Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
Descritores: | HOMICÍDIO PROVA PERICIAL CONSULTOR TÉCNICO ACAREAÇÃO ENVENENAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O legislador coloca o Instituto de Medicina Legal a um nível de referência, razão por que, em relação a perícias nele realizadas, não admite a intervenção de consultores técnicos; II- A lei prevê formas específicas de exercer o contraditório em relação ao resultado de uma perícia, nas quais não se inclui a possibilidade de acareação entre o perito e uma testemunha; III- Em caso de morte provocada por ingestão forçada de sobredosagem de determinado medicamento, o facto da análise ao sangue da vítima, colhido após a sua morte, revelar um valor compatível com a dose terapêutica não impede que se considere provado, com base noutros elementos de prova, que a vítima foi forçada a ingerir dose letal; IV- Sendo a concentração sanguínea de um composto influenciada pela absorção, biotransformação e eliminação, tendo a vítima sido submetida a manobras prolongadas de reanimação pelo médico do CODU, entre as quais a administração de quantidades de soros que diluíram o fármaco, o valor encontrado no sangue após a morte não corresponde ao grau de toxicidade a que a vítima esteve sujeita, mas tão só ao grau existente no momento em que foi feita a colheita do sangue; V- Tendo-se provado que foi ministrada à criança uma dose de 18000mg. de determinado medicamento, quando a dose diária recomendada é de 1000mg, apresentando-se aquela dose altamente tóxica e letal, com acção sobre o sistema nervoso central, embora estando assente que a vítima sofria de “epilepsia benigna de infância”, diagnosticada cerca de um ano antes, mas nada permitindo concluir que essa doença tenha tido alguma relevância no processo que conduziu à morte da vítima, é de aceitar a conclusão do relatório da autópsia de ter sido a sobredosagem do medicamento a causa da morte; | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
O Tribunal, após julgamento, por acórdão 20Jun.08, decidiu: “... ...”. 2. Desta decisão recorre a arguida, (A), tendo apresentado motivações (desnecessariamente extensas), das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1 Os presentes Autos tiveram origem na Acusação do Ministério Público contra (A), pela prática de crime de Homicídio Qualificado cometido contra o seu filho (B), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.14, 131 e 132, n°s1 e 2, a), c) e e), todos do Código Penal. 2.2 A Acusação baseou no Relatório da Autópsia de fls.390 a 396, para estabelecer o nexo causal entre a descrita acção da Arguida e a morte de (B) por intoxicação medicamentosa revelada pela “presença de oxcarbazepina, no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico”. 2.3 No entanto, (B) morreu de morte acidental apesar das conclusões no Relatório de Autópsia. 2.4 Os órgãos de polícia criminal convenceram-se que a verdade estava adquirida nos Autos, apenas com os elementos colhidos, razão pela qual não investigaram, no sentido de obter a prova de que a Arguida deu a ingerir ao seu filho a totalidade do conteúdo de 3 frascos de Trileptal, porquanto a Policia Científica apesar de ter colhido amostras do vomitado da criança, o Laboratório NÃO mediu a quantidade de oxcarbazepina ali presente. 2.5 Não colheram amostras do conteúdo gástrico da Arguida para comprovar qual a quantidade de oxcarbazepina ingerida e se a mesma correspondia à ingestão do conteúdo de 2 frascos de Trileptal. 2.6 E não procuraram saber quantas caixas de Trileptal a arguida trouxe para Portugal, de forma a apurar se os frascos vazios encontrados na casa correspondiam ou não ao medicamento ingerido diariamente pela criança, desde que a arguida entrou em território Nacional até à data dos factos. 2.7 Para além de tudo isto, o próprio Perito do IML, que subscreveu o Relatório de Autópsia, atestou em Tribunal que a criança acusou no sangue apenas uma dose terapêutica de oxcarbazepina a qual não corresponde à ingestão de 300ml do medicamento (o conteúdo de 3 frascos). 2.8 Confirmando ainda o Perito do IML a morte acidental da criança ao concordar com o Parecer subscrito pelo Dr. (LG), Anatmopatologia e Dr. (JS), Director do Serviço de Anatomia Patológica do IPOFG. 2.9 Sendo que, o mesmo, segundo palavras suas, NÃO localizou na autópsia evidencias objectivas que permitam concluir por morte devida a intoxicação medicamentosa, afirmando que chegou a esta conclusão apenas porque nenhuma explicação lhe pareceu melhor causa. 2.10 No entanto afirma que a quantidade do medicamento encontrado no sangue é terapêutica e se assim é concluir-se à que não é uma dose letal. 2.11 Pelo que provado está que a criança faleceu de morte súbita, quadro muito frequente em crianças que padecem de epilepsia benigna da infância, morte esta que não teve qualquer nexo causal na conduta da Arguida. 2.12 A prova produzida em Julgamento demonstrou assim a inexistência de factos suficientes para preencher o tipo do crime de Homicídio, seja na forma consumada, seja na forma tentada. 2.13 Aliás, nem sequer foi demonstrado nos Autos a existência de quaisquer factos que preencham o tipo objectivo de um qualquer crime, como de seguida se explica. 2.14 Consequentemente, o Tribunal “a quo” errou na apreciação que fez da prova produzida nos Autos e violou o princípio do in dubio pro reo. 2.15 Tanto mais que sobre o Ministério Público impendia obrigação de produzir em Julgamento todas as provas que, no seu entender, visavam sustentar a decisão a proferir pelo Tribunal ”a quo” com vista à condenação da Arguida pelo crime de Homicídio Qualificado. 2.16 Ónus que não foi de forma alguma cumprido pelo Ministério Público, porque não logrou demonstrar e provar que com dolo, como não provou, as circunstâncias qualificantes, para efeitos de enquadramento da conduta do Arguido no n°2 do 132° do C.P. 2.17 E, este fracasso da prova, por parte do Ministério Público só pode favorecer a Arguida atento o princípio do in dubio pro reo, o que não foi atendido no Acórdão Final. 2.18 Resulta da reapreciação da prova produzida nos Autos que não há quaisquer meios de prova que comprovem, os Factos Provados constantes dos pontos 8, 9, 16, 17, 19 e 22 do Acórdão sub judicie, os quais devem ser dados como NÃO PROVADOS, existindo pelo contrário prova suficiente para dar como PROVADOS os factos constantes das alíneas E), F), G), H), L) , R) U), V) do mesmo Acórdão. 2.19 Sendo que para o operar o reexame da matéria de facto se terá de atender aos factos que foram dados como provados nos pontos 10, 11, 12, 13, 14 e 21 bem como o facto constante da alínea D) dos factos não provados. 2.20 Efectivamente, o menor (L) padecia de “epilepsia benigna da infância” (EBI), diagnosticada há cerca de um ano e tratada com o medicamento Trileptal (oxcarbazepina solução oral a 6%), que lhe era ministrado em doses de 10 ml, duas vezes ao dia. 2.21 Tal facto resultou PROVADO do depoimento da Arguida, cujas declarações se encontram gravadas em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°1720 do lado B, cassete II desde o n°000 ao n°1438 do lado A, consignado na Acta de fls.901 e ss, de 13.02.08, bem como do depoimento da testemunha (AS), que era tia do menor e à guarda de quem a criança ficava quando a mãe ia trabalhar, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I, desde 905 ao n°1604 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss. de 15.02.08. 2.22 De igual modo provou nunca foi previsto pela Arguida que a sua relação com (C) não pudesse vingar (cfr. facto n°1 e 2 da matéria provada), razão pela qual desfez-se de todos os seus bens, a exemplo da casa arrendada há seis anos e de todo o seu recheio, do carro, do emprego e de suas contas bancárias. 2.23 Estes factos encontram suporte probatório nos Autos, não só nas Declarações da Arguida prestadas em Julgamento, cujas declarações se encontram gravadas em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°1720 do lado B, cassete II, desde o n°000 ao n°1438 do lado A, consignado na Acta de fls.901 e ss. de 13.02.08, mas também do depoimento da testemunhas (R), ouvidas em Julgamento, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 1605 ao n°1720 do lado B, cassete II desde o n°000 ao n°585 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss de 15.02.08. 2.24 Deste modo com assento na prova testemunhal produzida e supra enunciada só pode concluir-se que os factos contidos na Alínea L) da Matéria de Facto Não Provada terão de ser considerados como PROVADOS. 2.25 Os factos constantes dos pontos 8 e 9 dos Factos Provados não tem qualquer meio de prova produzido em Julgamento que os sustente sem qualquer margem de dúvida, emergindo apenas das declarações escritas constantes de Auto produzidas em sede de 1° interrogatório de Arguido detido, as quais foram negadas em sede de Julgamento. 2.26 A Arguida nega peremptoriamente ter ministrado à criança o conteúdo de 3 frascos de Trileptal e esta afirmação não é contrariada por nenhum outro meio de prova produzido em sede de Julgamento. 2.27 A mensagem escrita no telemóvel (cfr. fls.173 dos Autos) não prova que a arguida ”segurou o queixa do (L) a deitou para o interior da sua boca 3 frascos de Trileptal, de 100ml cada um, ao mesmo tempo que a fazia beber água para o impedir de vomitar, assim o obrigando a ingerir aquele produto” (cfr. ponto 8 dos factos provados). 2.28 Tanto mais que resultou provado que a criança só ingeriu oxcarbazepina numa concentração de 5,17 ug/ml (cfr. ponto 9 da matéria provada) e que essa quantidade corresponde a uma dose que é inferior à terapêutica. (cfr. ponto 10 dos factos assentes). 2.29 E dúvidas não existem que se no sangue foi encontrada a quantidade de 5,17 ug/ml essa é a quantidade ingerida sendo que a mesma não corresponde à ingestão de 3 frascos de Trieptal, ou seja, 300 ml equivalente a 18000 m.g. de Trileptal. 2.30 E esta conclusão é a única que se pode extrair e não outra porquanto é do conhecimento do homem médio que para a ingestão de 300 ml de medicamento o organismo da criança teria de acusar uma presença de medicamento superior a 5,17 ug/ml. 2.31 Razão pela qual os factos dados como assentes no ponto 9 da matéria de facto estão em contradição entre si, tanto mais que se a dose de 300 ml se «veio a revelar letal» mal se compreende porque razão no momento da «autópsia (B) apresentava oxcarbazepina no sangue numa concentração de 5,17 ug/ml» a qual é «inferior à dose terapêutica» - cfr. Facto n°8,9 e 10 dos Factos Assentes. 2.32 E se a dose do medicamento presente no sangue da criança é uma dose infra terapêutica logo não é uma dose letal, logo a criança não morreu pela ingestão do medicamento, logo não ingeriu a criança a quantidade de 300 ml de Trileptal. 2.33 De igual modo do depoimento produzido nos Autos pela Dra. (P), Perita Médica Legal do Instituto Médico Legal (IML) do Estado da Bahia - Brasil, e que se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°343 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss de 15.02.08), emerge a prova que é impossível que (L) tenha morrido em decorrência de intoxicação medicamentosa. 2.34 Porquanto a concentração de oxcarbazepina encontrada no organismo de (L), isto é, 5,17 ug/ml, é inferior à dose terapêutica e, inclusivamente, inferior à dose apta a causar algum efeito colateral no Sistema Nervoso Central (SNC), que é acima de 9 ug/ml. 2.35 A Dose Letal (DL50) encontrada para a ozcarbazepina foi superior a 1000 mg/kg em todos os animais testados, o que corresponde a 1.000.000 ug/kg, sugerindo que no homem a intoxicação por esse medicamento provavelmente seja rara. 2.36 Do depoimento da Dra. (P) emerge a prova de que uma criança pesando 25 kg, como é o caso do (L), teria que ingerir 25.000 mg da substância para apresentar algum sinal de intoxicação, o que não quer dizer que entrasse imediatamente em óbito, já que a oxcarbazepina não é considerada um veneno. 2.37 Portanto, considerando que um frasco de Trileptal possui 100 ml, para se chegar a 25.000 mg, isto é, começar a intoxicar, (L) teria de ingerir mais de quatro frascos desse medicamento (100 ml = 6000mg). 2.38 E tendo em conta que o único vestígio de oxcarbazepina encontrado no corpo de (L) é de 5,17 ug/ml, que corresponde, inclusivamente, a uma dose infra-terapêutica, jamais (L) poderia ter ingerido os três frascos de Trileptal como foi dado por demonstrado nos pontos 8 e 9 do Acórdão. 2.39 O que quer dizer que, se (L) tivesse de facto ingerido os três frascos de Trileptal, a quantidade de oxcarbazepina acusada no seu organismo teria que ser muito superior a 5,17 ug/ml. 2.40 Disse ainda a Dra. (P) que a oxcarbazepina é uma medicação bastante eficaz no tratamento da epilepsia, sendo ligeiramente assimilada pelo organismo, ou seja, no máximo em duas horas entra na corrente sanguínea. 2.41 Ressaltou ainda, como mera hipótese académica, que se (L) tivesse ingerido o conteúdo de três frascos de Trileptal, mesmo assim essa quantidade seria insuficiente para provocar a sua morte, já que equivale à dose de 18.000 mg, portanto inferior a 25.000 mg, que é a quantidade acima da qual poderia ocorrer alguma intoxicação. 2.42 Suportada no quadro descrito no Relatório de Autópsia, a Dra. (P) afirmou e provou cientificamente que (L) faleceu em decorrência de um ataque epiléptico desencadeado por uma “Amigdalite Purulenta à Direita”, identificada no hábito interno do menor. 2.43 Sendo que o próprio Relatório da Autópsia conduz à conclusão do falecimento por um ataque epiléptico, visto que foram encontrados elementos objectivos que sugerem o padecimento de crise convulsiva por (L). 2.44 Isto porque, associado à amigdalite purulenta — que normalmente vem acompanhada de febre e é um forte propulsor de convulsões sobretudo em crianças com tendência, foi encontrado no cadáver de (L), edema encefálico e congestão meningo-encefálica sugerindo aumento da pressão intra-craniana, ou seja, que houve convulsão e sofrimento. 2.45 Com muita propriedade, afirmou que os ataques de epilepsia muitas vezes são muito intensos e podem aumentar a pressão intra-craniana por conseguinte provocam edema cerebral, tal como foi observado no corpo de (L). 2.46 Ademais, foi diagnosticado em (L): edema pulmonar, equimoses ósseas nos rochedos e Manchas de Tardieu (raras petéquias), sinais pulmonares de asfixia, compatíveis com crise convulsiva. 2.47 Para além disso, encontra-se descrito nos Autos que (L) apresentava os calções molhados ao nível dos genitais, prova suficiente de que houve relaxamento de esfíncteres, mais uma característica de ataque epiléptico. 2.48 Pelo que, (L) faleceu em decorrência de crise convulsiva, possivelmente desencadeada por febre advinda da amigdalite purulenta, não havendo nenhum nexo causal entre a sua morte e a conduta da arguida em ministrar-lhe o medicamento. 2.49 O que realmente é a substância que entra na corrente sanguínea, de modo que nem mesmo é correcto dizer que (L) eliminou, pelo vómito e urina, grande parte da oxcarbazepina supostamente ingerida, atento o facto de só ter sido acusado 5,17 ug/ml no corpo do menor. 2.50 Mas, para além do impossível, é de se ressaltar que tal conclusão nem mesmo pode ser provada, já que a Policia Técnica deixou de quantificar a oscarbazepina supostamente presente nos vestígios do vómito e urina do menor, bem como da própria Arguida, como se prova pelo depoimento da testemunha (O), gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I desde o n°1173 ao n°1372 do lado A, consignado na Acta de fls.901 e ss de 13.02.08. e do documento de fls.272 dos Autos. 2.51 Deste modo, com assento na prova testemunhal produzida pelas declarações Perita Médico-legal Dra. (P), cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete desde 000- ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°343 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss de 15.02.08, só pode concluir-se que os factos contidos nos pontos 8, 9,16,17,18,19 da Matéria de Facto Provada terão de ser considerados como NÃO PROVADOS e dados como PROVADOS os factos constantes das alíneas E), F), G), dos Factos não Provados. 2.52 Mas igual conclusão se refira do depoimento do perito médico-legal Dr. (F), Perito do IML de Lisboa, gravado na cassete n°1 do lado A a voltas 1 a 1726 e do lado B da referida cassete a voltas 9 a 320 , conforme acta de julgamento de fls.948 de 12.03.08, e do depoimento prestado pelo Médico Neurologista Dr. (J), gravado na cassete n°2, lado A voltas 100 a 1689 e a voltas 52 a 1588 do lado B, consignado na Acta de fls.948 e ss de 12.03.08, e da conjugação de todos estes depoimentos entre si, na busca da verdade material. 2.53 O facto de o Relatório Pericial gozar da força probatória conferida pelo artigo 163 do C.P.P. não exime o Juiz de apreciar a prova perante si produzida na salvaguarda do principio do contraditório, tanto mais, como foi assumido nos Autos pelo Tribunal “a quo” já não é possível a realização de uma nova autópsia à criança para contraditar a anteriormente feita. 2.54 Sendo que o Dr. (J) e a Dra. (P) não depuseram como meras testemunhas mas como Médicos munidos dos mesmos conhecimentos técnico-científicos que o Perito Dr. (F), pelo que, os seus depoimentos não possuem o valor de mera prova testemunhal, mas de prova testemunhal assente em conhecimentos científicos relevantes para aferir a validade e credibilidade do depoimento do Perito (F). 2.55 E da conjugação do depoimento do Perito Dr. (F) com o depoimento da Perita Médico Legal Dra. (P) e do Dr. (J), comprova-se que aquele confirma também que a concentração de 5,17 ug/ml encontrada no organismo de (L) é, de facto, uma dose terapêutica, conclusão de igual modo sustentada pela Dra. (P). 2.56 Corrobora o Perito Dr. (F) o depoimento da Dra. (P) quando diz «portanto, mas para mim foi um efeito adverso embora tenha sido uma dose terapêutica – a dose terapêutica vai entre os 4 a 12 microgramas – foi um efeito adverso. Quer dizer, a carmabazepina dá-se mal com a febre e não sei se ele, por causa de amigdalite purulenta, estaria a fazer algum antibiótico. Se estava a fazer algum antibiótico, eles também podem ter um efeito adverso com baixas doses de carmabazepina», identificando desta forma o foco de infecção ela amigdalite purulenta, referida pela Drª (P). 2.57 Mas, com esta afirmação, o Dr. (F) nega a conclusão a que chegou no Relatório da Autópsia e destrói por completo o nexo causal estabelecido pela Acusação entre a ingestão de 3 frascos de Trileptal e a morte da criança, a morte por intoxicação. 2.58 Ora, se o Perito subscritor do Relatório de Autópsia afirma que a concentração de 5,17 ug/ml de oxcarbazepina encontrada no organismo de (L) é uma dose terapêutica, consequentemente o menor não morreu por intoxicação medicamentosa, sendo que não se identifica mais nenhuma causa de morte no referido Relatório. 2.59 Mas o perito vai mais longe na explicação do seu relatório, afinal a criança não morreu por intoxicação medicamentosa mas sim por um efeito adverso ao medicamento. 2.60 Do que resulta que, diante das evidências de ter (L) padecido de morte natural e da afirmação do Sr. Perito - que, repita-se contraria a conclusão a que chegou no seu próprio Relatório - o Relatório da Autópsia não pode ser considerada uma prova plena, porquanto o mesmo não corresponde à verdade material dos factos, impedindo que Tribunal sustente a decisão final sobre o mesmo. 2.61 Pois deixou de ser um meio de prova válido em face dos vícios e irregularidades de que padece e que a Defesa da Arguida logrou demonstrar nos Autos e em sede de Produção de Prova. 2.62 Provado está nos Autos que a medicação foi ministrada ao (L) na manhã do dia 5 de Julho de 2007, nunca antes das 11h., visto que a Arguida, desde as 8h. até por volta das 11h. permaneceu a falar com (C) ao telefone, na tentativa de convencê-lo a reatar a relação, como emerge dos exames periciais realizados nos telemóveis da Arguida e (C). 2.63 E Provado está que a criança quando os bombeiros chegaram ao local, cerca das 15h00 já encontraram a criança sem sinais vitais como resulta do depoimento da testemunha (JP), Bombeiro de Alenquer, gravado em duas fitas magnéticas, cassete III desde o n°1373 ao n°1636 do Lado A registado na Acta de fls.901 e ss datada de 13.05.08, e primeira pessoa a chegar ao local dos acontecimentos. 2.64. Confirma, assim, a testemunha supra, que a equipa do INEM ainda tentou efectuar manobras de reanimação na criança, também sem qualquer sucesso, tendo declarado o óbito pelas 15h55m, indicando paragem cardiovascular de 60 minutos. 2.65 Do que resulta que entre a toma da medicação e o óbito de (L) nunca decorreram mais do que três horas. 2.66 Por conseguinte, de acordo com os depoimentos dos Médicos, releva considerar: A oxcarbazepina leva duas horas para ser metabolízada e certa de seis a oito horas para começar a ser eliminada; O que intoxica é o que entra na corrente sanguínea; O que é expelido pelo organismo, foi porque não entrou na corrente sanguínea; Depois de morte o organismo não elimina mais toxinas, já que os rins pararam de funcionar; 2.67 Face ao exposto, jamais se pode concluir que (L) ingeriu três frascos de Trileptal, porquanto a substância acusada em seu organismo, ou seja, 5,17 ug/ml de oxcarbazepina, é inclusivamente uma dose infra-terapêutica, 2.68 Isto por duas razões: só foi acusada a presença de 5,17 ug/ml de oxcarbazepina no sangue do menor; não ocorreu tempo suficiente entre a suposta ingestão dos três frascos de Trilepta e a morte da criança, que permitisse ao organismo processar o medicamento no sangue. 2.69 Pacifico, portanto, que (L) não morreu de intoxicação medicamentosa, como, aliás, reconhece o próprio Perito subscritor da Autópsia. 2.70 Pelo que, não existe qualquer suporte probatório para lograr obter a condenação da Arguida baseada apenas no Relatório de Autópsia, completamente destruído pelo seu próprio autor e eivado das apontadas contradições. 2.71 Diga-se, ademais, que no esforço de emendar tantos e sucessivos erros, o Dr. (F) por fim respondeu aos quesitos formulados pelo Tribunal, pelo Ministério Público e pela Defesa da Arguida, emitindo o Parecer que consta dos Autos, o qual vem reforçar a destruição do relatório de autópsia como meio de prova apto a estabelecer o nexo causal entre a acção da arguida descrita na acusação e a morte da criança. 2.72 Desde logo porque o Sr. Perito não consegue estabelecer o nexo causal entre a conduta da Arguida e a morte de (L), tanto mais que, segundo suas próprias palavras “efeito ou reacção adversa a um medicamento, é qualquer resposta prejudicial, não intencional, que ocorre nas doses normalmente utilizadas em seres humanos para a profilaxia, diagnóstico e tratamento de doenças ou para a modificação de uma função fisiológica”. 2.73 O Dr. (F), no mesmo Parecer, não exclui a possibilidade de ocorrência de convulsões, “independentemente da dose ingerida, devido a efeitos idiossincráticos (hipersensibilidade não imunológica para uma substância, sem conexão com a toxidade farmacológica) não esperados”. 2.74 Com efeito, também não consegue demonstrar que as convulsões sofridas por (L), que conduziram ao óbito, foram desencadeadas pela ingestão excessiva de um anticonvulsivo, tanto mais que afirma que a “amigdalite purulenta é um quadro clínico que pode condicionar determinadas alterações fisiopatolágicas, incluindo convulsões relacionadas com febre elevada ou desequilíbrios electrolíticos, sobretudo em crianças”. 2.75 É de se ressaltar a afirmação do Sr. Perito na resposta que deu ao quesito 8, XXIII, a saber: “A hipotermia pode provocar crises convulsivas, sobretudo em crianças e, especialmente, em doentes epilépticos, com particular realce para as crianças epilépticas. Estas crises convulsivas, dependendo da sua intensidade e duração, podem por si sós, conduzir à morte” 2.76 Acresce-se a isto o facto de o Sr. Perito não responder satisfatoriamente às questões f) e g) formuladas pelo Ministério Público, posto que utiliza-se de observações que pecam pela subjectividade. 2.77 Ao quesito i) do Ministério Público, o Sr. Perito decididamente reconhece características que revelam a ocorrência de crise convulsiva no exame do hábito interno do cadáver, tais como “mordeduras na língua e “sinais asfíxícos”, embora não as tenha descrito no Relatório da Autópsia. 2.78 O Dr. (F) atesta, em resposta ao quesito 8, III, da Defesa, que “Não foram encontrados, nas análises efectuadas, níveis tóxicos de oxcarbazepina no sangue”. 2.79 Ademais, sabendo-se que, para se aferir sobre a ocorrência de intoxicação medicamentosa é imperioso dosear o medicamento nos fluidos orgânicos e analisar o fígado e o coração, perguntado pela Defesa, o Dr. (F) efectivamente deixa sem resposta o quesito 8, XXIV, de modo que deixa patente não ter procedido com o doseamento referido. 2.80 Portanto, mais uma vez não pode provar que (L) morreu de intoxicação medicamentosa. 2.81 Acresce ainda que ao apresentar duas causas possíveis para a morte de (L), ainda que sem sustentá-las cientificamente, o Dr. (F), no mínimo, implanta a dúvida no caso vertente. 2.82 Mas o próprio Sr. Perito é quem inocenta a Arguida, quando afirma, em resposta ao quesito 8, IV, da Defesa, que “O efeito adverso não depende de uma dose tóxica” - do que resulta que pode ser causado por uma eventualidade qualquer, sem que se possa imputar culpa a alguém – “ao contrário da intoxicação que exige uma dose tóxica, letal ou não” - do que resulta a impossibilidade da ocorrência de intoxicação medicamentosa no caso dos autos, visto que a concentração da droga encontrada no organismo de (L) é, inclusivamente, infra-terapêutica. 2.83 E responde afirmativamente ao quesito 8, XIX, sobre se os sinais de asfixia localizados no Relatório da Autópsia podem ou não ser consequência de uma crise convulsiva que provocaram morte súbita. 2.84 Vê-se, pois, por qualquer ângulo que se queira analisar, que não se pode condenar a Arguida com base no Relatório da Autópsia, equivocado, controvertido e, portanto, imprestável como meio de prova. 2.85 Porquanto é baixa a concentração da substância encontrada no organismo de (L), dentro dos padrões de uma dose terapêutica, logo, incapaz de provocar toxicidade 2.86 De igual modo o depoimento do Dr. (J), Médico Neurologista com grande conhecimento sobre epilepsia, gravado na cassete n°2 do lado A a voltas 100 a 1689 e a voltas 52 a 1588 do lado B da referida cassete como emerge da Acta de fls.948 e ss datada de 12.03.08, corroborou o depoimento da Dra. (P), e esclareceu com rigor e objectividade as dúvidas que emergiram do depoimento do Dr. (F) e que ressaltam do Relatório de Autópsia. 2.87 Também para este Médico, é evidente que (L) padeceu de morte súbita, muito comum de acontecer na infância e sem nenhuma ligação causal com o medicamento que lhe foi ministrado pela Arguida, em dose sub-terapêutica, frise-se. 2.88 Tanto mais que no caso dos medicamentos epilépticos a ingestão aumentada provoca coma e não morte súbita, sendo obrigatório encontrar no sangue uma dose manifestamente superior à quantidade descrita nos autos. 2.89 Acrescenta, que definitivamente três frascos de Trileptal não correspondem a 5,17 ug/ml, sendo que até 3g de oxcarbazepina nem sequer se pode falar em intoxicação. 2.90 Tanto mais que, correspondendo 300 m a 3 g de medicamento, até 1,5 g considera-se a dose normal para uma criança com 25kg, de modo que o dobro da dose provocaria sonolência e coma, mas nunca morte subida, como de facto aconteceu. 2.91 Assim, à vista do Relatório da Autópsia, diz o Médico que, cientificamente, não se pode provar a ocorrência de morte indirecta, ou seja, em decorrência de reacção adversa ao medicamento, apenas importando para o efeito que 5,17 ug/ml é uma dose terapêutica, e que o menor faleceu de morte súbita. 2.92 Afirma que é impossível (L) ter ingerido três frascos de Trileptal, beber água, vomitar e só ficar no sangue 5,17 ug/ml, já que a Medicina é feita por evidência e, no caso, não tem dúvidas que o menor morreu de morte súbita, porquanto são essas as evidências que constam do próprio Relatório de Autópsia. 2.93 E esclarece, o Dr. (J) no seu depoimento que a oxcarbazepina demora 6 a 8 horas em circulação e só depois disso é eliminada, daí porque é ministrada duas vezes ao dia. 2.94 Que, o limiar terapêutico da oxcarbazepína é de 8 a 12 ug/ml e é sempre estável, ou seja, só depois do período referido supra é que começa a baixar, de forma que se fosse mais elevado seria sempre igual, sobretudo se a pessoa já está morta. 2.95 Em síntese, conclui o Médico que a ingestão superior de droga provoca alteração hepática e cardíaca e, in casu, o Relatório da Autópsia refere-se a edema cerebral que, ao contrário, não é sinal de intoxicação medicamentosa. 2.96 Para que (L) tivesse morrido em face de uma ingestão aumentada de medicamento, o seu organismo teria que acusar o doseamento sérico dez vezes maior, níveis iônicos maior e alterações hepáticas e cardíacas, o que não foi visualizado pelos Médicos Legistas do IML de Lisboa. 2.97 Do que resulta que o edema cerebral conjugado com a amigdalite, como é descrito no Relatório da Autópsia, é evidência científica de morte súbita. 2.98 As afirmações da Dra. (P) e do Dr. (J) são compartilhadas pelo Dr. (LG), Director do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital do Espírito Santo de Évora, cuja opinião é subscrita pelo Senhor Professor (JS), catedrático de Anatomia Patológica do IPOFG, como emerge do Parecer junto aos Autos. 2.99 Posto isto, Médicos renomados, cada um na sua respectiva especialidade, atestam com convicção e ciência que (L) verdadeiramente faleceu de morte natural (em contraposição a uma acção homicida), decorrente de crises convulsivas sem nexo causal com a ingestão aumentada de anticonvulsivante. 