… atribuir-lhe esse valor (n.º 17 da matéria de facto).
O F… atribuiu-lhe esse valor, mas não fez a prova que, como facto impeditivo do invocado direito do apelado, lhe competia fazer (art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil).
Aliás, invertendo indevidamente o ónus da prova, porque fora da previsão deste instituto, estabelecida pelo art.º 344.º do C. Civil, o que foi quesitado não foi esse valor, mas apenas o valor de € 6.000,00, contraposto pelo apelante, quando é certo que o que deveria ter sido quesitado era o valor de € 3.109,00 articulado pelo apelado F…, podendo o apelante produzir contraprova ao respetivo quesito, nos termos previstos no art.º 346.º do C. Civil.
A resposta do tribunal a quo ao artigo 2.º da base instrutória foi, por nós, revogada e alterada pelo que este valor de € 6.000,00 se encontra provado nos autos, tendo o apelante logrado fazer a prova do que, afinal, não tinha que provar.
Todavia, ainda que o não tivesse feito, a sentença sob recurso não poderia manter-se uma vez que toma como certo um valor do veículo que foi avançado por uma das partes no conflito, mas que então não estava provado e agora o não pode estar.
E, assim sendo, em face do disposto no art.º 562.º do C. Civil, não poderiam os RR, ora apelados, deixar de ser condenados, quer na reparação do veículo, quer no valor correspondente à privação do seu uso por 180 dias, período de tempo que se infere dos n.ºs 23, 25 e 26 da matéria de facto provada.
Procede, pois, a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolveu os RR/apelados do pedido, condenando-se estes como peticionado pelo Autor/apelante.

C) EM CONCLUSÃO.
Sendo pedida indemnização relativa a reparação e privação de veículo automóvel e sendo invocada pelo demandado a sua “perda total”, para efeitos de aplicação do disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. c) do Dec.lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, a prova do “valor venal” do veículo, compete ao demandado que invoca a “perda total” do veículo, não podendo o tribunal inverter o ónus da prova, quesitando o valor contraposto pelo autor, porque tal inversão ocorre fora da previsão deste instituto, estabelecida pelo art.º 344.º do C. Civil.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu os RR/apelados, condenando estes na totalidade do pedido.
Custas pelos apelados.

Lisboa, 22 de janeiro de 2013.

Orlando Nascimento
Ana Resende
Dina Monteiro

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.