Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- (M), intentou no 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, CONTRA,
(C), LDA.
II- Pediu que seja declarado ilícito o despedimento promovido pela R. e esta condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:
- € 205,00 (duzentos e cinco euros), correspondente à retribuição relativa aos 11 dias de Agosto de 2004;
- € 149,00 (cento e quarenta e nove euros), correspondente ao subsídio de alimentação e relativo ao período entre o dia 16 de Junho e o dia 11 de Agosto de 2004;
- € 112,00 (cento e doze euros), correspondente a Serviços Vários e relativa ao período entre o dia 1 de Julho e o dia 11 de Agosto de 2004;
- € 142,00 (cento e quarenta e dois euros), correspondente ao prémio fixo e relativo ao período entre o dia 1 de Julho e o dia 11 de Agosto de 2004;
- € 186,00 (cento e oitenta e seis euros), correspondente ao prémio fixo e a serviços vários não paga aquando do pagamento do subsídio de férias vencido em 2004;
- juros de mora vencidos e vincendos, calculados até à data da propositura da acção, à taxa legal de 7%, desde as respectivas datas de vencimento;
- € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos morais, causados pela actuação da R.;
- € 250,00 por cada dia de atraso na reintegração da Autora, a título de sanção pecuniária compulsória.
III- Alegou, em síntese, que:
(…)
IV- A ré foi citada e, realizada Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, veio a contestar após notificação para o efeito, dizendo, no essencial, que:
(…)
V- O processo seguiu os seus termos, com a autora a optar pela indemnização de antiguidade em detrimento da reintegração (fols. 277), vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos "Nestes termos, julgo a acção procedente, por provada, e, em consequência:
1- Declaro ilícito o despedimento promovido pela R.;
2- Condeno a R. a pagar à A. as seguintes quantias:
a) € 794,00 (setecentos e noventa e quatro euros), a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida de juros à taxa legal sobre tal quantia desde 11 de Agosto de 2004 até integral pagamento;
b) O montante correspondente às retribuições que a A. deixou de auferir entre 10 de Agosto de 2004 e 31 de Janeiro de 2005, deduzidas as constantes dos nºs 2 e 3 do art. 437º do Cód. do Trabalho, a liquidar em execução de sentença;
c) € 3.636,27 (três mil seiscentos e trinta e seis euros e vinte e sete cêntimos), a título de indemnização em substituição da reintegração;
d) € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos morais;
Custas pela R.".
Dessa sentença recorreu a ré (fols. 318 a 330) apresentando as seguintes conclusões:
(…)
VI- A autora contra-alegou (fols. 341 a 370) pugnando pela confirmação da sentença e interpôs recurso subordinado (fols. 336 a 341), recurso este que não foi admitido nesta Relação por despacho de fols. 415.
Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida (fols. 418).
VII- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada e que aqui se acolhe, é a seguinte:
1- A A. foi admitida ao serviço da R. em 20 de Novembro de 2000, mediante a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado cuja cópia está junta a fls. 29 e se dá por reproduzida;
2- Nos termos das cláusulas segunda e terceira do referido contrato, a A. obrigou-se a desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de recepcionista e de assistente dentária nas instalações da R., sob as ordens, direcção e fiscalização desta; enquanto recepcionista, cabia-lhe executar tarefas de tipo administrativo, tais como marcação de consultas e atendimento de clientes; enquanto assistente dentária cabia-lhe prestar a correspondente actividade em apoio aos médicos e demais profissionais de saúde;
3- Nos termos da cláusula quarta, a R. podia livremente determinar a transferência da A. para outro local de trabalho, custeando as despesas feitas;
4- Nos termos da cláusula quinta, foi acordada a retribuição mensal ilíquida de 78.000$00 (setenta e oito mil escudos), acrescida de subsídio de alimentação, sendo que, a partir do dia 30 de Abril de 2001, a A. passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de € 404,03 (quatrocentos e quatro euros e três cêntimos), acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de € 3,64 (três euros e sessenta e quatro cêntimos);