2.100 Podemos assim concluir com base nos depoimentos supra transcritos, da Dra. (P) (cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 - ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°343 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss de 15.02.08), do Dr. (J) (cujo depoimento se encontra gravado na cassete n°2, lado A, voltas 100 a 1689 e a voltas 52 a 1588 do lado B, consignado na Acta de fls.948 e ss de 12.03.08) conjugados com o parecer subscrito pelo Dr. Luís com o depoimento do perito (F) (cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I, lado A , voltas 1 a 1726 e do lado B da referida cassete a voltas 9 a 320, consignado na Acta de fls.948 e ss de 12.03.08) e com os factos provados nos pontos 10, 11, 12, 13,14, 15 e 21 que ter-se-á que dar como NÃO PROVADOS os factos constantes dos pontos 8, 9,16, 17, 19, dos Factos Assentes por total inexistência de prova que permita responder pela afirmativa nos moldes em que os mesmos estão redigidos. 2.101 Em consequência e com base nos mesmos pressupostos probatórios supra enunciados estão PROVADOS os factos constantes das Alíneas E), F), G), dos factos não provados inserta no Acórdão Sub judicie. 2.102 O estado de desorientação e intenso sofrimento da arguida foi confirmado pelo Sr. (MB), Bombeiro de Alenquer, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete III desde o n°1637 ao n°1720 do lado A, desde o n°000 ao n°527 do lado B, consignado na Acta de fls.901 e ss, de 13.02.08.o qual declarou em audiência de julgamento que, comovido com a situação de desespero em que se encontrava a Arguida, mentiu à mesma dizendo que o seu filho estava vivo. 2.103 O que também é confirmado pelo depoimento da Dra. (T), cujo depoimento se encontra gravado na Cassete I, lado AB, a voltas 637 a 11693, consignado na Acta de fls.948 e ss de 12.03.08., em sede de audiência de julgamento, quando afirma que deixou de encaminhar a arguida para avaliação psicológica antes de alta hospitalar, procedimento obrigatório em caso de tentativa de suicídio, porque os agentes da PJ estavam à espera para a levarem. 2.104 Com efeito, afirmou a Médica Dra. (T), que deu alta hospitalar à Arguida contando apenas com a sua observação óptica de que a mesma estava bem. 2.105 Ora, é de se ressaltar que a especialidade da Dra. (T) é a Medicina Interna, portanto não está apta a fazer diagnóstico psiquiátrico, obrigatório em casos de tentativa de suicídio. 2.106. A Arguida não estava em condições físicas e psíquicas de entender, com consciência de sentidos, o que efectivamente dizia aquando dos seus interrogatórios, facto que é atestado pela Dra. (V), Médica Psiquiatra Forense, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, cassette I, desde o n°00 ao n°1740 do lado A, n°000 ao n°851 do lado B, da Acta de fls.1151 datada de 11.04.08, que examinou a Arguida e que, em Audiência de Julgamento, declarou que a mesma, face ao trauma sofrido, não teve e ainda não tem condições de sequenciar o que aconteceu no dia da morte de (L). 2.107 Tem a Arguida apenas a certeza que não deu a beber ao (L) o conteúdo de três frascos de Trileptal, esclarecendo em Audiência de Julgamento que as declarações prestadas perante a PJ e o Juiz de Instrução não correspondem inteiramente à realidade. 2.108 Para além disso, nunca quis confessar a prática de qualquer crime contra o seu filho, mesmo porque nunca foi sua intenção tirar-lhe a vida. 2.109 E tanto assim é e assim foi compreendido pelo Tribunal a quo que deu como NÃO PROVADO que a arguido tivesse a intenção de causar a morte a (L). (Cfr. alínea D) 2.110 A razão para ter confessado dar a beber ao (B) três frascos de Trileptal, deveu-se à forte pressão psicológica sofrida por parte dos agentes da PJ, que lhe prometeram levar para ver o filho logo que terminassem o interrogatório. 2.111 Pelo que se conclui que os factos, constantes nas alíneas R), T), U) V) dos Factos não Provados, em face da prova documental e testemunhal supra apontada devem ser dados como PROVADOS. 2.112 O Tribunal recorrido fundamenta a Decisão condenatória no Relatório da Autópsia de fls.409 a 412, que considera complementado, reforçado e esclarecido pelo Parecer emitido pelo Perito que o subscreveu e pelas declarações proferidas pelo mesmo em Audiência de Julgamento. 2.113 Considera, ademais, que a força probatória do Relatório da Autópsia não resultou abalada pelos depoimentos das testemunhas (J) e (P), bem como pelos documentos de fls.870 a 872, 887 a 900 e 1341 a 1370 (bibliografia médica). 2.114 Com a referida Decisão, o Tribunal Colectivo não só nega os factos e a tese exaustivamente esboçada pela Defesa, como também julga o caso contra todo o conjunto probatório dos autos. 2.115 Para além do que, confere ao Relatório da Autópsia uma força inabalável, o que de certo não foi a intenção do Legislador. 2.116 Isto porque, e de acordo com o que implacavelmente a Defesa trouxe aos Autos na busca incansável pela verdade material, da conduta da Arguida não resultou a ocorrência de qualquer facto típico-penal e é isto que deve sobrepujar em todo a prova dos autos, que se deve realçar independentemente de considerações sobre valores ou hierarquia entre os meios de prova. 2.117 É de se ressaltar, portanto, que a morte de (B) decorreu de causa natural, ou seja, não foi desencadeada por conduta criminosa. 2.118 Em face do exposto supra, face às incongruências e as controvérsias do Relatório da Autópsia, este restou imprestável como meio de prova, pelo que, não é legítimo, ante todas as falhas apontadas ao Relatório, pretender que o mesmo subsista em sua força de prova plena que, no entender do Tribunal, somente poderia ser abalada através da realização de segunda perícia. 2.119 Ora, com tal asserção, pretende o Tribunal a realização do impossível, por duas razões primeiro, porque muito improvavelmente se conseguiria viabilizar a realização de nova perícia, considerando que o cadáver do menor (B) se encontra sepultado no Brasil e Segundo, porque o próprio Tribunal negou peremptoriamente todas as tentativas de nomeação de Consultores Técnicos no auxilio da Defesa - e, por conseguinte, do próprio Tribunal - na formulação das perguntas ao Perito aquando do seu depoimento em Audiência de Julgamento. 2.120 Quando, a Defesa em resposta ao convite do Tribunal a quo apresentou as suas perguntas por escrito, para que o Perito, também por escrito, as respondesse, já estava prejudicado o princípio da imediação e do contraditório, visto que nada nem ninguém garante que estas tenham partido do Perito, ou seja, qualquer pessoa, como quem faz um dever de casa, poderá tê-las respondido. 2.121 Com esta Decisão - que, aliás, é objecto de Recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa - o Tribunal Colectivo impossibilitou o exercício do contraditório por parte da Arguida, imprimindo no Relatório da Autópsia o peso incontestável de prova plena, ao arrepio de todas as dúvidas e com o cerceio de todos os meios de defesa requeridos 2.122 Mas não só, o Tribunal Colectivo, ao se centrar no que aparentemente serve como fundamento da Decisão condenatória, fechou os olhos para todas as provas que, ao contrário, abonam em defesa da Arguida. 2.123 Basta ver que o Tribunal considerou o depoimento da testemunha Dr. (J) em conformidade com as declarações do Perito Dr. (F), ressaltando partes desse depoimento que isoladamente são de somenos relevância, mas desconsiderando todo o restante, todos os dados pautados em conhecimentos médico-cientificos que corajosamente o Dr. (J) trouxe aos autos para provar que a Arguida não matou o seu filho. 2.124 Do que resulta que a Decisão condenatória viola a maior garantia a favor da liberdade do cidadão e, consequentemente, o fundamental principio in dubio pro reo, para além de se assentar em prova completamente arruinada pelo seu autor e sobre a qual não se pode exercer o contraditório e a ampla defesa. 2.125 E, porquanto não se discorde que o valor probatório da perícia presume via de regra, subtraído à livre apreciação do julgador, isto não implica em que, em todo o caso, mantenha essa mesma força de prova plena, ainda mais quando há contradições entre as suas conclusões e os posteriores esclarecimentos do Perito subscritor. 2.126 É de se recordar que, de facto o que restou provado - seja pelo Relatório da Autópsia e os esclarecimentos que se seguiram, seja pelos depoimentos das testemunhas, corroborados pelos Pareceres de renomados Médicos e pela farta bibliografia junta aos autos – foi que a quantidade de oxcarbazepina encontrada no organismo de (B) representa uma dose infra-terapêutica, ou seja, incapaz de levar alguém a óbito. 2.127 E extreme de dúvidas, também, é que tendo sido detectada apenas a presença de 5,17 ug/ml da substância no organismo de (B), jamais a Arguida poderia ter-lhe ministrado 300 ml de medicamento, correspondente a 3 frascos de Trileptal. 2.128 Porquanto se o organismo de (B) chegou a eliminar alguma toxina pelo vómito e urina, isto foi razão suficiente para que a substância não tenha ingressado na circulação sanguínea, o que de toda a sorte impediria a ocorrência da suposta intoxicação medicamentosa. 2.l29 Para além disso, o organismo, depois do falecimento dos órgãos, não excreta mais nenhuma toxina, seja pelo vómito ou urina. 2.130 Com efeito, a concentração de 5,17 ug/ml de oxcarbazepina foi a que efectivamente estava presente no organismo de (B), no momento do seu falecimento, sendo esta uma dose absolutamente inócua para desencadear um processo de intoxicação que, por sua vez, conduziria à morte. 2.131 Todos os médicos ouvidos em Audiência de Julgamento, bem como todos os Pareceres e bibliografia médica junto aos Autos sob a forma de documentos, são uníssonos em atestar que (B) padeceu em decorrência de uma crise convulsiva, sem nenhum nexo causal com conduta de terceiros. 2.132 Tal evidência não é negada pelo Perito subscritor do Relatório da Autópsia, visto que reconhece 5,17 ug/ml de oxcarbazepína como sendo uma dose terapêutica e, ademais, reconhece características de crise convulsiva na análise que fez ao cadáver do menor, sem que consiga explicar, com o grau de certeza exigido para uma condenação, que esta adveio da toma excessiva de medicamento. 2.133 Diante de tal evidência científica, pode-se seguramente afirmar que, mesmo que a Arguida, em momento de grande confusão mental e emocional, tivesse subjectivado o desejo de tirar a sua vida e levar consigo o seu filho e, nesse seguimento, tivesse dado a beber ao menor indeterminada quantidade de medicamento, com o intuito de adormecê-lo, embora aceitando ocorrência de sua morte definitivamente NÃO foi isto que tirou a vida de (B). 2.134 Porquanto neste suposto curso causal interpôs-se uma causa natural, a verdadeira responsável pela morte de (B). 2.135 Do que resulta que, quando muito, falta à hipótese o terceiro degrau para a imputação do resultado à conduta da Arguida, qual seja, a conexão do risco. 2.136 Tem-se, pois, de acordo com a doutrina da causalidade virtual, que se o agente não tivesse actuado, o resultado mesmo assim se produziria por força de uma acção de terceiro ou de um comportamento natural. 2.137 Aceita-se, assim, a exclusão da imputação, visto que o agente se limitou a modificar a causalidade natural, sem aumentar a sua dimensão de perigo. 2.138 Ora, seguindo este raciocínio, e admitindo a possibilidade de ter a Arguida agido com dolo eventual, como é a pretensão do Tribunal, ainda assim não foi a conduta da Arguida que provocou a morte de (B), por duas razões: 2.139 Primeiro, porque mesmo que a Arguida tivesse subjectivado e agido com intenção de tirar a vida de (B), ou de aderir a essa possibilidade, não foi a sua conduta que o levou à morte, antes sendo esta a decorrência de causa natural já determinada pelo destino, em consequência da doença que acometia o menor. 2.140 Segundo, e em somatório, porque não agiu a Arguida de forma apta para a consumação do facto, sendo incapaz ou absolutamente inidóneo o meio empregado – dose infra-terapêutica. 2.141 É de se salientar, a esse respeito, que a Arguida nunca pode ter dado 3 frascos de Trileptal, ou seja, 300ml do medicamento, para (B) beber, já que somente 5,17 ug/ml da substância foi encontrada em seu organismo. 2.142 De modo que esse dado é de suma importância para a aferição da inidoneidade do meio, que concretamente revelou-se absolutamente inidóneo, face à pouca quantidade de medicamento ministrado ao menor, com o exclusivo intuito de fazê-lo dormir, como pode esclarecer a Arguida em audiência de julgamento. 2.143 Com efeito, não é político-criminalmente conveniente condenar a Arguida pela prática de um facto que sobreveio independentemente da sua conduta, não sendo demasiado afirmar que, inclusivamente, nem mais importaria investigar se tratou-se de conduta lícita ou ilícita. 2.144 Não se vislumbra, onde o Tribunal foi buscar que a Arguida previu a possibilidade de, com a sua conduta, matar o seu filho; nem quando foi que, face a essa previsão, deliberada, livre e conscientemente, se conformou com esse resultado. 2.145 Pelo que foi com grande surpresa que a Defesa da Arguida, já na leitura do Acórdão, deparou-se com a “existência” de dolo eventual, quando, ao contrário, nada no decurso da Instrução o revelou, excepto o interrogatório perante o Juiz de Instrução de uma Arguida doente, confusa, medicada e abalada pelos últimos acontecimentos e a morte do seu filho que se seguiu. 2.146 Face a tudo o quanto exposto supra, melhor e mais correcta solução não resta senão absolver a Arguida do crime que pesa contra si, face à sua completa inocência, a ausência de dolo de matar, bem como à falta de tipicidade material, porquanto não se pode imputar objectivamente o resultado lesivo ao bem jurídico vida à conduta da Arguida.
3. O Ministério Público respondeu, concluindo: 3.1 Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido a fls.1448 e segs. dos autos à margem referenciados, que condenou a arguida (A) pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo art.131° do Código Penal, na pena especialmente atenuada de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova. 3.2 Contudo, não assiste razão à arguida recorrente, porquanto resultou provado que o menor (B) morreu na sequência da ingestão forçada pela arguida de três frascos de trileptal, que correspondem a uma dose de 18 000 mg de oxcarbazepina, dose quase necessariamente letal para uma criança com o peso que (B) apresentava, de 25 Kg e também adequada a provocar fortes convulsões conducentes, por sua vez, ao resultado letal. 3.3 O perito médico foi peremptório ao refutar a hipótese de morte por causa natural, afirmando não ter visionado no cadáver quaisquer outros sinais, para além dos registados, adequados a causar a morte do menor. 3.4 As próprias declarações da arguida, prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial e lidas em julgamento nos termos do art.357, nº1, al.b,do Código de Processo Penal foram adequadas a esclarecer o circunstancialismo em que agiu, forçando o menor à ingestão daquele medicamento e naquela quantidade. 3.5 Estas declarações mostram-se sinceras porquanto conformes ao teor dos escritos constantes das mensagens SMS cuja leitura consentiu em Tribunal e que não negou ter escrito, permitindo dar como assente o processo físico através do qual a arguida ministrou o medicamento ao seu falecido filho, bem como o sentimento que no momento dirigiu ao seu filho (B), acusando-o de ser a razão do seu sofrimento e afirmando que actuou embora imaginasse que a toma excessiva desse medicamento poderia levar à morte. 3.6 Resultou ainda claramente provado, por depoimento testemunhal, pericial, relatórios clínicos e do LPC, que o menor vomitou e urinou (apresentava vómito e os calções molhados), factores de eliminação do produto tóxico e justificativos do facto de no seu cadáver apenas ter sido detectada uma quantidade de 5,17 mg de oxcarbazepina, correspondente a uma dose terapêutica, não letal 3.7 Importa salientar que segundo a bula do medicamento a dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso referido (25 Kg) é, em média, de 1000 mg/dia. Ora, uma dose de 18 000 mg/dia, ou seja 18 vezes superior à indicada, configura-se como altamente tóxica e quase seguramente letal - quesito 8- XIII - e que os vómitos profusos, corrimento do soro e a urina excretada podem ter eliminado um quantidade não determinada de produto, o que levaria a uma diminuição da sua concentração no sangue e aos níveis não tóxicos encontrados nas análises efectuadas (XIV). 3.8 Ou seja, a conduta da arguida, ao obrigar o menor à ingestão de 3 frascos de trileptal, foi causal da morte do seu filho, sendo que esta decorreu directamente da ingestão medicamentosa excessiva estando excluída, com segurança, a morte por causa natural. 3.9 Com a sua supra descrita conduta, a arguida agiu de forma a determinar o evento letal e agiu aceitando-o como efeito da sua conduta sendo que entre esta e o resultado morte não existiu qualquer desvio ao nexo causal, designadamente não se interpôs qualquer outra causa que por si, tenha sido determinante do resultado morte. 3.10 Ou seja, repete-se que se demonstrou que a quantidade de 5,17 ug presente num mililitro de sangue pode equivaler à ingestão de 300 ml de trileptal, dado que a criança urinou e vomitou após a ingestão do fármaco, a morte da criança sobreveio como consequência da intoxicação medicamentosa; 3.11 Que segundo a bula do medicamento a dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso de 25 K é, em média de 1 000mg/dia, uma dose de 18000mg/dia (correspondente a 300ml da substância), ou seja, 18 vezes superior à indicada, configura-se como altamente tóxica, quase seguramente letal, superior à indicada, configura-se como altamente tóxica, quase seguramente letal; 3.12 que a intoxicação provocada por um fármaco com acção sobre o sistema nervoso central pode, com efeito, provocar convulsões, mesmo tratando-se de anti-convulsionante ou anti-epiléptico sendo que a atribuição da causa de morte de (B) a “intoxicação medicamentosa” resultou da exclusão de outra causa de morte possível mas menos provável, como sejam crise epiléptica com convulsões, axfixia pós-crise epiléptica com convulsões e outras consideradas. 3.13 e ainda que para além dos sinais de amigdalite purulenta e da presença de medicamento no sangue não foram encontrados no cadáver quaisquer outras alterações que pudessem explicar a morte, pelo que está amplamente demonstrada a prática pela recorrente de um crime de homicídio, pelo qual foi acusada. 3.14 Assim, ao contrário do referido nas conclusões de recurso, o Ministério Público logrou demonstrar a matéria integradora dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime pelo qual a arguida foi condenada -14° e 131°, ambos do Código Penal. 3.15 Não padece o douto acórdão de qualquer vício que cumpra conhecer, nos termos do art.410° do Código de Processo Penal, nem incorreu em erro de valoração da prova. 3.16 A perícia tem valor probatório subtraído à livre apreciação do julgador, só podendo ser abalado pela realização de outra perícia – art.158, nº1, al.b, do Código de Processo Penal. Ao contrário do defendido pela arguida/recorrente o relatório de autópsia, completado pelos esclarecimentos prestados pelo perito, não perdeu o seu valor de prova plena porquanto não existem contradições entre o que ficou escrito e os esclarecimentos prestados. 3.17 Na hipótese, que não ocorreu, de o Tribunal divergir do juízo pericial contido no parecer dos peritos deve fundamentar a divergência em juízos técnicos ou científicos – art.163, n°1 e 2 do Código de Processo Penal. 3.18 Mostra-se justificada toda a funda que determinou que estes factos fossem considerados provados registando-se ainda que a arguida foi benevolentemente condenada pela prática de um crime de homicídio simples, e não qualificado, beneficiando ainda de atenuação especial da pena em razão do sentimento de forte emoção que a dominava ao momento dos factos. 4. Em relação a despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 12Mar.08 (fls.948 e segs.), através do qual o tribunal indeferiu o pedido de nomeação de consultores técnicos à arguida e de comparência destes em audiência, a fim de serem ouvidos e suscitarem esclarecimentos ao perito, a arguida interpôs recurso, concluindo: 4.1 A criança, (B), morreu de morte natural e não por acção homicida; 4.2 Da prova produzida nos Autos, até ao presente momento, resultante da junção de Pareceres, de bibliografia médica e do depoimento da Drª. (P), perita Medico-Legal no Estado da Bahia, Brasil, demonstram que a presença de 5,17 ug/kg de Oxcarbazepina no sangue e no conteúdo gástrico de (B), identificada na Autópsia realizada pelo I.M.L à criança, corresponde a uma dose inferior à dose terapêutica; 4.3 A dose terapêutica (ou seja, de tratamento) pode ir até 9ug/ml, pelo que, não se pode falar em intoxicação e muito menos em morte provocada pela ingestão deste medicamento, atenta a quantidade que entrou na corrente sanguínea da criança. 4.4 A quantidade detectada de 5,17 ug/ml é em microgramas, que é uma medida inferior ao miligrama; 4.5 Ora, uma criança com o peso do (B) (25kg) teria de ter ingerido uma quantidade superior a 25.000 miligramas do medicamento, para se poder afirmar a existência de um possível quadro clínico de intoxicação. 4.6 Cada frasco de Trileptal possui 100ml (miligramas) que corresponde a 6.000 miligramas, sendo que se o menor tivesse ingerido a quantidade correspondente a 3 frascos (6000 miligramas x 3 = 18.000 miligramas), a quantidade da substancia detectada no sangue teria que ser manifestamente superior à detectada; 4.7 Decorre da bibliografia médica a descrição de situações onde seres humanos ingeriram 8 vezes mais que a quantidade detectada no (B) sem que tivesse ocorrido o óbito. 4.8 Em face do exposto, não existe correspondência directa e causal entre o total “alegadamente” ingerido pelo menor (correspondente a 3 frascos) e a quantidade da oxcarbazepina encontrada no sangue da criança (de apenas 5,17 ug/ml); 4.9 De onde se conclui que (B), faleceu, sim, de causas naturais e não por via de uma qualquer acção homicida; 4.10 E se o falecimento da criança ocorreu por uma causa natural, sem nexo causal com a actuação da arguida, então é evidente que não ocorre a prática de um qualquer crime e muito menos do Crime de Homicídio Qualificado p.p. no artigo 132° do Cód. Penal; 4.11 E em face da relevância destes factos, que na opinião da Arguida estão já demonstrados nos Autos, requereu esta ao Tribunal de 1ª instância o Arquivamento do presente processo por ser manifesto e evidente a inexistência de factos que indiciem ter a Arguida cometido um crime p.p. no Código Penal e muito menos o de Homicídio Qualificado pelo qual vem acusada, devendo ser, de imediato, restituída à liberdade; 4.12 No entanto, como se invocou no Requerimento de fls.935 e ss., caso o Tribunal “a quo” assim o não entendesse, então desde já se requeria, nos termos do disposto no artigo 340, do C.P.P, conjugado com o n°2 do artigo 120° do C.P.P, as seguintes diligências de prova por serem essenciais à descoberta da verdade material: I) A nomeação de Dr. (LG), Director do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Espírito Santo de Évora, no âmbito das questões a suscitar na área da Anatomopatologia, e da Dra. (Z), no âmbito das questões a suscitar na área da Neurologia, como Consultores Técnicos da Arguida, nos termos do disposto no artigo 155° do C.P.P., requerendo de igual modo a designação de data para a comparecência dos mesmos em Audiência de Discussão e Julgamento, a fim de serem ouvidos nos termos do disposto no artigo 350° do C.P.C. comprometendo desde já a Arguida a apresentá-los na data designada; II) De igual modo, por se afigurar de interesse para a descoberta da verdade material em face do exposto neste Requerimento, requer-se, nos termos do disposto no artigo 158° do C.P.P., a comparência dos peritos que subscreveram o Relatório de Autópsia, em Audiência de Discussão e Julgamento, para prestarem aos Consultores Técnicos da Arguida todos os esclarecimentos, assegurando desta forma o exercício pleno do direito ao contraditório legal e constitucionalmente assegurado à Arguida; 4.13 Diligências de Prova que assumem relevância para a descoberta da verdade material porquanto importa ver esclarecido pelo Perito do IML, Dr. (F), subscritor do Relatório de Autópsia, atentos os factos supra enunciados como logrou obter as conclusões insertas no Relatório e que apontam que o óbito da criança se deveu a intoxicação. 4.14 Estando o Tribunal “a quo” confrontado com duas “teses” que apontam dois nexos de causalidade diferente, impõe-se que este no cumprimento do princípio do inquisitório e na busca da verdade material, promova o deferimento de todos os meios de prova requeridos que visem alcançar esse objectivo; 4.15 Pois a provar que não existe nexo causal entre a ingestão do medicamento e a morte da criança e que esta faleceu de causas naturais não pode deixar de Absolver a Arguida do crime pelo qual vem acusada; 4.16 O artigo 155° do CPP permite a nomeação da figura do consultor técnico em dois momentos distintos: i) Aquando da realização da Perícia ordenada, na qual Consultor Técnico nomeado pode assistir à realização da mesma, propondo a efectivação de determinadas diligências e formulando observações e objecções que ficam a constar do Auto (cfr n°1 e 2 do artigo 155° do CPP). ii) Ou após a realização da Perícia e nesta sede o Consultor Técnico da Parte toma conhecimento do Relatório Pericial realizado podendo prestar declarações em Julgamento como decorre do artigo 330 e 350 do CPP (cfr. n°3 do artigo 155, do CPP). 4.17 Assim encontrando a Perícia já realizada assiste à Arguida o direito de lhe ser nomeado consultor técnico da sua confiança que tome conhecimento do Retatório Pericial já realizado, podendo ainda o consultor técnico prestar declarações em Audiência de Discussão e Julgamento (cfr. art.330 e 350 do CPP). 4.18 Pois só assim será assegurado à Arguida o exercício do direito ao contraditório, por recurso à figura do consultor técnico, de molde a efectuar a “fiscalização privada” da Perícia (in casu da Autópsia) in M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I volume, 2ª edição, 1999, Editora Rei dos Livros, p. 804. 4.19 Efectivamente, o que está em causa é o exercício do direito do contraditório (porquanto a prova pericial pese embora o seu valor probatório não está isenta de ser contraditada) por via do qual deve o Tribunal permitir à Arguida não só analisar as conclusões do Relatório Pericial mas também sindicar a forma como os Peritos chegaram às indicadas conclusões. 4.20 O contraditório, para além de garantia constitucional de defesa (artigo 32, n°s 1, 3, 5 e 6, da C.R.P.), constitui, no cerne da própria dialéctica processual, “diligência essencial para a descoberta da verdade” (e tão “essencial” e “necessária” que a lei, “salvo caso de manifesta desnecessidade”, proíbe que o Juiz decida qualquer “questão de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem), a sua omissão é susceptível de influir na decisão da causa. 4.21 Ora, não emerge de nenhum normativo processual penal e muito menos do artigo 155° do C.P.P., que uma vez realizada a Perícia, não possa ser nomeado consultor técnico pelo Tribunal a pedido da Arguida. 4.22 Este entendimento do Tribunal “a quo” para além de não ter suporte legal, viola a Constituição da Republica, por diversa interpretação das disposições legais relevantes, nomeadamente dos artigos 3° A do CPC ex-vi artigo 4° do CPP; artigos 61° n°1 al.g); 155; 340, e 350° do CPP e viola ainda, designadamente, os artigos 1°; 2°; 18°; 20° n°4; 29°; 32° n°s 1,2, 4, 5,8, todos da C.R.P. e o artigo 6° da C.E.D.H. 4.23 O que configura Nulidade nos termos do disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 120° do CPP, que desde já se argúi para os devidos e legais efeitos. 4.24 Ao contrário do afirmado pelo Tribunal “a quo” nos Despachos Recorridos, a Perícia pode efectivamente ser contraditada através dos esclarecimentos solicitados a quem subscreveu o Relatório Pericial, nomeadamente no sentido de se aferir a razão de ciência dos Peritos, quais foram as premissas científicas de que partiram para chegar ás conclusões finais. 4.25 Aliás resulta dos princípios processuais penais que todas as provas obtidas pela Acusação devem ser contraditadas pela Defesa e vice-versa não existindo prova que o Julgador possa eximir deste contraditório. 4.26 Ora, se a quantidade da substancia encontrada no sangue da criança corresponde a uma dose terapêutica importa então aferir junto do Sr. Perito do IML como chegou à conclusão que a criança morreu por intoxicação. 4.27 E, importa que o Sr. Perito do IML explique, ainda , cientificamente e de acordo com a arte legis, como é que a morte ocorreu nesta criança quando a quantidade da Oxcarbazepina encontrada na corrente sanguínea e indicada rio Relatório de Autopsia de 5,17 ug\ml não é por si só suficiente para causar a morte ou para causar uma qualquer crise convulsiva, porquanto corresponde a uma dose terapêutica. 4.28 Dúvidas também não existem que algo de estranho ocorreu no aludido Relatório de Autópsia, porquanto o mesmo apresenta-se omisso quanto à fundamentação e quanto ao estabelecimento cientifico e técnico do nexo causal entre a morte da criança e a ingestão da Oxcarbenzepina na quantidade detectada, ou seja, 5,17 ug/ml. 4.29 Do mero exame ao Relatório Pericial constata-se que após ter sido efectuado o exame objectivo ao cadáver da criança e aos seus órgãos, passou-se de imediato para as conclusões. 