Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ASCENSÃO LOPES | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/31/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1) A forma legalmente prevista para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução do senhorio, devido a falta de pagamento da renda por mais de três meses é a indicada no nº 1 do artº 1084º do CC, mediante comunicação à contraparte. 2) A norma do artº 1084º do CC é a aplicável ao caso dos autos e, a mesma, porque investida da característica da imperatividade determinada pelo artº 1080 do C.C, não deixa espaço de sobra para que nos casos em que o fundamento da resolução é apenas o não pagamento de rendas, o senhorio possa recorrer à via judicial para obter o despejo do local arrendado. 3) Apesar de o artº 1084º do CC no seu nº 3 conter uma condição de ineficácia da resolução ( que o arrendatário ponha fim à mora no prazo de três meses) esta oportunidade ou possibilidade para o arrendatário não se esgota com o decurso do assinalado prazo de três meses. É que o artº 1048º do CC concede-lhe, expressamente, uma segunda oportunidade de poder fazer caducar o direito à resolução do contrato, consistente em efectuar o depósito ou pagamento até ao termo do prazo para oposição à execução. 4) As exigências formais para efectivação do depósito de rendas, consignadas na lei são meramente instrumentais em relação ao escopo final a atingir, que é o de garantir ao senhorio o pagamento das rendas em falta e da indemnização compensatória da mora / incumprimento. ( Da responsabilidade do Relator ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório Maria D….; Alexandre … e Miguel …. , na qualidade de autores, vêm recorrer da decisão de 1ª Instância que julgou procedente a oposição deduzida pela Ré Maria O….., à acção de execução comum contra si intentada por aqueles. A decisão recorrida termina do seguinte modo: “Por tudo o exposto e de acordo com as disposições legais citadas, julga-se a oposição à execução deduzida pela Executada Maria O…. procedente e, em consequência, extinta a execução”. APRESENTARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES DE RECURSO: 1- Considerando que os Exequentes procederam à resolução do contrato de arrendamento dos autos por comunicação à contraparte (art.° 1084°, n° l do C. Civil), não é aplicável ao caso em apreço o disposto no art.° 1048° do C. Civil, mas sim no art.° 1084°n° 3 do mesmo Código; 2- Assim, a resolução efectuada pelos Exequentes só ficaria sem efeito se a Executada tivesse vindo expurgar a mora no prazo de três meses a contar da resolução do contrato, operada a 15 de Novembro de 2007; 3- Acontece, porém, que a Executada só veio proceder ao depósito das rendas em mora no dia 4 de Julho de 2008, ou seja, muito depois de decorrido o prazo de 3 meses concedido pelo citado art.° 1084°; 4- Logo, o depósito não poderá considerar-se liberatório; 5- Assim, nada impede a eficácia da resolução do contrato de arrendamento dos autos; 6- Consequentemente, deveria a presente oposição à execução ter sido julgada improcedente. 7 - Acresce que o depósito das rendas efectuado pela Executada não observou os pressupostos da consignação em depósito; 8 - Igualmente, não respeitou o disposto no art.° 1042° do C. Civil, no que diz respeito à cessação da mora. 9 - Por outro lado, também não se verifica a terceira hipótese prevista no art.° 17° do N.R.A.U., dado que esta norma só prevê que o arrendatário possa fazer cessar a mora no decurso da acção declarativa de despejo e não, como é o caso dos autos, no âmbito de execução para entrega de coisa certa; 10-Para além disso, o depósito efectuado pela Executada não observou os formalismos previstos no art.° 18° da Lei n° 6/2007 de 27 de Fevereiro, sendo por isso nulo; 11- Acresce ainda que a quantia depositada não poderá considerar-se liberatória, por, atendendo ao disposto no art.° 1045° n° l do C. Civil, desde a data de resolução do contrato - 15 de Novembro de 2007 – ser devida aos Exequentes uma indemnização correspondente ao dobro da renda; 12- Não decidindo assim, a sentença recorrida violou os art.°s 280°, 1041°, 1042°, 1045°, 1048°, 1084° do C. Civil; 9°, 14°, 17° e 18° do N.R.A.U.. Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de v. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a oposição à execução deduzida pela Executada, decretando-se a prossecução dos presentes autos até efectiva entrega do arrendado aos Exequentes, como é de Justiça. Não foram apresentadas contra-alegações. 