Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | DESPESA HOSPITALAR CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/23/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I. O DL n.º 118/83, de 25/2, não regula directamente as relações jurídicas entre a ADSE e qualquer entidade integrante do Serviço Nacional de Saúde. II. O prazo fixado no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, para a entrega de documentos comprovativos de despesas com cuidados de saúde, não se aplica às entidades integradas no SNS. III. A ADSE está abrangida pelo regime específico da cobrança de dívidas hospitalares estabelecido pelo DL n.º 218/99, de 15/6. O. G. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:I. RELATÓRIO O Hospital de São José instaurou, em 16 de Junho de 2003, no 4.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra o Estado Português, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo que o R. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 10 095,47. Para tanto, alegou em síntese, que, no exercício da sua actividade, entre 10 de Junho de 2000 e 26 de Junho de 2000, prestou cuidados de saúde a Carlos …, beneficiário da ADSE, que importaram no referido valor, cabendo a responsabilidade do pagamento ao R., nos termos do art.º 4.º do DL n.º 218/99, de 15 de Junho, e DL n.º 11/93, de 15 de Janeiro, o qual, através da ADSE, foi interpelado para pagar em 29 de Março de 2001. Contestou o Estado, que, para além do mais, arguiu a caducidade do crédito, alegando que o pedido de comparticipação foi apresentado fora do prazo de seis meses estabelecido no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, de 25 de Fevereiro. Respondeu o A., alegando que o prazo previsto naquela norma apenas releva no âmbito das relações entre a ADSE e os seus beneficiários, não se aplicando às entidades prestadoras de serviços de saúde. Em 23 de Maio de 2005, foi proferido o despacho saneador, que, julgando procedente a invocada excepção da caducidade, absolveu o R. do pedido. Inconformado, apelou o A., que, tendo alegado, formulou, no essencial, as seguintes conclusões: a) Não pode aplicar-se o DL n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, por o apelante não poder ser reconduzido à qualidade de beneficiário. b) Estando em causa créditos devidos ao apelante, enquanto unidade hospitalar prestadora de cuidados médicos inserida no Serviço Nacional de Saúde, vale o DL n.º 218/99, de 15 de Junho. c) As dívidas contraídas pela ADSE, por prestação de cuidados de saúde a beneficiários seus no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, prescrevem no prazo de três anos. Pretende, com o seu provimento, a revogação da decisão recorrida. Contra-alegou o Estado Português, no sentido de ser mantida a decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, está em discussão saber se o direito de crédito, resultante da prestação de serviços de saúde a beneficiário da ADSE, caduca no prazo de seis meses, previsto no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, de 25 de Fevereiro. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Descritos os termos relevantes da causa, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões. A questão jurídica emergente resolve-se pela interpretação, nos termos do art.º 9.º do Código Civil, que deva fazer-se da norma consagrada no n.º 2 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, de 25 de Fevereiro. Este diploma regula normativamente o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE). A ADSE constitui um subsistema de saúde pública, na acepção constante da al. b) do n.º 1 do art.º 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo DL n.º 11/93, de 15 de Janeiro, tendo por objectivo a protecção social, designadamente, no domínio dos cuidados de saúde, ao nível da promoção e vigilância da saúde, assim como da prevenção, tratamento e recuperação da doença (art.º s 1.º, 21.º, 22.º e 23.º). Nesse âmbito, a ADSE assume a obrigação do pagamento das despesas resultantes de cuidados de saúde prestados aos seus beneficiários pelos estabelecimentos de saúde, nomeadamente instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, podendo tal responsabilidade ser directa, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 3 do art.º 19.º do DL n.º 118/83. Para obter o correspondente pagamento, tais estabelecimentos de saúde terão de remeter os respectivos documentos de despesa à ADSE. Então, a questão que se coloca é se a remessa deverá obedecer, também, ao prazo de seis meses após a realização do acto a que se reporta, estabelecido no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, aplicável aos beneficiários que suportam directamente as respectivas despesas de saúde. Desde já, propendemos para uma resposta negativa, contrária à que foi dada na decisão recorrida. Na verdade, do texto do art.º 62.º (entretanto alterado pelo DL n.º 234/2005, de 30 de Dezembro, mas a manter no essencial a redacção anterior), depreende-se que a norma está dirigida apenas aos beneficiários da ADSE, visando aquelas situações em que estes recorrem a cuidados de saúde e efectuam o seu pagamento, para, depois, obterem a respectiva comparticipação da ADSE. Para o mesmo sentido, concorre também o disposto no art.º 36.º do DL n.º 118/83, ao explicitar que as comparticipações podem ser pagas ao beneficiário titular, ao representante legal, ao representante voluntário e ao beneficiário familiar, quando requerido e justificado perante a ADSE. Aliás, naquele diploma o que se regula é a relação jurídica entre a ADSE e os seus beneficiários, não se contemplando directamente as relações jurídicas entre aquela e qualquer entidade integrante do Serviço Nacional de Saúde. Neste contexto, pode afirmar-se que a comparticipação aludida no art.º 62.º do DL n.º 118/83 é privativa das relações jurídicas estabelecidas entre a ADSE e os seus beneficiários, no âmbito das situações de reembolso do pagamento efectuado por aqueles por serviços de saúde. Consequentemente, o prazo de seis meses estabelecido no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, para a entrega de documentos comprovativos de despesas com cuidados de saúde, não se aplica ao apelante. A ADSE, constituindo uma das entidades referidas na al. b) do n.º 1 do art.º 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde e podendo ser directamente demandada pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde, está abrangida pelo regime específico de cobrança de dívidas hospitalares estabelecido pelo DL n.º 218/99, de 15 de Junho (art.º 4.º). Neste diploma, não se prevê qualquer prazo de caducidade, mas antes um prazo de prescrição de três anos, contados da data da cessão da prestação dos serviços que lhes deu origem (art.º 3.º). No mesmo sentido, decidiu o acórdão desta Relação, de 17 de Março de 2005 (Recurso n.º 1868/05-6), subscrito também pelo ora relator. Nestas condições, concluindo-se pela inaplicabilidade à situação dos autos do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, não podia a respectiva excepção peremptória ter sido julgada procedente e o apelado absolvido do pedido. Por outro lado, não dispondo ainda os autos de todos os elementos necessários, não opera a regra da substituição consagrada no n.º 2 do art.º 715.º do CPC. Deste modo, procedendo a apelação, impõe-se revogar a decisão recorrida, para que os autos prossigam os seus termos legais. 2.2. O apelado, não obstante ter ficado vencido por decaimento, não está sujeito ao pagamento das custas, por das mesmas estar isento, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do CCJ, na redacção anterior à dada pelo DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro. III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos legais. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2006 (Fátima Galante)(Olindo dos Santos Geraldes) (Ana Luísa de Passos Geraldes) |