Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1499/08.2TVLSB.L2-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL
CONFLITO DE DEVERES
INTERESSE PREPONDERANTE
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
Decisão: AUTORIZADA A QUEBRA DE SIGILO
Sumário: 1. No âmbito das relações jurídico-privadas, a quebra do sigilo bancário assume características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar;
2. O conflito entre o dever de cooperação com a administração da justiça e o dever de sigilo profissional deve ser resolvido, caso a caso, com base no princípio da proporcionalidade;
3. Justifica-se a medida excepcional da quebra do segredo bancário, por prevalência do interesse na cooperação para a descoberta da verdade, quando a prova dos factos, sem tal quebra, possa ficar seriamente comprometida e, com isso, eventualmente, a justa decisão da causa.
4. É o que sucede se - numa acção declarativa de condenação intentada por uma empresa contra uma instituição bancária, em que a autora se arroga o direito de exigir da ré uma indemnização, de montante a fixar em execução de sentença, correspondente ao valor das comissões referentes a todos os produtos bancários e financeiros, contratados no ano de 2005 e primeiro semestre de 2006, pelos clientes mantidos na carteira dum promotor da autora, e ainda ao valor das comissões, relativas aos anos de 2004 até ao final do primeiro semestre de 2006, de todos os clientes que contrataram com o banco réu créditos à habitação em todos os empreendimentos turísticos angariados pela autora, de todos os contratos celebrados com as mediadoras imobiliárias que a autora angariou para o réu e todos os contratos financeiros e bancários celebrados ao abrigo de protocolos com intervenção da autora - a autora, chegada a fase da instrução, pede a notificação do banco réu para juntar aos autos os seguintes documentos:
a) Cópias de todos os contratos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações) de produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o banco réu, nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, pelos clientes identificados num documento junto aos autos;
b) Todos os protocolos celebrados, durante os anos de 2004 e 2005 e o primeiro semestre de 2006, com os grupos e empreendimentos turísticos descritos no requerimento probatório da autora;
c) Cópias de todos os contratos (incluindo todos os respectivos aditamentos e alterações) de outros produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o banco réu, durante o mesmo período, pelos mutuários que adquiriram imóveis nos empreendimentos turísticos identificados no requerimento probatório da autora, nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, com financiamento pelo réu;
d) Todos os protocolos celebrados, durante os anos de 2004 e 2005 e o primeiro semestre de 2006 (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações), com os mediadores e mediadoras imobiliárias identificados no requerimento probatório da autora;
e) Cópias de todos os contratos (incluindo todos os respectivos aditamentos e alterações) de outros produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o banco réu, durante o mesmo período, pelos mutuários outorgantes dos contratos de mútuo e de compra e venda de imóveis cujas transacções foram mediadas pelos mediadores e mediadoras imobiliárias identificados no requerimento probatório da autora, realizadas nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, com financiamento pelo réu;
f) Cópias de todos os contratos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações) de produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o banco réu, nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, ao abrigo dos protocolos celebrados em 2004 entre o réu e o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Faro, o Centro de Acção Social de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Saúde e da Segurança Social do Distrito de Faro e com a Casa do Pessoal da Direcção de Finanças do Distrito de Faro, que constam dos autos.
5. Isto porque, sendo os documentos em questão essenciais para a prova dos factos constitutivos do direito da Autora que constam da Base Instrutória, é altamente plausível que, na falta destes documentos, a autora não logre obter ganho de causa, por não conseguir provar – como é seu ónus – o montante das comissões calculadas a partir dos valores e outras condições dos produtos e serviços bancários e financeiros subscritos pelos clientes que a autora angariava para o banco réu, já que não se trata de factos susceptíveis de ser convincentemente provados apenas com base em depoimentos prestados por quaisquer testemunhas.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

F.…. – PROMOÇÃO E D… DE PRODUTOS E S… FINANCEIROS, LDA.” intentou acção declarativa de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra D…. BANK (PORTUGAL), S.A..
Para tanto, alegou, em suma, que:
- O R. lançou em Portugal um projecto comercial denominado “ D…. Bank @agentes Financeiros”, que passava pela criação duma rede nacional de agentes que comercializariam produtos bancários e financeiros desse banco.
