Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9218/15.0T8LSB-A.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
RESPOSTA
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O R. não pode responder à contestação do interveniente acessório, em face do disposto no Art. 584.º do C.P.C..

Considerando que o tribunal pode relevar a prova produzida independentemente que quem a haja produzido (Art. 413.º do C.P.C.), o R. não está impedido de se pronunciar sobre a força probatória de qualquer documento junto aos autos, seja ele apresentado pela contra parte, seja pela parte acessória que o deveria auxiliar na sua defesa, seja por qualquer terceiro interveniente acidental no processo.

Não deve ser apreciada a utilidade e pertinência da prova apresentada pelo R. em resposta a documentos apresentados pelo interveniente acessório na sua contestação sem que o tribunal, previamente ou em simultâneo, reconheça em coerência que o chamado exorbitou na sua contestação os limites do Art. 328.º n.º 2 “ex vi” Art. 323.º n.º 1 do C.P.C. e sem que seja apreciada a necessidade de desentranhamento dos documentos em que traduza o excesso da defesa apresentada em manifesta oposição ao R. que o chamado deveria auxiliar.

Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


A I..., S.A.. intentou ação de condenação, em processo declarativo comum, contra O...ACE, peticionando o pagamento de determinados trabalhos por si executados ao abrigo de um contrato de subempreitada, no âmbito da construção do “Data Center”, no qual a A. é subempreiteira e o R. é empreiteiro.

O R., na sua contestação, terá deduzido reconvenção, peticionando a condenação da A. no pagamento de uma indemnização pelo incumprimento dos danos causados por esta no âmbito da execução dos trabalhos e, por entender que alguns dos factos alegados pela A. são imputáveis ao Dono da Obra e não ao R., deduziu incidente de intervenção principal provocada contra a “PD Center, S.A..”.

O Tribunal a quo entendeu que não se verificavam os requisitos da intervenção principal quanto ao dono da obra, mas decidiu admitir a intervenção acessória dessa sociedade, a “PD Center, S.A..”.

A interveniente acessória, citada para o efeito, apresentou a sua contestação à petição inicial da A..

Considerando que a posição assumida pela interveniente acessória não foi no sentido de auxiliar a defesa do R., mas sim prejudicá-lo, este apresentou o requerimento de fls. 14969 a 15370, no qual se pronunciou sobre alguns dos documentos juntos pela interveniente acessória com o intuito de contrariar a defesa do R. e promoveu a junção de outros documentos com vista a contextualizar e clarificar a posição que assume nos presentes autos.

A interveniente acessória requereu o desentranhamento de tal requerimento (cfr. fls. 15380 a 15383), sem prejuízo de mais tarde se ter vindo a pronunciar sobre essa prova documental (cfr. fls. 15396 a 15409).

É nessa sequência que é proferido o despacho de 18 de outubro de 2017 que determinou o desentranhamento dos requerimentos de fls. 14969 a 15370 e respetiva entrega ao apresentante, após trânsito em julgado.

É desse despacho que o R. agora recorre apresentando as seguintes conclusões:
1.– O presente recurso tem como objeto o despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 18/10/2017, notificado às partes no dia 26/10/2017, que ordenou o desentranhamento do requerimento do Recorrente de fls. 14969 a 15370, entendendo-se que o mesmo deverá ser substituído por outro que que admita aquele requerimento.
2.– O despacho em causa contém erro manifesto de escrita, sendo impreciso quanto ao requerimento e número de requerimentos a desentranhar dos autos, pelo que deverá ser retificado, nos termos do artigo 249.º CC.
3.– O despacho proferido pelo Tribunal a quo violou o princípio da igualdade das partes, previsto no artigo 13.º CRP e 4.º CPC, por, ao ordenar o desentranhamento do requerimento do Recorrente de fls. 14969 a 15370, impede que este exerça o seu direito ao contraditório sobre prova documental apresentada pela Interveniente Acessória.
4.– Ao não exercer o seu direito ao contraditório, o Recorrente fica irremediavelmente impedido de se pronunciar sobre a prova documental apresentada pela Interveniente Acessória, ora Recorrida, o que poderá ter implicação na boa decisão da presente causa e na ulterior ação de regresso a propor pelo Recorrente contra a Recorrida.
5.– O despacho proferido pelo Tribunal a quo é também violador do princípio da igualdade das partes, previsto no artigo 13.º CRP e 4.º CPC, por não ordenar o desentranhamento do requerimento da Recorrida de fls.15396 a 15409, que é a resposta da Recorrida à prova documental apresentada pelo Recorrente e cujo desentranhamento foi ordenado.
6.– O despacho proferido pelo Tribunal a quo deverá ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento de fls. 14969 a 15370 apresentado pelo Recorrente.
7.– Ou, caso assim não se entenda, substituído por outro que ordene o desentranhamento dos autos do requerimento de fls. 15396 a 15409 apresentado pela Recorrida.