2- FUNDAMENTAÇÃO: A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto: A) O prédio urbano sito na Rua ..., nº …, constituído por r/c e três andares para habitação, encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000 e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º 000000000006, a favor de Maria D…, Alexandre A….. e Miguel Ângelo ….. , por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de Joaquim M…... B) Por documento escrito, datado de 1 de Setembro de 1970, a que as partes chamaram “Título de arrendamento”, Joaquim M…., na qualidade de senhorio, cedeu a Américo P…., na qualidade de inquilino, tendo este aceitado, o gozo do r/c Direito do prédio sito na Rua ..., nº , concelho da .... C) Do documento referido em B) constam, entre outros, os seguintes dizeres: “este arrendamento é pelo prazo de seis meses, que começa no dia primeiro do mês de Setembro de 1970 (…) supondo-se sucessivamente renovado pelo mesmo tempo e com as mesmas condições (…). A parte arrendada destina-se a habitação exclusiva do inquilino (…) A renda será da quantia de 1.400$00 mensais (mil e quatrocentos escudos) em cada mês, devendo ser paga em casa do senhorio ou do seu procurador, no 1º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito (…). D) Por documento datado de Maio de 1988, remetido pelo Tribunal de Família e Menores, Joaquim M…. recebeu notificação de onde constam, entre outros os seguintes dizeres: “pela presente fica notificado (…) na qualidade de senhorio do R/ch direito do prédio sito à Rua ..., n.º , actualmente Rua ..., de que por sentença proferida em 12/04/88, transitada em julgado em 27/04/1988, nos autos de divórcio por mútuo consentimento (…) em que são requerentes Maria O…. e Américo P…, foi adjudicado ao cônjuge-mulher o direito ao arrendamento do referido andar, ficando este com os mesmos direitos e deveres que o seu ex-cônjuge e titular”. E) Em 15 de Novembro de 2007, a executada assinou documento designado de “notificação” de onde consta o seguinte: “proceder à notificação (…) para tomar conhecimento que os proprietários (…) pretendem a resolução do contrato de arrendamento (…) para o devido efeito entrego (…) comunicação nos termos e para os efeitos do artigo 9º, n.º 7, da Lei 6/2006”. F) Da comunicação referida em E) constam, entre outros, os seguintes dizeres: “a renda tem vindo a ser actualizada (…) para o ano de 2003 era de € 54,00; para o ano de 2004, era de € 57,00; para o ano de 2005, era de € 58,43; para o ano de 2006 era de € 59,65 e para o ano de 2007 é de € 61,50. (…) não pagou (…) as rendas que se venceram desde Novembro de 2003, até à presente data (…). G) Em 04 de Julho de 2008, a Executada depositou na Caixa Geral de Depósitos a quantia de €5.066,25, por conta das rendas de Novembro de 2003 a Julho de 2008, acrescidas de 50 % desse montante. H) Até Setembro de 2003, a Executada pagava a renda em casa de Maria D…, não lhe tendo sido comunicado outro endereço, onde pagar a renda. I) Em Janeiro de 2004, a executada dirigiu-se a casa de Maria D…, tendo pago duas rendas, até Outubro de 2003, no valor de 108,00 €. J) No mês de Novembro de 2007, a filha da executada dirigiu-se a Miguel Â… . 3- DO DIREITO: Para se decidir pela procedência da oposição considerou o Mº Juiz de 1ª Instância o seguinte: “A executada funda a presente oposição, entre o mais, na circunstância de ter depositado as rendas em dívida, acrescidas da indemnização legal de 50%, sendo a execução, por sua vez, baseada em resolução de contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, após comunicação dos exequentes mediante notificação por solicitador de execução. Dispõe o artigo 816º, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, que, não se baseando a execução em sentença, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 814º, desse Código e mesma redacção, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração. Antes de mais, cumpre referir não se suscitarem quaisquer dúvidas quanto à natureza da relação contratual existente entre Executada e Exequentes. Com efeito, olhando à matéria de facto considerada assente e partindo daquela que é a posição assumida pelas partes, torna-se possível afirmar, com segurança, ter sido celebrado um contrato de arrendamento, em 1 de Setembro de 1970, relativo ao r/c Direito do prédio sito na Rua ..., nº 