5- Nos termos da cláusula sexta, o período normal de trabalho da A. era de 40 (quarenta) horas semanais, prestando 8 (oito) horas de trabalho por dia, de segunda a sexta-feira;
6- A partir de 31 de Janeiro de 2002 a retribuição passou a ser discriminada em “vencimento” no valor de € 404,03, subsídio de almoço, “serviços vários” num montante variável, excepto entre 30 de Setembro de 2002 e 30 de Setembro de 2003, em que o valor se manteve em € 83,91, e desde 30 de Junho de 2002, em prémio fixo no valor de € 104,25, o qual se manteve até ao último recibo de vencimento, de 31 de Julho de 2004;
7- Na prática, a A. desempenhou sempre as funções correspondentes à categoria profissional de assistente dentária, funções que desempenhou, desde o início do contrato de trabalho, com muito empenho e dedicação, sem nunca ter recebido qualquer reparo por parte da R.;
8- A A. sempre desempenhou as suas funções nas únicas instalações da R., sitas na Av. ....., em Lisboa;
9- (M), S.A. está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - 4ª Secção, sob o nº 09854/01 01 29 e tem por objecto gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício das actividades económicas, tendo como presidente do Conselho de Administração (D);
10- A. R. V., Limitada está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 1ª Secção sob o nº 787/80 10 29, tem por objecto prestação de serviços de análises clínicas em todas as suas espécies e variedades, aquisição e exploração de bens de equipamento e o capital de € 600.000,00, tendo a (M), S.A. uma quota de € 420.000,00 e a Mediserviços – Prestação de Serviços Médicos, S.A. uma quota de € 180.000,00;
11- (C), Limitada está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - 4ª Secção, sob o nº 01505/92 03 16, tem por objecto prestação de serviços médicos e actos conexos, exploração, gestão e administração de clínicas médicas e centros médicos; formação profissional na área de saúde e outras, importação e exportação de produtos médicos e afins e o capital de 5.000.000$00, tendo A. R. V., Limitada uma quota de 3.500.000$00 e (NO) uma quota de 1.500.000$00, sendo gerentes (RP) e (CS);
12- Clínica Odonto – Pediátrica (J), Limitada está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº 64019/86 09 30, tem por objecto prestação de serviços de odontologia e o capital de € 200.000,00, tendo A. R. V., Limitada uma quota de € 137.600,00, O & Companhia, Limitada uma quota de € 31.200,00 e Laboratório ..., Limitada uma quota de € 31.200,00, sendo gerentes (D) e (CS);
13- A A. sabe que a R. foi adquirida pelo grupo Mediserviços, passando a fazer parte daquela estrutura empresarial, na qual se incluem outras clínicas dentárias;
14- A A. sabia que a (C), a IOL e a Clínica Dr.(J) faziam parte do mesmo grupo e tinham uma gestão comum e, bem assim, que era frequente os médicos e colegas suas prestarem serviço indiferenciadamente em qualquer uma das referidas clínicas;
15- Numa óptica de optimização dos serviços, a gestão da (C) passou a ser efectuada em termos integrados com as demais clínicas dentárias inseridas naquele grupo empresarial, nas quais se contam a Clínica ... – Pediátrica (J), a Clínica ... e a IOL, estas na área geográfica de Lisboa;
16- Verificaram-se situações anómalas no funcionamento da (C), derivadas de desvio de clientela da clínica, tendo sido suspenso o director clínico da mesma, nos primeiros dias de Junho de 2004;
17- A A. estava afecta em termos de distribuição de serviço ao acompanhamento clínico do mencionado director clínico, Dr. (NZ)
18- A A. sabe que (CB) é a coordenadora da Mediserviços na área da medicina dentária;
19- No dia 15 de Junho de 2004, pelas 11 horas, (CB) determinou à A. que passasse a exercer as suas funções na Clínica Dr.(J), sitas na Av. ..., em Lisboa, a qual integra o grupo de empresas da Mediserviços;
20- A A. recusou a obedecer a tal ordem e que só trabalhava na (C);
21- Em face da recusa da A. em obedecer à ordem expressa que lhe havia sido transmitida, foi a situação comunicada ao gerente da R., (CS), o qual procurou indagar dos motivos da A. em desobedecer à ordem que lhe havia sido transmitida;
22- (CS) ordenou à A. que fosse prestar o seu trabalho na Clínica Dr.(J), sita na Av. ..., em Lisboa;