A interveniente acessória, aqui Recorrida, apresentou contra-alegações, de onde resultam as seguintes conclusões:
A.– O Despacho que dá causa ao presente recurso não viola o princípio da igualdade de partes previsto no artigo 13.º da CRP e no artigo 4.º do CPC, nem o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC, razão pela qual o mesmo deverá ser mantido.
B.– A Recorrida, tendo sido citada para o efeito, contestou a ação da Autora, circunscrevendo a sua intervenção, tal como lhe competia por força do n.º 2 do artigo 321.º do CPC, à discussão das questões que têm repercussão na eventual ação de regresso deduzida pelo Recorrente contra a Recorrida.
C.– Na sua contestação, a Recorrida alegou factos e juntou documentos destinados a provar ao Tribunal da falta de fundamento da ação proposta contra o Réu, ora Recorrente, auxiliando-a, nessa medida, na sua defesa.
D.– A Recorrida não contestou a contestação do Ré, nem assumiu uma posição contrária ou de ataque à posição defendida pelo Réu, razão pela qual a sua contestação não é, manifestamente, prejudicial à posição da Recorrente.
E.– A Recorrente agiu, assim, ilegitimamente ao pronunciar-se sobre a contestação da Recorrida e sobre os documentos por ela juntos com aquele documento, na medida em que não lhe é processualmente admissível tal pronúncia, considerando que a Interveniente Acessória, ora Recorrida, foi chamada à Demanda pela própria Recorrente com o objetivo de a auxiliar na sua defesa, o que fez. Por esse motivo, o direito ao contraditório relativamente, quer à contestação, quer aos documentos com ela juntos pela Recorrida, cabe, única e exclusivamente, à Autora, a quem aqueles foram opostos, e não ao Recorrente.
F.– Os comentários do Recorrente, feitos através do seu Requerimento de 26.01.2017, não servem sequer o propósito de fazer contraprova dos factos alegados e dos documentos juntos pela Interveniente Acessória, ora Recorrida, na sua contestação, apenas se destinando a completar e esclarecer factos alegados na sua contestação (do Réu), bem como para contestar ou replicar a contestação da Recorrida (Interveniente Acessória), invocando factos que nada têm a ver com a presente ação, mas tão-somente com a eventual ação de regresso.
G.– O Despacho proferido pelo Tribunal a quo deverá ser mantido, bem como, consequentemente, o desentranhamento do Requerimento da Recorrente de 26.01.2017, circunstância na qual a Recorrida não obsta ao desentranhamento do seu próprio Requerimento de 17.02.2017, pois o Requerimento do Recorrente de 26.01.2017, que lhe deu causa, também será eliminado definitivamente dos autos.
Nestes termos pede o indeferimento do recurso na parte em que diz respeito à substituição do despacho recorrido por outro que admita o seu Requerimento de 26.01.2017.
Entretanto, por despacho de 14 de dezembro de 2017, o Tribunal a quo reconheceu a existência de lapso de escrita no despacho recorrido quando nele se refere à data dos requerimentos do R. de fls. 14969 a 15370, que é “26.01.2017” e não “26.10.2017”. No entanto, esclarece que não há lapso no que se refere à menção a “requerimentos”, pois que o R. apresentou vários requerimentos nessa data, e não um só, os quais constituem fls. 14969 a 15370 do processo físico. Mais esclarece que não determinou o desentranhamento do requerimento da Interveniente de fls. 15396 a 15409 (datado de 17.02.2017), porque era processualmente admissível, por se reportar ao requerimento inicial do incidente, suscitado pela Interveniente, relativo à admissibilidade do articulado e que foi sujeito ao contraditório do R..
*

II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).

Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são:
a)- A admissibilidade processual do contraditório à contestação do interveniente acessório por parte do R. e se a decisão sobre a sua inadmissibilidade viola o princípio da igualdade das partes;
b)- Saber se a prova documental requerida juntar nesse contexto era admissível.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A decisão recorrida não fixou a factualidade provada, mas decorrem do seu contexto os seguintes factos, que são aceitos pelas partes e estão certificados nos autos:
1- A I..., S.A..intentou presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra a O...ACE.
2- A R. deduziu incidente de intervenção principal provocada contra a PD Center, S.A..
3- O Tribunal a quo, por despacho de 19/2/2016, decidiu admitir a intervir nos autos a PD Center, S.A.., mas apenas como interveniente acessória (fls. 12364 a 12366);
4- A interveniente acessória apresentou a sua contestação à petição inicial da A..
5- A R. apresentou requerimentos, de fls. 14969 a 15370, pronunciando-se sobre alguns factos daquela contestação e documentos juntos pela interveniente acessória, requerendo a junção de 45 novos documentos, invocando a necessidade da sua apresentação em função do alegado pela interveniente, da documentação com que aquela pretende fazer prova do alegado e para defesa do direito e legítimo interesse do R. (cfr. fls 25 a 41 da certidão junta que aqui se dão por reproduzidas).
6- A interveniente acessória requereu o desentranhamento de tal requerimento (cfr. fls. 15380 a 15383 – v.g. certidão junta de fls 46 a 58).

Tudo visto, cumpre apreciar.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O que está em causa nestes autos é, antes de mais, o estatuto processual do interveniente acessório e, por referência àquele, qual a posição jurídica do R., pois é esse o fundamento que esteve essencialmente na base do despacho recorrido.

Decorre textualmente da decisão recorrida que:
«Tal como decorre do despacho de 19.02.2016 (fls. 12364 a 12366), a PD Center, S.A.., foi admitida a intervir nos presentes autos como interveniente acessória, limitando-se, por conseguinte, a sua intervenção à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso que constitui o fundamento do chamamento.
«Como é consabido, o interveniente acessório goza do benefício de assistente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos Art.s 328.º e segs. do NCPC (cfr. Art. 323.º, n.º 1 do mesmo diploma).
«Do regime referido, decorre, pois, que o interveniente acessório é um auxiliar da defesa, limitando-se, contudo, esse auxílio à discussão das “questões respeitantes ao pedido ou á causa de pedir da ação com repercussão na existência e conteúdo do direito de regresso contra o chamado” (cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., 2013, p. 99).
«Certo é que a atividade processual do interveniente acessório está subordinada à da parte a que se associa (in casu, da R.), não podendo assumir atitude que esteja em oposição com o assistido, prevalecendo, em caso de divergência insanável, a vontade deste.
«Circunscrevendo-se a atividade do interveniente acessório às questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir da ação e defendendo-se ele contra a pretensão deduzida pelo A., só este tem interesse em contradizer o que interveniente acessório alega, pelo que só o A. pode ser considerado “parte contrária”, a quem deve ser notificada a contestação do interveniente e a quem cabe o direito de contraditório nos termos previstos no Art. 3.º, n.º 4 do NCPC.
«Também as provas requeridas pelo interveniente acessório (com as limitações decorrentes do Art. 330.º do NCPC) hão-se situar-se no âmbito da discussão das sobreditas questões, podendo ser contraditadas pela parte a quem são opostas (cfr. Arts. 415.º e 427.º do NCPC), ou seja, o A. (tal como bem o demonstra a interveniente acessória no seu requerimento de 17.02.2107, junto a fls. 15396 a 15409).
«É, pois, processualmente inadmissível os requerimentos da R. datados de 26.10.2017 (fls. 14969 a 15370), pelo qual pretende pronunciar-se sobre documentos juntos pelo interveniente com a sua contestação (e, diga-se, por via dessa pronúncia, sobre a própria contestação) e juntar outros que os contrariam, pelo que não poderão permanecer nos autos.
«Saliente-se que, muito embora à R. não esteja vedada a junção de documentos, os mesmos terão que destinar-se a fazer para prova de factos alegados na contestação ou contraprova de factos alegados pela A., o que deverá ser expressamente indicado, sem prejuízo dos limites temporais previstos no art. 423.º do NCPC.»