7, concelho da ..., assumindo sucessivamente a Executada a posição de arrendatária e os Exequente a de senhorios. Ora, partindo deste ponto, impõe-se agora definir o regime legal aplicável à relação contratual assim estabelecida. Como princípio geral, é a lei vigente à data da celebração do contrato que disciplina a sua validade formal e substancial (artigo 12º, nº 2, do Código Civil), no entanto, para o que aqui nos interessa, haverá de considerar o disposto nas normas transitórias constantes dos artigos 27º, 28º, 59º e 65º, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que veio aprovar o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), segundo as quais o NRAU aplica-se às relações contratuais já constituídas que subsistam na data da sua entrada em vigor, ou seja, em 28.06.2006. Neste enquadramento, no caso dos autos, perante um contrato de arrendamento para habitação que se encontrava vigente na data da entrada em vigor do NRAU, dúvidas não subsistem quanto à aplicação desse regime. Assim sendo, visando a presente execução a entrega do prédio objecto do contrato, por falta de pagamento das rendas, dispõe o artigo 15º, nº 1, alínea e), da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que: “Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artigo 1084º do Código Civil (…)”. A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, constitui uma das principais inovações do NRAU, a permitir que extrajudicialmente possa ter lugar a resolução do contrato, desde que o atraso no pagamento seja superior a três meses e que para a comunicação sejam observadas as formalidades previstas no artigo 9º, nº 7, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, ou seja, “mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original”. Com efeito, assistiu-se a uma evolução legislativa dos fundamentos de resolução dos contratos de arrendamento urbano, passando a poder ser feita judicial ou extrajudicialmente (artigo 1047º, do Código Civil). Enquanto que ao abrigo do antigo regime do arrendamento urbano, a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do arrendatário tinha sempre de ser decretada pelo Tribunal (Cfr. artigos 63º, nº 2, e 55º e seguintes, do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, e artigo 1047º, do Código Civil, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), afastando-se, portanto, do regime geral da resolução, em que esta se concretiza mediante declaração à outra parte (artigo 436º, nº 1, do Código Civil), hoje, as alterações introduzidas pelo NRAU vieram permitir uma aproximação ao referido regime regra. Além disso, no regime anterior, o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda caducava logo que o arrendatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pagasse ou depositasse as somas devidas e uma indemnização igual a 50% do que fosse devido (Cfr. artigos 1048º e 1041º, nº 1, do Código Civil, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). Actualmente, de molde a poder compaginar-se as vias resolutivas judicial e extrajudicial, nos termos acima explanados, veio o legislador consagrar também duas situações distintas. Por um lado, no artigo 1084º, nº 3, do Código Civil, estabeleceu-se que: “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”. Ao invés, no artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, aparece consagrado que: “O direito à resolução da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para a oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do artigo 1041º”. Desta feita, e para aquilo que aqui nos reportamos, coloca-se a questão de como conjugar as normas citadas, para os casos em que, se o arrendatário não purgar a mora no período de três meses acima referido, venha ainda a fazê-lo em sede de acção executiva. Em primeiro lugar, como bem anota ROMANO MARTINEZ (“Celebração e Execução do contrato de arrendamento segundo o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)”, publicado na revista “O Direito”, ano 137º, 2005, II, pág. 340), não é correcto que o mencionado artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, preveja a “caducidade” do direito à resolução, porquanto não se trata de verdadeiro caso de caducidade, mas antes de ineficácia, conforme decorre do disposto no também mencionado artigo 1084º, nº 3, do Código Civil, no sentido em que, embora tendo operado a resolução do contrato, esta fica sem efeito. Por outro lado, tem sido entendido, e