23- A A. perguntou a (CS) se a Clínica Dr.(J) pertencia à R., porquanto desconhecia esse facto, e, caso tal se verificasse, se se trataria de uma situação definitiva ou temporária;
24- (CS) esclareceu a A. que a decisão da R. no sentido de a A. ir trabalhar para a Av. ..., em Lisboa, não excluía que alguma vez pudesse voltar a trabalhar na Praia da Vitória, 75, 3º D.to;
25- A. reiterou que não iria trabalhar em mais lado nenhum e manteve-se intransigente na sua postura;
26- A A. recebeu a comunicação da R. datada de 15 de Junho de 2004 cuja cópia está junta a fls. 77 e cujo teor se tem por reproduzido, nos termos da qual foi suspensa das suas funções por recusa de transferência para as instalações sitas na Av. ..., em Lisboa; 27- A A. recebeu a comunicação da R. cuja cópia está junta a fls. 78 e cujo teor se tem por reproduzido, nos termos da qual foi solicitada a comparência da A. na (C) no dia 28 de Junho de 2004; 28- A A. recebeu a comunicação da R. cuja cópia está junta a fls. 248 e cujo teor se tem por reproduzido, na qual se refere que a A. se apresentou na (C) no dia 28 de Junho de 2004, por volta das 14h 30, tendo manuscrito os seguintes dizeres: Compareci nesta data na (C) e fiquei de dar uma resposta amanhã (29/6/04);
29- No dia 28 de Junho de 2004 a A. apresentou-se nas instalações da (C), tendo-lhe sido, novamente, transmitido por (CB) que a decisão de não mais trabalhar na (C) era irreversível, mas que a R. lhe dava, em alternativa, a possibilidade de trabalhar na Clínica Dr. (J), sita na Av. ... ou noutra clínica, designada por IOL de que a R. não é proprietária;
30- Com data de 30 de Junho de 2004 a R. remeteu à A. a comunicação de intenção de despedimento e a nota de culpa cujas cópias estão juntas a fls. 81 e 82 e seguintes e cujos teores se têm por reproduzidos;
31- A A. apresentou a resposta à nota de culpa cuja cópia está junta a fls. 84 e seguintes e cujo teor se tem por reproduzido;
32- Com data de 10 de Agosto de 2004 a R. remeteu à A. a decisão de despedimento e o relatório final cujas cópias estão juntas a fls. 104 e 105 e seguintes e cujos teores se têm por reproduzidos;
33- Não foi processado o vencimento no período em que a A. esteve preventivamente suspensa;
34- Em Fevereiro de 2005 a A. foi trabalhar para a Clínica de .... da Lapa e em Janeiro começou a trabalhar na w.... no Atrium Saldanha e desde 1 de Fevereiro de 2005 até à presente data nunca auferiu retribuição inferior à que auferia na R.;
35- A A. afirmou que se a despedissem seria para ela um alívio;
36- Após a suspensão a A. ficou sob forte tensão e desgaste psicológicos;
37- No período compreendido entre Novembro de 2000 e Julho de 2004, inclusive, a A. recebeu as quantias constantes dos recibos juntos de fls. 30 a 75 e 116.
VIII- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante/ré, no presente recurso colocam-se essencialmente três questões:
A 1ª, se o despedimento da autora foi lícito por a ré poder determinar à autora a prestação de trabalho noutra empresa nos termos em que o fez, devendo a autora acatar essa determinação, sob pena até de abuso de direito;
A 2ª, sendo o despedimento ilícito, se a indemnização fixada em 45 dias de remuneração base por cada ano de antiguidade é excessiva.
A 3ª, se não há fundamento para a condenação na indemnização por danos não patrimoniais, ou se, pelo menos, o montante fixado na sentença é exagerado.
IX- Decidindo
Quanto à 1ª questão.
Dos factos provados retira-se que entre a autora e a ré, a 20/11/2000, foi celebrado um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, nos termos do art. 1º da LCT e art. 1.152º do CC (factos nºs 1, 2, 3, 4 e 5).
Provado também que em conclusão de um processo disciplinar que instaurou à autora, a ré despediu-a com a alegação de justa causa, comunicando tal decisão por carta datada de 10/8/2004 (factos nºs 30, 31 e 32).
Vejamos então se o despedimento proferido após a conclusão do processo disciplinar foi com justa causa.
O nosso sistema jurídico-laboral confere ao empregador o poder de aplicar sanções de natureza disciplinar visando sanar situações de violação de deveres contratuais que se concretizam nas infracções disciplinares; esse poder resulta da posição jurídica de supremacia do empregador sobre o trabalhador.