4.30 As questões são complexas e envolvem conhecimentos técnicos, que só os Médicos possuem, pelo que assiste à Arguida, nos termos do disposto no artigo 158° do CPP, o direito de lhe ser nomeado um Consultor Técnico, que a assista no pedido de esclarecimentos a solicitar ao Perito do IML. 4.31 Ao Tribunal não cabe aferir se a Arguida e\ou os seus Mandatários carecem ou não da requerida assistência técnica, sé podendo indeferir caso se verifique os condicionalismos consagrados no n°3 e n°4 do artigo 340° do CPP, o que não é o presente caso. 4.32 Mas mesmo que o Tribunal “a quo” entendesse que os esclarecimentos ao Sr. Perito, subscritor do Relatório Pericial dos Autos, não pudessem ser efectuados directamente pelo Consultor Técnico, os mesmos sempre podem ser efectuados pelos Mandatários da Arguida devidamente acompanhados de um técnico, neste caso um médico, nos termos e para os efeitos do disposto no nº1, do art.42, do CPC, aplicável ao presente caso ex-vi o artigo 4º do CPP. 4.33 Assim sendo, impunha-se que o Tribunal “a quo” tivesse dado a conhecer à Arguida a sua posição, em devido tempo, em face dos pedidos constantes do Requerimento de fls.935 e ss, permitindo assim que os seus Mandatários pudessem fazer-se assistir, durante a prestação de esclarecimentos do Sr. Perito, subscritor do Relatório de Autópsia, de pessoa dotada de competência especial para os auxiliar nas questões suscitadas, já que, como se aludiu, neste processo são suscitadas questões de natureza técnica para as quais se requer uma preparação na área da Medicina e fora do alcance de um jurista (sem preparação específica nesta matéria). 4.34 De onde resulta que, o direito de Defesa da Arguida foi violentamente agredido pelo Tribunal “a quo” porquanto: i) não notificou a Arguida da presença do Perito na sessão de Julgamento; ii) não apreciou em momento prévio à prestação de esclarecimento do Perito o pedido da Arguida constante de fls.935 e ss, sobre o pedido de nomeação de consultor técnico; iii) E tendo sido arguido em Acta, em momento prévio à prestação de esclarecimento do Perito, a necessidade de os Mandatário da Arguida serem acompanhados dos seus consultores técnicos para que o contraditório pudesse ser exercido eficazmente e na salvaguarda dos direito de defesa da Arguida, atentas as questões subjacentes de cariz técnico cientifico que só os Médicos podem conferir, invocando desde logo e nesse momento a violação ao princípio do contraditório e a nulidade, o Tribunal “a quo’ nada apreciou e promoveu o prosseguimento do julgamento com a prestação de esclarecimentos do Perito. 4.35 Violou, desta feita, o Tribunal de 1ª Instância, o Princípio do Contraditório (consagrado no artigo 3° A do CPC ex vi artigo 4° do CPP), as Garantias Constitucionais de Defesa da Arguida (cfr. artigo 32°, n°s 1,3,6 e 6, da C.R.P.); o Princípio da igualdade como corolário do princípio da legalidade que impõe que o Tribunal assegure a sua imparcialidade garantindo que Acusação e Defesa tem um tratamento paritário, com igualdade de tratamento, o Princípio da Investigação da Verdade Material (cfr art.340 do CPP). 4.36. Para além de ter violado os preceitos fundamentais consagrados nos artigos 1°, 2°,18°, 20° n°4, 29°, 32° n°s 1, 2, 4, 5,8, todos da CRP. e de ter violado o artigo 6° da CEDH. 4.37 De igual modo a rejeição do pedido da Defesa de se encontrar assistida por consultor técnico no âmbito do pedido de esclarecimentos ao Sr. Perito do IML e para o exercício da contra instância após o pedido esclarecimentos apresentados pela Acusação com o argumento de que a presença dos mesmos não é legalmente admissível viola a Constituição da Republica, por diversa interpretação das disposições legais relevantes, nomeadamente dos artigos 3° A do CPC e artigo 42° do CPC ex-vi artigo 4° do CPP; artigos 61° n°1 al.g); 155°; 340°, e 350° do CPP. 4.38 O Tribunal de 1ª Instância aberta a sessão de Julgamento, ocorrida no passado dia 12.03.08, e dada a palavra para que o MP se pronunciasse sobre o Requerimento da Arguida de fls.935 e ss., este ao invés apresentada pedido para que sejam tomados os esclarecimentos ao Sr. Perito e que seja deferido para momento posterior a decisão sobre o Requerimento da Arguida. 4.39 Promoção que o Tribunal “a quo” de imediato deferiu sem que tivesse dado à Defesa a oportunidade para se pronunciar. 4.40 Violando desta feita o Princípio do Contraditório, com consagração Constitucional no n°5 do artigo 32° da CRP, determinam que as decisões do Tribunal devem partir de uma ponderação dos contributos dos diversos sujeitos processuais no sentido de que teve em conta os diversos contributos. 4.41 De igual modo padece o citado despacho do vício de falta de fundamentação (cfr. art.97, do CPP), porquanto, não se vislumbra qual foi a razão de Facto e de direito que determinou o pensamento do Julgador para deferir o Requerimento de Prova apresentado pela Acusação em detrimento do Requerimento apresentado pela Defesa, quando aquele foi posterior ao da Arguida. 4.42 violou desta feita o Tribunal “a quo” o princípio do contraditório e bem assim o princípio da igualdade das partes conferindo primazia ao pedido da Acusação em detrimento dos Direitos de Defesa da Arguida ao relegar o conhecimento desse pedido para momento posterior. 4.43 Vícios que ferem de NULIDADE os despachos objecto do presente Recurso e que impõe que sejam revogados e substituídos por outro que defira o pedido deduzido pela Defesa no Requerimento de fls.935 e ss e na Acta de fls…. de 12.03.08. 4.44 O que se argui e invoca expressamente. 4.45 Em conclusão, violou o Tribunal de 1ª Instância com a prolação dos Despachos objecto do presente Recurso: a) O Princípio do Contraditório consagrado no artigo 3° A do CPC ex vi artigo 4° do CPP. b) A Garantia Constitucional de Defesa da Arguida (cfr. artigo 32°, n°s 1, 3, 5 e 6, da CRP). c) O Princípio da igualdade como corolário do princípio da legalidade que impõe que o Tribunal assegure a sua imparcialidade garantindo que Acusação e Defesa tem um tratamento paritário, com igualdade de tratamento. d) O Princípio da Investigação da Verdade Material (cfr art 340° do CPP). 4.46 E, como tal, encontram-se os Despachos supra indicados e objecto do presente Recurso feridos de Nulidade, como tempestivamente foi arguido nos Autos, vício que contamina” toda a prova posteriormente produzida à prolação dos mesmos e importa, consequentemente, a nulidade de todos os actos praticados, posteriormente, o que desde já se invoca e se argúi; 4.47 Mas para além dos Princípios que regem o Processo Penal, supra descritos, o Tribunal “a quo” ao rejeitar, sem mais, os Requerimentos da Arguida, seja o Requerimento de fls.935 e ss, seja o Requerimento ditado para a Acta de fls de 12.03.08, violou a Constituição da Republica, por diversa interpretação das disposições legais relevantes, nomeadamente dos artigos 3° A do CPC ex-vi artigo 4° do CPP; artigos 61° n° 1 al.g); 155; 340, e 350° do CPP. 4.48 Pelo que, para os devidos e legais efeitos vai arguida desde já inconstitucionalidade dos despachos objecto deste Recurso, a qual deriva da violação dos preceitos fundamentais consagrados nos artigos 1°; 2°; 18°; 20° n°4; 29°; 32° n°s 1,2,4, 5,8, todos da CRP. 4.49 De igual modo os Despachos objecto do presente Recurso violam o artigo 6° da CEDH, que consagra o direito a um processo justo e equitativo porquanto o Tribunal de 1° Instância tem vedado à Arguida o acesso a todas as diligências probatórias por si requeridas no sentido de ver assegurada as garantias legais e constitucionais de Defesa e desta forma demonstrar que não estamos perante um qualquer crime mas perante a morte de uma criança que ocorreu por causas naturais. Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente ser revogado o Despacho de fls.... e ss. constante da Acta de 12.03.08, e substituído por outro que defira o pedido da Arguida contido no Requerimento de fls. ., datado de 10.03.08 e na Acta de fls. ... da sessão de Julgamento do dia 12.03.08, consagrando-se desta feita o respeito e a obediência ao princípio do contraditório e ao princípio de igualdade de armas entre a Defesa e a Acusação. 5. O Ministério respondeu ao recurso interposto do despacho de 12Mar.08, concluindo pelo seu não provimento. 6. A arguida, requereu a acareação entre o (F) e (J) (fls.980) e a revogação da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontrava sujeita, pretensões indeferidas pelos despachos de fls.1001 e 1026, notificados à arguida em 1Abr.08, que deles recorre, através do requerimento de fls.1220 e segs. Em síntese, conclui a recorrente que os princípios da procura da verdade material e do processo equitativo, deviam ter justificado a admissão da acareação entre o Perito (F) e a testemunha (J). Em relação ao despacho que indeferiu o pedido de revogação da medida de coacção de prisão preventiva, conclui que, perante a prova produzida em audiência, deixaram de subsistir as circunstâncias que justificaram a manutenção dessa medida. 7. O Ministério respondeu a este recurso, concluindo pelo seu não provimento. 8. O recurso interposto do acórdão final foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Em relação aos outros recursos, só vieram a ser admitidos posteriormente à admissão daquele, ambos a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 9. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-Geral Adjunta, em douto parecer, pronunciou-se pelo não provimento do recurso interposto do acórdão final, a que respondeu a recorrente, reafirmando o que consta das suas conclusões. 10. Não tendo sido requerida a realização de audiência, colhidos os vistos legais, realizou-se conferência. 11. Considerando que os recursos interpostos antes do que incide sobre o acórdão final só vieram a ser admitidos depois (fls.1816), não era exigível à recorrente que, nas conclusões daquele, fizesse as especificações previstas no nº5, do art.412, CPP. O objecto dos recursos, tal como se mostram delimitados pelas respectivas conclusões, reconduz-se ao seguinte: A) Recurso intercalar (interposto a fls.1101, admitido a fls.1816): -nulidade por falta de fundamentação; -nomeação de consultores técnicos e sua comparência em audiência; B) Recurso intercalar (interposto a fls.1220, admitido a fls.1816): -acareação entre perito e testemunha; O recorrente insurge-se, ainda, contra o despacho de fls.1026 e segs., datado de 28Mar.08, que indeferiu o pedido de revogação da medida de coacção de prisão preventiva. Contudo, tendo aquela medida sido revogada por despacho de 21Maio08, na sequência do que a arguida foi restituída à liberdade, declara-se extinta a instância de recurso, nessa parte, por inutilidade superveniente da lide. C) Recuso interposto do acórdão final: -apreciação da prova; -qualificação jurídica dos factos: * * * IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor: A – FACTOS PROVADOS Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. Na sequência de relacionamento afectivo que vinha mantendo via Internet com (C), português, durante cerca de dois anos, no dia 2 de Junho de 2007 a arguida (A) chegou a Lisboa, Portugal, provinda de São Salvador, Brasil, com o propósito de se estabelecer na residência daquele, por ele arrendada, sita na localidade de Albarróis. 2. Na execução deste propósito de estabelecer vivência marital com (C), a arguida (A) trouxe consigo o seu filho (B), nascido a 01 de Dezembro de 2000, para viver com ambos, o que era do conhecimento e vontade de (C). 3. A arguida e o seu filho, (B), tinham reserva marcada para o voo TP0159, para o dia 03/07/2007 e para o percurso Lisboa/Salvador, sendo que tais passagens de regresso ao Brasil foram adquiridas pela arguida aquando da vinda para Portugal. 4. Na data referenciada, a arguida e o seu filho passaram, assim, a residir com (C) ..., em Alenquer, sendo, no entanto, que, ao fim das primeiras semanas de convívio marital, (C) manifestou à arguida o seu desejo de terminar o relacionamento existente entre si, a arguida e o filho desta, e exigiu que a arguida saísse de casa. 5. A arguida nunca se conformou com o término deste relacionamento, insistindo por várias vezes com (C) para que repensasse a situação e continuassem a viver juntos. 6. A arguida estava convicta de que o mau relacionamento entre o seu filho e o seu companheiro era a causa da ruptura da sua relação. 7. (C) mostrou-se intransigente e manteve a sua posição de terminar o relacionamento com a arguida. 8. No dia 5 de Julho de 2007, cerca das 9h30, a arguida abordou o seu filho dizendo-lhe que era ele a razão do seu sofrimento e o motivo pelo qual não continuava com o seu companheiro e segurou o queixo do (B) e deitou para o interior da sua boca três frascos de Trileptal, de 100 ml cada um, medicamento destinado ao tratamento da doença epiléptica de que o menor sofria, composto por oxcarbazepina, ao mesmo tempo que o fazia beber água para o impedir de vomitar, assim o obrigando a ingerir aquele produto. 9. Com a sua descrita conduta, a arguida causou de forma directa e necessária a morte de seu filho (B), decorrente de intoxicação medicamentosa por ingestão de um anti-convulsivo, denominado oxcarbazepina, substância que o forçou a ingerir numa quantidade equivalente a 18000 m.g. de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml do medicamento Trileptal (ou 3 frascos de Trileptal de 100 ml cada), e que se veio a revelar letal, sendo que, no momento da autópsia – dia 06/07/2007, pelas 10h35 -, (B) apresentava oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico. 10. A quantidade de 5,17 ug/ml (cinco vírgula dezassete microgramas por mililitros) de oxcarbazepina é inferior à dose terapêutica. 11. O óbito de (B) foi verificado em 05/07/2007, às 15h55. 12. (B) tinha, em 05/07/2007, 25 Kg de peso. 13. (B) pouco tempo antes de morrer urinou e vomitou. 14. Foi administrado a (B) soro fisiológico em quantidade não apurada nas operações de tentativa de reanimação do mesmo e antes de ter sido verificado o seu óbito. 15. A dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso de 25 kg é, em média, de 1000 mg/dia de oxcarbazepina, correspondente a 16,7 ml de Trileptal. 16. A dose de 18.000 mg/dia de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml de Trileptal, é uma dose altamente tóxica e quase seguramente letal para uma criança de 25 kg. 17. Ao praticar os factos descritos, agiu a arguida ciente de que fazia o seu filho (B) ingerir uma quantidade de medicamento que poderia ser adequada a causar-lhe a morte, admitiu a possibilidade de (B) morrer em consequência da ingestão do medicamento que o forçou a ingerir, o que veio a verificar-se como resultado directo e necessário da sua conduta. 18. A arguida, no momento em que ocorreram os factos, sofria de patologia depressiva grave e vivenciava elevados níveis de stress com a ruptura da relação afectiva com (C). 19. A arguida agiu sempre determinada por vontade livre e consciente, conformando-se com o resultado morte, embora estivesse afectado, no momento em que ocorreram os factos, o seu discernimento cognitivo e volitivo, e sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei. 20. A escolha da localização da casa sita ..., moradia ..., Alenquer, foi feita em comum acordo da arguida e de (C). 21. (B) padecia de “epilepsia benigna da infância” que lhe fora diagnosticada há cerca de um ano, após sofrer dois episódios de crises convulsivas. 22. A doença de (B) era tratada com o uso do medicamento Trileptal (oxcarbazepina suspensão oral a 6%), ministrado em doses de quantidades não concretamente apuradas, duas vezes ao dia. 23. As primeiras semanas do mês de Junho decorreram com normalidade, todos estavam adaptados à nova realidade. 24. Com o decorrer do tempo, (C) começou a ter um comportamento agressivo e irritável para com o menor (B), exigindo que ele lhe obedecesse e que adquirisse novos hábitos de educação, nomeadamente, alimentares. 25. Os conflitos entre o casal foram-se sucedendo, com o menor (B) exposto aos mesmos, o que lhe provocava uma grande situação de stress, angustiando a arguida, que se viu desta forma dividida entre o seu filho e (C). 26. Por diversas vezes, a arguida tentou restabelecer a tranquilidade e a paz familiar, fazendo ver a (C) que era preciso ter paciência com o (B) face à sua pouca idade, pois no fim tudo ficaria do seu agrado. 27. (C), após as discussões, mostrava-se zangado com a arguida e o (B) e ignorava-os. 28. Apesar da atitude do (C), a arguida acreditou que a relação teria continuidade e futuro, porquanto continuava a ser afectivamente procurada pelo mesmo, com promessas de carinho e amor. 29. E quando o filho de (C), de 10 anos, os visitava aos fins-de-semana, as duas crianças brincavam entre si, o que fazia a arguida acreditar que o comportamento de (C) era consequência da adaptação mútua a uma vida em conjunto. 30. A arguida insistiu para que continuassem juntos, não aceitava ver todos os seus sonhos desfeitos e acreditava que aquela situação era remediável. 31. Apesar da exigência de (C), o mesmo continuou a manter o relacionamento amoroso e sexual com a arguida, o que fazia com que tivesse esperanças que o mesmo não pretendia de facto pôr termo ao seu relacionamento conjugal e familiar. 32. De noite, (C) procurava a arguida dizendo que a queria, que havia passado o dia a pensar nela, que a amava, e assim que amanhecia voltava a reiterar que queria que a arguida e o seu filho saíssem de casa. 33. A arguida acreditava que era possível resolver os problemas existentes no seu relacionamento com (C). 34. A arguida e (C) trocaram promessas de amor eterno ao longo de dois anos de relacionamento. 35. Na véspera do dia 5 de Julho de 2007, (C) não cedeu às súplicas da arguida e marcou o dia seguinte como a data limite para que a mesma, juntamente com o seu filho, abandonassem definitivamente a casa onde residiam. 36. Na noite de 4 para 5 de Julho de 2007, a arguida, pela primeira vez, interiorizou o fim da relação porquanto ela e (C) dormiram em quartos separados, o que nunca acontecera desde que estavam a viver juntos. 37. A família e ao amigos da arguida ficaram no Brasil. 38. A arguida assumiu o projecto de vir para Portugal viver com (C) como um projecto definitivo. 39. A arguida nunca pensou que a sua relação com (C) não pudesse resultar. 40. A arguida não conseguia compreender a razão para (C), ao fim de 15 (quinze) dias, pôr fim ao relacionamento de ambos. 41. (C) assinou a Declaração endereçada ao SEF - Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, na qual se responsabilizava pela estadia e pela permanência da arguida e do seu filho (B) em Território Português. 42. A arguida sentiu-se abandonada, desesperada e em desequilíbrio emocional. 43. A arguida sentiu-se com profunda tristeza e sentiu vergonha de ter que regressar ao Brasil. 44. (B), no dia 05/07/2007, chorou muito, o que deixou a arguida ainda mais desolada. 45. A arguida encontrava-se num estado de ansiedade extrema. 46. (B) sempre viveu com a arguida. 47. A arguida trouxe consigo (B) quando decidiu vir viver para Portugal, contrariando a vontade da sua família e amigos, os quais tentaram convencer a arguida de que o mais racional era primeiro tentar a vida em comum com (C) e somente depois ir buscar (B) ao Brasil. 48. Para a arguida, (B) era uma extensão de si. 49. A arguida quis pôr termo à sua vida. 50. A arguida, quando se apercebeu que o seu filho (B) estava roxo, vomitado e apresentava indícios de não estar a respirar, de imediato e em desespero pediu socorro a (C). 51. A arguida clamava para que lhe salvassem o filho. 52. (C) era a sua única referência em Portugal e, confrontada com a descrita situação de emergência que envolvia o seu filho, foi ao mesmo que a arguida recorreu para pedir ajuda. 53. Com a chegada do INEM, a arguida e o seu filho foram socorridos, tendo esta sido de imediato transportada para o Hospital de Vila Franca de Xira, em estado de agitação e de desespero. 54. No Hospital, a arguida foi medicada e efectuaram-lhe uma lavagem gástrica. 55. No Hospital, a arguida pediu, insistentemente, notícias do seu filho, (B), sem que obtivesse qualquer explicação ou consolo, e passou a chamar pelo (C) em busca de uma resposta, único contacto que tinha em Portugal. 56. (C) não veio em auxilio ou consolo da arguida. 57. Às 7h45m do dia 6 de Julho de 2007, foi atribuída a alta médica à arguida e esta foi conduzida por elementos da Polícia Judiciária às instalações da mesma Polícia, onde foi submetida a um interrogatório, que se iniciou às 9h00m da manhã e terminou às 12h30, e foi apresentada ao Juiz de Instrução Criminal, também para ser interrogada, às 17h50m, do mesmo dia. 58. Natural de Salvador, Brasil, a arguida é a quarta de uma fratria de quatro. Viveu até aos 7 anos na casa da avó paterna, conjuntamente com os seus pais e irmãs. 59. A sua escolaridade foi evoluindo em padrões adequados e com sucesso, num colégio de cariz religioso, tendo realizado uma licenciatura em Administração de Empresas, numa Faculdade Privada em Salvador da Baía. 60. A sua adolescência foi marcada por alguma instabilidade afectiva por reactividade do humor (episódios recorrentes de disforia e instabilidade recorrente da sua auto - imagem) e labilidade emocional. 61. A arguida revelou um primeiro episódio depressivo aos 22 anos na sequência do fim de um namoro, tendo sido acompanhada em consulta de psicologia. 62. Foi mãe aos 31 anos. A gravidez não foi planeada tendo ficado receosa, no início da gravidez, com a reacção do seu pai por ser solteira. A gravidez decorreu sem complicações. 63. Durante o período de privação de liberdade à ordem dos presentes autos, (A) manteve comportamento adequado às regras institucionais. 64. Na sequência do quadro depressivo em que se encontrava foi alvo de acompanhamento psiquiátrico. 65. Na sequência de quadro depressivo deu entrada, em estado de coma, no Hospital Prisional de Caxias em 27/10/2007, por toma excessiva de medicação. 66. Em termos de futuro, a arguida pretende regressar ao Brasil, reintegrar o núcleo de origem, do qual tem recebido apoio, traduzido em visitas e contactos telefónicos, e retomar o desenvolvimento de actividade laboral. 67. A arguida não tem antecedentes criminais, nem qualquer registo criminal. * B – FACTOS NÃO PROVADOS Não resultaram provados os seguintes factos: a) A arguida ponderasse a possibilidade de fazer regressar o filho ao Brasil. b) (C) tivesse adquirido bilhetes de avião para a arguida e para o filho regressarem ao Brasil no dia 3 de Julho de 2007, e a arguida tivesse remarcado essa viagem para o dia 6 de Julho de 2007, e esta data tivesse ficado então aprazada para o seu regresso com o filho ao seu país de origem. c) A arguida tivesse tido o intuito de castigar o seu filho, (B). d) A arguida tivesse a intenção de causar a morte de (B). e) A ingestão por (B) de três frascos de Trileptal (de 100 ml cada) não fosse suficiente para provocar a sua morte. f) A dose letal (DL 50) para oxcarbazepina fosse de 1000 mg/kg (mil miligramas por quilo), sugerindo que no homem a intoxicação por oxcarbazepina seja rara. g) E para uma criança de 25kg (vinte e cinco quilos) a ingestão da dose para ser letal tivesse que ser acima de 25.000 mg (vinte e cinco mil miligramas) da substância. h) As doses de Trileptal habitualmente ministradas a (B) fossem de 10 ml (dez mililitros), cada uma. i) O contrato de arrendamento do imóvel supra referido celebrado por (C) tivesse um período inicial de dois anos, com o propósito de compra. j) A arguida, quando veio para Portugal, tivesse trazido consigo cerca de 18 (dezoito) unidades de Trileptal. k) (C) tivesse devolvido à arguida as passagens de regresso ao Brasil e que as mantivesse em seu poder. l) A arguida se tivesse desfeito de todos os bens que conseguira, com grande esforço, durante a sua vida, a exemplo da casa e dos mobiliários, do carro, do emprego e de suas contas bancárias. m) (C) não se tivesse oferecido para levar a arguida ao aeroporto e que a obrigasse a ter que tomar um táxi e a pernoitar num hotel na noite do dia 5 para o dia 6 de Julho de 2007. n) Fosse difícil para o (B) compreender porque razão (C) queria que ele se fosse embora. o) (B), no dia 05/07/2007, questionasse a arguida e não conseguisse perceber porque razão tinha que ir embora. p) (B) pedisse para ficarem e que se sentisse feliz com os seus novos amigos e a sua nova casa. q) (C) só perto das 14h00m tivesse atendido a chamada da arguida, apesar de esta ter, repetida e insistentemente, tentado o contacto. r) A alta médica dada à arguida tivesse ocorrido inexplicadamente e sem que a mesma estivesse completamente recuperada. s) A arguida se encontrasse cansada, faminta e atordoada quando prestou declarações perante a Polícia Judiciária e perante o Juiz de Instrução Criminal. t) A arguida se encontrasse sob o efeito de forte medicação e sob o impacto dos acontecimentos que antecederam, e só obtivesse a confirmação da morte do seu filho após ter prestado declarações perante a Polícia Judiciária. u) As suas declarações perante as autoridades judiciárias de que teria ministrado ao seu filho o conteúdo de três frascos de Trileptal se devessem ao facto de encontrar-se atordoada com os últimos acontecimentos e esgotada face a exaustão dos interrogatórios que se seguiram. v) A arguida não tivesse condições físicas e nem psicológicas de conscientemente saber o que dizia quando prestou declarações perante a Polícia Judiciária e perante o Juiz de Instrução Criminal. w) O interrogatório realizado pela arguida perante a Polícia Judiciária se tivesse estendido até a arguida ser apresentada ao juiz de instrução criminal. x) A arguida tivesse trabalhado cerca de 10 anos na Empresa Schindler, e tivesse saído, em Outubro de 2005, por lhe ter sido proposto o desenvolvimento de um projecto na área de gestão financeira na Empresa Petrobrás. A arguida se tivesse despedido desta empresa, ao fim de 1 ano de trabalho, para vir para Portugal. y) O pai de (B), (CS), tivesse vivido pontualmente com a arguida e o filho. A relação da arguida com o (CS) não resultou por ele ser extremamente dependente da mãe dele e não conseguir viver afastado desta. * C – PROVA Serviram de base para formar a convicção do Tribunal: 1. Quanto aos factos provados constantes da acusação, da contestação e resultantes da audiência de julgamento: a) As declarações da arguida, que afirmou, designadamente, que: - Conheceu (C) através da Internet. Começou a conversar com ele, via Internet, por volta de Junho de 2005. (C) perguntou-lhe se queria ser sua amiga. Foi ver o seu perfil e pensou que, como está em Portugal, mal não lhe poderia fazer. - Ele estava desempregado, era ex-jogador de futebol, disse-lhe que o dinheiro que tinha era para montar uma imobiliária. - (C) disse-lhe para ver sites para procurar uma casa. - Cativou-a através do seu filho. Enviou presentes a (B) no dia das crianças, no dia do seu aniversário e no Natal. - Quando percebeu que a arguida estava quase desistindo, começou a acelerar as coisas; pediu dinheiro ao pai, o pai recusou, montou a empresa, mostrou os imóveis, participou na montagem da empresa. - A arguida descobriu via net a Quinta ...; (C) pediu empréstimo no banco e numa semana mobilou a casa. - Vendeu o seu carro, tirou o filho da escola. - Antes de chegar a Portugal (oito meses antes de vir) ainda ficou desempregada, até que chegou a um ponto em que as economias iam acabando e tinha que voltar a trabalhar e (C) não queria. - (C) foi buscá-la e ao filho ao aeroporto, a declarante estava ansiosa para ver a casa. - Foram buscar o (H), filho de (C), e foram almoçar. A casa tinha um parque das diversões. - No final da primeira semana, (C) acordou estranho. - Não tínhamos brigado, não tinham tido problemas com as crianças. - Ele disse que não era feliz, a declarante perguntou-lhe se ele queria que ela fosse embora, ele disse que não queria que fosse embora. - Na segunda semana, comeram caracóis. (B) teve uma atitude de nojo e quis levantar-se da cadeira. (N) fez um escândalo. Falou alto e disse “coma”. - A declarante também não comeu os caracóis. - (C) disse que sentiu-se extremamente ofendido pelo facto de a declarante e o filho não terem comido caracóis. - (C) disse à declarante: “seu filho já veio estragado do Brasil”, “você lembra daquela conversa que tivemos na semana passada?, “é melhor voltar para o Brasil”, “Não dá. Eu não consigo gostar do seu filho”. - (C) disse à declarante para voltar para o Brasil no final da segunda semana da sua estadia em Portugal. - Na noite do dia 4 tivemos uma briga. Já não dormiu mais com (C). - (C) achava que quem tinha que cuidar de (B) era ele. - No dia 5 de Julho de manhã, (C) desceu e perguntou “você quer alguma coisa?”, e a declarante respondeu “não, só quero que se vá embora porque você nunca mais vai me ver na sua vida”. - No dia 5 de Julho começou a arrumar a mala, (B) ainda estava dormindo. Quando (B) acordou disse-lhe para tomar o pequeno-almoço. - O filho, quando a viu a fazer as malas, começou a chorar e disse que não queria ir-se embora, que tem os seus amiguinhos, que vai para a escola, que dissesse ao pai que vai comer todas as frutas. Não se nos afigura verosímil que o menor tenha proferido tais expressões porquanto era rejeitado por (C) e estava em Portugal há apenas um mês, tendo ficado no Brasil todos os seus familiares, sendo mais provável que não conhecesse as crianças que circundavam o Condomínio onde vivia, nem dominasse o espaço, por não ter tido tempo para isso, tal como acontecia com a arguida (vide depoimento da testemunha Dr.ª (V)). - “Eu desabei”. - Deu o remédio ao seu filho. Pegou na seringa e deu-lhe o remédio na boca. - Disse a (B) “Você vai deitar no meu quarto a dormir e a ver televisão”. - Foi terminar de arrumar a mala. - Quando viu que o seu filho estava morto não quis mais viver. - Deu a seringa e o frasco não ficou vazio. - Ele dizia a chorar que não queria ir embora e a declarante dava a seringa chorando. - Não deu o frasco todo. Deu cinco doses. - A seringa só tinha 5 ml. O remédio dava sonolência e isso ia acalmá-lo. - A sua intenção era arrumar tudo, chamar o táxi e ir para um hotel, onde tinha feito reserva. - Só queria que o filho adormecesse. - Qualquer dose do remédio causa sonolência. - Este medicamento era destinado à doença de epilepsia. À pergunta - Como é que se explica que esta dosagem tenha causado a morte? – respondeu: - “Não lhe dei o remédio com a intenção de matá-lo”. - Achava que tinha morrido de asfixia. Ele ficava roxo quando tinha crises de epilesia. - Resolveu matar-se porque não conseguia viver sem o seu filho. - Tinha uma caixa aberta, pegou em dois frascos do mesmo medicamento, pôs no copo que (B) tinha tomado com chocolate e tapou o nariz e bebeu. - Acreditou que uma dose maior do que a dada ao filho ia matá-la também, tomou uma garrafa de vinho de uma vez só. - Não deu três frascos de Trileptal ao seu filho. - Tomou dois frascos. - Ligou para (N), disse para ajudá-la porque o filho não estava respirando, ele disse para ela desligar porque ia chamar os bombeiros. - Lembra-se de gente a bater a porta. - Disseram-lhe que seu filho está morto. - Fizeram-lhe uma lavagem gástrica. Por existirem contradições entre as declarações prestadas na audiência de julgamento pela arguida e aquelas que prestou perante o juiz de instrução criminal, foram lidas em audiência de julgamento as últimas declarações, ao abrigo do disposto no art.