Foi com esta argumentação que foi determinado o desentranhamento dos requerimentos de fls. 14969 a 15370 e respetiva entrega ao apresentante.

Sucede que, o Apelante realça que a interveniente acessória, na sua contestação, não se limitou à posição de auxiliar na defesa do R., tendo pelo contrário assumido uma posição manifestamente contrária à sua defesa.

Por regra o interveniente acessório deveria auxiliar o R. na sua defesa por forma a evitar que o mesmo fosse condenado no pedido e assim evitar que este tenha de posteriormente instaurada a ação de regresso contra aquele. Só que, no caso, conforme invoca o Recorrente, o que se verifica é que existem 3 partes com interesses conflituantes entre si, pretendendo a interveniente, ao contestar a ação, prejudicar o R. na sua defesa.

Deste modo, entende o Recorrente que nestas condições não é respeitado o princípio da igualdade das partes, porque ao interveniente acessório é permitido fazer-se valer de meios probatórios contra a parte que deveria auxiliar, ficando o R. impedido de sobre eles exercer o seu direito de defesa, considerando que os meios de prova daquele ficam nos autos e a contraprova por si apresentada é desentranhada.

Ao R. deveria assim ser permitido defender-se de meios de prova que contra si foram apresentados. Até, porque, por outro lado, a sentença a proferir fará caso julgado quanto ao chamado, relativamente as questões de que dependa o direito de regresso (Art. 323.º, n.º 4 do C.P.C.), realçando-se que o interveniente, ao defender-se da pretensão da A., aproveitou também para invocar que não há direito de regresso, atacando a posição do R. e se este não se poder defender, fica precludido no seu direito.

A Recorrida, por seu turno, veio chamar a atenção para o facto de que não contestou a contestação do R., mas tão-somente a petição inicial da A., sendo que não é parte no processo por não ter legitimidade para o efeito, sendo por isso que foi admitida a intervir apenas na qualidade de interveniente acessória, em virtude do eventual direito de regresso do R., ora Recorrente, no caso de decaimento da presente ação.

Reconheceu, de todo o modo, que a sua intervenção está circunscrita à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso, como estabelece o n.º 2 do Art. 321.º do C.P.C., mas só beneficia do estatuto de assistente, assumindo apenas a posição de auxiliar de uma das partes principais, no caso, o R. (Art. 328.º, n.º 1, do C.P.C.) e subordinado aos direitos e deveres deste (Art. 328.º n.º 2 do C.P.C.).

Contrapõe ainda que, ao contestar a pretensão da A., alegou factos e juntou documentos destinados a convencer o Tribunal da falta de fundamento da ação proposta contra o R., auxiliando-o, nessa medida, na defesa contra aquela pretensão, não fazendo parte do seu papel esgrimir argumentos um contra o R.. O que sucedeu, foi que o R. decidiu tomar posição sobre diversos factos alegados pela Recorrida na sua contestação, juntando documentos destinados a fazer contraprova dos factos e documentos por esta juntos naquela contestação, como se de uma réplica do A. se tratasse, o que não lhe é lícito fazer, por ser completamente inadmissível.

Sustentou ainda que não foi violado o princípio do contraditório (Art. 3.º, n.º 3, do C.P.C.) ou o disposto n.º 2 do artigo 415.º, in fine, do C.P.C., porque a Recorrida não é contraparte do R..

Defendeu também que os documentos requeridos juntar pelo Recorrente não se destinavam a fazer contraprova do que quer que fosse, servindo única e exclusivamente o propósito de completar e esclarecer factos que o R. tinha alegado na sua contestação, invocando factos que nada têm a ver com a presente ação, mas apenas, com a eventual ação de regresso.

Contrapostas assim as posições divergentes, cumprirá apreciar e decidir.

Está assente que o dono da obra foi admitido a intervir no processo que opõe um subempreiteiro ao empreiteiro, mas apenas como mero interveniente acessório.

Admitida a intervenção acessória – que tem como pressuposto que o chamado seja um terceiro «que careça de legitimidade para intervir como parte principal» (Art. 321.º, n.º 1 “in fine”, do C.P.C.) –, esse terceiro é citado para contestar, passando a beneficiar do estatuto de assistente (Art. 323.º n.º 1 do C.P.C.).

O assistente é um auxiliar de uma das partes no processo, que tem interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte (Art. 326.º n.º 1 do C.P.C.).