O sistema em referência prevê dois tipos de sanções que se reflectem no desenvolvimento da relação laboral: as de natureza conservatória e a que tem em vista a ruptura do vínculo laboral, ou seja, a sanção do despedimento. As primeiras aplicam-se a situações de crise do vínculo laboral que não impliquem necessariamente uma desvinculação, uma ruptura da relação laboral; a segunda apenas deve aplicar-se quando não seja possível restabelecer a harmonia e coesão daquela mesma relação atenta a gravidade dos factos e as suas consequências.
O poder disciplinar que a lei atribui à entidade patronal – art. 365º do CT- consiste na faculdade atribuída ao dador de trabalho de aplicar internamente sanções aos trabalhadores ao serviço cuja conduta ponha em perigo a consistência da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato. Diz-se, então, que ocorre uma infracção disciplinar (Prof. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Vol. I, pag. 225).
Como bens ofendidos pela infracção disciplinar avultam a economia nacional, o interesse da empresa, a confiança moral e técnica e a correcta convivência. O delito disciplinar pode decorrer de uma omissão -não cumprimento de um dever- ou de uma acção -cometimento de um acto proibido. No conceito de infracção disciplinar são identificáveis quatro elementos essenciais: a) uma acção ou omissão; b) culposa ou dolosa salvo havendo exigência exigência expressa de intenção; c) com violação de deveres gerais ou especiais; d) causando ofensa efectiva ou eventual de interesses relevante da empresa ou da economia nacional- Pedro de Sousa Macedo, Poder disciplinar Patronal, pag. 32 e 33.
Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, ed. Lex, 1994, a pag. 141, escrevem que "A ideia fundamental é a de que a infracção disciplinar abrange todas as violações dos deveres inerentes à situação jurídica do trabalho subordinado, quer os deveres que se prendem com a execução do débito laboral, quer aqueles que se relacionem com a posição do trabalhador na organização à qual o trabalho é prestado, independentemente dos comportamentos em causa atingirem ou não a correcta execução dos deveres à realização de trabalho...Na verdade, pode bem acontecer que um trabalhador cumpre correctamente o dever principal de prestação a seu cargo e, ao mesmo tempo, pratique uma infracção disciplinar, violando deveres que a lei expressamente lhe impõe, como, por exemplo, o dever de obediência...As infracções disciplinares cobrem todos os deveres dos trabalhadores, qualquer que seja a sua origem: incluindo os decorrentes da lei, das convenções colectivas de trabalho, das portarias ministeriais de regulamentação de trabalho, do próprio contrato de trabalho, bem como de actos unilaterais do empregador, designadamente os que constam dos regulamentos internos...".
De acordo com o art. 396º-1 do CT, constitui justa causa de despedimento "o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho".
O nº 3 do mesmo artigo exemplifica comportamentos do trabalhador que constituirão justa causa.
A existência de justa causa de despedimento supõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; b) outro de natureza objectiva, consubstanciado na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; c) finalmente, a ocorrência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Para que exista justa causa de despedimento torna-se, pois, necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador. Haverá uma infracção disciplinar, pressupondo uma acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora dos deveres a que o trabalhador, como tal, está sujeito, isto é, dos deveres emergentes do vínculo contratual. Por outro lado, o comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho- não se tratando de uma impossibilidade física ou legal, encontramo-nos, necessariamente, no campo da inexigibilidade, só havendo justa causa de despedimento, quando, em concreto, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (v. Ac. do STJ de 10/11/93, Col. STJ, 1993, T. 3, pag. 289).
Na apreciação concreta da justa causa deve o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros, e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – art. 396º-2 do CT.
A autora, como resulta do relatório final do processo disciplinar (fols. 196 a 212), foi despedida com fundamento na prática de factualidade integradora da infracção dos deveres previstos no art. 121º-1-d)-2 do CT (cumprimento de ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias, quer quanto às ordens e instruções dadas directamente pelo empregador como às emanadas dos superiores hierárquicos do trabalhador dentro dos poderes que por aquele lhes foram atribuídos).
Importa, porém, desde já sublinhar que, quanto a esta questão, o tratamento que é feito na sentença recorrida mostra-se, no essencial, correcto e bem aprofundado, concordando-se com a solução ali encontrada.