bem, que as normas em confronto têm um campo de aplicação diferente. O artigo 1084º, nº 3, do Código Civil, de âmbito mais restrito, aplica-se apenas quando o senhorio tenha comunicado ao arrendatário a resolução do contrato de arrendamento com falta de pagamento da renda e não tenha (ainda) recorrido à via judicial (executiva). Já o artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, aplica-se quando o senhorio tenha comunicado a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento da renda com mora superior a três meses, e instaurado execução para entrega de coisa imóvel arrendada, por não ter havido purgação da mora nos termos daquele artigo 1084º, nº 3, do Código Civil. Embora tenha sido já avançado que, em sede de oposição à execução, ao arrendatário não é permitido socorrer-se do regime mais favorável que “desperdiçou” anteriormente, já que ao arrendatário não seria legítimo beneficiar duas vezes da mesma prerrogativa (Cfr. GRAVATO DE MORAIS, in “Novo Regime de Arrendamento Comercial”, Almedina, 2006, pág. 105), estamos em crer, contudo, não ser este o entendimento correcto, no sentido em que a possibilidade de purgar a mora, tornando ineficaz a resolução (extrajudicial) do contrato pelo senhorio ou o direito de acção deste, resulta claramente das referidas normas. Na verdade, a resolução do contrato por via extrajudicial, quando a mora tiver uma duração superior a três meses, não é uma imposição, mas uma faculdade alternativa, sendo que o senhorio pode sempre preferir o recurso à acção de despejo, designadamente para forçar uma purgação da mora mais célere. Além do mais, o artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, na redacção actual, é muito claro ao permitir a purgação da mora, com referência ao prazo para a contestação (acção declarativa de despejo) e ao prazo para a oposição à execução (acção executiva), donde não poderá o aplicador do direito excluir do preceito os casos de resolução extrajudicial e subsequente execução, sob pena de estarmos a efectuar uma interpretação ab-rogante ou correctiva. Cumpre, no entanto, clarificar, que a faculdade de purgação da mora prevista no artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, deverá ser exercida dentro de limites temporais que variam consoante a resolução tenha operado pela via judicial ou pela via extrajudicial: no primeiro caso, tendo sido instaurada acção de despejo fundada em falta de pagamento de renda, o arrendatário tem que purgar a mora até ao termo do prazo para a contestação da acção, sob pena de ficar precludida essa faculdade, já não a podendo exercitar na subsequente execução (baseada na sentença judicial proferida naquela acção); apenas pode ser purgada a mora na fase executiva quando tenha existido resolução extrajudicial do contrato (neste sentido, LAURINDA GEMAS e OUTROS, in “Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar”, 2ª Edição, Quid Juris, págs. 179/180). Tecido o enquadramento descrito, impõe-se, agora, aquilatar da factualidade assente nos autos. No caso sob análise, dúvidas não subsistem que a Executada, encontrando-se em falta quanto ao pagamento das rendas relativas ao local arrendado, desde Novembro de 2003, permitiu que os Exequentes viessem a proceder à resolução do contrato, mediante comunicação dessa sua intenção através de notificação por solicitador de execução, que aquela recebeu e assinou, em 15 de Novembro de 2007. Deste modo, não tendo a Executada feito cessar a mora, no prazo de três meses, a contar da data em que recebeu a dita comunicação, conforme explicitado acima, sempre se imporia considerar o contrato de arrendamento resolvido, no caso, extrajudicialmente. Certo é que, no seguimento da instauração pelos Exequentes de acção executiva para entrega do local arrendado, resultou provado que em 4 de Julho de 2008, no prazo para oposição à execução, a Executada depositou na Caixa Geral de Depósitos a quantia de 5.066,25 €, por contra das rendas de Novembro de 2003 a Julho de 2008, acrescidas de 50% desse montante. Ora, por terem os Exequentes (senhorios) optado por operar a resolução extrajudicial do contrato, inexiste obstáculo a que ocorra purgação da mora em sede de acção executiva, no sentido em que, a resolução do contrato será de considerar ineficaz, quando, no prazo para a oposição à execução, o arrendatário pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização de 50 %. Assim, embora o contrato pudesse