Como estamos perante um incidente de intervenção acessória suscitado pelo R., o terceiro é chamado para o auxiliar na sua defesa (Art. 321.º n.º 1 do C.P.C.). O que não invalida que possam existir interesses divergentes entre o R. e o terceiro, na medida em que o motivo do chamamento é a salvaguarda de futura ação de regresso do primeiro contra o segundo. Por isso, a lei estabelece no n.º 2 do Art. 321.º n.º 2 do C.P.C. que: «A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento».

Estamos assim, nesta parte, perante uma instância que é completamente estranha ao A., que não demanda o terceiro e contra ele nada pede. Por isso, o chamado (interveniente acessório) não pode ser condenado no pedido que concretamente foi formulado na petição inicial (Art. 609.º do C.P.C.).

Como refere Salvador da Costa (in “Os Incidentes da Instância”, 9.ª Ed., 2017, pág. 103): «Este interveniente acessório intervém no processo, não na qualidade de sujeito passivo da relação controvertida objeto da ação, mas na posição de sujeito passivo de uma eventual pretensão formulada pelo réu no seu confronto, conexa com o referido objeto». E mais à frente diz ainda que: «O chamado não influencia a relação jurídica processual desenvolvida entre o autor e o chamante, sendo certo que, deferido o chamamento e citado que seja, fica o chamado, ipso facto, constituído na posição de parte acessória».

A relação jurídica que justifica a salvaguarda do direito de regresso é meramente conexa à relação jurídica principal e controvertida que opõe o A. ao R.. Nessa medida, pela sua própria natureza, essa relação jurídica autónoma, acessória, mas conexa, não pode afetar diretamente a procedência do pedido do A..

No entanto, o Art. 323.º n.º 4 do C.P.C. estabelece que a sentença proferida (leia-se “a sentença proferida sobre a relação jurídica controvertida principal”, nomeadamente a de que resulte a condenação do R.) constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no Art. 332.º do C.P.C., «relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização». Sendo que o Art. 332.º do C.P.C. estipula que, salvaguardados os casos tipificados nas duas alíneas aí mencionadas, o “assistente” – ou seja o “chamado” – fica obrigado a aceitar «em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido».

Daqui resulta, em suma, que não sendo o chamado, interveniente acessório, parte na ação principal, para os estritos efeitos da salvaguarda do direito de regresso do R. sobre si é, de algum modo, “parte”.

Esclarecendo, na verdade o chamado nunca é parte na ação que opõe o A. ao R.. Mas, é como se fosse “parte” no que se refere à relação material controvertida, meramente acessória, a que se reportam as «questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento», que o opõem diretamente ao R. (Art.s 321.º n.º 2, 323.º n.º 4 e 332.º do C.P.C.).

É isso mesmo que é posto em evidência nos termos deste recurso.
Mas como compatibilizar este “litígio menor” ou “acessório” dentro do “litígio maior” ou “principal”, que é o que faz parte efetiva da causa de pedir e do pedido do A..

A este propósito é preciso relembrar que a ação destina-se essencialmente à satisfação do interesse do A., que foi quem tomou a iniciativa de demandar o R. e contra ele formulou a pretensão que constitui o efetivo objeto do processo.

O A., por regra, não tem nenhum interesse na discussão de incidências espúrias ao exercício do seu direito em que possa assentar o litígio existente entre o chamante e o chamado.

É pensando nessas situações que a lei equipara a posição jurídica do interveniente acessório ao assistente, como resulta da remissão do Art. 323.º n.º 1 do C.P.C., que estabelece que o chamado, citado, passa a beneficiar do estatuto de assiste, com as necessárias adaptações dos Art.s 328º e ss.

Por sua vez, o Art. 328.º n.º 1 do C.P.C. estabelece que os assistentes têm a posição de auxiliares de uma das partes. E o n.º 2, para além de reconhecer ao assistente os mesmos direitos e deveres da parte assistida, logo esclarece que a atividade do assistente está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que tenha perdido o direito de praticar, nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido, pois se houver divergência insanável entre a parte principal e o assistente prevalece a vontade daquela.

Deste modo, não são admitidas todas e quaisquer discussões sobre «questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento», mas somente aquelas que se compreendam na defesa que foi apresentada pelo R., que é a parte principal.