Só não se remete a decisão desta questão para os termos e fundamentos da sentença de 1ª instância, fazendo uso do disposto no art. 713º-5 do CPC, porquanto importa clarificar alguns aspectos em que divergimos, bem como apreciar algumas objecções formuladas pela apelante. Porém, restringiremos a apreciação a essas matérias para evitar inúteis repetições daquilo que em 1ª instância já foi dito, e bem.
Assim, dir-se-á que assiste razão à ré/apelante quando diz que ao caso dos autos não é possível aplicar o disposto no art. 92º do CT por força do disposto no art. 8º-1 da Lei nº 99/2003 de 27/8, na medida em que o art. 92º do CT respeita à celebração de um contrato de trabalho com os contornos ali definidos e o contrato de trabalho dos autos foi celebrado muito antes da entrada em vigor do novo Código do Trabalho (neste mesmo sentido veja-se o Ac. do STJ de 18/5/2006, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 06S291, tendo por Relator o Cons. Fernandes Cadilha).
Porém, desta constatação, não se vê qualquer benefício para a posição defendida pela apelante. Isto porque na própria sentença se considerou que o preceito (art. 92º do CT) não era aplicável ao caso dos autos por a autora só estar vinculada a uma só empresa e não ter resultado provada a identificação de outro empregador da autora para além da ré, como exige o art. 92º-1-c) do CT. Ou seja, embora a sentença recorrida tenha equacionado e aceite a aplicabilidade, em abstracto do art. 92º do CT, em concreto entendeu que não era subsumível aos factos provados.
Não sendo sequer viável a aplicação do art. 92º do CT, como enquadrar então a situação dos autos ?
Resulta da matéria de facto provada que a ré pretendeu, em Junho de 2004, que autora fosse prestar trabalho para outra empresa do grupo económico que a ré passou a integrar a partir de 2001 .
Como é sabido, anteriormente ao CT não havia regime estabelecido similar ao agora previsto naquele art. 92º do CT e a circulação de trabalhadores dentro de um grupo económico apenas tinha como único instrumento a cedência ocasional de trabalhadores nos termos do art. 26º-1 do DL nº 358/89 de 17/10, alterado pela Lei nº 39/96 de 31/8 e pela Lei nº 146/99 de 1/9, como esclarece Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho, 2ª ed., Almedina, pag. 182.
Ora o regime de cedência ocasional encontra-se agora previsto nos arts. 322º a 329º do CT e é aplicável ao contrato de trabalho dos autos na medida que foi tentado implementar pela ré já em plena vigência do novo CT.
Acontece que a legalidade da cedência depende de várias condições cumulativas previstas nos arts. 324º e 325º do CT, a saber: Inexistência de contrato sem termo resolutivo; cedência no âmbito de sociedades coligadas, com participações recíprocas, de domínio de grupo ou empresas com estruturas organizativas comuns; concordância do trabalhador cedido prestada por escrito com indicação da data de início da cedência e duração desta; Duração não superior a 1 ano, renovável por iguais períodos até um máximo de 5 anos.
Atentando na matéria de facto provada, sem grande esforço se conclui que as referidas condições cumulativas não estão preenchidas na sua totalidade. Falta, desde logo, a anuência da autora, que sempre manifestou a sua oposição (factos nºs 15 e 25), faltando também a forma escrita, a indicação da transitoriedade da cedência e da duração da mesma (factos nºs 19, 22, 24 e 29).
Como resulta do próprio art. 325º-2 do CT, havendo falta da concordância do trabalhador a cedência é ilegítima (v. também Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editores, 2007, a pag. 843 e, no âmbito da anterior legislação, João Nuno Zenha Martins, Cedência de Trabalhadores e Grupo de Empresas, Colecção Cadernos Laborais do Instituto do Direito do Trabalho, nº 2, Almedina, pags. 101 a 110). E sendo ilegítima, nunca o não acatamento da determinação dada à autora pela ré de passar a trabalhar para outra empresa pode integrar uma desobediência ilegítima.
Na verdade, como acima se viu, o trabalhador não tem obedecer a ordens que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias - art. 121º-1-d) do CT.
Pretende a apelante que a recusa da autora se traduz num abuso de direito. Não vemos como.
De acordo com o artº. 334 do Cod. Civil é "ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".
A propósito, dizem-nos os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, no "Código Civil Anotado", Vol. I, pag. 297 - 298: "O abuso de direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal) embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contrato em que ele deve ser exercido...