ter sido resolvido, não têm razão os Exequentes quando invocam que à Executada já não assistia a faculdade de reagir contra essa resolução, daí que, restará apurar se o depósito realizado pela Executada junto da Caixa Geral de Depósitos, nos moldes em que o fez, tornou ineficaz a resolução operada por falta de pagamento da renda. Dispõe o artigo 17º, nº 1, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que: “O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo”. São, portanto, três os fundamentos que permitem a efectivação do depósito das rendas, sendo que, do que ficou exposto acima, e sem necessidade de considerações adicionais, é possível extrair que à Executada era permitido fazer cessar a mora, em conformidade com o disposto no artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, e, consequentemente, estava em condições de realizar o depósito das rendas. Com efeito, também não têm razão os Exequentes, desde logo, quando referem não estarem verificados os fundamentos que permitissem à Executada a realização do depósito das rendas, no sentido em que, embora não tivessem resultado provados quaisquer factos que apontassem para o preenchimento dos pressupostos do instituto da consignação em depósito, nomeadamente por não ter sido apurado que a Executada, sem culpa sua, não pudesse efectuar a prestação (pagamento da renda) ou não pudesse fazê-la em segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor (Exequentes), ou que este estivesse em mora (artigo 841º, nº 1, do Código Civil), o certo é que, a consignação em depósito, constitui apenas um dos motivos a permitir a realização do depósito das rendas. Por outro lado, do ponto de vista formal, o depósito é feito em qualquer agência de instituição de crédito, perante um documento em dois exemplares, assinado pelo arrendatário, de onde conste a identidade do senhorio e do arrendatário, a identificação do locado, o quantitativo da renda, o período de tempo a que ela respeita e o motivo porque pede o depósito, sendo que este fica à ordem do tribunal onde pende a acção judicial (artigo 18º, nºs 1 e 3, da Lei nº 6/2007, de 27 de Fevereiro. Estando provado que em 4 de Julho de 2008 a Executada depositou na Caixa Geral de Depósitos por conta das rendas em atraso, de Novembro de 2003 a Julho de 2008, acrescidas de 50 %, o montante total de 5.066,25 €, vindo a juntar com a sua oposição à execução documento emitido pela Caixa Geral de Depósitos de onde se extrai essa mesma quantia, constante de fls. 6 dos autos, dúvidas não subsistem que, embora sem observância dos formalismos previstos no citado artigo 18º, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, por razões que apesar de alegadas, e que se prendiam com a apresentação de documento dactilografado e assinado pela Executada, constante de fls. 43, mas que não resultaram provadas, já que desse documento apenas se extrai a declaração que do mesmo conta e não que a Caixa Geral de Depósitos o tenha recusado, ainda assim, temos que, sem qualquer dúvida, o depósito efectuado visava tornar ineficaz a resolução do contrato operada extrajudicialmente pelos Exequentes e, consequentemente, obsta à procedência da execução para entrega do local arrendado. É essa a interpretação que qualquer declaratário, colocado em idêntica posição das partes, retiraria, tendo presente a doutrina da teoria da impressão do destinatário, a que alude o artigo 236º, nº 1, do Código Civil. Deve ainda entender-se que a junção à oposição à execução da guia do depósito concretizado nos termos referidos, produz os efeitos da comunicação ao senhorio (os Exequentes) do depósito da renda, sendo que os depósitos posteriormente juntos aos autos pela Executada, são considerados dependência e consequência do depósito inicial (artigos 19º e 20º, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). Neste enquadramento, não pode deixar de concluir-se que o depósito realizado pela Executada, nos termos em que o fez, tem a virtualidade de constituir causa susceptível de tornar ineficaz a resolução do contrato de arrendamento existente entre Exequentes e Executada, ao abrigo do que dispõe o artigo 1048º, nº 1, do Código Civil, sendo assim de julgar procedente a oposição à execução, impondo a sua extinção, conforme artigo 817º, nº 4, do Código de Processo Civil. Aos Exequentes, enquanto senhorios, assiste o direito de proceder ao levantamento dos depósitos efectuados, conforme dispõe o