Se o interveniente invoca factos novos, em prejuízo do R., que é a parte principal, a solução processual é que esses factos não podem ser admitidos à discussão da causa, devendo ser dados por não escritos. É como se não tivessem sido alegados, porque prevalece a defesa do R., nos termos do Art. 328.º n.º 2, “in fine”, do C.P.C..

Salvador da Costa (In Ob. Loc. Cit., pág. 128) refere que nestes casos em que o assistente exorbite os fundamentos de defesa admissíveis, por força da subordinação da sua posição à parte principal, impõe que seja proferida «decisão que declare ineficaz o afirmado pelo assistente em desconexão com o afirmado pelo assistido». Isto, porque não pode contestar no lugar da parte principal, nem invocar exceções que não foram alegadas pela parte que auxilia, nem sequer impugnar factos essenciais que aquela já tenha aceitado ou não tenha impugnado especificadamente.

Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3.ª Ed.) refere que a revelia do R. não impede o chamado, «mas impedem-no as atuações (ou omissões) deste que, nos termos do Art. 328.º-2, circunscrevam a atuação da parte acessória (…), impedindo-a de fazer uso de meios processuais, dela conhecidos ou desconhecidos, que podiam influir na decisão final ou de tomar, no uso dum meio processual, uma orientação diversa que igualmente podia influir na decisão (…)».

Poder-se-ia dizer que deste modo o chamado fica inibido do exercício pleno do seu direito de defesa relativamente a questões que relevariam para a discussão do direito de regresso. Mas é por isso mesmo que, por um lado, o chamado não é parte na ação – e daí decorre que não é condenado no pedido do A. – e, por outro, na futura e eventual ação de regresso, todos os factos de que ficou impossibilitado de discutir por limitações impostas pelo âmbito da defesa apresentada pela parte principal não ficam a coberto do caso julgado (Art. 332.º al. a) do C.C.).

Em suma, a questão suscitada neste recurso, tem como pressuposto que o tribunal a quo decida oportunamente, como é sua obrigação, nomeadamente no quadro legal dos Art.s 6.º, 591.º n.º 1 al. b) e c) e 596.º do C.P.C., excluir do objeto do processo todas as questões de facto e de direito que tenham sido invocadas pela interveniente acessória na sua contestação, que estejam em manifesta oposição com a defesa do R., bem como todos os documentos com ela juntos que tenham a mesma finalidade, por se traduzirem numa violação ao disposto no Art. 328.º n.º 2 do C.P.C..

Assim chegamos ao articulado do R. que foi ordenado desentranhar pelo despacho recorrido, cujo teor consta da certidão junta de fls 25 a 41, ainda que com a mesma não tenham sido junta cópia dos 45 documentos pretendidos juntar por aquele.
O R., logo no introito do requerimento, afirma que pretende exercer o contraditório, nos termos do Art. 3.º n.º 3 do C.P.C., sobre os documentos juntos pela interveniente acessória com a sua contestação.

O disposto no Art. 3.º n.º 3 do C.P.C. não justificaria só por si o requerimento apresentado, porque o R. não é a parte contrária do interveniente acessório, sendo que já esclarecemos o suficiente sobre a irrelevância do que possa constar da defesa apresentada nessa contestação que tenha por efeito eventual prejudicar o R..

No que se refere ao conteúdo do requerimento, constata-se que nele o R. identifica em cada ponto um dos 75 documentos juntos pela interveniente acessória e, sobre cada um deles, refere qual o seu teor ou o que o mesmo se destina a provar, dissertando depois sobre a sua força probatória. Mas também impugna os factos que com os mesmos se pretende provar, fazendo-o por referência ao articulado da interveniente, aproveitando para juntar 45 documentos, que nuns casos completam ou esclarecem os da contestação da chamada, e noutros impugnam ou fazem “contraprova” dos mesmos. Neste sentido, apesar de tudo, não podemos considerar que estamos perante uma réplica à contestação da interveniente.

Claro que, se estivéssemos perante uma réplica, evidentemente que esse requerimento tinha de ser desentranhado, porque a lei processual não permitiria em caso algum esse articulado ao R. (Art. 584º do C.P.C.).

É certo que o R. faz frequentes menções a artigos concretos da contestação da interveniente, mas não refere expressamente impugnar a matéria de cada artigo aí mencionado. O R. só impugna documentos, embora vá reportando os mesmos a artigos específicos da contestação da interveniente.