'Com base no abuso do direito o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrém; o que não pode, é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele".
Acresce que o excesso cometido há-de ser «manifesto»: estaremos em face de direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.
A boa-fé apresenta-se aqui como princípio de actuação; significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros (cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, "Do Abuso de Direito", pag. 55 e segs. e Ac. do STJ de 25/6/86, BMJ-358º, pag. 470 e s.).
Também o saudoso Prof. Orlando de Carvalho, em "Teoria Geral do Direito Civil", defendia que "O critério do abuso é, a falta de interesse"...que o titular do direito tem ou retira do exercício desse direito. Falta de interesse este, que só deverá provocar uma reacção da ordem jurídica quando concomitantemente haja uma específica e "exclusiva intenção de prejuízo....que se causa ao interesse de outrem..., quer esse prejuízo tenha sido efectivamente querido, quer não."
Ora no caso dos autos não se apura qualquer excesso por parte da autora e, muito menos, manifesto.
De facto, o normativo legal reconhece ao trabalhador a aceitação, ou não, a cedência. E se a lei fulmina a ausência da concordância com a ilegitimidade da cedência, é porque a mesma é muito relevante.
Por outro lado, dos factos provados não resulta que pelo facto de o Director Clínico que autora acompanhava ter sido suspenso a ré estava impossibilitada de atribuir outros trabalhos à autora (v, factos nºs 16 e 17). E muito menos que tal suspensão justificasse uma cedência sem qualquer horizonte temporal definido, como a lei exige.
Por fim, também não está demonstrada a exclusiva intenção de prejuízo por parte do autora ao recusar-se a mudar de entidade empregadora sem definição concreta, por parte da apelante, das reais condições em que essa transferência iria ocorrer.
Inexiste pois, a nosso ver, qualquer abuso de direito por parte da autora, sendo ilícito o despedimento ocorrido.
Quanto à 2ª questão.
Nos termos do artigo 439.º-1-2-3 do CT, em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429.º do CT, devendo o tribunal ponderar todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não podendo a indemnização ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Como se escreve no citado Ac. do STJ de 18/5/2006 "Conforme resulta do disposto no artigo 439º do Código do trabalho, a indemnização substitutiva da reintegração, devida por despedimento ilícito, deverá ser fixada pelo tribunal "entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429º". Por seu lado, o citado artigo 429º estabelece, como princípio geral, que o despedimento é ilícito (a) se não tiver sido precedido do respectivo procedimento, (b) se se fundar em motivos políticos ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com a invocação de motivo diverso (c) e se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento".
Ao fazer intervir na medida da indemnização o grau de ilicitude do despedimento, por referência às situações descritas no artigo 429º, o legislador parece ter pretendido distinguir o índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado, quer no que se refere à observância do direitos processuais, quer no que se refere ao respeito pela dignidade social e humana do trabalhador visado. Neste contexto, afigura-se que assume maior relevância o despedimento que é imposto como medida discriminatória, em clara violação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou que tenha sido adoptado sem qualquer justificação e sem precedência de processo disciplinar, daquele outro que, seguindo os procedimentos legalmente previstos e respeitando o direito de defesa do trabalhador, acaba por ser julgado ilícito por insubsistência dos motivos que foram indicados como determinantes da decisão disciplinar.
A referência à retribuição parece, por outro lado, funcionar como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório, de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado (artigo 494º do Código Civil)."
Deste modo, acompanhando o critério previsto nos artigos 429.º e 439.º do CT, não nos parece adequado a fixação indemnizatória no parâmetro legal máximo, como se decidiu em 1ª instância.
No caso em apreço, a Autora tinha um nível de retribuição base consideravelmente modesto (€ 404,03), e, como se demonstrou, foi despedida mediante prévio processo disciplinar e com alegada justificação o que suporta um entendimento que afasta uma ilicitude num grau extremo ou muito elevado porque, ainda assim, é revelador de algum, pelo menos aparente, respeito pelos direitos, designadamente processuais, do trabalhador. E nem se pode imputar um comportamento com a gravidade de um despedimento determinado por razões políticas, ideológicas, étnicas ou religiosas, violador de significativos direitos fundamentais.