º 357.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal. Concretamente, foram lidas, em audiência de julgamento, as declarações prestadas pela arguida perante o juiz de instrução criminal constantes de fls. 80 e 81, segundo as quais: «Como motivo para essa decisão, (C) referia que a vida deles não “dera certo”, explicando a arguida que, contudo, mantinham relações sexuais normalmente, dizendo aquele, nessas ocasiões, que levaria “boas lembranças” de si. A arguida não se conformava com esta decisão porque achava que era pouco tempo para tomar uma decisão tão importante e não pretendia regressar ao Brasil, já que deixara o emprego que tinha e vendera o seu automóvel e mobiliário. Na noite de quarta para quinta-feira desta semana, a arguida já não dormiu com (C), tendo dormido com o seu filho. Na manhã do dia de ontem, ao aperceber-se que (C) iria sair de casa, foi ter com ele e tentou fazer com que ele reconsiderasse a sua decisão, o que não aconteceu, tendo aquele saído de casa. Regressou pouco depois, tendo então a arguida lhe dito que o queria ver pela última vez, e aquele pediu-lhe que lhe desse um beijo de despedida o que esta recusou. (C) saiu então de casa mas falou com ela por telefone sobre a relação quando se dirigia de automóvel para Lisboa, tendo-lhe transmitido a ideia de que nada era definitivo e que ele poderia se sentisse saudades se deslocar ao Brasil. A arguida sentia-se desesperada porque gostava do (C) mas sabia que não havia condições para permanecer, pelo que foi arrumar as suas coisas. Quando surgiu o seu filho de nome (B) junto de si disse-lhe que ele era a razão do seu sofrimento e que era a razão pela qual não continuava com o (C). Mandou-o ir para cima e, nessa altura, teve a ideia de dar a (B) o remédio que aquele tomava para as convulsões, com o intuito de o castigar, embora imaginasse que a toma excessiva desse medicamento poderia levar à morte. Segurou no queixo de (B) e deitou para o interior da sua boca o medicamento – explicando que o mesmo consistia num líquido -, sendo aquele ia bebendo água como costumava fazer quando tomava medicamentos, o que segundo a arguida refere, se destinava a que ele não vomitasse. Confrontada com as declarações prestadas perante a P.J., referiu que não o agarrou com força para o obrigar a tomar o medicamento, tendo antes procedido do modo descrito. Referiu ainda que o (B) encontrava-se sentado e que, no total, tomou três frascos desse medicamento». Perante a leitura em audiência de julgamento de tais declarações, a arguida disse que: - Os polícias da judiciária disseram-lhe para confessar porque assim deixariam ver o seu filho e poderiam deixá-la ir-se embora. - Confessou porque queria ver o seu filho. - Levaram-na para o juiz de instrução. O defensor disse-lhe para confirmar tudo o que disse perante a Polícia Judiciária para terminar logo. Foi isso que fez. À pergunta “Disse que deu três frascos ao seu filho porque o defensor oficioso lhe disse para dizer?”, respondeu: “Sim, só confirmei. Confirmei tudo o que tinha dito à Polícia Judiciária porque pensava que ia ver o filho. Pensei que o meu bebé está sozinho, nunca ficou sozinho na vida, não pensei que o meu filho estava morto”. Mais disse que: - O advogado disse que era para ela confirmar tudo porque tudo acabaria bem. - O juiz perguntou se ela queria falar ou se queria que lhe fossem lidas as declarações que prestou na Polícia Judiciária e a declarante disse que podia lê-las; “ele lia e eu dizia que sim, com o advogado no lado, a única coisa que eu recusei foi que usasse da força para (B) tomar. Duvido que um adulto tomasse 3, 4, 5 frascos porque o gosto do remédio não era agradável”. - A declarante não chorava. - Usou o mesmo copo para tomar o remédio. O (B) tomou o remédio da seringa. À pergunta – “Porque não ligou para o 112?”, respondeu: “Não tive reacção”. Mais disse que: - Quando viu que o filho estava morto ainda (a arguida) não tinha tomado a medicação. - A dose habitual era 10 ml de manhã e 10 ml à noite, todos os dias. - Deu quatro seringas de 5 ml. A seringa é de 5 ml. - Sabe que deu mais do que a dose habitual, mas não 3 frascos. - Nunca admitiu a possibilidade de o filho morrer. - Nunca agrediu o seu filho. “Os meus pais nunca me bateram porque é que eu iria bater no meu filho”. - Os pais moravam no 1º andar, eu no 10º e a irmã no 15º. - O filho gostava de andar nessa escola no Brasil. À pergunta – “Como é que explica que, sendo uma criança feliz no Brasil, tenha chorado compulsivamente dizendo que se portava bem e que não queira ir embora?”, respondeu: “Ele já tinha vários amigos. Ele queria ter um pai presente. À pergunta – “Mas ele não se sentia rejeitado por (C)?”, respondeu: “Ele queria um pai. Ele precisava de uma referência paterna. No Brasil não tinha nada, bens materiais, tinha mil e poucos euros. Desfiz-me do apartamento, meu carro… A casa do Brasil era alugada. O pai não deixou namorar cedo”.
À pergunta – “Disse que alguém disse que já não há nada a fazer?, respondeu que foi um bombeiro. À pergunta – “Porque é que acreditou na versão da Polícia de que pode ser que consiga ver o seu filho?”, respondeu: “Não ver a criança viva, ver a criança morta, me despedir do meu filho. Era para ver a autópsia”. Mais disse que: - O pai era separado da mãe, dava-se bem com ele. Tem 3 irmãs. À pergunta – “Quando veio para Portugal o que é que o (N) representava para si?”, respondeu: “O meu marido. Enviou-me uma aliança, mas foi roubada em Tires. Ele chamava (B) de filho e (B) chamava-o de pai. Quando planeámos a vinda era definitiva”. À pergunta – “Amava este homem?”, respondeu: “Sim, confiava acima de tudo. A decisão de trazer o (B) foi tomada em conjunto. À pergunta – “Veio para Portugal para constituir uma família?” -, respondeu: “Sim”. À pergunta – “Começaram a existir problemas decorrentes da não habituação do (N) à conduta da criança?”, respondeu: “Era na hora jantar. Queria que (B) comesse muito bem. Depois de o (N) me dizer para ir-se embora, assistíamos televisão juntos, comíamos juntos. Ele me procurava na cama. Era aí que lhe dava alguma esperança. Amanhecia o dia, fazíamos amor de manhã e ele dizia a mesma coisa. Até chegar dia 04. À pergunta – “Como é que vivia esses acontecimentos? “, respondeu: “Passava o dia inteiro deitada na cama no quarto, o filho deitava-se na cama e viam desenhos; arrumava a casa, passava as camisas dele”. À pergunta – “Como se sentia no dia 4?”, respondeu: “Muito antes do dia 4 já estava em estado de depressão; só praticamente chorava”. À pergunta – “Como encarou o seu projecto de dia? Porque é que não queria voltar para o Brasil?”, respondeu: “Eu amava aquele homem; não era um sonho irreal, era uma coisa física, planeávamos a vida em comum”. À pergunta – “Que pensamentos lhe passaram pela cabeça neste dia?”, respondeu: “Ia voltar para o Brasil, a família ia ficar enchendo o ouvido, não sabia onde iria morar, tinha-me desfeito do apartamento, não tinha dinheiro suficiente para ter o padrão de vida que tinha com o (B), tinha que procurar emprego, que no Brasil não é fácil como aqui não é”. À pergunta – “No dia 5 despediu-se deste homem de manhã e ele manteve o propósito de que a (A) se iria embora? Apesar de triste, a (A) sentia-se nas suas plenas faculdades?, respondeu: “Não tinha a noção da realidade”. Esperava que ele voltasse atrás, que tivessem a sua vida, que tivessem uma filha”. À pergunta – “Teve a intenção de matar o seu filho quando deu o medicamento?”, respondeu: “Nunca. A minha vida girava em torno dele”. À pergunta – “Quando viu o seu filho envolto num vómito e roxo, sabia como é que se accionam os sistemas de emergência?”, respondeu: “Eu só via na televisão. No Brasil é no 91. Eu não tinha reacção nenhuma. Perdi o senso da realidade. Eu não pensava. Pedi ajuda a (N), de uma hora para a outra minha cabeça clareou, peguei o celular e pediu ajuda a (N) porque o seu filho não está respirando”. Nesta altura, a declarante já tinha tomado o medicamento”. À pergunta - “Depois de ter tomado o medicamento é que lhe vem à memória contactar o (N)?”, respondeu: “Sim”. Mais disse que: - Não deu ao filho os três frascos de medicamento ao filho. - Utilizava um telemóvel, pertencente a (N), com o número 93... A arguida foi confrontada com a transcrição de uma mensagem escrita no dia 05/07/2007, às 12h54, enviada, com o nº de destinatário 93..., pertencente a (C), a qual lhe foi lida (vide Relatório do Exame Pericial realizado ao telemóvel da arguida (933716963), realizado mediante prévio consentimento expresso da mesma – cfr. fls. 55, linhas 128 (consentimento de (A), – e constante de 180 a 264: «Distúrbio neurológico da infância é o problema que(B) tem é hereditário na maioria das vezes transmitido pelo sexo masculino no caso o pai dele e não te contei por vergonha mas agora como não tem mais volta estou te dizendo adeus amor» A arguida, confrontada com a mensagem supra transcrita, disse: “Recorda-se de estar sentada no chão com o celular na mão…. Agora o que estava fazendo…”, ou seja, não negou que tivesse escrito tal mensagem. A arguida foi confrontada com a mensagem escrita no dia 05/07/2007, não enviada, com o nº de destinatário 93..., pertencente a (C), lida à arguida em sede de audiência de julgamento: «Porque a gente não consegue ser feliz? Porque sempre tudo vem com tanto sofrimento e dor? Estou cansada de correr atrás de sonhos de felicidade de ter uma família de ter uma filha começo a acreditar que realmente não nasci para ser feliz nessa encarnação quem sabe na próxima? Mas nunca esqueça que eu te amo (N) apesar de me fazer sofrer tanto e me fazer tomar uma decisão tão drástica vejo tantos casais de mãos dadas e tenho tanta inveja deles. Vc me prometeu que íamos sempre andar assim sermos compreensivos, carinhosos e agora vc sai da minha vida dessa forma. Como acha que me sinto? Tudo bem tenho que pensar em como vc se sente também mas acreditei nas suas promessas. Eu estava sossegada porque foi atrás de mim? Porque não procurou outra pessoa? Não tenho mais vida e(B) vai comigo porque deus me deu para cuidar. Eu errei em vir porque(B) precisa de cuidados especiais nunca te contei das convulsões e menti para minha família dizendo que vc sabia de tudo para tranquiliza los mas(B) toma remédio lembra do trileptal que eu te pedi para ver uma vez? Pois bem é para o(B) e esse mesmo remédio fará o que tem que ser feito. Só estou esperando sua resposta decisiva mas apesar de tantos sms e de vc ter ligado e eu não ter respondido vc nada me diz ontem dia 2 fizemos amor como antes cheios de desejo mas apesar disso não senti amor nos teus beijos somente tesão e muita técnica. Tive mais uma vez esperança que tudo desse certo depois de termos conversado ontem e esclarecido as coisas como sempre acontecia quando brigávamos pela net. Agora pela manhã dia 3 te perguntei mais uma vez se existia alguma chance de vc mudar de ideia e mais uma vez sua resposta foi não. Me sinto no corredor da morte esperando o dia da execução. Peça ao meu pai e a zilma para me perdoarem pela minha fraqueza mas não tenho coragem de voltar desse jeito. Sem emprego sem dinheiro e sem condições de criar meu filho. Sinto muito pelo sofrimento que vou causar à todos que realmente gostam de mim mary rita joice mariana minha sobrinha cíntia mas a vergonha pela derrota é grande demais não iria aguentar os olhares de repreensão principalmente sabendo que eles estão certos e que eu fui muito errada. Não devia ter vendido meu carro e saído do emprego. Sai com a certeza de que não voltaria e que teria a família que sempre sonhei. Mas estava errada e agora vou ter que consertar as coisas com mais sofrimento e dor. Agora estamos na vila vou acessar a internet pela última vez. Ainda não aceito sua decisão vou morrer exactamente por causa disso por não conseguir viver com a sensação de mais uma derrota na minha vida. Aqui está calor mas está nublado e aí amor como está? Ontem dia três fiquei tão feliz quando vc me disse que passou o dia pensando em mim e fizemos amor tão gostoso fomos dormir tão tarde e vc foi buscar me lá em cima porque eu não queria descer para dormir. Dia 05 de Julho ontem vc me botou para fora da sua casa realmente não tem outro jeito a não ser terminar com a minha vida e a de(B). Peço que não chorem por mim e quero ser enterrada com(B) aqui em Portugal em qualquer lugar. Não quero que gastem dinheiro levando nos para o Brasil vim para ser feliz nesse país e é aqui que vou ficar. Tem duas semanas que não me alimento direito porque vc deixou de fazer mercado e o que eu para(B) vc ainda comia eu deixava de comer para sobrar mais para o meu filho e vc de manhã comia muito bem. Adeus (N) saio da sua vida pela porta dos fundos me sentindo um lixo como vc sempre me fez sentir. Estou dando o remédio a(B) agora e depois vou me matar quando perceber que ele morreu. Me sinto sem emoções. Tentei até o último momento fazer vc mudar de ideia mas vc não percebeu que estava tentando salvar muito mais do que nossa relação. Estava tentando salvar minha vida. Diga ao meu pai que me perdoe. Tem um envelope com todo meu dinheiro por favor (N) entregue para ele. Adeus» A arguida, confrontada com a mensagem supra transcrita, disse: “Era como se fosse um diário, era como se fosse uma forma minha de desabafar”. À pergunta – “Recorda-se de ter escrito “Porque a gente não consegue ser feliz?”? Foi a senhora que escreveu?”, respondeu: “Acredito que sim”. À pergunta – “escreveu – ‘Estou dando o remédio a(B) agora e depois vou me matar quando perceber que ele morreu’- ?, respondeu: “Esse texto, o que eu pretendia fazer: deixar o rascunho, o telemóvel no chão e depois ir embora, para que ele ficasse com dor na consciência, porque nunca mais iria me encontrar”. Esta explicação não se nos afigura verosímil e contradiz as declarações prestadas pela arguida perante o juiz de instrução criminal na parte em que afirmou que disse a (B) que ele era a razão do seu sofrimento, que era a razão pela qual não continuava com (C), que teve a ideia de dar-lhe o remédio que aquele tomava para as convulsões, embora imaginasse que a toma excessiva desse medicamento poderia levar à morte, que segurou no queixo de (B) e deitou para o interior da sua boca três frascos de medicamento Trileptal. Com efeito, o teor das mensagens supra transcritas está em conformidade com as declarações prestadas pela arguida perante o juiz de instrução criminal e que lhe foram lidas em audiência de julgamento, afigurando-se-nos tais declarações verdadeiras e bem assim as aludidas mensagens. À pergunta – “Nunca pensou matar-se e por isso matar o seu filho para que ele não ficasse cá sem si?”, respondeu: “Não”. Mais disse que: - A única certeza que tinha é que o pai a apoiaria. À pergunta – “O que é que fazia aos frascos?”, respondeu: “O (N) jogava o lixo fora, guardava os frascos para (N) não ver”. Mais disse: “Ingeri dois frascos porque se para ele um dava dois davam de certeza. Tomei os frascos achando que isso me ia matar. Achei que ele morreu por asfixia. À pergunta – “Mas se achava que o seu filho se tinha morto por asfixia porque é que achava que se podia matar com aquele medicamento?”, respondeu: “Era um frasco que estava à mão. No estado que eu estava eu achava qualquer coisa”. À pergunta – “Confessou matar um filho para se despachar?”, respondeu: “Estava num estado completamente alienado”. À pergunta – “Considera que a Polícia Judiciária inventou que se sentou ao lado e que acariciou a cabeça de (B)…?”, respondeu: “Não lembro de ter dito isso. Dizia isso para ver o seu filho”. Mais disse que: - Normalmente o filho acordava pelas 9horas ou 9h30 e dava-lhe o medicamento depois de (B) tomar o pequeno-almoço. À pergunta –“Tem ideia da hora em que se apercebeu que o coração de (B) não batia?”, respondeu: “Viu o rosto murcho e pôs a mão junto ao coração e ele não batia e apercebeu-se que o seu filho estava morto. Ficou desnorteada, subiu e desceu as escadas”. Mais disse que: - Na Polícia Judiciária disseram para confessar para ir ver a autópsia do seu filho. - O defensor disse para confessar tudo, disse “Confirme tudo que vai correr tudo bem; que eu poderia sair livre”. - Pensava que o filho estava sozinho, nunca esteve sozinho. Só queria estar com ele, apesar de saber que estava morto. * b) O Relatório da Autópsia Médico-Legal efectuada ao cadáver de (B) de fls. 409 a 412. Reproduz-se na íntegra o Relatório em apreço de seguida: Instituto Nacional de Medicina Legal SERVIÇO DE TANATOLOGIA FORENSE RELATÓRIO DE AUTÓPSIA MÉDICO-LEGAL PROCESSO Nº 2007/000700/LX-T I - PREÂMBULO A 06-07-2007, pelas 10:35 horas foi realizada a autópsia médico-legal de: (B) pelo perito Dr. (F) e pelo perito Dr. (LE) a requisição de Serviços do M°.P°. Tribunal de Alenquer O cadáver proveniente de Residência foi removido para este Instituto em 06-07-2007 por Autoridade Policial que o identificou como sendo: (B) residente em Rua ... - Apartamento ... - Brasil na freguesia de Salvador/Brasil de 6 anos (DN:01/12/2000), profissão:--- natural de: Baía / Brasil filho de: (CS) e de: (A) Serviço de Tanatologia foi efectuado o boletim dactiloscópico que se encontra no processo. RELATÓRIO DA AUTÓPSIA MÉDICO-LEGAL EFECTUADA AO CADÁVER DE: (B). IDADE: 6 anos. SEXO: Masculino. II- INFORMAÇAO Consta da guia de condução do cadáver que se presume que a morte resultasse de: “Possível intoxicação”. Da informação do CODU, consta: “(...).... Em PCR com cerca de 60 m de duração na Urbanização Condomínio - Quinta do Sol... Alenquer, envolto em vómito alimentar acastanhado, espesso, em quantidade abundante, sem sinais de obstrução respiratória. Sem sinais de agressão física. Fez-se SAV sem recuperação de sinais de vida. O óbito foi verificado em 05/07/07, às 15h55. III - HÁBITO EXTERNO A) Cadáver com vestuário constando de pijama azul com substância vomitada aderente, com cheiro difícil de caracterizar. Junto ao pijama vem um saco de soro fisiológico. (sublinhado nosso) Vem com entubação oro-traqueal. Sinais de venopuncturas nos dorsos das mãos, à direita com canalização e …??? do saco de soro fisiológico. Cadáver do sexo masculino, identificado com cerca de 138 cm/s de comprimento e 25 Kg de peso. Livores cadavéricos no dorso, roxos, extensos, já fixados. Rigidez cadavérica forte nos membros. Conjuntivas pálidas. IV - HÁBITO INTERNO Congestão meníngo-encefálica. Edema encefálico. Equimoses ósseas nos rochedos. Amigdalite purulenta à direita. Muco na traqueia e brônquios. Raras petéquias sub-pleurais. Congestão visceral intensa. Conteúdo gástrico: pequena quantidade de papa castanha clara com cheiro difícil de caracterizar. Nos órgãos não expressamente mencionados não se identificaram lesões traumáticas nem focos patológicos. Colheu-se sangue, em mancha, para estudo do DNA, que se enviou ao LPC-PJ. Foi colhido sangue para determinação da alcoolémia, pesquisa de drogas de abuso e de substâncias medicamentosas, estas também pesquisadas no contendo gástrico colhido. Colheu-se sangue, em mancha, para estudo do DNA. V - EXAMES COMPLEMENTARES Os exames toxicológicos, efectuados ao sangue, não revelaram a presença de álcool, nem de drogas de abuso. Revelaram a presença de oxcarbazepina, no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico. VI- CAUSA DE MORTE I a) Intoxicação medicamentosa. b) Etiologia médico-legal? VII – CONCLUSÕES MÉDICO-LEGAIS 1ª – Os exames toxicológicos, efectuados ao sangue, não revelaram a presença de álcool, nem de drogas de abuso. Revelaram a presença de oxcarbazepina, no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico. (sublinhado nosso) 2ª – No cadáver não se identificou qualquer doença que pudesse ter sido responsável pela morte. (sublinhado nosso) 3ª – A morte de (B) foi devida a intoxicação medicamentosa, por ingestão de um anticonvulsivo. 4ª – No cadáver não se identificam outras lesões traumáticas, para além das devidas a manobras terapêuticas. * c) As declarações do Sr. Perito Dr. (F) prestadas em audiência de julgamento, subscritor do Relatório de Autópsia de fls. 409 a 412, realizado a (B). Foi-lhe exibido o requerimento apresentado pela arguida a fls. 942 a 947, designadamente o seu ponto 24, correspondente ao documento junto a fls. 1015, subscrito pelo Dr. (LG), segundo o qual: «1 – As lesões petequiais descritas no relatório da autópsia do (B) (I N Medicina Legal) são favoráveis a um quadro terminal anóxico que pode ser atribuível a um surto convulsivo (demonstrado na autópsia). 2 – A causa do surto convulsivo pode ser atribuível a situação infecciosa (amigdalite pultácea, no caso) – não demonstrável em termos de evidência, mas conexão clínico patológica altamente provável». O Sr. Perito (F) concorda com o ponto 24 de fls. 946 do requerimento apresentado pela arguida, mas afasta a conclusão, segundo a qual “a criança morreu de causa natural e não de ingestão medicamentosa”, não obstante concordar com os pressupostos em que ela se baseia. Mais afirmou que: - A morte pode ter ocorrido como efeito adverso da toma do medicamento. - Os anticonsulsivantes do tipo das carmabazepinas têm problemas com situações infecciosas febris. - Pode ter sido um efeito adverso, embora tenha sido uma dose terapêutica – vai entre os 4 e 12 microgramas; ou a carmabazepeina dá-se mal com a febre ou estaria a fazer um antibiótico por causa da amigdalite purulenta, o que pode fazer um efeito adverso com baixas doses de oxcarbazepina. - O miúdo teve as crises convulsivas provavelmente por causa da quantidade que lhe deram, aumentando a dose as crises continuam. - Há descrições em que a ingestão deste medicamento em grandes quantidades pode ser letal. - A ingestão de 3 frascos de Trileptal, sendo que cada um contém 100ml de medicamento, era adequada a provocar a morte com ou sem estado febril a uma criança com o peso de 25 kg. - A ingestão excessiva de Trileptal pode provocar uma paragem respiratória. - O miúdo fartou-se de vomitar. O miúdo tinha febre, faz as convulsões e vomita. - Em princípio não é possível que a morte da criança tenha sido causada pelo vómito, por um processo de asfixia; o médico do CODU deve ter aspirado; meteram um saco de soro fisiológico; não sabe se o soro correu todo ou não. - Se o soro fisiológico correu todo fez com que a substância fosse eliminada e daí as concentrações baixas no sangue no momento da autópsia. - É possível a criança apresentar oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico e ter ingerido três frascos de Trileptal correspondentes a 300 ml desse medicamento, porque perdeu com o vómito, não foi absorvido, o saco de soro fisiológico pode ter corrido todo, o que fez com que eliminasse a substância através da urina. Confrontado com a afirmação constante do documento de fls. 870, subscrito por (P), segundo a qual: «Congestão meningo-encefálica. Edema encefálico. Equimoses ósseas nos rochedos - Sinais intra-cranianos de asfixia!», respondeu afirmativamente, nomeadamente as equimoses ósseas; aumenta a tensão por causa das contracções, aumenta a pressão intra-craniana e rebenta os ossos do rochedo. - A asfixia pode ser uma reacção adversa à ingestão do medicamento. - A amigdalite purulenta à direita não é adequada a provocar a morte de uma criança. - A criança tinha febre, desconhece se estava a fazer terapêutica. A febre dá-se mal com este produto. - A febre alta pode precipitar uma crise convulsiva, especialmente se a pessoa tem passado epiléptico, mas por si só normalmente não precipita uma crise convulsiva que por si só e em pouco tempo conduza à morte. - Confrontado com o facto de a criança apresentar os “calções molhados” e de ter urinado, disse que a urina é um factor de eliminação do tóxico. - Confrontado com a alegação da defesa segundo a qual a dose letal de oxcarbazepina é de 1000 miligramas por quilo e que, para uma criança de 25 kg, a dose letal tem que ser acima de 25000 miligramas, disse que as doses elevadas provocam ainda mais convulsões, a própria convulsão pode provocar a morte. - Não é necessário ingerir 25000mg de oxcarbazepina para poder ocorrer a morte. - Três frascos de Trileptal provocam convulsões e elas podem provocar a morte. - Juntamente com o corpo vinha um saco de soro fisiológico. - A criança vomitou, por isso parte pode não ter sido absorvida, e urinou, por isso parte foi eliminada. - Quando refere no relatório da autópsia que a causa de morte foi devido à intoxicação medicamentosa, deveria ter posto como efeito adverso à medicação. - Independentemente da amigdalite purulenta e da febre, 300 ml seguidos de Trileptal são aptos a provocar a morte, porque podem provocar convulsões que vão provocar a morte. - Os frascos vêm com doseadores. - A toma seguida de 300 ml de Trileptal numa criança pode provocar a morte. - Rejeita a conclusão de “causa natural”. - A dose em concreto encontrada no organismo não era por si só adequada a causar a morte. - A quantidade em concreto de oxcarbazepina encontrada no organismo da criança pode não corresponder à quantidade ingerida porque ele já urinou (foi-lhe administrado soro fisiológico), vomitou. * d) O Parecer Médico-Legal de fls. 1279 a 1289, subscrito pelo Perito que subscreveu o Relatório de Autópsia, Dr. (F), que respondeu às questões formuladas pelo Tribunal, pelo Ministério Público e pela Defesa sobre a morte de (B). Questões formuladas pelo tribunal: 1. Qual o tempo médio de eliminação de 18.000 mg de OXCARBAZEPINA correspondente a 300 ml do medicamento TRILEPTAL (ou 3 frascos de TRILEPTAL de 100 ml)? 2. A quantidade de 5,17 ug/ml de OXCARBAZEPINA referida no relatório de autópsia corresponde a quantos mililitros (ml) do medicamento TRILEPTAL? 3. Sabendo que há vómito e há urina, qual o tempo médio de eliminação de 18000 mg de OXCARBAZEPINA, correspondente a 300 ml do medicamento TRILEPTAL? Resposta a estas questões: 1. Segundo as indicações da NOVARTIS, a empresa farmacêutica que fabrica a OXCARBAZEPINA, não comercializada em Portugal, este produto farmacêutico tem uma semi-vida plasmática de 1,3 a 2,3 horas. Todavia, importa referir que a OXCARBAZEPINA transforma-se, por via metabólica, em monoidroxi-derivado (MDH), metabólito este que atinge concentrações plasmáticas várias vezes mais altas que o fármaco inalterado, e que os picos plasmáticos ocorrem ao cabo de cerca de 4 horas, sendo o seu tempo de semi-vida de 9,3 +/- 1,8 horas. 2. A quantidade de 5,17 ug (0,00517 mg) presente num mililitro de sangue equivale, no fármaco TRILEPTAL, a 0,000086 ml da solução de OXCARBAZEPINA a 6%. Contudo, não é correcto estabelecer-se uma relação directa, uma vez que a concentração determinada nas análises toxicológicas corresponde ao valor por mililitro de sangue. Importa deixar bem claro que as concentrações de um composto químico no organismo variam ao longo do tempo (toxicocinética), em virtude das fases de absorção, distribuição, metabolização e eliminação, todas elas dependentes de diversos factores. 