De referir que o R. menciona vezes seguidas que a chamada violou o princípio da cooperação processual (Art. 7.º do C.P.C.). Só que erra o alvo, pois deveria antes requerer o desentranhamento de prova documental assim junta que eventualmente estivessem em violação do disposto no Art. 328.º n.º 2 do C.P.C.. Assim, em vez que pretender por fim a uma irregularidade da defesa apresentada pela interveniente acessória, alimenta inutilmente a questão com o litígio que a opõe àquela, sendo esse efeito que é posto em evidência pela decisão recorrida.

No entanto, o requerimento em causa, enquanto exercício do direito das partes a pronunciarem-se sobre toda a prova documental junta e ainda não ordenada desentranhar é perfeitamente legítimo.

No quadro da prova documental, as regras de admissão da prova permitem que todas as partes se pronunciem sobre os documentos, antes da sua admissão formal.

Independentemente de quem tenha apresentado o documento – seja ele parte principal, parte acessória ou terceiro mero interveniente acidental (v.g. Art. 432.º ou 436.º do C.P.C.) –, considerando que o tribunal pode relevar esse documento independentemente de quem tenha produzido o meio de prova em causa (Art. 413.º do C.P.C.), deve sempre ser permitido às partes – e o R. é uma parte principal – que se pronunciem sobre a tempestividade da junção (Art. 443.º do C.P.C.), impugnando a sua genuinidade (Art. 444.º do C.P.C.), requerendo a produção de prova suplementar (Art. 445.º n.º 1 do C.P.C.) e eventualmente arguir o incidente de falsidade (Art.s 446.º e ss do C.P.C.).

O requerimento do R. traduz-se, portanto, no exercício legítimo do direito de impugnação de documentos juntos aos autos, independentemente da pessoa que os fez chegar ao processo.

Competia ao tribunal, no exercício do poder de gestão processual (Art. 6.º do C.P.C.), esclarecer a posição das partes, recusando meios de prova impertinentes ou meramente dilatórios, nomeadamente apreciando em que medida a defesa apresentada pela interveniente acessória e a prova documental por aquela apresentada era admissível, para desse modo se poder depois pronunciar justamente sobre a pertinência da prova documental junta pelo R..

Assim, se o tribunal a quo não ordenou o desentranhamento de prova documental apresentada pela interveniente em violação ao disposto no Art. 328.º n.º 2 “ex vi” Art. 323.º n.º 1 do C.P.C., não pode ordenar o desentranhamento de prova documental do R. que vise demonstrar a incorreção do que com aqueles se pretenderá provar.

Só se ordenar o desentranhamento de documentos apresentados pela interveniente, nas condições supra expostas – e ao que tudo indica ainda o poderá fazer – é que poderá legitimamente ordenar, na mesma sequência, o desentranhamento dos correspondentes documentos a eles opostos pelo R..

Entendemos assim que assiste razão ao Recorrente, impondo-se nesta fase o respeito prévio pela igualdade das partes, reconhecendo-se que no momento em que foi apresentado o requerimento do R. ora em crise, estávamos ainda perante o exercício legítimo de um direito, sem prejuízo do que o tribunal a quo possa vir a decidir sobre a admissibilidade da prova documental junta pela chamada e dos factos por si alegados na sua contestação, que podem determinar a inutilidade e impertinência, superveniente, de todos ou alguns, dos 45 documentos que o R. visou juntar.

V–DECISÃO.
Pelos fundamentos expostos, julgamos procedente a apelação, revogando o despacho de 18/10/2017 que ordenou o desentranhamento dos requerimentos de fls 14969 a 15370 e respetiva entrega ao apresentante, que assim deve ser substituído por outro que, apreciando antes de mais a admissibilidade da prova documental apresentada na contestação pela interveniente e, bem assim, se a defesa aí apresentada respeitou os limites do Art. 328.º n.º 2 “ex vi” Art. 323.º n.º1 do C.P.C., nesse pressuposto aprecie então da utilidade e pertinência dos documentos juntos pelo R..
- Custas pela Apelada (Art. 527.º do C.P.C.).




Lisboa, 30 de janeiro de 2018

                             
                             
(Carlos Oliveira)                             
(Maria Amélia Ribeiro)                             
(Dina Monteiro)