Porém, determinar a um trabalhador, que passe a ser trabalhador de outra empresa, esquecendo que o contrato de trabalho, antes do mais, é um contrato e que, como tal, deve ser pontualmente cumprido, não podendo uma das partes, unilateralmente, alterar o seu conteúdo ou os sujeitos dessa relação jurídica sinalagmática, para além dos casos expressamente previstos na lei, representa um comportamento que assume um mediano índice de gravidade. Aliás, como o montante da retribuição base auferida pela autora é muito reduzido, está afastado o risco se alcançar uma indemnização que extravase o balizamento que a sensatez deve definir.
Assim, entendemos adequado arbitrar-se uma indemnização de montante correspondente a 38 dias de retribuição base por ano completo de antiguidade, desde 20 de Novembro de 2000 até ao trânsito em julgado da decisão, no montante actual de € 3.582,40.
Quanto à 3ª questão.
Entende a apelante não estarem reunidos os pressupostos necessários para a condenação que foi feita a título de danos não patrimoniais, designadamente o nexo causal entre a "forte tensão e desgaste psicológico".
Apreciemos.
A admissibilidade da possibilidade de indemnização por danos não patrimoniais está agora expressamente prevista no art. 436º-1- a) do Cód. do Trabalho, para os casos de despedimento declarado ilícito.
Assim, são indemnizáveis danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Não são, porém, merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. Obviamente, a obrigação de indemnizar terá de se fundamentar num facto ilícito e culposo da ré causador de danos (não patrimoniais) à autora.
São pressupostos exigidos pelo art. 483º do CC, para que exista obrigação de indemnizar, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano- v. Prof. A. Varela, Obrigações, I Vol., pag. 445.
Competia à autora a prova da factualidade que integrasse os pressupostos que permitisse a verificação da existência da obrigação de indemnizar.
Já atrás ficou apurado que a ré agiu ilícita e culposamente. Mas, colocou ainda a apelante a questão da inexistência do nexo de causalidade entre o facto ilícito e os prejuízos.
Com interesse, ficou provado que após a suspensão a autora ficou sob forte tensão e desgaste psicológicos (facto nº 36).
Ora, com tal factualidade provada não se vê como a ré pode sustentar que não existe nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos. É que resulta claro que foi devido à actuação da autora, iniciada com a sua suspensão por força do processo disciplinar instaurado.
Note-se que estes factos não surgem provados por acaso. Resultam de anterior alegação nos arts. 90º a 105º, maxime no art. 99º da petição inicial, com inequívoco enquadramento no comportamento da ré em todo o processo que levou ao ilícito despedimento da autora.
Invoca a apelante, nas suas alegações, que o facto provado nº 35 ("A autora afirmou que se a despedissem seria para ela um alívio") seria ilustrativo de que a tensão e o desgaste não teriam origem no despedimento. Sem razão porém.
Uma coisa é aquilo que meramente se diz, até com intuitos de demonstrar superioridade ou indiferença como resposta ao tratamento injusto de que se está a ser alvo, outra são as consequências que efectivamente se vêm a sentir posteriormente.
Nem se diga também, como faz a apelante nas suas alegações, que se tratam de conceitos conclusivos, sem expressão prática. Escreve-se a propósito no Ac. desta Relação de Lisboa de 22/1/2003, Apelação nº 8271/03, (Relatora – Desembargadora Maria José Mouro), também publicado na Col. 2003, T. 1, pag. 79 a 87, o que, com a devida vénia, agora se transcreve: ”A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.
‘Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, pags. 206-207 referia: «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.”
‘Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.
‘Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.
‘As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.
‘Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.
‘Nem «os juízos valorativos de facto, nem as questões de direito, devem ser incluídos no questionário, porque o questionário é uma peça essencialmente virada para a prova testemunhal ... e a testemunha deve ser chamada a depor, não sobre as suas apreciações mas sobre as suas percepções.
‘Se, porém, algum dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto), for indevidamente incluído no questionário, a resposta do colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no nº 4 do art. 646 do Cod. Proc. Civil, visto não se tratar de verdadeira questão de direito».
‘Assim, entendeu-se no acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, publicado no BMJ nº 497, pag. 315: ‘São factos «os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum, sendo, ainda, factos “as relações jurídicas que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma...”
‘Os juízos de valor continuam, pois, a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito)...».
‘E no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 8-11-95, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 3, pag. 293 foi entendido que como critério geral de distinção «pode dizer-se que é questão de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas»”.