3. Uma vez que o tempo médio de eliminação está relacionado com a semi-vida da substância e que se ignora o volume do(s) vómito(s) e da urina excretada, que terão contribuído para a eliminação de uma quantidade indeterminada do produto, não é possível responder à questão formulada. Questões formuladas pelo Ministério Público a fls. 1041 e 1042: a) A ingestão de um anticonvulsivo em quantidades mais elevadas do que as prescritas pode desencadear convulsões? b) Tal fenómeno é clinicamente designado por efeito adverso? c) No caso em apreço, a ingestão de 300 ml de medicamento anticonvulsivo “Trileplal” (dose superior à prescrita) por uma criança com o peso de 25 quilo pode ter desencadeado convulsões? d) Tal efeito adverso é potenciado pela existência de amigdalite purulenta da criança? e) Independentemente desta infecção mantém-se a resposta dada à alínea c)? f) À ingestão de 300 ml de trileptal pode corresponder a concentração de oxcarbazepina no sangue de 5,17 ug/ml e no conteúdo gástrico, depois de eliminada parte da substância ingerida? g) Quais as formas de eliminação da oxcarbazepina? A circunstância de a criança ter vomitado e ter urinado nos momentos que antecederam a morte pode ter influenciado a dose de concentração no sangue? A dose de concentração no sangue pode não corresponder à dose ingerida porque pode ter ocorrido a expulsão do medicamento pelo vómito e pela urina? h) A existência de amigdalite infecciosa por si só pode desencadear convulsões ou é necessário que se verifique febre? i) Quais os aspectos do hábito interno compatíveis com a intoxicação medicamentosa? j) O soro administrado na manobra de reanimação cardio-respiratória pode desencadear um aumento da diurese e consequentemente aumento da excreção urinária do fármaco, com consequente diminuição do nível de concentração sanguínea? Resposta a estas questões: a) A resposta do sistema nervoso central (SNC) a múltiplas noxas é ampla e variada, podendo ocorrer convulsões em casos de intoxicações, febre, distúrbios electrolíticos, doenças degenerativas, etc. A intoxicação provocada por um fármaco com acção sobre o SNC pode, com efeito, provocar convulsões, mesmo tratando-se de anti-convulsivante ou anti-epiléptico (cfr. informações constantes da bula do medicamento). b) Sob o ponto de vista farmacológico, efeito ou reacção adversa a um medicamento, é qualquer resposta prejudicial, não intencional, que ocorre nas doses normalmente utilizadas em seres humanos para a profilaxia, diagnóstico e tratamento de doenças ou para a modificação de uma função fisiológica. c) Ainda que o fármaco em apreço seja um anti-convulsivante, não é de excluir a ocorrência de convulsões relacionáveis com a dose mencionada, manifestamente elevada, como também não é possível excluir a ocorrência de convulsões, independentemente da dose ingerida, devido a efeitos idiossincráticos (hipersensibilidade não imunológica para uma substância, sem conexão com a toxicidade farmacológica) não esperados. d) A amigdalite purulenta é um quadro clínico que pode condicionar determinadas alterações fisiopatológicas, incluindo convulsões relacionadas com febre elevada ou desequilíbrios electrolíticos, sobretudo em crianças. e) Resposta afirmativa, isto é, independentemente desta infecção – amigdalite purulenta - mantém-se a resposta dada à alínea c). f) Resposta dada à questão 2, formulada pelo tribunal. g) A concentração sanguínea de um composto é influenciada pela absorção, biotransformação e eliminação, pelo que quaisquer factores que afectem estas fases traduzem-se por alterações da respectiva concentração sanguínea. h) A amigdalite infecciosa (purulenta) pode desencadear convulsões não directamente, mas indirectamente por via de uma agressão ao SNC. Assim, alterações metabólicas decorrentes de vómitos incoercíveis num quadro de amigdalite podem conduzir a hiponatrémia ou desidratação, dadas as perdas por vómitos e urina, e a convulsões. i) O exame do hábito interno do cadáver pode revelar, nalguns casos, mordeduras na língua, sinais asfíxicos e conteúdo gástrico com cor e odor sugestivos. Todavia, a ausência de alguns ou de todos estes sinais, não permite excluir uma intoxicação medicamentosa, em muitos casos só diagnosticável através de análises laboratoriais e avaliação retrospectiva do contexto em que ocorreu a morte. j) Resposta afirmativa, isto é, o soro administrado na manobra de reanimação cardio-respiratória pode desencadear um aumento da diurese e consequentemente aumento da excreção urinária do fármaco, com consequente diminuição do nível de concentração sanguínea. Resposta aos quesitos da defesa (fls. 1017 a 1021 dos autos): Quesito 8 - I e II – Tomando o Relatório de Autópsia por base, onde resulta do mesmo que a criança morreu devido a “efeito adverso”? Como conclui, de acordo com a leges artis em Medicina, olhando o Relatório de Autópsia, que a criança morreu de “efeito adverso” ao medicamento? Resposta Não consta do relatório da autópsia médico-legal de que o signatário foi relator qualquer referência a “efeito adverso como causa de morte” (fls. 409 a 412 dos autos). Tal possibilidade foi admitida pelo signatário no seu depoimento em audiência de julgamento. * Quesito 8 — III – E, se a causa da morte foi o “efeito adverso” ao medicamento como explica a conclusão aposta no ponto 3 do Relatório a qual diz que “a morte de (B) foi devida a intoxicação medicamentosa por ingestão de anticonvulsivo”? Resposta Não foram encontrados, nas análises efectuadas, níveis tóxicos de oxcarbazepina no sangue. Todavia, face à ausência de outros sinais, à presença da substância no sangue e à informação de que a criança teria vomitado e sido sujeita à administração de soro fisiológico, sem que se pudesse estimar com razoável aproximação o volume do(s) vómito(s) e urina excretada e o volume de soro fisiológico administrado, o signatário concluiu que a morte teria resultado de “intoxicação medicamentosa”. Trata-se de um diagnóstico médico e um diagnóstico é sempre um exercício de probabilidade. Em audiência de julgamento, o signatário admitiu, porém, não ser possível excluir que a morte tivesse resultado de um “efeito adverso do medicamento”. * Quesito 8 — IV- “efeito adverso” e “intoxicação medicamentosa por ingestão de anticonvulsivo”, em Medicina, é afirmar a mesma realidade ou são realidades diferentes? Resposta Efectivamente, são realidades diferentes. O efeito adverso não depende de uma dose tóxica (cfr. resposta ao quesito b) do Ministério Público), ao contrário da intoxicação que exige uma dose tóxica, letal ou não. * Quesito 8 — V – O Sr. Perito afirma que não viu nenhum frasco de Trileptal, pergunta-se então como é que sabe qual era a substância detectada na Autópsia? Resposta Aqui sim, impõe-se uma rectificação das declarações proferidas pelo signatário. Com efeito, já depois de efectuada a autópsia, numa altura em que só dispunha das notas manuscritas elaboradas no decurso da mesma, foi recebido pelo signatário um frasco de Trileptal”. Foi esta a razão, por que tal não figura no relatório, mas que consta da requisição de exames complementares ao qual foi junta a amostra para fins comparativos. Foi desta forma e por via do resultado dos exames toxicológicos efectuados que o signatário viria a tomar conhecimento do medicamento em causa. * Quesito 8 — VI - Carbamazepina é a mesma coisa que oxcarbazepina? Resposta Trata-se de substâncias afins, pertencentes ao mesmo grupo terapêutico - o dos anti-epilépticos e anti-convulsivantes. * Quesito 8 — VII – o Sr. Perito afirmou no seu depoimento que foi a amigdalite conjugada com o anti-inflamatório e conjugada com a oxcarbazepina que deu o “efeito adverso”, pergunta-se então como demonstra, cientificamente, esta sua afirmação tomando por base o Relatório de Autópsia? Resposta Tanto quanto o signatário se recorda do seu depoimento em audiência de julgamento, terá admitido tal eventualidade, tendo em conta as contra-indicações, interacções com outros medicamentos e reacções adversas constantes da bula do próprio medicamento (não comercializado em Portugal), na qual consta expressamente: “Venda sob prescrição médica, sujeita a retenção da receita”, bem assim como uma chamada de atenção: “(...) podem ocorrer reacções imprevisíveis ainda não descritas ou conhecidas. Em caso de reacção adversa, o médico responsável deve ser notificado”. * Quesito 8 — VIII – Encontrando-se a criança já em paragem cardio-respiratória há 60 minutos quando o INEM efectuou as manobras de reanimação e lhe aplicou o soro, podemos afirmar, cientificamente, que o corpo ainda está em condições de processar e expelir, através da urina, o medicamento? Resposta Uma paragem cardio-respiratória com uma duração de 60 minutos corresponde a uma morte praticamente certa, uma vez que 4 a 6 minutos são bastantes para conduzir à morte por anóxia (falta de oxigenação) cerebral. Ignoram-se, em concreto, as circunstâncias que levaram a equipa do INEM a efectuar as manobras de reanimação, mas não é de excluir que terão agido em função da informação disponível na altura. Perante uma informação de intoxicação, tal como sucede com outras situações (por exemplo, hipotermia e electrocussão), a paragem cardiorespiratória pode corresponder a uma situação de morte aparente, pelo que se justificaria a realização dessas manobras, nomeadamente a administração de soro, na tentativa de promover a possível eliminação do tóxico por via urinária. * Quesito 8 — IX – Como explica, de acordo com a artes legis da Medicina, a sua afirmação de que se “o soro correu todo fez com que a substância tenha sido eliminada, daí a baixa concentração no sangue”? Resposta Prejudicada pela resposta ao quesito anterior. * Quesito 8— X – É ou não possível determinar através da Autópsia se a criança fez ou não um saco de soro? Em caso afirmativo, como? Resposta Não é possível, através da realização da autópsia, determinar se a criança foi ou não sujeita à administração de soro e qual o volume deste. Esta resposta só poderá ser dada pelos membros da equipa do INEM que a assistiram. * Quesito 8 — XI – Como explica, de acordo com a artes legis da Medicina, a sua afirmação de que “é possível 5,17 ug/ml no sangue e conteúdo gástrico e a criança ter ingerido 3 frascos”? Resposta O signatário só tomou conhecimento de que a criança teria ingerido três frascos, porque tal lhe foi comunicado em audiência de julgamento. * Quesito 8 — XII – Onde se suporta, tomando o Relatório de Autópsia por base, para dizer que a criança tomou 3 frascos? Resposta: No relatório da autópsia não existe qualquer referência à ingestão do conteúdo de três frascos. * Quesito 8 — XIII – Qual é a razão de ciência na qual o Sr. Perito suporta a sua afirmação de que a ingestão de 300 ml de Trileptal para uma criança de 25 kg é fatal? Resposta Segundo a bula do medicamento, a dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso referido (25 Kg) é, em média, de 1000 mg/dia. Ora, uma dose de 18000 mg/dia, ou seja, 18 vezes superior à indicada, configura-se como altamente tóxica e, quase seguramente, letal. * Quesito 8 — XIV – O que é que a Autópsia teria de revelar para se poder concluir, com rigor e certeza, que a criança ingeriu a quantidade de 300ml de oxcarbazepina e que foi essa quantidade em concreto a causa de morte? Resposta Como já atrás se disse, os vómitos profusos e a urina excretada podem ter eliminado uma quantidade não determinada do produto, o que levaria a uma diminuição da sua concentração no sangue e aos níveis não tóxicos encontrados nas análises efectuadas. Contudo, importa assinalar que não foi possível determinar a concentração do metabólito MHD por o Serviço de Toxicologia Forense não dispor de padrão de referência, uma vez que o “Trileptal” não se encontra à venda no nosso país. * Quesito 8 - XV – A 1ª conclusão do Relatório de Autópsia de que os exames revelaram a “presença de oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml e no conteúdo gástrico” está de acordo com a artis legis da Medicina? Resposta Trata-se do resultado dos exames toxicológicos efectuados no sangue colhido no cadáver autopsiado, de acordo com os rigorosos procedimentos do Serviço de Toxicologia Forense, o qual foi reproduzido no relatório de autópsia. * Quesito 8 — XVI – Se sim, qual era a quantidade da substância encontrada no sangue e qual foi a quantidade da substância encontrada no conteúdo gástrico? Reposta Prejudicada pela resposta ao quesito anterior. * Quesito 8 — XVII – Como explica, cientificamente e olhando o Relatório de Autópsia que a asfixia é uma reacção adversa à ingestão medicamentosa excessiva? Resposta No decurso de convulsões há, habitualmente, um componente asfíxico. * Quesito 8 — XVIII – E sendo asfixia uma reacção adversa à ingestão medicamentosa excessiva, como explica e conjuga com a sua afirmação que a quantidade encontrada de 5,17 ug/ml é uma dose terapêutica? Resposta A bula do medicamento permite admiti-lo. Nela se lê: “Atenção. Este produto é um novo medicamento e, embora as pesquisas realizadas tenham demonstrado eficácia e segurança quando correctamente indicado, podem ocorrer reacções adversas imprevisíveis ainda não descritas ou conhecidas”. * Quesito 8 — XIX – Os sinais de asfixia que o Sr. Perito localiza no Relatório de Autópsia podem ou não ser consequência de uma crise convulsiva que provocaram morte súbita? Resposta Efectivamente tal pode acontecer. * Quesito 8 – XX – O Sr. Perito afirma que com certeza que a criança teve febre, onde sustenta cientificamente esta sua afirmação no Relatório de Autópsia? Resposta É raro uma amigdalite purulenta cursar sem um período febril, a menos que se tratasse de um quadro de instalação recente, em que a febre ainda não tivesse surgido, ou que, estando presente, tivesse sido ignorada por quem cuidava da criança ou ainda que a esta tivessem sido administrados medicamentos anti-inflamatórios ou anti-piréticos. * Quesito 8 — XXI – O Sr. Perito afirma que a “febre dá-se mal com esses produtos e é capaz de provocar convulsões”, como chegou o Sr. Perito a essa conclusão? Em que factos e/ou evidências do Relatório de Autópsia se suporta para concluir desta forma? Resposta Tal como consta da resposta ao quesito a) do Ministério Público, a resposta do sistema nervoso central (SNC) a múltiplas noxas é ampla e variada, podendo ocorrer convulsões em casos de intoxicações, febre, distúrbios electrolíticos, doenças degenerativas, etc. A intoxicação provocada por um fármaco com acção sobre o SNC pode, com efeito, provocar convulsões, mesmo tratando-se de anti-convulsivante ou anti-epiléptico (cfr. informações constantes da bula do medicamento). * Quesito 8 — XXII – Atentas as características da oxcarbazepina e a quantidade de 5,17 ug/ml que corresponde a dose terapêutica, como conjuga e explica cientificamente estes factos e evidências com a sua afirmação que a “febre dá-se mal com estes produtos”? Resposta: Respondido no quesito 8 - VII. * Quesito 8 — XXIII – Em que factos e/ou evidências científicas se suporta o Sr. Perito para afirmar que a “febre alta pode precipitar a crise convulsiva, mas só por si não desencadeia crise convulsiva que conduz à morte”? Resposta A hipertermia pode provocar crises convulsivas, sobretudo em crianças e, especialmente, em doentes epilépticos, com particular realce para as crianças epilépticas. Estas crises convulsivas, dependendo da sua intensidade e duração, podem, por si sós, conduzir à morte. * Quesito 8 — XXIV - Em que factos e/ou evidências científicas se suporta o Sr. Perito para afirmar que “não é necessário 25.000mg de oxcarbazepina para ser letal, principalmente com febre da amigdalite purulenta”? Resposta Dada a natureza repetitiva dos quesitos, outra solução não nos resta que remeter, uma vez mais, para a leitura atenta da bula do medicamento, bem assim como para a resposta a quesitos anteriores. * Quesito 8 — XXV – O Sr. Perito afirmou que o Relatório de Autópsia está de acordo com uma crise convulsiva, pergunta-se como conjuga esta afirmação com a conclusão aposta no ponto 3 do Relatório, onde se diz “a morte de (B) foi devida a intoxicação medicamentosa por ingestão de anticonvulsivo”? Resposta A atribuição da causa da morte de (B) a “intoxicação medicamentosa” resultou da exclusão de outra causa de morte possível, mas menos provável, como sejam a crise epiléptica com convulsões, a asfixia após crise epiléptica com convulsões, e outras consideradas, conforme já referido nas respostas a quesitos anteriores. A conclusão resultou do cotejo da escassa informação disponível, dos resultados da autópsia e dos exames toxicológicos, uma vez que não foi facultada ao signatário qualquer tipo de informação relativa à investigação policial. Foi com base na análise ponderada destes elementos que o signatário concluiu ser esta a causa mais provável, repetindo — uma vez mais — que um diagnóstico é sempre um exercício de probabilidades. * Quesito 8 — XXVI – Como explica, de acordo com as artis legis da Medicina, a sua afirmação de que a morte da criança adveio do “efeito acessório da amigdalite e não da intoxicação”? Resposta Tanto quanto o signatário se recorda, terá referido, não necessariamente por estas palavras, que a morte da criança poderia ter resultado do efeito conjugado de amigdalite com hipertermia (febre) e ingestão do medicamento. * Quesito 8 — XXVII – E como explica esta sua afirmação de acordo com a artis legis em Medicina em confronto com as conclusões apostas nos pontos 1, 2 e 3 do Relatório de Autópsia? Resposta Nas conclusões médico-legais foi indicada como causa de morte a intoxicação medicamentosa por não se terem encontrado no cadáver, para além de sinais de amigdalite purulenta e da presença de medicamento no sangue, quaisquer outras alterações que pudessem explicar a morte (cfr. igualmente as respostas a quesitos anteriores). * Quesito 8 — XXVIII – Quais são os efeitos adversos da oxcarbazepina em dose terapêutica? Resposta Os efeitos adversos da oxcarbazepina em doses terapêuticas são os que constam da bula do respectivo medicamento (fls. 4). * Quesito 8 — XXIX – O Sr. Perito foi confrontado com as conclusões extraídas do Relatório de Autópsia pelo Dr. (LG), a saber «As lesões petequiais descritas no Relatório de Autópsia de (L) são favoráveis a um quadro terminal anóxico que pode ser atribuído a um surto convulsivo. A causa do surto convulsivo pode ser atribuível a situação infecciosa, amigdalite purulenta, no caso, não demonstrável em termos de evidência, mas conexão clínico-patológica altamente provável» e concordou com as mesmas. Em face deste quadro, o Sr. Perito pode afirmar que a morte da criança ocorreu devido a uma acção homicida ou devido a uma crise epiléptica? Resposta A etiologia médico-legal (ou causa básica) surge no relatório sob a forma interrogativa. E isto porque nem sempre a autópsia permite concluir pela etiologia, como sucede em muitas intoxicações. Se estas, nas crianças, resultam, sobretudo, de acidentes, outro tanto não sucede nos adultos, onde avulta a etiologia suicida. Em todos os grupos etários podem ocorrer homicídios, mas, nestes casos, o diagnóstico médico-legal deve ter em consideração os resultados da investigação policial. No caso em apreço, nunca foi aventada a hipótese de homicídio, nem facultada ao perito signatário qualquer tipo de informação que a levasse a equacionar. Com efeito, este só viria a ser confrontado com tal possibilidade em audiência de julgamento, como resulta inequivocamente do seu depoimento nessa audiência. * Quesito 8 – XXX – O que entende por causas naturais? Resposta Morte de causa natural é aquela que resulta de uma doença ou quadro patológico, sem que para tal tenha havido contribuição de terceiros. As mortes devidas a causas externas, de natureza traumática ou outra, como as intoxicações, não configuram mortes de causa natural, mas violenta, podendo resultar de acidente, suicídio ou homicídio, havendo ainda um número residual de casos em que, por diversas razões, a etiologia médico-legal é indeterminada ou inclassificável. * Quesito 8 — XXXI, XXXII, XXXIII e XXXIV – O facto de não saber quanto tempo demorou da ingestão do medicamento até à morte tem influência na Autópsia por si realizada e as conclusões a que chegou? Como? Como explica, de acordo com a artes legis da Medicina, a sua afirmação de que “a quantidade de 5,17 ug/ml pode não corresponder à quantidade ingerida”? E de acordo com a artes legis da Medicina, importa ou não apenas a quantidade da substância que entra na corrente sanguínea? Como prova que houve intoxicação medicamentosa? Foi doseado o medicamento nos fluidos orgânicos e analisados o fígado e o coração? Resposta As respostas a estes quesitos constam das respostas a quesitos anteriores. * e) O Relatório de Exames Toxicológicos de fls. 1394, que dá conta que as análises efectuadas a (B) revelaram a presença de oxcarbazepina no sangue – 5,17 ug/ml – e no conteúdo gástrico – positivo. * f) A Reportagem Fotográfica de fls. 30 a 41 complementada com os Relatórios Preliminar e Final, ambos do Sector do Local do Crime do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, respectivamente, de fls. 114 a 125 e de fls. 284 a 301, e também complementada pelos Relatórios Preliminar e Final, referentes à Inspecção Lofoscópica, respectivamente, de fls. 65 e 66 e de fls. 313 a 328. Do confronto entre os mencionados meios de prova consta que foram recolhidos no dia 05/07/2007, no início da tarde, na residência sita na Urb.anização Quinta..., Alenquer, os seguintes vestígios, nos locais a seguir mencionados, nove dos quais produzidos pelos dedos de (A): · Cinco vestígios digitais num copo de vidro com leite com chocolate que estava colocado em cima da mesa da sala. Quatro destes vestígios identificam-se com os dactilogramas correspondentes aos dedos médio (2) da mão direita, indicador e médio da mão esquerda de (A). · Seis vestígios digitais no copo de vidro com água que estava colocado em cima da mesa da sala. Nenhum destes vestígios foi identificado. · Quatro vestígios digitais num copo de vidro com chocolate em pó que estava colocado em cima da bancada da cozinha. Todos os vestígios identificam-se com os dactilogramas correspondentes aos dedos médio (2) e anelar (2) da mão direita de (A). · Três vestígios digitais num frasco de xarope “Bissolvon” que estava em cima da bancada da cozinha. Apenas um dos vestígios identifica-se com o dactilograma correspondente ao dedo anelar da mão direita de (A). · Três vestígios digitais numa embalagem de cartão de medicamento “Trileptal”, que estava dentro de um saco de plástico colocado no chão do escritório (no piso inferior). Nenhum destes vestígios foi identificado. Concretamente do Relatório Preliminar de fls. 65 e 66 consta que: “Foram examinados seis frascos de medicamento “Trileptal” (três numa gaveta do roupeiro existente no escritório e três colocados dentro de um saco de plástico colocado no chão do escritório). (sublinhado nosso) Todos os frascos examinados encontravam-se vazios e molhados. Também foram comparados os restantes vestígios lofoscópicos com as impressões digitais e palmares de (C) (proprietário da residência), não se tendo identificado quaisquer vestígios». Concretamente do Relatório de Inspecção Lofoscópica de fls. 313 a 328 consta na rubrica Processo Identificativo que «nove dos vestígios digitais identificam-se com os dactilogramas correspondentes aos dedos médio (4) e anelar (3) da mão direita e aos dedos indicador e médio da mão esquerda de (A)». Mais consta do mesmo Relatório que «Com vista à demonstração gráfica da identidade estabelecida, destacaram-se e numeraram-se, marginalmente, nas ampliações fotográficas de um dos vestígios identificados e do dactilograma com ele coincidente, treze das suas particularidades ou pontos característicos comuns», tendo chegado à seguinte: «CONCLUSÃO: O vestígio digital destacado a tinta vermelha e assinalado com a letra “A” na fotografia de conjunto NÚMERO UM foi produzido pelo dedo médio da mão direita do indivíduo identificado nesta Polícia como sendo (A), nascida em 03 de Abril de 1969, natural de Baía – Brasil, filha de ... e de ..., solteira, e com residência , Salvador da Baía – Brasil». * g) O Auto de Apreensão de fls. 42, relativamente aos vestígios recolhidos no local: · um líquido de cor castanha que se encontrava dentro de um copo em cima da mesa da sala; · um líquido pastoso que se encontrava no chão do corredor de acesso ao quarto de casal; · uma massa acastanhada que se encontrava em cima da cama e nas imediações da mesma; e · uma massa esbranquiçada que se encontrava no cabelo da arguida. * h) O Relatório do Exame Pericial do sector de Toxicologia do Laboratório de Polícia Científica de fls. 271 e 272, incidente sobre o quesito Pesquisa de oxcarbazepina e de outras substâncias medicamentosas ou potencialmente tóxicas, sendo que em todos os vestígios recolhidos e apreendidos a fls. 42 foi detectada a presença de oxcarbazepina. Conclui o Relatório em apreço nos seguintes termos: «Em todas as amostras foi detectada a presença de oxcarbazepina . Mediante as técnicas analíticas utilizadas não foi detectada a presença de outras substâncias tóxicas». * i) A bula do medicamento Trileptal trazido da casa da arguida e constante de fls. 266 (cfr. fls. 265), da qual resulta que: · o medicamento Trileptal tem como princípio activo a oxcarbazepina; · cada 1 ml de suspensão oral contém 60 mg de oxcarbazepina; · cada frasco de suspensão oral contém 100 ml de Trileptal. * j) A ficha emitida pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, datada de 05/07/2007, de fls. 308. * k) A ficha CODU nº 266163, datada de 05/07/2007, de fls. 309 onde consta, designadamente, que os Bombeiros Voluntários de Alenquer chegaram à vítima às 15h02 e que, após reanimação pelo T.A.T. e VMER, foi confirmado pela equipa médica a vítima como cadáver. * l) A Ficha emitida pelo Instituto Nacional de Emergência Médica, subscrita pelo médico Dr. (E), de fls. 8, onde consta: «Na sequência da ocorrência com a Ficha CODU nº 266163, informo que verifiquei às 15h55 de 2007/07/05, o óbito de um indivíduo de sexo masculino identificado como (B), naturalidade brasileira ?, de 6 anos de idade, aparentemente com antecedentes de epilepsia e medicado com oxcarbazepina 2 × dia, que foi encontrado em paragem cardio-respiratória com cerca de 60 minutos de duração, na Urbanização ..., Alenquer, envolto num vómito alimentar acastanhado, espesso, quantidade abundante, sem sinais de obstrução respiratória, sem sinais de agressão física. Fez-se suporte avançado de vida sem recuperação de sinais de vida». (sublinhado nosso) * m) A Ficha de Observação Médica de fls. 310 e 311 nº 266163, datada de 05/07/2007, emitida pelo Instituto Nacional de Emergência Médica/Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) de Santarém, subscrita pelo médico Dr. (E), onde consta, designadamente: «(B), chegada ao local 15h17, Sinais e Sintomas PCR > 60 min. vestígios vómito abundante semelhante a plasticina + chocolate. Sem obstrução». (sublinhado nosso). * n) Os Relatórios dos Exames Periciais realizados aos telemóveis de (C) (93...) e da arguida (93...), realizado mediante prévio consentimento expresso de ambos – cfr. fls. 55, linhas 128 (consentimento de (A)), e fls. 63 (consentimento de (C)) – e constantes de fls. 126 a 179, 180 a 264. O Relatório do Exame Pericial realizado ao telemóvel da arguida consta de fls. 126 a 179, contendo, designadamente, os contactos armazenados no aparelho, no cartão SIM ou no cartão de memória (fls. 130), a lista de chamadas efectuadas, recebidas e não atendidas referentes aos dias 03/07/2007, 04/07/2007 e 05/07/2007 (fls. 131 a 168) e as mensagens SMS enviadas ou recebidas no aparelho referentes aos dias 02/07/2007, 03/07/2007, 04/07/2007 e 05/07/2007 (fls. 169 a 178). Destaca-se a seguinte mensagem escrita no dia 05/07/2007, não enviada, com o nº de destinatário 93..., pertencente a (C), lida à arguida em sede de audiência de julgamento, sendo que confirmou tê-la escrito: «Porque a gente não consegue ser feliz? Porque sempre tudo vem com tanto sofrimento e dor? Estou cansada de correr atrás de sonhos de felicidade de ter uma família de ter uma filha começo a acreditar que realmente não nasci para ser feliz nessa encarnação quem sabe na próxima? Mas nunca esqueça que eu te amo (N) apesar de me fazer sofrer tanto e me fazer tomar uma decisão tão drástica vejo tantos casais de mãos dadas e tenho tanta inveja deles. Vc me prometeu que íamos sempre andar assim sermos compreensivos, carinhosos e agora vc sai da minha vida dessa forma. Como acha que me sinto? Tudo bem tenho que pensar em como vc se sente também mas acreditei nas suas promessas. Eu estava sossegada porque foi atrás de mim? Porque não procurou outra pessoa? Não tenho mais vida e (B) vai comigo porque deu me deu para cuidar. Eu errei em vir porque (B) precisa de cuidados especiais nunca te contei das convulsões e menti para minha família dizendo que vc sabia de tudo para tranquiliza los mas (B) toma remédio lembra do trileptal que eu te pedi para ver uma vez? Pois bem é para o (B) e esse mesmo remédio fará o que tem que ser feito. Só estou esperando sua resposta decisiva mas apesar de tantos sms e de vc ter ligado e eu não ter respondido vc nada me diz ontem dia 2 fizemos amor como antes cheios de desejo mas apesar disso não senti amor nos teus beijos somente tesão e muita técnica. Tive mais uma vez esperança que tudo desse certo depois de termos conversado ontem e esclarecido as coisas como sempre acontecia quando brigávamos pela net. Agora pela manhã dia 3 te perguntei mais uma vez se existia alguma chance de vc mudar de ideia e mais uma vez sua resposta foi não. Me sinto no corredor da morte esperando o dia da execução. Peça ao meu pai e a zilma para me perdoarem pela minha fraqueza mas não tenho coragem de voltar desse jeito. Sem emprego sem dinheiro e sem condições de criar meu filho. Sinto muito pelo sofrimento que vou causar à todos que realmente gostam de mim mary rita joice mariana minha sobrinha cíntia mas a vergonha pela derrota é grande demais não iria aguentar os olhares de repreensão principalmente sabendo que eles estão certos e que eu fui muito errada. Não devia ter vendido meu carro e saído do emprego. Sai com a certeza de que não voltaria e que teria a família que sempre sonhei. Mas estava errada e agora vou ter que consertar as coisas com mais sofrimento e dor. Agora estamos na vila vou acessar a internet pela última vez. Ainda não aceito sua decisão vou morrer exactamente por causa disso por não conseguir viver com a sensação de mais uma derrota na minha vida. Aqui está calor mas está nublado e aí amor como está? Ontem dia três fiquei tão feliz quando vc me disse que passou o dia pensando em mim e fizemos amor tão gostoso fomos dormir tão tarde e vc foi buscar me lá em cima porque eu não queria descer para dormir. Dia 05 de Julho ontem vc me botou para fora da sua casa realmente não tem outro jeito a não ser terminar com a minha vida e a de (B). Peço que não chorem por mim e quero ser enterrada com (B) aqui em Portugal em qualquer lugar. Não quero que gastem dinheiro levando nos para o Brasil vim para ser feliz nesse país e é aqui que vou ficar. Tem duas semanas que não me alimento direito porque vc deixou de fazer mercado e o que eu para (B) vc ainda comia eu deixava de comer para sobrar mais para o meu filho e vc de manhã comia muito bem. Adeus (N) saio da sua vida pela porta dos fundos me sentindo um lixo como vc sempre me fez sentir. Estou dando o remédio a (B) agora e depois vou me matar quando perceber que ele morreu. Me sinto sem emoções. Tentei até o último momento fazer vc mudar de ideia mas vc não percebeu que estava tentando salvar muito mais do que nossa relação. Estava tentando salvar minha vida. Diga ao meu pai que me perdoe. Tem um envelope com todo meu dinheiro por favor (N) entregue para ele. Adeus» Destaca-se também a seguinte mensagem escrita no dia 05/07/2007, às 12h54, enviada, com o nº de destinatário 93..., pertencente a (C), lida à arguida em sede de audiência de julgamento, sendo que não negou tê-la escrito e enviado a (C): «Distúrbio neurológico da infância é o problema que (B) tem é hereditário na maioria das vezes transmitido pelo sexo masculino no caso o pai dele e não te contei por vergonha mas agora como não tem mais volta estou te dizendo adeus amor» O Relatório do Exame Pericial realizado ao telemóvel de (C) consta de fls. 180 a 264, contendo, designadamente, os contactos armazenados no aparelho, no cartão SIM ou no cartão de memória (fls. 184 a 240), a lista de chamadas efectuadas, recebidas e não atendidas referentes aos dias 20/06/2007, 21/06/2007, 22/06/2007, 23/06/2007, 25/06/2007, 28/06/2007, 29/06/2007, 02/07/2007, 03/07/2007, 04/07/2007, 05/07/2007, 06/07/2007 (fls. 241 a 259) e as mensagens SMS enviadas ou recebidas no aparelho referentes ao dia 05/07/2007 (fls. 260), podendo constar-se que recebeu em 05/07/2007, às 12h55, uma mensagem oriunda do telemóvel da arguida, no estado lido, a qual se transcreveu acima em último lugar. * o) O depoimento da testemunha Dr.