artigo 22º, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, não sendo de acolher, nesta parte, a alegação da Executada, quanto ao aventado depósito condicional, já que não logrou provar a falta de comunicação da actualização das rendas”. * DECIDINDO NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Questões a decidir que resultam das conclusões das alegações e que delimitam o âmbito do recurso: - saber se se aplica ao caso dos autos o artigo 1084º do C.Civ. - saber se, ainda que assim não seja, o depósito das rendas efectuado observou ou não os pressupostos da consignação em depósito e se respeitou o artº 1042º do C.Civ., no que diz respeito à cessação da mora - saber se o arrendatário pode fazer cessar a mora no âmbito de execução para entrega de coisa certa - saber se a quantia depositada corresponde ao valor liberatório Entendemos que a decisão recorrida se mostra acertada ainda que não se acompanhe, totalmente, a fundamentação da mesma. Vejamos: para nós, a norma do artº 1084º do CC é a aplicável ao caso dos autos como defende o recorrente e, a mesma porque investida da característica da imperatividade determinada pelo artº 1080 do C.C, não deixa espaço de sobra para que nos casos em que o fundamento da resolução é apenas o não pagamento de rendas, o senhorio possa recorrer à via judicial para obter o despejo do local arrendado. Trata-se de uma opção legislativa que bem se compreende à luz do NRAU, regime aplicável ao caso dos autos, e à experiencia prática acumulada de que as acções por falta de pagamento de renda não encerravam em si próprias verdadeiro litígio sendo a maioria das vezes acções não contestadas. Neste sentido se pronunciou o Ac. Do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/04/2009 tirado no recurso nº 5967/08.8 disponível no site da DGSI, assim sumariado: “A forma legalmente prevista para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução do senhorio, por falta de pagamento da renda por mais três meses é a indicada no nº 1 do artº 1084º do CC, mediante comunicação à contraparte. O modo como se processa a comunicação está estabelecido no nº 7 do artº 9º da Lei nº 6/06. A menos que se aleguem factos excepcionais que legitimem o recurso à arma judiciária, carece de interesse em agir o senhorio que pretende fazer cessar o contrato mediante acção judicial”. (Em sentido contrário regista-se a existência, entre outros, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/12/2009 tirado no processo 8909/08.7msnt.l1). Sobre a falta de verdadeiro litígio no caso, em que o fundamento é exclusivamente a falta de pagamento de rendas e a imperatividade da norma do artº 1084º do CC, pode ver-se, ainda, sucinto mas excelente estudo sobre a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, disponível em WWW.Verbojurídico.com da autoria do Sr. Juiz de Direito Fernando da Silva Bastos de que nos permitimos destacar excerto relacionado com a falta de litigio que vimos referindo: (…) No tribunal devem ser discutidas causas onde exista verdadeiro litígio, ou que a própria matéria pressuponha vincada possibilidade nessa discussão (por isso a indicação no art.º 8º;1083º nº 2 al. a) a e) do Código Civil), sendo necessária (imperativa) a instauração de acção de despejo nestas situações. Mas, ensina-nos a experiência que a quase totalidade das acções de despejo com fundamento na falta de pagamento de renda, não conformam qualquer tipo de litígio, até pela ausência de contestação na grande maioria delas. Veja-se o exemplo que aqui se cuida. Onde está o litígio? Onde está a racional justificação de se recorrer a tribunal para que seja proferida decisão, que diria apenas: “O Réu não pagou as rendas…tinha obrigação de as pagar…O contrato deve ser resolvido e entregue a casa ao Autor”. Onde está a necessidade de o tribunal ser chamado a dirimir um litígio que de todo não existe? Será este o caminho que se pretende continuar a consentir, quase como um costume adquirido do direito anterior? Terá mesmo o Autor interesse em agir? Sinceramente pensamos que não. Estamos convictos que a intenção do legislador do NRAU foi conduzido pelo pensamento actual de racionalizar meios e os motivos de acesso à justiça, sendo o tribunal chamado a julgar onde seja necessário o juiz intervir. Mas nem por isso ficam diminuídas as garantias de defesa do inquilino. É uma evidência que o locatário, confrontado com as execuções para entrega de coisa certa e para pagamento de quantia certa (despejo e pagamento de rendas), terá sempre a possibilidade de deduzir oposição ás mesmas, nos termos dos artºs 929º; 814º e 816º do C.P.C. (obtendo a sua suspensão – vg. art.