Como se escreveu no Ac. da Rel. de Évora de 6/6/95, Col. 1995, T. 3, pag. 319, a propósito do termo «despedimento», "com o rodar do tempo, conceitos houve que sendo inicialmente de puro direito acabaram na língua do povo, com compreensão normal e instantânea do seu conteúdo." Trata-se de "...matéria de facto, visto que se trata de uma palavra de uso popular, não sendo necessário qualquer estudo prévio para se saber o seu alcance".
Ora a expressão " após a suspensão a autora ficou sob forte tensão e desgaste psicológicos" constante do facto nº 36, é também uma expressão de uso comum, integrando um conceito de facto pois traduz o sentido vulgar de uma situação de facto, acessível à generalidade dos cidadãos, com significado preciso e unívoco, não dependendo da interpretação e/ou aplicação de qualquer norma jurídica.
Ficar "sob forte tensão e desgaste psicológicos" significa, correntemente, que a pessoa em causa foi intensa ou gravemente sujeita a pressão nervosa causadora de significativa perturbação nervosa.
Como se escreve ainda no citado Ac. da Rel. de Lisboa de 22/1/2003, “Se falarmos de uma cadeira também estaremos a representar um conceito (onde deixará de ser uma cadeira e passará a ser um banco?), referindo-nos embora a qualquer coisa de concreto e palpável.”
Apurado, deste modo, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e os prejuízos.
Insurge-se a ré/apelante, por fim, quanto ao montante indemnizatório fixado em 1ª instância que classifica de absolutamente desproporcionado. E cremos que lhe assiste alguma razão.
Quanto aos danos não patrimoniais, como é sabido, não consubstanciam uma verdadeira indemnização nem podem ser avaliados em medida certa. Há antes uma atribuição de certa soma pecuniária que se julga adequada a compensar e a apoucar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo números de alegrias e satisfação que os minorem ou façam esquecer. Ao contrário da indemnização propriamente dita, cujo fim é preencher um espaço verificado no património do lesado, a compensação dos danos não patrimoniais tem por fim acrescer um património intacto para que a vítima, com tal acréscimo alcance lenitivo para as suas amarguras.
O nº 3 do art. 496º do CC, no respeitante ao montante da indemnização manda atender sempre a um critério de equidade, devendo fazer-se nas circunstâncias expressas no art. 494º do CC, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do responsável e a do lesado e as circunstâncias concretas do caso.
Como ensina o Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., I Vol., pag. 486 e nota 3, e ainda pag. 438, o seu montante deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação ponderada, todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades: Tal reparação reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pelo lesado; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito privado, a conduta do agente.
No presente caso evidencia-se em resultado da actuação da ré uma forte tensão e desgaste psicológicos para a autora.
Face ao exposto e tendo em conta a matéria provada e já assinalada, e ainda que a autora era trabalhadora da ré desde Novembro de 2000, realizando o trabalho com muito empenho e dedicação, sem nunca ter recebido qualquer reparo por parte da ré (factos nºs 1 e 7), dada a extensão e gravidade dos danos, e o grau de culpa da ré, razoável e ajustada, deste modo, se nos afigura que seja a autora compensada com indemnização relativa aos danos não patrimoniais no montante de € 1.250,00.
A apelação da ré procede, desta forma, embora parcialmente.
X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença, cujo decisório passará a ser nos seguintes termos:
1- Declaro ilícito o despedimento promovido pela R.;
2- Condeno a R. a pagar à A. as seguintes quantias:
a) € 794,00 (setecentos e noventa e quatro euros), a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida de juros à taxa legal sobre tal quantia desde 11 de Agosto de 2004 até integral pagamento;
b) O montante correspondente às retribuições que a A. deixou e auferir entre 10 de Agosto de 2004 e 31 de Janeiro de 2005, deduzidas as constantes dos nºs 2 e 3 do art. 437º do Cód. do Trabalho, a liquidar em execução de sentença;
c) o montante correspondente a 38 dias de retribuição base por ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde 20 de Novembro de 2000 até ao trânsito em julgado desta decisão, sendo no montante actual de € 3.582,40 (três mil quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos), a título de indemnização em substituição da reintegração;
d) € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos morais.
Custas em ambas as instâncias a cargo da autora na proporção de 1/5 e da ré na proporção de 4/5. Lisboa, 27 de Junho de 2007
Duro Mateus Cardoso
Hermínia Marques
Isabel Tapadinhas |