ª (T), médica que assistiu a arguida na urgência do Hospital Reynaldo dos Santos, sito em Vila Franca de Xira. Afirmou a ora testemunha, em síntese, que: - A doente entrou na urgência; já tinha sido assistida no domicílio; o colega foi chamado porque a doente teria ingerido um medicamento após se ter deparado com o filho em paragem cardio-respiratória. - Quanto aos sintomas que a arguida apresentava, estava bastante agitada, a gritar, algo perturbada; um colega de clínica geral avaliou-a, disse que havia suspeita de intoxicação medicamentosa, foi efectuada uma lavagem gástrica e administrado carvão activado; foi ficando mais calma; disseram à depoente que ela chamava pelo filho, foi-lhe transmitido pela enfermeira; na lavagem gástrica não saiu nenhuma substância; fizemos a lavagem gástrica com soro fisiológico ou água destilada e foi exactamente isso que saiu, uma substância da cor da água. - Se ocorresse um certo tempo entre a ingestão do medicamento e a lavagem gástrica, é possível que o medicamento já tivesse sido absorvido. A partir do momento em que o medicamento chega ao estômago começa a ser absorvido; teria que ser uma ingestão de não mais de 6 horas. Nós só fazemos lavagens gástricas até às 6 horas porque elas são muito eficazes quando são feitas após a ingestão e no máximo após duas/três horas. No caso do álcool conseguimos retirá-la do estômago em duas/três horas. - Neste caso, saiu o que entrou. - Da observação da doente, a doente tinha feito uma terapêutica com Diazepam (via intravenosa), e de uma forma geral os doentes estão sonolentos. - Contudo, no início, a arguida estava muito agitada, depois foi ficando progressivamente mais calma, mas sempre lúcida, colaborou na lavagem gástrica. - Se tiver feito uma ingestão de Trileptal com um período temporal superior a 6 horas, era possível que não se encontre sonolenta, porque também há reacções paradoxais. - Depois de fazer a lavagem gástrica, a arguida perguntou por uma pessoa que pensaram que fosse o marido ou o namorado. Pensa que a pessoa se chamava (N). - Não se aperceberam do consumo de álcool por parte da arguida. - Não pode dizer que a arguida tomou ou não tomou Trilepal, podia a quantidade já ter sido absorvida: uma dose mais elevada com o decurso de 6 horas ou uma a ingestão de uma dose mínima ou poderia não ter ingerido nada. - Com a ingestão de substâncias que provocam alterações do estado de consciência, habitualmente o doente está mais prostrado e sonolento. Quando há ingestão grande destas substâncias, o doente faz paragem cardio-respiratória. Mas há doentes que fazem reacções paradoxais e em vez de ficarem calmos ficam agitados e agressivos, geralmente quando têm passado no consumo destas substâncias. - O Relatório do INEM sugeriu que fosse feito o doseamento sérico, não foi feito porque não existe esse procedimento no Hospital, não se faz essa análise no hospital. - Não há testes para todas as substâncias que existem no mercado. - Habitualmente, perante a suspeita de intoxicação medicamentosa, faz-se a lavagem do estômago e a administração de carvão activado. - Quando há suspeita de ingestão de substâncias específicas pode-se administrar um antídoto. Também avaliamos a situação pulmonar, cardíaca, respiratória e estado de consciência dos doentes na chegada ao hospital. Os procedimentos básicos e universais foram feitos à doente. Não foi feito o doseamento sérico e não foi colhido material gástrico para análise. - Não consegue concluir se a arguida tomou ou não oxcarbazepina. À pergunta – “Havendo suspeitas que houve tentativa de suicídio, é boa prática médica levar o doente à psiquiatria?” -, respondeu: “Sim, mas neste caso foi-nos dito que a doente só poderia sair do hospital acompanhada dos agentes da Polícia Judiciária, mas habitualmente enviamos os doentes para a psiquiatria”. Mais disse que: - A doente entrou no hospital a seguir ao almoço e teve alta no dia a seguir de manhã, pensa que por volta das 7 e meia da manhã. A sua especialidade é de Medicina Interna. - Deu alta à arguida em função da avaliação física, mas se achasse que havia qualquer coisa de errado do ponto de vista emocional teria falado com o colega, chefe de equipa, e teríamos ponderado o envio ou não da doente à psiquiatria. - No caso em concreto, a doente (ora arguida) estava calma, perfeitamente lúcida, orientada, colaborante, por isso não lhe pareceu que estivesse instável ao ponto de não poder ter alta. - A arguida saiu do Hospital acompanhada dos agentes da Polícia Judiciária. - A arguida deu entrada à tarde, mais ou menos a seguir ao almoço; à noite, a seguir ao jantar, a arguida falou com os agentes da Polícia Judiciária; a ora testemunha falou com a arguida, disse-lhe que iria falar com os agentes da Polícia Judiciária e ela aceitou, estava calma; não assistiu à conversa. - Não existe consulta de psiquiatria no Hospital Distrital. Confrontada a ora testemunha com a ficha clínica ou cópia da folha de urgência de fls. 280 e 282, disse que: - A letra aí constante é a sua, relata o que se passou com a paciente. - 17h é a hora da sua primeira observação da arguida; nessa altura já tinha sido feita uma lavagem gástrica. - A doente foi tríada às 16h40 (do dia 05/07/2007), o colega de clínica geral foi falar consigo e nessa altura disse-lhe para fazer a lavagem gástrica e administrar o carvão activado, pelo que, às 17 horas, já tinha sido feita a lavagem gástrica à arguida. - Foi pelas 23h45 que aconteceu a conversa com os agentes da PJ, a essa hora pensa que já teria decorrido a conversa. - Foi dada alta à arguida às 7h45 (do dia 06/07/2007). * p) O depoimento da testemunha Dr.ª (V), médica, psiquiatra, subscritora do documento de fls. 836 a 845, intitulado Relatório Médico-Psiquiátrico de (A), datado de 31/01/2008, baseado em informação colhida por relatos de familiar a 17/10/2007 e em exame clínico decorrente de observações psiquiátricas realizadas nas instalações do Hospital Prisional São João de Deus – Caxias em 30/10/07, 09/11/07 e 15/11/07. Teve três encontros com a arguida a pedido da sua família e da sua advogada. No item 4.4 - Observação Clínica do referido documento consta: «Entrou no gabinete lentamente apoiando o braço esquerdo com a mão direita. Apresenta idade aparente concordante com idade real. Vestuário do estabelecimento prisional. Expressão facial triste, evitando o contacto com o olhar, mantendo-se cabisbaixa. Mímica pouco expressiva. Não se detectaram ecopraxia, obstruções, automatismos ou estereotipias. Fala em tom de voz baixo. Discurso provocando revelando-se fluente quando se abordavam assuntos relacionados com os seus antecedentes pessoais e familiares. Em relação à descrição dos factos ocorridos que motivaram a sua reclusão revelou acentuadas dificuldades em falar com prolongadas crises de choro e evidente sofrimento psíquico. Consciente, lúcida, orientada no tempo e espaço, alô e autopsiquicamente. Atenção captável e fixável. Humor deprimido expressando uma dor intolerável e interminável. Sentimentos de desespero, vergonha, culpa e de inutilidade. Perda da auto-estima. Curso do pensamento com ritmo lento sem alterações da continuidade. Apresentou pensamentos recorrentes de morte, referindo-se à morte como o fim do seu sofrimento. Não se apuraram alterações da percepção, designadamente alucinações. Juízo critico para a sua presente situação conservado. Referiu um quadro álgico e impotência funcional ao nível do membro superior esquerdo, desconhecendo qualquer acontecimento traumático». No item 5. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES do referido documento consta: «Com base nas observações psiquiátricas, nas quais evidenciou ao longo das mesmas consistência e coerência nos dados anamnésticos, e no exposto sou de parecer que a (A) apresenta uma Perturbação do Humor (Afectiva) com carácter recorrente, sendo o episódio actual grave sem sintomas psicóticos (ICD10 F33.2) Trata-se de um quadro psicopatológico de natureza funcional (não estrutural, porquanto se admite que não é provocado por uma causa orgânica/neurológica), caracterizado por humor deprimido (tristeza, desânimo, desespero e desesperança, lentificação psicomotora, sentimentos de desvalorização e de inutilidade. No presente quadro clínico o seu sofrimento é sentido como real e não aparenta resultar de uma simulação de sentimentos. O impulso para administrar ao seu filho o Anti-epiléptico para além da dose habitual aparenta resultar do seu estado mental instável e de um pensamento desorganizado marcado por turbulência emocional. O seu comportamento suicida precipitado pela perda do objecto de amor, abandono e impotência foi repetido ao fim de 1 mês de reclusão com persistência do seu quadro psicopatológico e conceptualizado o cenário suicida de modo a por termo aos problemas. De acordo com as teorias de abordagem social e ecológica e segundo Belsky e Vondra (1989) os acontecimentos de vida negativos são potenciais precipitantes de comportamentos suicidários em certos contextos psicopatológicos, designadamente a sua susceptibilidade às separações e rupturas afectivas anteriormente vividas. A existência de patologia depressiva grave em combinação com os elevados níveis de stress vivenciados na sua actual relação afectiva/familiar poderão ter contribuído para a eclosão da agressão assumindo a forma de filicídio-suicidio». (sublinhado nosso) A testemunha Dr.ª (V) afirmou, designadamente, que: - A arguida tinha uma extrema dificuldade em precisar os dados, havia um predomínio de choro; o facto de estar detida. - A arguida padece de uma perturbação depressiva grave, esta perturbação depressiva pode durar vários anos. - A arguida tem dificuldades em lidar com as contrariedades da vida, não tem um suporte psíquico de fortaleza do ego, tem falta de força para lidar com as contrariedades; havia alguma fragilidade, com variações do humor; já tinha havido um quadro depressivo na sequência da ruptura de um outro relacionamento afectivo que teve. - A arguida tinha expectativas extremamente elevadas. A arguida teve uma relação com um homem via Internet de forma duradoura, uma relação afectiva, com características diferentes das relações habituais, sem haver contacto físico. - Houve a combinação de projectos de vida, perspectivaram o futuro em comum, decidiram que a arguida vem e trás o filho consigo. - Este tipo de relação não é a mais frequente. A família ficou inquieta com esta situação. Não conheciam o homem e havia a preocupação do filho vir com ela. - A arguida nunca aceitou a separação do filho e, em seu entender, deixar a criança era abandoná-la, considerou que tinha disponibilidade psíquica para cuidar do seu filho. - A família não concordou com esta decisão. Há o peso da família não concordar. - Nos primeiros tempos foi apaziguador, mas havia uma criança perante um indivíduo que não é pai e pode ser difícil, vem para outro país. Não havia uma relação afectiva, este homem não é pai da criança. - A criança não é filha dos dois. É normal a criança, no seu comportamento, causar algumas dificuldades, são as vivências da vida e isso parece ter sido o accionar dos desentendimentos entre o homem e a arguida; o homem diz que não quer prosseguir a relação, aí ela sente o desabar do seu mundo porque vai ser confrontada com ela própria e com a família que ela pensava que iria dizer-lhe que, como a tinham avisado, não iria dar certo. - A arguida sempre ocultou a doença ao (N), o que poderia inquietá-la. É óbvio que se procura esconder o que é menos bonito, as complicações. Como estavam no início de uma relação é natural que ela escondesse algumas situações. - Nunca falou com (C), tudo o que escreveu resulta da impressão que tem do que a arguida lhe transmitiu. - Dadas as dificuldades que passaram a existir entre eles foi-se desenvolvendo uma situação de grande desespero da parte dela, porque a relação da parte do homem estava ameaçada de terminar. A presença da ameaça de ruptura foi-se desenvolvendo e isso suscitou nela uma grande insegurança, que foi exacerbando o seu estado depressivo de grande inquietação, de grande fragilidade, de labilidade emocional (porque ela começa a ter choro fácil) e tudo isto começa a não controlar o seu desespero. - Chega-se a um ponto em que o homem termina mesmo a relação e a arguida vê-se sozinha com o filho numa situação de grande desespero, a localização geográfica da casa que não ficava numa posição central, estava num país que não conhecia e não dominava as pessoas que circundavam o Condomínio onde vivia, nem dominava o espaço, não teve tempo para isso; sentiu um desespero total e culminou nesta perda de controlo que parece ter motivado o estado em que ultimamente estava. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 4.4 – Observação Clínica - do seu Relatório “Dor interminável”, que a arguida evidenciou um sentimento de desespero e achava que a vida não tinha solução por aquilo que tinha ocorrido, o filho morreu, estava profundamente desesperada e não conseguia perspectivar o dia seguinte, num estado de choro intenso. O sentimento é de desespero total no momento em que a observou, como não houvesse futuro, o dia de amanhã; teve dificuldade em recordar o passado, o que se percebe porque foi tudo muito traumático em face da perda do filho. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 5 – Discussão e Conclusões - do seu Relatório “Sentimentos de inutilidade”, que a arguida tinha uma relação muito intensa com o filho, a criança estava num estado de grande agitação, de choro, e este choro era altamente intolerável porque ela estava com humor irritável, não aguentava o choro da criança, nesse desespero quer que a criança durma, no sentido de que, como uma extensão dela, temos que acabar com isto, no sentido de pô-lo a dormir e acabar também consigo, tanto é que ela diz que toma medicamentos a seguir. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 5 – Discussão e Conclusões - do seu Relatório “No presente quadro clínico o seu sofrimento é sentido como real e não aparenta resultar de uma simulação de sentimentos”, que há várias técnicas que permitem perceber se as pessoas estão a simular sentimentos. - Sempre revelou coerência, a ora testemunha sentiu como verdadeiro o que estava a contar, não lhe pareceu que estivesse a falsear os dados; disse o mesmo nas três entrevistas. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 5 – Discussão e Conclusões - do seu Relatório “O impulso para administrar ao seu filho o Anti-epiléptico para além da dose habitual aparenta resultar do seu estado mental instável e de um pensamento desorganizado marcado por turbulência emocional”, que o seu estado era tal de desespero com o fim da relação que ela não via saída para a sua vida e o seu estado era: como é que agora ia voltar com o seu filho para o Brasil, não tinha condições de poder voltar a encarar a sua família, não era nada disto que perspectivou, não aguentou a angústia, a ruptura afectiva, o facto do outro não querer estar com ela. - A ruptura afectiva causa uma dor psíquica na pessoa e é esta dor psíquica que a arguida não aguenta; existe dificuldade em aceitar a rejeição do outro e a arguida não a tolera e nesse desespero, com o miúdo a chorar, decide dar-lhe o medicamento. - A arguida queria que o miúdo parasse de chorar, queria acabar com aquilo, queria acabar com a sua própria angústia. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 5 – Discussão e Conclusões - do seu Relatório “De acordo com as teorias de abordagem social e ecológica e segundo Belsky e Vondra (1989) os acontecimentos de vida negativos são potenciais precipitantes de comportamentos suicidários em certos contextos psicopatológicos, designadamente a sua susceptibilidade às separações e rupturas afectivas anteriormente vividas”, que a arguida expressou que a sua vida não tinha mais sentido. - O filho é sentido como uma extensão da arguida, não se conseguindo separar dele e se ela desaparecesse ele ficava desamparado, naquele momento o filho ficava entregue ao homem que ainda por cima não queria que ele estivesse ali. - Evidencia intenção de suicidar - Dá medicamentos a mais ao filho. - Ela por várias vezes nesta relação teve ideias de morte, mas não lhe parece que tivesse planeado estes actos. - Ela pede socorro, tem intenção de contrariar o que tinha feito; quando se confronta com o que fez. - Esclarece, quanto à expressão utilizada no item 5 – Discussão e Conclusões - do seu Relatório “A existência de patologia depressiva grave em combinação com os elevados níveis de stress vivenciados na sua actual relação afectiva/familiar poderão ter contribuído para a eclosão da agressão assumindo a forma de filicídio-suicidio”, que é o que a arguida lhe faz sentir; do relato de toda a história que lhe contou, foi-se instalando uma situação de tensão, que tem uma dimensão muito maior do que a que se pode passar com uma pessoa que está no seu país; a arguida está noutro país, longe da família. - Todo este estado em que há o culminar do fim da relação poderá ter feito com que a arguida se tivesse descontrolado e não tivesse tolerado a criança naquele momento e ao dar-lhe o medicamento em que o filho é uma extensão dela e pensa ‘tu dormes, que eu também vou querer dormir e acabamos com isto’ e isso é que se designa por filicídio-suicídio. Não há uma intenção má, da maldade, do ódio, de raiva, de querer fazer mal ao outro. - Neste caso, não sentiu, do que observou da arguida, que a arguida tivesse planificado e tivesse reflectido sobre a sua conduta de ministrar ao seu filho o anti-epiléptico para além da dose habitual. - O medicamento não foi dado para castigar a criança, segundo o que lhe disse. - A arguida transmitia problemas da parte do (N) com o filho; as refeições eram os momentos problemáticos, havia um querer estabelecer regras e a arguida tinha dificuldades em aceitar. - Admite que poderá ter passado pelo pensamento da arguida a ideia de matar o seu filho não numa expressão de raiva, nem de ódio, mas numa expressão de amor, de querer proteger o seu filho, no sentido de querer matar-se a si própria e não quer deixar o seu filho sozinho, então mata-o e a seguir mata-se a si própria. - Esta hipótese existe porque a arguida a dada altura também a expressa. - Ela quer dar fim àquilo, no sentido de que ela nunca poderia deixar o filho só, porque se ela se matar só a ela deixava o seu filho vulnerável a tudo o que estava a correr mal. No entender da arguida eram más as condições em que deixava o filho, então ‘vais comigo’, é uma extensão sua e então acabamos com tudo. - É esta forma como ela transmite, fez sentir à ora testemunha que a forma de poder dar este medicamento era no sentido da sua extensão, ‘acabamos com isto, acabo contigo e acabo comigo’, embora nunca houvesse uma expressão de ódio de matar o filho. - Da observação que fez, esse estado de profunda depressão poderia afectar, no momento em que os factos aconteceram, o discernimento a nível cognitivo e a vontade (elemento volitivo), mas não anular, porque, quando vê o filho com espuma na boca e percebe que a criança estava inanimada, a arguida consegue reagir. - Considera que estava diminuída a sua capacidade de valorar a situação em que estava, de valorar os seus actos, de julgar o que estava a fazer, face à sua perturbação psíquica, mas não estava anulado o seu entendimento do que estava a fazer face à situação. * q) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (M), militar da G.N.R., o qual referiu que, deslocou-se à vivenda em questão (nº 50, sita na Urbanização Quinta ...), após ter recebido uma comunicação quando se encontrava no posto da GNR. Afirmou que a vivenda tem dois pisos; a criança encontrava-se no piso inferior; viu médicos junto da criança; a arguida estava deitada no chão ao lado da cama e gritava muito; dizia “salvem o meu filho”; a criança estava vomitada; tentou acalmar a arguida que foi transportada para a ambulância e disse-lhe que “para salvar o seu filho, como nos está a pedir, tem que nos dizer o que é que o seu filho bebeu”, tendo a arguida dito que era um medicamento com caixa amarela; encontrou muitas caixas (18 ou 20) e mostrou o medicamento que se encontrava nas caixas ao médico; chegou ao local entre as 15h e as 16h e decorreram 10 a 15 minutos entre o momento em que chegou ao local e o momento em que a arguida lhe disse qual o medicamento que a criança havia tomado; os médicos disseram que a criança estava sem sinais vitais; comunicou a ocorrência ao superior hierárquico e à Polícia Judiciária. * r) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (CM), inspectora da Polícia Judiciária, que referiu, designadamente, que participou na inspecção ao local; quando chegou ao local, já lá estava a G.N.R. e os Bombeiros; o cadáver do menino de 6 anos estava no interior da residência, no piso debaixo; foi-lhe comunicado que uma senhora tinha ido para o hospital; fez com os colegas uma inspecção ao cadáver, o qual não apresentava lesões traumáticas externas; a criança estava no chão; havia vómito, o qual foi recolhido, em cima da cama de casal, no hall que dava acesso ao quarto de casal, no chão do quarto de casal; no outro quarto viu malas de viagem, numa gaveta estavam 3 frascos vazios de medicamento e no interior de um saco preto no chão estavam mais 2 frascos vazios; as malas estavam fechadas e havia uma mala que só tinha medicamento embalado, não continha roupa; no total, a P.J. trouxe 5 frascos vazios e alguns frascos embalados; foi feita inspecção lofoscópica a um copo que parecia conter leite com chocolate; foi encontrada uma garrafa de vinho vazia no caixote do lixo da cozinha; no local estava o companheiro da arguida; a criança tinha os calções molhados; a P.J. foi ao Hospital por volta da hora de jantar do próprio dia e, visto a arguida encontrar-se medicada por ter chegado ao hospital muito nervosa, voltou lá no dia seguinte, de manhã; a depoente não foi buscar a arguida ao hospital, nem esteve com ela durante o interrogatório, apenas viu-a no dia seguinte aos factos vestindo a roupa do hospital. * s) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (NC), inspector da Polícia Judiciária, que referiu, designadamente, que foi o instrutor do processo; deslocou-se ao local dos factos; a intervenção da P.J. repartiu-se em duas fases: recolha de vestígios e exame do hábito externo do cadáver; a casa estava aberta, já com os Bombeiros, GNR e INEM; fizeram uma inspecção externa à casa; não observaram sinais de desarrumação, de violência; à entrada da casa havia umas escadas que davam para o piso inferior, onde se situavam os quartos e uma casa-de-banho; no topo das escadas havia um envelope dirigido ao pai da arguida, continha dinheiro, documentos da arguida, máquina fotográfica, CD; na cozinha existia no caixote do lixo uma garrafa de vinho vazia e existia um copo com leite de chocolate na bancada da cozinha; no piso inferior havia um quarto de arrumos com malas de viagem, onde havia embalagens fechadas de medicamento e dentro de uma gaveta do guarda-fato estavam 3 frascos vazios do mesmo medicamento; no quarto de casal, onde estava a criança, existiam embalagens de cartão do mesmo medicamento, a criança estava parcialmente vestida de pijama e já tinha sido verificado o óbito; procederam a um exame ao hábito externo do cadáver e não observaram nele qualquer lesão externa; pareceu-lhe que a morte tinha sido provocada por terceiros, por intoxicação; o cadáver tinha marcas de vomitado seco; encontraram também vomitado em cima da cama e à entrada do quarto; o vomitado assemelhava-se a leite com chocolate – eram manchas acastanhadas; o depoente fez o relato dos vestígios recolhidos e dos locais em que os mesmos se encontravam, afirmando que de quatro vestígios recolhidos foi detectada a presença de oxcarbazepina e confirmando o teor do Auto de Apreensão de fls. 42, do Relatório de fls. 115 a 123 e do Relatório de fls. 271 e 272; os calções do cadáver estavam molhados; a chegada a casa foi feita pelas 16h e o exame ao cadáver foi feito pelas 18h; após terem procedido ao exame à moradia, deslocaram-se ao hospital, por volta das 19-20h, onde conversaram com uma médica que lhes disse que a arguida tinha feito uma lavagem gástrica, que resultou branca, e tinha sido sedada e que não lhe tinha sido dada alta; estiveram com a arguida na companhia da médica; no dia seguinte foi dada alta à arguida, deslocaram-se ao hospital pelas 7-8h da manhã, transportaram a arguida para a Polícia Judiciária, onde foi interrogada; a arguida foi informada de que tinha direito a defensor e não se recorda se a arguida quis que a sua prisão fosse comunicada. * t) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (O), inspector da Polícia Judiciária, que referiu, designadamente, que efectuou a reportagem fotográfica e recolha de vestígios, e afirmou que foram recolhidos vestígios em 4 locais: 1 no copo que estava em cima da mesa da sala do rés-do-chão, 1 no chão à entrada do quarto de casal, 1 em cima da cama de casal e 1 no cabelo da arguida (este recolhido posteriormente do cabelo da arguida nas instalações da Polícia Judiciária); desconhece o resultado, pois limitou-se a ir ao local, a recolher os vestígios e a enviá-los para análise na Área da Toxicologia. * u) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (JP), socorrista dos Bombeiros de Alenquer, que referiu, designadamente, que deslocaram-se à moradia em causa, tocaram à campainha e ninguém atendeu, pouco depois chegou (C) e o depoente entrou; na entrada estava um pacote castanho; estava uma senhora no chão e um miúdo na cama em paragem cardio-respiratória; accionou o 112, procedeu ao suporte base de vida e depois, após 15-20minutos, a equipa médica chegou e procedeu ao suporte avançado de vida; a criança estava em paragem cardio-respiratória, porque não tinha sinais vitais, procedeu-se a manobras de reanimação; tais manobras demoraram cerca de 50 minutos a 1 hora, sem sucesso; a criança estava vomitada. * v) O depoimento coerente e idóneo da testemunha (MB), motorista dos Bombeiros de Alenquer, que referiu, designadamente, que, no princípio, a arguida não respondia ao que se lhe perguntava e depois acabou por responder; levaram a arguida para cima; a criança estava em cima da cama; junto à criança havia uma espécie de plasticina castanha; a única coisa que a arguida dizia era “traz a criança para mim; dá-me o meu menino”. * w) Os documentos de fls. 8 a 12 (cópias dos passaportes da arguida e de (B)). * x) Os documentos de fls. 13 (cópias de dois talões emitidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF), um em nome da arguida e outro em nome de (B), onde consta como data de regresso ao Brasil o dia 03/07/2007 e o número do voo TP 159, o que está em conformidade com a informação prestada pela TAP a fls. 334. * y) A informação prestada pela TAP a fls. 334, onde consta que foram localizados dois bilhetes, um em nome da arguida e o outro em nome de (B), ambos utilizados no TP0156/01 de Junho de 2007 no percurso São Salvador/Lisboa, sendo que os mesmos passageiros tinham reserva marcada para o voo TP0159/03 de Julho de 2007 para o percurso Lisboa/Salvador, e que no registo de reservas não consta qualquer alteração de datas. * z) A ficha de admissão emitida pelo Hospital Reynaldo dos Santos de fls. 279, 280 e 282, referente a episódio de urgência em nome de (A), datada de 05/07/2007, às 16h40, onde consta: Na rubrica informação clínica: «Doente trazida pela VMER de Santarém por intoxicação por possível oxcarbazepina em estado de agitação psicomotora». Na rubrica prescrição terapêutica consta «lavagem gástrica + 50 gr carvão activado». Na rubrica Medicina consta: «Doente trazida pela VMER por suspeita de sobredosagem medicamentosa com oxcarbazepina; a lavagem gástrica foi “branca”. Doente muito ansiosa, consciente, colaborante, orientada». Na rubrica Cardiologia consta, além do mais, que: «23h45 A doente conversou com os Srs. Inspectores da Polícia Judiciária», tendo ficado combinado com os mesmos que viriam buscá-la no dia seguinte, às 7h00. Mais consta que foi dada alta à doente no dia 06/07/2007, às 7h45, acompanhada pelos Srs. Agentes da Polícia Judiciária. * aa) A ficha de observação médica nº 266163/Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) Santarém de fls. 281, datada de 05/07/2007, em nome de (A), onde consta, designadamente: «intoxicação com oxcarbazepina; presença de vários frascos de oxcarbazepina vazios que a vítima parece ter ingerido após constatar filho em PCR. Não sabe dizer quantidade; agitação psico-motora». * bb) Os juízos de experiência comum. * cc) As mensagens trocadas por Internet/e-mail entre a arguida e (C) e entre a arguida e (S), seu pai, juntas a fls. 785 a 828. * dd) A declaração subscrita por (C) junta a fls. 834, datada de 23/05/2007, dirigida ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, segundo a qual declara que convidou a arguida e seu filho, (B), a passar umas férias em Portugal, ficando sedeada na sua morada – Empreendimento Quinta ..., freguesia de Triana, concelho de Alenquer – e que assumirá todas as responsabilidades relativas à sua estadia e às despesas durante a sua permanência em território nacional. * ee) A cópia do bilhete de identidade de (C) de fls. 835. ** A análise conjunta da presença de oxcarbazepina no copo de vidro com leite com chocolate que estava colocado em cima da mesa da sala – cfr. fls. 42 (auto de apreensão, relativamente aos vestígios recolhidos no local), 271, 272 (relatório do exame pericial de Toxicologia do LPC da PJ)-, da presença nesse copo de vestígios lofoscópicos da arguida – cfr. fls. 65 e 66 (descrição de recolha de vestígios com indicação da sua localização) e 313 a 328 (relatório de inspecção lofoscópica) – e do facto do vómito do cadáver ter cor e textura que sugerem a presença de leite com chocolate – cfr. fls. 8 (ficha do INEM) e 122 (relatório preliminar) – demonstra que a arguida ministrou a (B) o medicamento Trileptal, que o mesmo ingeriu. Acresce que a arguida admitiu que ministrou medicamento Trileptal ao seu filho. * A análise crítica e conjugada de todos os meios de prova supra enunciados com especial destaque para o Relatório da Autópsia (faz menção, designadamente, a um saco de soro fisiológico que acompanhava o cadáver e à presença de oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico) conjugado com os esclarecimentos prestados pelo Perito que o subscreveu, Dr. (F), com o Parecer Médico-Legal subscrito pelo mesmo Perito, com as fichas de emergência de fls. 8, 308, 309, 310 e 311, com a bula do medicamento Trileptal de fls. 266, com os depoimentos das testemunha supra descritos (de onde resulta, designadamente, que (B) havia vomitado e urinado antes de morrer), com o teor de todos os relatórios periciais constantes dos autos e com as declarações prestadas pela arguida em sede de primeiro interrogatório judicial perante o Juiz de Instrução Criminal (lidas em audiência de julgamento e que nos fornecem, além do mais, o contexto em que a morte de (B) ocorreu) e em audiência de julgamento (refere, designadamente, que ministrou o medicamento a (B) por volta das 9h30) e com o teor das mensagens escritas no telemóvel utilizado pela arguida e acima transcritas permitem afirmar que a morte de (B) sobreveio como consequência da intoxicação medicamentosa, ou seja, permitem afirmar a existência de nexo causal: § entre a ingestão por parte de (B) de 300 ml do medicamento Trileptal (correspondente a 3 frascos de 100 ml, cada um) e a sua morte, e § entre a ingestão por parte de (B) de 300 ml do medicamento Trileptal (correspondente a 3 frascos de 100 ml, cada um) e a quantidade de oxcarbazepina encontrada no seu sangue - 5,17 ug/ml, sendo que ingeriu tal dose por volta das 9h30 e o óbito foi verificado às 15h55 do mesmo dia. Das declarações e do parecer elaborado pelo Sr. Perito Dr. (F) resulta que: o a ingestão de um anticonvulsivo em quantidades mais elevadas do que as terapêuticas pode desencadear convulsões; o a ingestão de 300 ml do medicamento anticonvulsivo Trileptal de uma só vez (dose 18 vezes superior à terapêutica), por uma criança com o peso de 25 quilos, pode ter desencadeado convulsões; o independentemente da existência de amigdalite purulenta e de febre tais convulsões podem verificar-se em consequência da ingestão de 300 ml de Trileptal de uma só vez por uma criança de 25 Kg; o à ingestão de 300 ml de Trileptal pode corresponder à presença de oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico, depois de eliminada parte da substância ingerida; o a circunstância de a criança ter vomitado e ter urinado nos momentos que antecederam a morte pode ter influenciado a dose de concentração no sangue; o o soro fisiológico administrado na manobra de reanimação cardio-respiratória pode desencadear um aumento da excreção urinária do fármaco, com consequente diminuição do nível de concentração sanguínea; o a quantidade de 5,17 ug (0,00517 mg) presente num mililitro de sangue pode equivaler à ingestão de 300 ml de Trileptal, dado que (B) urinou e vomitou após a ingestão do fármaco e foi-lhe administrado soro; o a morte da criança (B) sobreveio como consequência de intoxicação devida à ingestão de 300 ml de Trileptal. * Saliente-se que, segundo a bula do medicamento Trileptal de fls. 266: - a dose terapêutica diária média de Trileptal para uma criança de 6 anos e com 25 kg é de 1.000 mg/dia de oxcarbazepina ((B) tinha 25 kg), correspondentes a 16,7 ml de Trileptal, divididos em duas doses; - a oxcarbazepina é eliminada do organismo principalmente sob a forma de metabólitos, os quais são principalmente excretados pelos rins; mais de 95% da dose aparece na urina, com menos de 1% como oxcarbazepina inalterada; - a oxcarbazepina é rapidamente eliminada do plasma com valor aparente de meia-vida plasmática entre 1,3 e 2,3 horas; - a oxcarbazepina é rápida e completamente absorvida no trato gastrintestinal, quando administrada como suspensão; o fármaco é quase totalmente reduzido ao metabólito farmacologicamente activo 10,11-diidro-10-hidroxi-carbamazepina (monoidroxi derivado, MHD), que atinge concentrações plasmáticas várias vezes mais altas que o fármaco inalterado. Das declarações e do parecer de fls. 1279 a 1289 elaborado pelo Sr. Perito Dr. (F) resulta, ainda, que: o uma dose de oxcarbazepina de 18.000 mg/dia (correspondente a 300 ml de Trileptal ou três frascos de Trileptal, uma vez que cada 1 ml de suspensão oral contém 60 mg de oxcarbazepina, sendo que cada frasco de suspensão oral contém 100 ml de Trileptal ou 6.000 mg de oxcarbazepina), ou seja, 18 vezes superior à terapêutica, configura-se como altamente tóxica, quase seguramente letal; o é raro uma amigdalite purulenta cursar sem um período febril; o a intoxicação provocada por um fármaco com acção sobre o sistema nervoso central pode provocar convulsões, mesmo tratando-se de anti-convulsivante ou anti-epiléptico; o a atribuição da causa de morte de (L) a“intoxicação medicamentosa” resultou da exclusão de outra causa de morte possível, mas menos provável, como sejam a crise epiléptica com convulsões e a asfixia após crise epiléptica com convulsões; o para além de sinais de amigdalite purulenta e da presença de medicamento no sangue, não foram encontrados no cadáver quaisquer outras alterações que pudessem explicar a morte. Especificamente, o facto provado nº 9, segundo o qual, com a sua descrita conduta, a arguida causou de forma directa e necessária a morte de seu filho (B), decorrente de intoxicação medicamentosa por ingestão de um anti- convulsivo, denominado oxcarbazepina, substância que o forçou a ingerir numa quantidade equivalente a 18000 m.g. de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml do medicamento Trileptal (ou 3 frascos de Trileptal de 100 ml cada) e que se veio a revelar letal, sendo que, no momento da autópsia – dia 06/07/2007, pelas 10h35 -, (B) apresentava oxcarbazepina no sangue numa concentração de 5,17 ug/ml e no conteúdo gástrico funda-se no Relatório da Autópsia, nas declarações prestadas em audiência pelo Perito Dr. (F), no Parecer de fls. 1279 a 1289 subscrito pelo mesmo Perito, na bula do medicamento Trileptal de fls. 266, nas declarações da arguida prestadas perante o Juiz de Instrução Criminal (refere que forçou (B) a ingerir 3 frascos de Trileptal) e em audiência de julgamento (afirmou que deu o medicamento ao filho no dia 05/07/2007 depois do mesmo tomar o pequeno-almoço, cerca das 9h30), na ficha do INEM de fls. 8 (ficha emitida pelo INEM, onde consta que o óbito de (B) foi verificado às 15h55 do dia 05/07/2007), no auto de apreensão de fls. 42, relativamente aos vestígios recolhidos no local), no relatório do exame pericial de Toxicologia do LPC da PJ de fls. 271 e 272, na descrição de recolha de vestígios com indicação da sua localização de fls. 65 e 66 e no relatório de inspecção lofoscópica de fls. 313 a 328 e nos relatórios preliminar e final de fls. 114 a 125 e 284 a 301. Ou seja, considerando que a oxcarbazepina é eliminada do organismo principalmente sob a forma de metabólitos, os quais são principalmente excretados pelos rins, que mais de 95% da dose aparece na urina, com menos de 1% como oxcarbazepina inalterada, que a oxcarbazepina é rapidamente eliminada do plasma com valor aparente de meia-vida plasmática entre 1,3 e 2,3 horas, que a oxcarbazepina é rápida e completamente absorvida no trato gastrintestinal, quando administrada como suspensão, que o fármaco é quase totalmente reduzido ao metabólito farmacologicamente activo 10,11-diidro-10-hidroxi-carbamazepina (monoidroxi derivado, MHD), que (B) ingeriu três frascos de Trileptal por volta das 9h30 e que o óbito foi verificado às 15h55 do mesmo dia, que, como tal, decorreram cerca de 6 horas entre a ingestão do medicamento e o óbito, que a criança vomitou e urinou após a ingestão do fármaco e antes de morrer e que lhe foi administrado soro fisiológico, conclui-se que a quantidade de 5,17 ug (0,00517 mg) de oxcarbazepina presente num mililitro de sangue pode equivaler à ingestão de 300 ml de Trileptal. Concretamente, o facto provado nº 16, segundo o qual a dose de 18.000 mg/dia de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml de Trileptal, é uma dose altamente tóxica e quase seguramente letal para uma criança de 25 kg consiste num juízo de elevada probabilidade, no sentido de que a ingestão da aludida dose (dose 18 vezes superior à terapêutica) por uma criança de 25 kg provoca com elevada probabilidade a sua morte, e funda-se nas declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Perito Dr. (F), no Parecer de fls. 1279 a 1289 subscrito pelo mesmo Perito e na bula do medicamento Trileptal de fls. 266 (designadamente, na parte respeitante às doses terapêuticas). Quanto ao facto provado nº 58 atinente ao dia e às horas de início e termo do interrogatório da arguida pela Polícia Judiciária e ao dia e hora do início do interrogatório da arguida pelo Juiz de Instrução Criminal, teve-se em conta o cabeçalho de ambos os autos de fls. 51 e 78 (onde consta a data e hora do início do interrogatório) e o constante na parte final da última folha do interrogatório da arguida pela P.J., a fls.56 (onde menciona a hora do termo do interrogatório), e apenas nestas partes quanto ao auto de interrogatório da P.J., uma vez que os factos respeitantes ao tempo que durou tal interrogatório e ao tempo que mediou entre tal diligência e o interrogatório perante o JIC foram invocados pela arguida. Por seu turno, as declarações prestadas pela arguida perante o Juiz de Instrução Criminal e lidas em audiência de julgamento afiguraram-se-nos sinceras e verdadeiras, não nos parecendo credível e verosímil a justificação apresentada pela arguida em audiência de julgamento em como prestou tais declarações perante o Juiz de Instrução Criminal porque o seu defensor lhe disse para confirmar tudo o que tinha dito perante a Polícia Judiciária porque tudo acabaria bem, poderia sair livre e pensava que ia ver o filho, não pensando que o mesmo estivesse morto. Acresce que a arguida, em audiência de julgamento, entrou em contradição a este respeito ao dizer que confirmou o que tinha dito perante a P.J. porque queria ver o filho e não pensou que o seu filho estivesse morto, sendo que no início das suas declarações em julgamento disse que percebeu que o seu filho estava morto quando ainda se encontrava em casa, antes de ter sido conduzida para o hospital; confrontada com tal contradição, a arguida disse que queria ver o filho apesar de saber que estava morto. Não nos parece, com efeito, crível, recorrendo a juízos de experiência comum e de bom senso, que uma pessoa admita que forçou o filho a ingerir três frascos de um medicamento, sem o ter feito, apenas porque pensava, segundo indicações do seu defensor, que assim poderia sair em liberdade e poderia ver o seu filho. Acresce que também não nos parece crível, recorrendo aos mesmos juízos de experiência comum e de bom senso, que o defensor da arguida a tenha aconselhado a confirmar as declarações que prestou perante a Polícia Judiciária para assim sair em liberdade, sem que a arguida concordasse com tais declarações e sem que as mesmas fossem verdadeiras. Tal convicção é reforçada pelo depoimento da testemunha Dr.ª (T), médica que prestou assistência médica à arguida no Hospital e lhe deu alta médica no dia 06/07/2007, às 7h45, e afirmou que a arguida estava calma, perfeitamente lúcida, orientada, colaborante e que, por isso, deu-lhe alta. Por seu turno, as declarações prestadas pela arguida perante o juiz de instrução criminal estão em conformidade com o teor das mensagens escritas por si escritas (atrás transcritas). As declarações prestadas pela arguida em audiência de julgamento afiguraram-se-nos credíveis na parte em que não contradisseram as declarações prestadas pela arguida em sede de primeiro interrogatório judicial ou os juízos de experiência comum. A declaração da arguida em como remarcou a viagem de regresso para o Brasil para o dia 06/07/2007 não se afigura suficiente para demonstrar tal facto em face da informação prestada pela TAP a fls. 334. A declaração da arguida em como ministrava habitualmente a (B) doses de 10 ml de Trileptal para tratamento da sua doença não se afigura, por si só e desacompanhada de outro meio de prova que a corroborasse, suficiente para demonstrar tal facto, atenta a natureza médica do teor da declaração prestada. Acresce que o Perito Dr. (F) mencionou no seu Parecer que a dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso de 25 kg é, em média, de 1000 mg/dia de oxcarbazepina, correspondente a 16,7 ml de Trileptal, segundo a tabela constante da bula do medicamento de fls. 266, o que sugere que cada dose ministrada a (B) corresponderia a 8,35 ml de Trileptal. * Os meios de prova acima descritos, analisados conjugada e criticamente entre si, sustentam os factos provados e, concretamente, permitem dar como demonstrado o nexo causal entre a acção da arguida e a morte do seu filho (B) e o facto segundo o qual a arguida admitiu como possível que, em resultado da sua conduta, (B) falecesse (vide declarações da arguida prestadas perante o Juiz de Instrução Criminal acima transcritas). * A matéria de facto provada resulta, assim, da análise crítica e cruzada dos meios de prova acima descritos conjugada com os juízos de experiência comum. * Quanto aos factos não provados, atendeu-se à ausência ou insuficiência de meios de prova produzidos sobre os mesmos que os demonstrassem. É de salientar que a testemunha (C) recusou-se a prestar depoimento, ao abrigo do disposto no art.º 134.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal. O depoimento da testemunha Dr. (J), médico neurologista, não abalou a força probatória do Relatório da Autópsia de fls. 409 a 412, das declarações do Perito subscritor do mesmo Relatório prestadas em audiência de julgamento e do Parecer proferido pelo mesmo Perito a fls. 1279 a 1289. O valor da perícia realizada (Relatório da Autópsia de fls. 409 a 412) tem valor probatório que só pode ser contraditado ou abalado por outra perícia. O art.° 163.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, estabelece que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. O n.° 2 preceitua que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência. Nesta hipótese o julgador terá de fundamentar a divergência com fundamentos técnicos ou científicos equiparados aos dos peritos, impondo-se que, antes de divergir dos peritos, se socorra de esclarecimentos complementares ou determine a renovação da perícia usando da faculdade contemplada no art.° 158.°, do Código de Processo Penal. Ora, no caso em apreço, as conclusões do Relatório da Autópsia foram complementadas e esclarecidas com as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo Perito que elaborou tal Relatório e com o Parecer elaborado pelo mesmo Perito a fls. 1279 a 1289, pelo que não podem, assim, ser contraditadas pelo depoimento da testemunha médico oferecido pela defesa. Com efeito, o valor probatório pleno da perícia só pode ser abalado através da realização de nova perícia - art.° 158.°, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal, o que não sucedeu no caso dos autos. Tal testemunha fez um exame médico à arguida a pedido da defesa. Por outro lado, em determinadas partes (vide destaques a bold), o depoimento da testemunha Dr. (J) esteve em conformidade com as declarações do Perito Dr. (F). Afirmou, em síntese, que: - A epilepsia é uma doença muito frequente nas crianças, os sintomas são convulsões generalizadas de manhã quando acordam, a epilepsia benigna da criança em princípio desaparece aos 12 anos. - Quanto às causas mais frequentes da morte da epilepsia, cerca de 7 a 17% da população infantil que morre de morte súbita, inexplicada (há 2 ou 3 casos que é por arritmia cardíaca). - Isso normalmente acontece em doses subterapêuticas, são crianças que têm uma terapêutica diminuída em relação àquilo que costumam fazer e têm uma crise convulsiva, têm uma arritmia cardíaca e morrem subitamente. - É inferior àquilo que costumava fazer. A dose é atribuída em função do peso do doente. - Quanto à diferença entre a Oxcarbazepina e a Carmabazepina, a Oxcarbazepina é um anti-epiléptico que só é utilizado em Portugal há 2/3 anos, é uma droga altamente eficaz, tem menos acções secundárias do que a Carmobazepina; é absorvida de forma mais rápida, liga-se menos às proteínas do sangue, sai por via renal, as acções secundárias são parecidas quando há intoxicação aguda ou crónica, coma, sonolência, desequilíbrio e perturbações da consciência. - A oxcarbazepina é um derivado da carmabazepina. - A diferença em termos de utilização terapêutica - 300 mg de carmabazepina são 200 mg de oxcarbazepina em termos de utilização farmacológica, o que quer dizer que a oxcarbazepina é mais potente do que a carmabazepina. - O mecanismo de acção é praticamente idêntico e como tem menos acções secundárias e liga-se menos a outras proteínas, tem menos inter-acção e interage menos com outros fármacos. À pergunta – “Pode afirmar-se que a oxcarbazepina é um medicamento letal?”, respondeu: - Todos os fármacos se forem tomados em quantidades enormes são letais. - No caso dos fármacos anti-epilépticos, quando há uma ingestão aumentada, as pessoas entram em coma, os doseamentos que se encontram no sangue são muito acima do normal. Os valores normais no sangue, no caso desta substância, são de 30 a 120. - 5,17 – corresponde a uma dose subterapêutica. - Só com a entrada do medicamento na corrente sanguínea é que existe a possibilidade de existir uma intoxicação que pode conduzir à morte do paciente. - A criança tem uma crise convulsiva e tem uma morte súbita. - O Relatório de Autópsia refere edema cerebral, que é provocado por qualquer anoxia cerebral. As pessoas que têm ingestão aumentada de drogas deste tipo, que são todas metabolizadas ao nível do fígado e que tem perturbação ao nível cardíaco, teria que dar na autópsia alterações ao nível hepático e cardíaco, coisas que não vêm lá descritas. - O que encontrou na autópsia tinha edema cerebral, tanto pode ser afogamento ou morte súbita, por causa de uma paragem cardio-respiratória, por isso quando olhou para a autópsia pensou que a criança tivesse morrido de morte súbita. - Refere um edema cerebral e que tinha uma amigdalite, processo infeccioso ao nível da faringe. - Em termos de evidência científica, só se pode dizer que a criança teve morte súbita, a criança teve uma crise convulsiva e teve morte súbita por uma arritmia cardíaca. - Nós damos a medicação de acordo com o peso das pessoas, as crianças têm uma forma de metabolizar e a saída das drogas é muito mais rápida, a dose para uma criança é quase o dobro do que uma dose para uma pessoa da terceira idade, porque o rim funciona pior e têm mais dificuldade em eliminar a droga. - Em relação a este fármaco a dose é de 30 mg/kg em relação às crianças, 18mg/kg em relação a adultos em idade média, e 15 mg em relação à 3ª idade. - A explicação tem a ver com o seguinte: o facto de o medicamento ser facilmente metabolizado e excluído do organismo através da urina e de uma forma mais rápida nas crianças do que nos adultos. - Do Relatório de Autópsia, a única coisa que pode dizer é que a pessoa teve um edema cerebral, teve uma anóxia súbita e morreu, porque se tivesse uma intoxicação medicamentosa deste fármaco teria que haver alterações a nível hepático e a nível cardíaco, o que não aí descrito. - As doses subterapêuticas provocam morte súbita. - Teria que haver alterações a nível hepático, cardíaco e iónico para se provar que teria tomado um medicamento muito acima do normal. - O valor normal é de 30 a 120 ml. - 300 ml de medicamento Trileptal dava sonolência e coma e não dava morte súbita. - Poderemos afirmar que houve uma reacção adversa ao medicamento, mas não provamos. - Quanto ao Ponto 6 do Relatório de Autópsia, afirma que seria necessário fazer um estudo hepático, cardíaco e iónico (baixa de sódio) para se concluir que a morte ocorreu por intoxicação medicamentosa. - Na fase agudas das intoxicações, estimulamos o vómito para impedir a absorção rápida, pomos o soro a correr para aumentar a eliminação renal. O que é um facto é que a criança morreu. Se a criança morreu quando o soro foi aplicado nada é eliminado. - Do ponto de vista científico, a criança teria que ter um doseamento sérico no sangue dez vezes superior para provar-se que era uma intoxicação aguda grave, teria que provar-se que tinha uma alteração iónica, alterações a nível hepático e alterações a nível cardíaco. - No seu entender ocorreu morte súbita, inexplicada, das crises epilépticas. Parte das mortes é provocada por paragem cardio-respiratória. - Há doses subterapêuticas e esta criança em termos clínicos correspondia a esta situação. - O que esta criança teve foi uma crise convulsiva com morte súbita, inexplicada. À pergunta – “A toma seguida de 3 frascos de Trileptal pode provocar convulsões e dessas convulsões a morte ocorrer?” -, respondeu: - A criança fica convulsivar durante meia hora ou uma hora. Uma única convulsão dá arritmia. Uma única convulsão pode causar paragem cardio-respiratória. - O que está escrito é que a morte súbita é provocada por doses subterapêuticas. - A criança é encontrada com vómito, urinada e roxa. - A toma para além da dose terapêutica provoca coma, normalmente não provoca crises convulsivas. - As equimoses ósseas nos rochedos são compatíveis com uma única crise convulsiva. - O edema encefálico é compatível com uma crise convulsiva. - Admite como possível que a ingestão de Trileptal em doses superiores à recomendada pode provocar crises convulsivas, uma ou várias. - Essas crises convulsivas são compatíveis com a descrição do Hábito Interno referida no Relatório da Autópsia. - 300 ml de Trileptal nunca poderia corresponder de 5,17. À pergunta – “A concentração no sangue tem que ser igual à quantidade de produto ingerida?”, respondeu: - Sendo 30mg/kg de peso o limiar terapêutico, se tomou 3 gramas teria que ter a concentração no sangue muito superior. - É muito difícil que a criança tenha ingerido 300 ml. - A morte súbita, inexplicável por epilepsia, resulta da ingestão de doses sub-terapêuticas e esta criança tinha uma dose subterapêutica. - A eliminação é feita pelo rim, pela urina. Se vomitou a droga não entrou e não provocou acção tóxica. - A eliminação da droga é mais rápida nas crianças. A criança ainda em vida pode ter eliminado pela urina. - A morte súbita é morrer de um minuto para outro. - A medicação que foi dada não foi suficiente para tratar o problema, dose inferior, dose sub-terapêutica. - Para o fármaco estar na corrente sanguínea é porque foi absorvido pelo estômago. - Quando se faz o doseamento sérico é o doseamento sérico daquela altura, não se pode dizer se antes ou depois vai mudar. - Perante um quadro de intoxicação medicamentosa, faz-se uma lavagem gástrica, indução do vómito e eliminação por via urinária, damos muitos líquidos. Este medicamento demora em circulação durante 6 a 8 horas, daí usar-se o fármaco duas vezes por dia. * O que se disse quanto à força probatória do depoimento da testemunha Dr. (J) reproduz-se quanto à força probatória do depoimento da testemunha Dr.ª (P) e do documento que a mesma subscreveu a fls. 870 a 872, que se passa a sintetizar. Em síntese, a testemunha Dr.ª (P) subscreveu o documento de fls. 870 a 872 e afirmou que: - A dose letal de oxcarbazepina é superior a 1000 mg/Kg, pelo que uma criança de 25 Kg teria que ingerir 25000mg da substância e, mesmo assim, não quer dizer que seja letal. - A febre pode provocar uma crise convulsiva, mas não sabe se a criança teve febre no caso concreto. - A substância pode ser eliminada pela urina. Desconhece a quantidade de vómito e de urina expelida. À pergunta – “Como é que explica o facto de a criança ter tido uma crise convulsiva por força de uma inflamação – amigdalite purulenta à direita – mesmo depois da ingestão de um anti-convulsivo?” – respondeu: “Nenhum anti-convulsivo garante que não se tenha convulsões”. À pergunta – “O excesso de anti-convulsivo não pode gerar convulsões” – respondeu: “Não; os efeitos secundários da sobredosagem são sonolência, dores de cabeça, náuseas, vómitos”. Conclui o documento subscrito pela ora testemunha a fls. 870 a 872 nos seguintes termos: «1 – Foi encontrado no sangue e no estômago da vítima uma concentração de Oxcarbazepina (5,17 ug/ml) inferior àquela capaz de causar efeitos colaterais no SNC (acima de 9 ug/ml). 2 – A concentração de Oxcarbazepina encontrada é ainda inferior à dose terapêutica, sugerindo que a criança ainda estava em fase de ajustamento da dose terapêutica. 3 – No caso em tela trata-se de um Engano Gravíssimo dizer que o menor foi a óbito por intoxicação medicamentosa, por ingestão de anticonvulsivo. 4 – No cadáver foi identificada a ocorrência da Amigdalite Purulenta à Direita, doença que pode ser relacionada sim como causa que tenha desencadeado o mecanismo que levou a vítima a óbito». As conclusões tiradas na 2ª parte do ponto 2 e nos pontos 3 e 4 do documento em análise são contraditadas pelos meios de prova supra expostos que sustentam a matéria de facto dada como provada. Por outro lado, tais conclusões são tiradas por pessoa que não analisou o cadáver, o mesmo se dizendo quanto ao documento junto a fls. 1015, subscrito pelo Dr. (LG). Acresce que o Relatório da Autópsia, complementado, reforçado e esclarecido pelo Parecer emitido pelo Perito que o subscreveu e pelas declarações proferidas pelo mesmo em audiência de julgamento, encontra suporte nos meios de prova acima descritos na fundamentação dos factos provados que demonstram o contexto em que o óbito ocorreu. Pelo exposto, a força probatória do Relatório da Autópsia não resultou abalada pelos depoimentos das testemunhas (J) e (P) e pelos documentos de fls. 870 a 872, 1015, 887 a 900 e 1341 a 1370 (bibliografia médica). * As declarações da arguida são, por si sós, insuficientes no sentido de demonstrar o facto de que remarcou as passagens de avião de regresso ao Brasil do dia 03/07/2007 para o dia 06/07/2007, em face da informação prestada pela TAP a fls. 334, segundo a qual a arguida e o seu filho tinham reserva marcada para um voo de 3/7/2007 e no registo de reservas não consta qualquer alteração de datas. * Os factos indicados na acusação e na contestação de natureza conclusiva e os factos repetidos (ainda que com formulações diversas) não foram incluídos nos factos provados, nem nos factos não provados. * 2. Relativamente às condições pessoais, sócio-económicas e psíquicas da arguida e à sua personalidade, as suas declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento em conjugação com o documento subscrito a fls. 836 a 845 pela médica, psiquiatra, Dr.ª (V), os depoimentos coerentes e idóneos das testemunhas Dr.ª (V) (médica psiquiatra) – acima descrito -, (W) (amiga da arguida), (AS) (irmã da arguida), (R)(amiga da arguida) e de (CS) (pai de (B)) e o teor do Relatório Social de fls. 864 a 867 elaborado pelo Instituto de Reinserção Social na parte objectiva e não impugnada pela arguida – vide requerimento de fls. 928 e 929 (a arguida opõe-se à realização de perícia médico-legal sobre a sua personalidade, diligência sugerida pelo I.R.S. no Relatório Social, e impugna genericamente os termos do mesmo Relatório). A testemunha (W), amiga da arguida há 11 anos, afirmou que foram colegas de trabalho; a empresa gostava muito do seu trabalho; sabia que a arguida tinha um relacionamento amoroso via telemóvel e celular há dois anos; (B) já chamava o (N) de pai; no princípio, a arguida dizia que estava muito feliz, depois disse que estava a pensar voltar para o Brasil, que (N) deixava faltar comida em casa, que durante o dia hostilizava-a e que à noite era carinhoso com ela; disse que ia voltar no dia 3 ou 5, depois disso houve uma alteração; não comentou consigo a intenção de suicidar-se. A testemunha (AS), irmã da arguida, afirmou que, antes do filho da arguida nascer, a arguida gostava muito de viajar, era muito alegre; depois do filho nascer a vida da arguida mudou completamente; morava no mesmo prédio da arguida e sabia que o sobrinho tinha convulsões, pelo que lhe foi administrado o Trileptal; a família da arguida ficou muito temerosa com a sua vinda para Portugal; o pai de (B) visitava-o sempre que possível e chegava a passar com ele uma semana, sempre o tratou com muito amor e carinho; refere que não conheciam (C), era de um país diferente, de uma cultura diferente; o seu temor era esse; pensa que a arguida estava apaixonada por (C) mesmo sem o conhecer pessoalmente. A testemunha (R), irmã da arguida, afirmou que não mora no mesmo prédio da arguida (mas sim a irmã (AS)), a arguida teve dificuldade em engravidar e com o nascimento de (B) a arguida realizou o seu sonho de ser mãe; não acompanhou o enamoramento da arguida com um homem português e só na antevéspera da viagem a arguida telefonou-lhe a informar e disse que (B) iria ter um irmão porque (N) tinha um filho; a casa era alugada e o pai de (B) – (CS) – é que a custeava; nunca tinha visto a sua irmã apaixonada e ficou impressionada; viu (N) através da webcâmara; a arguida nunca a contactou a dizer que as coisas não estavam a correr bem; o seu pai telefonou para o celular do (N), para o celular que (N) deu à arguida e para o telefone do trabalho de (N). A testemunha Dr. (Y), procurador geral da república do Estado da Baía, afirmou que a irmã da arguida, (AL), é sua colega, promotora de justiça, e encontrou uma vez a arguida no shoping na companhia de (B) e de (AL), iam ver um filme, a arguida pertence a uma família estruturada, frequentou com as irmãs colégios religiosos. A testemunha (CS), pai de (B), afirmou que nunca viveu com a arguida, vivia noutro Estado; visitava o filho uma ou duas vezes por ano e nessas alturas passava 8 a 9 horas por dia com ele, conversavam; a guarda do filho foi atribuída à arguida; a arguida sempre foi uma mãe muito zelosa, cuidava da criança com muito carinho e isso deixava-o tranquilo; autorizou a emissão de passaporte e a entrada do menor em território português; não conhecia (C) e não sabia do relacionamento; desconhecia que a arguida pretendia vir com o filho morar para Portugal e pensava que vinha a Portugal de passagem, de férias, em turismo. * 3. Quanto à ausência de antecedentes criminais da arguida, o teor do seu certificado de registo criminal, junto a fls. 667 dos autos, e o teor do documento por si apresentado a fls. 849 (como Doc. nº 56). * * * IIIº A) Recurso interposto a fls.1101, admitido a fls.1816. 