º 930º-B nº 1 al. a) e 818 nº 2 do C.P.C.).(…)”. Em suma: No caso dos autos, e porque o fundamento da resolução do contrato é apenas a falta de pagamento de rendas, o senhorio actuou da forma que a lei lhe impõe comunicando a resolução ao inquilino de acordo com os ditames do artº 1084 do CC norma especial e imperativa que é a aplicável. Vejamos agora se o inquilino observou, ou não, os pressupostos da consignação em depósito e se respeitou o artº 1042º do C.Civ., no que diz respeito à cessação da mora ao efectuar o depósito já na pendência da acção executiva para entrega do local arrendado. Vem provado que em 04 de Julho de 2008, a Executada depositou na Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 5.066,25, por conta das rendas de Novembro de 2003 a Julho de 2008, acrescidas de 50 % desse montante, sendo que deduziu oposição à execução em 07/07/2008 como resulta de fls. 2 dos presentes autos. Podia fazê-lo nesta altura? Fê-lo do modo próprio e acertado? Defendem os apelantes que não. Mas não é assim. Apesar de o artº 1084º do CC no seu nº 3 conter uma condição de ineficácia da resolução ( que o arrendatário ponha fim à mora no prazo de três meses) esta oportunidade ou possibilidade para o arrendatário não se esgota com o decurso do assinalado prazo de três meses. É que, o artº 1048º do CC concede-lhe, expressamente, uma segunda oportunidade de poder fazer caducar o direito à resolução do contrato, consistente em efectuar o depósito ou pagamento até ao termo do prazo para oposição à execução. Entendemos que este preceito se aplica também, subsidiariamente, ao caso do arrendatário uma vez que as normas especiais do arrendamento urbano (1079º e segs) não prevêem o direito de oposição à execução sendo certo que o mesmo porque integra o núcleo de direitos essenciais de defesa do arrendatário não lhe pode ser denegado. E, assim não se curando nem nos competindo saber das razões que levaram o legislador a consentir esta 2ª oportunidade de por fim à mora, entende-se que o arrendatário pode, ainda, fazer cessar a mora, no âmbito de execução para entrega de coisa certa, até ao termo do prazo para deduzir oposição . Aqui chegados resta analisar se o depósito efectuado se deve ter como válido e se o montante do mesmo é suficiente para operar a liberação. Quanto à forma do depósito efectuado na Caixa Geral de Depósitos conforme o documento de fls. 6 dos autos, é patente que não observou o formalismo imposto pelo (artigo 18º, nºs 1 e 3, da Lei nº 6/2007, de 27 de Fevereiro. E que já era também imposto pelo artº 23º nº1 do Regime do Arrendamento Urbano/RAU”, contudo há que ponderar se a sua omissão se deve reputar de essencial de modo a por em causa o contrato a que respeita. O depósito foi feito na Caixa Geral de Depósitos que é o local certo e a arrendatária deu conhecimento aos Senhorios juntando com a contestação o comprovativo do mesmo, cumprindo assim as exigências mais essenciais da lei. Por isso, reconhecendo quer não foram cumpridos todos os formalismos exigidos, ainda assim os essenciais foram satisfeitos e o depósito deve ter-se como válido, formalmente, pois face ao teor das normas supra enunciadas, há que reconhecer que as exigências formais ali consignadas são meramente instrumentais em relação ao escopo final a atingir, que é o de garantir ao senhorio o pagamento das rendas em falta e da indemnização compensatória da mora / incumprimento..( neste sentido ver o Ac. Do TRL de 23/10/2007 proferido no rec. 2389/2007-1. Quanto ao montante do depósito: Vem provado, alínea G) da matéria de facto assente, que o montante de € 5.066,25, por conta das rendas de Novembro de 2003 a Julho de 2008, acrescidas de 50 % desse montante. É essa a exigência legal do artº 1042º nº 1 do CC, não se aplicando ao caso o artº 1045º nº 2 do CC invocado pelos apelantes. Por isso, o depósito foi efectuado na medida exigida por lei e no prazo e termos também previstos legalmente, pelo que o depósito se deve ter como liberatório. Assim, com a fundamentação do presente acórdão, é de manter a decisão recorrida. 4- DECISÃO: Pelo exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas a cargo dos apelantes Lisboa 31 de Março de 2011 Ascensão Lopes Gilberto Jorge José Eduardo Sapateiro |