1. De acordo com o art.205, nº1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Em cumprimento desse preceito constitucional, o art.374, nº2, do CPP, estabelece os requisitos da fundamentação da sentença, estabelecendo o art.97, nº5, do CPP, para as outras decisões, que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. No despacho recorrido, o tribunal especifica as razões de facto e de direito do decidido – os esclarecimentos à perícia não podem ser formulados por consultores técnicos (art.155, nº1, a contrario do CPP). Assim, a fundamentação do despacho recorrido satisfaz, embora de forma sintética, o exigido pelo art.97, nº5, do CPP. 2. Segundo o Prof. Manuel da Andrade[1], a perícia consiste num meio de prova que se traduz na “percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas”. Por sua vez, a perícia médico-legal tem lugar quando, para a percepção e apreciação dos factos, sejam necessários especiais conhecimentos científicos do domínio da medicina legal. Como meio de prova organizado e produzido no próprio processo em que se utiliza, encontra-se expressamente previsto na legislação processual, ou seja, no Código de Processo Civil (art.568, nº3), no Código de Processo do Trabalho (art.100 e segs.) e no Código de Processo Penal (art.159). No caso, está em causa autópsia médico-legal, realizada pelo Instituto de Medicina Legal, IP, Delegação do Sul, nos termos do art.159, do CPP. Depois de apresentado o respectivo relatório e com o julgamento já iniciado, formulou a recorrente um requerimento, pedindo a nomeação como consultores técnicos de pessoas que indica e que os peritos que subscreveram o relatório de autópsia compareçam em audiência para prestarem a esses consultores técnicos todos os esclarecimentos. O Código de Processo Penal refere-se à figura do consultor técnico, nos seus arts.155,156, nº1,157, nº1, 317, 318, 331 e 350. O consultor técnico não presta compromisso de honra (art.156, nº1) e não está sujeito ao regime dos impedimentos, recusas e escusas, só previsto para o perito (art.153). A função do consultor técnico é de fiscalização, que exerce assistindo à realização da perícia ou tomando conhecimento do relatório (em caso de nomeação posterior à realização da perícia), com a possibilidade de intervir nos termos do art.155, nº2 e de ser ouvido em audiência (art.350). Como se referiu, no caso, a perícia foi realizada por delegação do Instituto de Medicina Legal. Nos Estatutos do INML (em anexo ao Dec. Lei nº96/01, de 26-3), apresentam-se como dados salientes, entre outros, os seguintes: - caracterização do INML como “instituto público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, sujeito à superintendência e tutela do Ministro da Justiça” (art.1, nº1); - enunciação de atribuições do INML, de que se destaca a de “cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de administração da justiça realizando os exames e perícias de medicina legal que lhe forem solicitados, bem como prestar-lhes apoio técnico e laboratorial especializado” (art.2 nº1, al.b); - definição do INML como instituição nacional de referência, no âmbito das suas atribuições (art.2, nº2); Deste modo, o legislador coloca o INML (cujas Delegações prosseguem na área de actuação as atribuições do Instituto- art.24, nº2, do Estatuto), a um nível superior (de referência), em relação às outras entidades a quem pode ser deferida a realização das perícias médico-legais, isto é, entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto (art.2, nº2, do Regime Jurídico das perícias médico-legais e forenses- Lei nº45/04, de 19-8). O reconhecimento desse estatuto de referência pelo legislador, manifesta-se na consagração legal de particularidades quanto ao regime normativo das perícias realizadas nas Delegações do INML, como é o caso da exclusão da possibilidade de nomeação de consultores técnicos, consagrada pelo art.3, nº1, da citada Lei nº45/04. Compreende-se que assim seja, pois, considerando a referida caracterização e definição do INML, a realização da perícia por uma delegação deste é uma garantia acrescida para os intervenientes processuais, desse modo ficando sem sentido o exercício de fiscalização próprio da intervenção dos consultores técnicos. A consagração do INML como instituição de referência, levou o legislador, ainda, a assegurar um tratamento diferenciado aos peritos do INML, no art.91, nº6, b, do CPP (dispensando de juramento e compromisso, por serem funcionários públicos e intervirem no exercício das suas funções) e no art.350, nº3, permitindo a sua audição por teleconferência a partir do local de trabalho (sinal que em relação a eles não vê necessidade da imediação exigida em relação a outros- art.350, nº1). Assim, excluindo o citado art.3, nº1, da citada Lei nº45/04, a aplicação ao caso de perícia realizada pelo INML, do disposto no art.155, do CPP, é óbvio que o pedido de nomeação de consultores técnicos não podia ser deferido. Ainda que não ocorresse este obstáculo legal, a pretensão do recorrente não podia ser acolhida pois, tendo a perícia sido realizada na fase de inquérito, só requereu a nomeação dos consultores técnicos no decurso do julgamento e na véspera do dia em que o perito prestou esclarecimentos, determinando a aceitação daquela pretensão, necessariamente, atraso no andamento normal do processo, o que o nº4, do art.155, do CPP não permite. Esta restrição não ofende qualquer princípio constitucional. Garantindo o processo penal a possibilidade de serem pedidos esclarecimentos aos peritos (arts.158 e 350, do CPP) e de em relação ao relatório pericial se pronunciaram os intervenientes processuais (art.327, nº2, do CPP), direito que a arguida teve oportunidade de exercer (cfr. fls.950), está assegurado o contraditório, definido como o direito de contradizer ou de se pronunciar sobre as alegações, as iniciativas, os actos ou quaisquer atitudes processuais da autoria dos outros sujeitos processuais. A autonomia e independência do INML, coloca-o numa posição de equidistância entre a defesa e a acusação, tornando desnecessário qualquer controlo ou fiscalização dos intervenientes processuais sobre a realização da perícia, como forma de assegurar os direitos de defesa, o que garante, também, o princípio da igualdade aos vários intervenientes processuais. Também não é afectado o princípio da investigação da verdade material, uma vez que a arguida teve oportunidade de pedir esclarecimentos aos peritos e de apresentar e requerer outras provas. Em relação ao ocorrido no início da sessão de 12Mar.08 (conclusão 38), não tinha o tribunal de ouvir a arguida após o Ministério Público ter usado da palavra, pois este limitou-se a exercer o contraditório em relação a requerimento daquela. Tendo apoio legal o indeferimento de nomeação de consultores técnicos, não ocorre qualquer nulidade, nem resulta dos autos que tenha sido violado algum direito de defesa da arguida. Assim, improcede este recurso intercalar.
B) Recurso interposto a fls.1220, admitido a fls.1816: Tendo a arguida requerido a acareação entre o Perito (F), ouvido na sessão da audiência de discussão e julgamento de 12Mar.08, em esclarecimentos relativos à perícia em que foi interveniente e a testemunha (J), ouvida na mesma sessão, alegando que ambos são médicos e se pronunciaram sobre o mesmo documento - o relatório de autópsia, o tribunal, por despacho de 26Mar.08 (fls.1001), inferiu essa pretensão “De acordo com o disposto no art.146, nº1, do CPP, não é legalmente admissível a acareação entre peritos e testemunhas. Nesta conformidade, indefere-se a requerida acareação entre o Perito (F), subscritor do Relatório de Autópsia e a testemunha (J), por inadmissibilidade legal…”. De forma conclusiva, a recorrente aponta ao despacho recorrido irregularidade, que não concretiza e que este tribunal não vislumbra. Como ensinava o saudoso Mestre Alberto dos Reis[2] “o incidente da acareação consiste nisto: em pôr em presença uma da outra, ou umas das outras (cara a cara), duas ou mais pessoas que depuseram e fizeram, nos seus depoimentos, afirmações que colidem… O fundamento é nitidamente este: oposição directa entre depoimentos sobre facto determinado…”. Compreende-se, assim, que o art.146, nº1, do CPP, considere admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente, pois entre as respectivas declarações ou depoimentos pode existir oposição directa sobre determinado facto, que o confronto entre eles, cara a cara, permita esclarecer. As declarações do perito, prestadas como esclarecimento de prova pericial efectuada, não podem ser equiparadas àquelas declarações ou depoimentos, pois não têm em vista transmitir ao tribunal a percepção de factos acessíveis a qualquer um mas, como refere o art.151, do CPP, de factos cuja percepção exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Esses conhecimentos podem dizer respeito a ciências não exactas, em que opiniões divergentes sobre determinada situação sejam aceitáveis e não supríveis através de um confronto cara a cara em audiência. Considerando as especificidades da prova pericial e o valor que lhe é reconhecido, o legislador previu formas específicas de pôr em causa o respectivo resultado, através de esclarecimentos e nova perícia (art.158, CPP). Por outro lado, o indeferimento da acareação não significa que não possa ser atribuído valor ao depoimento da testemunha que depôs em sentido contrário ao da peritagem e dos esclarecimentos do perito. Na verdade, podendo o julgador divergir do perecer dos peritos, desde que fundamente a divergência, pode invocar o depoimento qualificado de determinada testemunha para fundamentar tal divergência (art.163, nº2, CPP), assim como pode apoiar-se na argumentação da testemunha para formular os esclarecimentos ao perito. A acareação entre perito e testemunha não está proibida, mas a verdade é que não se justifica, pois estão previstos mecanismos suficientes para instar e contraditar os peritos, sem necessidade de um confronto, cara a cara, entre quem fala de acordo com conhecimentos científicos que lhe são exigidos e a testemunha, sobre quem não recai essa exigência. Daqui não deriva prejuízo para o princípio da descoberta da verdade material, nem para a existência de um processo equitativo e para as garantias de defesa do arguido pois, como vimos, além de esclarecimentos e nova perícia, pode a prova produzida em contradição com o resultado da perícia servir para fundamentar divergência do tribunal em relação à mesma. Não se tratando de acto admitido por lei em relação à hipótese concreta, nem de diligência essencial à descoberta da verdade, o indeferimento da acareação não constitui nulidade e não merece censura. C) 1. A recorrente (A) insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto dada como provada pela decisão recorrida, defendendo que a prova produzida justificava decisão diversa em relação a determinados factos. Põe em causa, em primeira linha, os factos provados constantes dos pontos 8, 9, 16, 17, 19 e 22 e os não provados constantes das alíneas E), F), G), H), L), R), U), V). Encontrando-se documentada a prova produzida em audiência e dando a recorrente cumprimento ao disposto no art.412, nºs3 e 4, do CPP, está este tribunal habilitado a conhecer de facto e de direito, nos termos dos arts.428, nº1 e 431, do CPP.
São os seguintes, os factos impugnados: 8. No dia 5 de Julho de 2007, cerca das 9h30, a arguida abordou o seu filho dizendo-lhe que era ele a razão do seu sofrimento e o motivo pelo qual não continuava com o seu companheiro e segurou o queixo do (B) e deitou para o interior da sua boca três frascos de Trileptal, de 100 ml cada um, medicamento destinado ao tratamento da doença epiléptica de que o menor sofria, composto por oxcarbazepina, ao mesmo tempo que o fazia beber água para o impedir de vomitar, assim o obrigando a ingerir aquele produto. 9. Com a sua descrita conduta, a arguida causou de forma directa e necessária a morte de seu filho (B), decorrente de intoxicação medicamentosa por ingestão de um anti-convulsivo, denominado oxcarbazepina, substância que o forçou a ingerir numa quantidade equivalente a 18000 m.g. de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml do medicamento Trileptal (ou 3 frascos de Trileptal de 100 ml cada), e que se veio a revelar letal, sendo que, no momento da autópsia – dia 06/07/2007, pelas 10h35 -, (B) apresentava oxcarbazepina no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico. 16. A dose de 18.000 mg/dia de oxcarbazepina, correspondente a 300 ml de Trileptal, é uma dose altamente tóxica e quase seguramente letal para uma criança de 25 kg. 17. Ao praticar os factos descritos, agiu a arguida ciente de que fazia o seu filho (B) ingerir uma quantidade de medicamento que poderia ser adequada a causar-lhe a morte, admitiu a possibilidade de (B) morrer em consequência da ingestão do medicamento que o forçou a ingerir, o que veio a verificar-se como resultado directo e necessário da sua conduta. 19. A arguida agiu sempre determinada por vontade livre e consciente, conformando-se com o resultado morte, embora estivesse afectado, no momento em que ocorreram os factos, o seu discernimento cognitivo e volitivo, e sabia que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei. 22. A doença de (B) era tratada com o uso do medicamento Trileptal (oxcarbazepina suspensão oral a 6%), ministrado em doses de quantidades não concretamente apuradas, duas vezes ao dia. e) A ingestão por (B) de três frascos de Trileptal (de 100 ml cada) não fosse suficiente para provocar a sua morte. f) A dose letal (DL 50) para oxcarbazepina fosse de 1000 mg/kg (mil miligramas por quilo), sugerindo que no homem a intoxicação por oxcarbazepina seja rara. g) E para uma criança de 25kg (vinte e cinco quilos) a ingestão da dose para ser letal tivesse que ser acima de 25.000 mg (vinte e cinco mil miligramas) da substância. h) As doses de Trileptal habitualmente ministradas a (B) fossem de 10 ml (dez mililitros), cada uma. l) A arguida se tivesse desfeito de todos os bens que conseguira, com grande esforço, durante a sua vida, a exemplo da casa e dos mobiliários, do carro, do emprego e de suas contas bancárias. r) A alta médica dada à arguida tivesse ocorrido inexplicadamente e sem que a mesma estivesse completamente recuperada. u) As suas declarações perante as autoridades judiciárias de que teria ministrado ao seu filho o conteúdo de três frascos de Trileptal se devessem ao facto de encontrar-se atordoada com os últimos acontecimentos e esgotada face a exaustão dos interrogatórios que se seguiram. v) A arguida não tivesse condições físicas e nem psicológicas de conscientemente saber o que dizia quando prestou declarações perante a Polícia Judiciária e perante o Juiz de Instrução Criminal. Quanto à hora e circunstâncias em que a medicação foi tomada, foi considerado provado que isso ocorreu pelas 9.30h., altura em que a arguida abordou o filho dizendo-lhe que era ele a razão do seu sofrimento. Esta versão, é corroborada pelas declarações da própria arguida, em audiência, quando referiu que, quando o menor acordou e lhe disse para tomar o pequeno-almoço, ele chorou quando a viu a fazer as malas, o que a alterou “eu desabei”, pegou na seringa, deu-lhe o remédio na boca e disse-lhe “Você vai deitar no meu quarto a dormir e a ver televisão”, assim como pelas declarações prestadas em 1º interrogatório judicial, com as quais foi confrontada em audiência “…sentia-se desesperada…. Quando surgiu o seu filho … disse-lhe que ele era a razão do seu sofrimento e que era a razão pela qual não continuava com o (C). Mandou-o ir para cima e, nessa altura, teve a ideia de dar a (B) o remédio que aquele tomava para as convulsões….”. A recorrente, defende que a medicação não pode ter sido ministrada antes das 11h., isto porque ela permaneceu a falar com (C) ao telefone, desde as 8h. até por volta daquela hora. Contudo, o exame pericial o telemóvel (fls.129 e segs.), não confirma que a recorrente tenha estado permanentemente ao telefone nesse período, nem seria razoável tanto tempo em conversação telefónica, assim como não seria natural que não fosse interpelada nesse período pelo menor (6 anos de idade). Quanto à quantidade de medicamento que a criança foi forçada a ingerir. O considerado provado (três frascos de Trileptal, de 100 ml cada um), corresponde às declarações da arguida em 1º interrogatório judicial. Insurge-se a recorrente contra esse facto, invocando o Relatório de autópsia, de onde resulta que os exames toxicológicos, efectuados ao sangue, revelaram a presença de oxcarbazepina, numa concentração de 5,17 ug/ml, o que corresponde a dose terapêutica e não à ingestão de 300ml do medicamento (o conteúdo de três frascos). Contudo, com esclareceu o perito (F), os vómitos e aplicação de soro, contribuíram para a eliminação da substância, o que justifica os níveis baixos encontrados no sangue na altura da autópsia. Este perito, no parecer de fls.1279 e segs., esclareceu, ainda, que as concentrações de um composto químico no organismo variam ao longo do tempo, em virtude das fases de absorção, distribuição, metabolização e eliminação, não sendo possível determinar o tempo médio de eliminação, por estar dependente do volume do vómito e da urina excretada. Os depoimentos das testemunhas (M) (GNR), (CM), (NC), (O) (estes da PJ), (JP) e (MB) (bombeiros), confirmam os restos de vomitado em vários locais. O provado é corroborado, ainda, pela mensagem escrita no telemóvel (fls.173) “…estou dando o remédio a (B) agora e depois vou me matar quando perceber que ele morreu…”. O exame só prova o nível de oxcarbazepina no sangue na altura em que foi realizado, após o óbito e não o que foi ingerido, não existindo coincidência entre essas duas realidades, pois nas várias horas que mediaram entre a toma e o óbito, por diversas formas foi excretado parte, razão por que não existe qualquer contradição nos factos provados sob o nº9. A alegada falta de “livre vontade” da arguida na altura em prestou declarações em 1º interrogatório judicial, não tem qualquer apoio na prova produzida nos autos, nem nas regras da experiência comum. Na verdade, as declarações da médica que a observou na urgência da Hospital Reynaldo dos Santos (Drª (T) não o corroboram, pois referiu que a mesma de início estava muito agitada, mas depois foi ficando progressivamente mais calma, mas sempre lúcida. Por outro lado, as regras da experiência comum, como refere a decisão recorrida, não permitem aceitar como credível e verosímil que o defensor da arguida lhe tenha dito para confirmar tudo o que tinha declarado perante a Polícia Judiciária porque tudo acabaria bem, na hipótese dessas declarações não corresponderem à realidade. Cauda da morte. Concluiu o tribunal recorrido que, com a sua descrita conduta, a arguida causou de forma directa e necessária a morte de seu filho. A recorrente, porém, defende que a criança faleceu de morte súbita, sem que exista nexo causal entre esta e a sua conduta. Morte súbita é a morte inesperada que acontece em pessoa considerada saudável ou tida como tal, são mortes de causa natural. A recorrente apoia-se no depoimento da testemunha Dr.ª (P), que subscreveu o documento de fls.870 a 872, elaborado a pedido da defesa, a qual afirmou que a dose letal de oxcarbazepina é superior a 1000 mg/Kg, pelo que uma criança de 25 Kg teria que ingerir 25000mg da substância e, mesmo assim, não quer dizer que seja letal, referindo, ainda, que os efeitos secundários da sobredosagem são sonolência, dores de cabeça, náuseas, vómitos. Contudo, como refere o Sr. Perito que realizou a autópsia, em resposta aos quesitos que lhe foram formulados (fls.1279 e segs.), segundo a bula do medicamento, a dose de manutenção recomendada para uma criança com o peso referido (25 Kg) é, em média, de 1000 mg/dia, razão por que uma dose de 18000 mg/dia, ou seja, 18 vezes superior à indicada, configura-se como altamente tóxica e, quase seguramente, letal. Refere, ainda, que a intoxicação provocada por fármaco com acção sobre o sistema nervoso central pode provocar convulsões, mesmo tratando-se de anti-convulsinante, convulsões essas que podem provocar a morte. O depoimento da testemunha, Dr. (J), não abalou o relatório da autópsia, nem os esclarecimentos prestados pelo Perito que o elaborou, tendo admitido como possível que a ingestão de Trileptal em doses superiores à recomendada pode provocar crises convulsivas, compatíveis com a descrição do Hábito Interno referida no Relatório da Autópsia. Esclareceu, ainda, que a eliminação da droga é mais rápida nas crianças, podendo ter sido eliminada em vida pela urina, o que só corrobora o relatório de autópsia. O depoimento da testemunha, Drª (P), assim como o documento que a mesma subscreveu (fls.870 e segs.), também não abala as conclusões do relatório da autópsia, admitindo que a substância pode ser eliminada pela urina, não sendo possível quantificar o eliminado por se desconhecer a quantidade de vómito e de urina expelida. Como esclareceu o Sr. Perito, Dr. (F), a concentração sanguínea de um composto é influenciada pela absorção, biotransformação e eliminação, pelo que quaisquer factores que afectem estas fases traduzem-se por alterações da respectiva concentração sanguínea, razão por que não é possível concluir, com pretende a recorrente, que o sangue da vítima não tenha estado intoxicado em grau superior ao detectado na análise ao sangue colhido após a sua morte. Esta criança foi submetida a manobras prolongadas de reanimação pelo médico do CODU, entre as quais a administração de quantidades de soros que não foram contabilizadas e que diluíram o fármaco. É do conhecimento comum que, nestas situações, são ministradas grandes quantidades de soros com o objectivo de levar o coração retomar a sua função. O fármaco que anteriormente atingiu níveis tóxicos foi posteriormente diluído pelos soros, razão por que o valor de 5,17 ug/ml não traduz o grau de toxicidade a que a vítima esteve sujeita, mas tão só o grau que foi encontrado após a sua morte. A vítima sofria de “epilepsia benigna da infância”, diagnosticada cerca de um ano antes. Contudo, no caso nada permite concluir que tenha sido essa doença a conduzir à morte, ou a justificar crise convulsiva, sendo seguro, pelo que consta do relatório da autópsia e de acordo com as circunstâncias que rodearam o caso, que foi a sobredosagem do medicamento que conduziu ao infeliz desfecho. Nesta parte, consideram-se particularmente relevantes os esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito (F), documentados nos autos (audiência de 12Mar.08, fls.950), no decurso dos quais foi peremptório em afastar a possibilidade de se estar perante caso de morte natural, afirmando que a morte não teria ocorrido sem o medicamento ministrado pela arguida, salientando que dose excessiva de medicamento pode provocar reacção que o mesmo visava evitar, ou seja, convulsões e estas a morte não tendo o alegado nas conclusões 56 a 58 da recorrente qualquer apoio nas palavras do Perito, documentadas nos autos e ouvidas por este tribunal. Os esclarecimentos do Perito confirmam que o edema é fruto da convulsão desencadeada pelo excesso de medicamento, o que também justifica relaxamento de esfíncteres. A prova produzida e as circunstâncias do caso não permitem aceitar que tenha agido, com intuído exclusivo de fazer dormir a criança, o que é contrariado pelas suas próprias declarações em 1º interrogatório judicial e pelos dados da experiência comum, pois não pode aceitar-se como razoável que seja ministrado à força a referida quantidade do medicamento em causa como forma de adormecer uma criança, de manhã, quando a mesma acabara de acordar e devia tomar o pequeno-almoço. A análise da prova, nomeadamente a mensagem escrita já citada “…estou dando o remédio a (B) agora e depois vou me matar quando perceber que ele morreu…” e o depoimento da Drª (T) (observou a arguida na urgência do Hospital Reynaldo dos Santos), só permitem aceitar que ela agiu sempre livre e consciente, como foi considerado provado. Por outro lado, esses mesmos elementos de prova, conjugados com a restante prova e as regras da experiência comum (é do conhecimento comum as possíveis consequências da sobredosagem de medicamentos, em particular de quantidades tão significativas como as do caso em apreço), demonstram inequivocamente a conformação da arguida com o resultado morte. Em relação ao quantitativo exacto da dose diária de medicamento ministrado diariamente ao menor, a falta de documento médico não permite aceitar as declarações da arguida e o depoimento da testemunha (AS) como suficientes para determinar a dose exacta. Estes elementos de prova também não se apresentam suficientes para aceitar que a arguida nunca tenha previsto que a sua relação com o (C) não pudesse vingar, pois é das regras da experiência comum que essa possibilidade é sempre ponderada, em particular por quem vem viver para país estrangeiro com pessoa que conheceu num site da Internet. Os mesmos elementos de prova não permitem, ainda, aceitar como seguro que se tenha desfeito de todos os bens que conseguira com grande esforço no seu país, pois veio para Portugal sem quaisquer garantias de segurança familiar ou afectiva, deixando no Brasil os familiares mais próximos, excepto o filho. A força probatória da prova pericial, reconhecida pelo art.163, do CPP, não foi minimamente abalada pelas declarações genéricas e abstractas da Drª (P) e do Dr. (J). Assim, não existindo quaisquer razões para pôr em causa os elementos de prova em que o tribunal recorrido se baseou, não justificando os elementos indicados pela recorrente alteração do decidido, encontrando-se o acórdão devidamente motivado e apoiado em critérios objectivos, como impõe o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127 do CPP e não existindo quaisquer dúvidas em relação aos factos impugnados que justifique o apelo ao princípio in dubio pro reo, impõe-se a confirmação do decidido quanto à matéria de facto. 2. Provocada a morte de um ser humano, por acção voluntária da arguida, estão preenchidos os elementos típicos do crime de homicídio por que foi condenada. A matéria de facto provada não deixa dúvidas sobre o nexo de causalidade entre o comportamento da arguida e o evento. Na verdade, através da ingestão forçada de três frascos de Trileptal, a arguida levou o (B) a sofrer intoxicação medicamentosa que lhe causou a morte. Entre aquela acção e este resultado há um nexo de causalidade adequada, sem qualquer interrupção. É do conhecimento comum que os medicamentos são benéficos em doses adequadas e de acordo com a prescrição médica, podendo ter efeitos adversos e letais quando consumidos em quantidades superiores às prescritas. No caso, a ingestão forçada de três frascos de Trileptal, para uma criança de seis anos tem de ser considerado como causa adequada da sua morte, resultado que a arguida admitiu e aceitou. É certo que a criança sofria de “epilepsia benigna da infância”, diagnosticada cerca de um ano antes. Contudo, como referimos, nada permite atribuir a essa doença, ou a outra qualquer circunstância extraordinária ou imprevisível, o evento, ou alguma contribuição para o mesmo, sendo a quantidade de Trileptal ministrada suficiente para, só por si, provocar a morte de uma criança de seis anos, sujeita a intoxicação desse produto durante várias horas (desde as 9.30h. até à morte ocorrida pelas 15.55h.), estando a baixa concentração de oxcarbazepina encontrado no sangue após o óbito explicada pela sua eliminação através do vómito e da urina excretada. Assim, impõe-se a confirmação da condenação da arguida pelo crime de homicídio. * * * IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam: 1. Em julgar extinta a instância de recurso, em relação ao recurso intercalar interposto do despacho de fls.1026, na parte em que indeferiu o pedido de revogação da medida de coacção de prisão preventiva, por inutilidade superveniente da lide; 2. Em negar provimento aos recursos intercalares, no restante e ao recurso interposto do acórdão condenatório, confirmando os despachos de 12Mar.08 e 25Mar.08, assim como o acórdão de 20Jun.08; 3. Em condenar a recorrente, em dez UCs de taxa de justiça. Lisboa, (Relator: Vieira Lamim) (Adjunto: Ricardo Cardoso) ___________________________________________________ [1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.262. [2] Código de Processo Civil Anot., vol.IV, pág.459. |