- O Dr. José ….. , em conjunto com outros seus sócios, aderiram a esse projecto, tendo para o efeito vindo a constituir a A., para prosseguir a actividade como agentes financeiros do R. em ..., o que naturalmente importou em vários custos que a empresa teve de suportar.
- Entretanto, os agentes financeiros passaram a denominar-se “Promotores D….. Bank”, actividade que somente poderia ser prosseguida por pessoas individuais, competindo às sociedades constituídas pelos mesmos as funções de negociação dos produtos financeiros do R..
- Foi neste quadro que veio a ser celebrado o “Contrato de Prestação de Serviços de Negociação” entre A. e R., que obrigava este a pagar àquela uma comissão que remuneraria a actividade de angariação de negócios de produtos financeiros do banco que integrassem a carteira de clientes da A..
- Por outro lado, foi igualmente celebrado com o R. um “contrato de Promotor D…. Bank”, inicialmente entre vários promotores integrados na empresa da aqui A., mas que depois, com a desvinculação dos restantes sócios, ficou a vincular apenas o Dr. José …. , sócio gerente da A., nos termos do qual o R. ficou obrigado a pagar ao promotor, através da A., uma remuneração fixa por cada depósito à ordem afecto à sua carteira de clientes.
- Entretanto, o projecto inicial do R. foi completamente subvertido, o que terá motivado mesmo reacções da “Associação de Sociedade Promotoras e de Promotores Financeiros”, nomeadamente por terem sido alteradas e reduzidas as competências das sociedades promotoras. Ao que acresceu o facto dos serviços prestados pelo R. serem também deficientes e este banco ter passado a instalar uma rede própria de agências bancárias que funcionavam em todo o país, em concorrências com essas sociedades e promotores financeiros, e em condições mais vantajosas.
- No caso da A., esta teve um grande trabalho de angariação de clientes oriundos de empreendimentos turísticos na zona do Algarve, de mediadoras imobiliárias e outras entidades, com algumas das quais celebrou protocolos para aquisição preferencial de produtos financeiros do R., conforme discriminou.
- No entanto, porque o R. dificultava particularmente o trabalho da A. enquanto sociedade promotora, não dando resposta célere aos clientes por si angariados, a A. foi-se apercebendo duma progressiva perda e não angariação de clientela, tendo assim decidido mudar de instalações de ... para Faro.
- Esse processo que foi negociado com o R. e passou pela ocupação por este das instalações de ..., pelo estabelecido de vários contratos de financiamento com vista à nova instalação da A. em Faro, com autorização do R. e, mais tarde, pela transmissão para o R. de 50% dos clientes que integravam a carteira de clientes do promotor da A..
- Sucede que o processo negocial relativo à instalação da A. em Faro foi particularmente obstaculizado pelo R., que na prática a impediu de continuar a exercer a sua actividade, tendo o R. acabado por comunicar a cessação dos contratos celebrados com a A. e o seu promotor em Janeiro de 2006, mas com efeitos para daí a 6 meses.
- Em face do exposto, entende a A. que tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que o R. lhe causou - o que, no caso, corresponde ao valor das comissões convencionadas relativas ao período de vigência do contrato referente a todos os produtos e serviços financeiros contratados ao R. por clientes por si angariados, ou pelo seu sócio gerente, desde 2004 até ao fim do primeiro semestre de 2006.
Em conformidade, a Autora pediu a condenação do R. no pagamento à A. duma indemnização, de montante a fixar em execução de sentença, correspondente ao valor das comissões referentes a todos os produtos bancários e financeiros, contratados no ano de 2005 e primeiro semestre de 2006, pelos clientes mantidos na carteira do promotor da A., o Dr. José , na sequência do acordo de cessão de clientes datado de 1 de Janeiro de 2005, e ainda ao valor das comissões, relativas aos anos de 2004 até ao final do primeiro semestre de 2006, de todos os clientes que contrataram com o R. créditos à habitação em todos os empreendimentos turísticos angariados pela A., de todos os contratos celebrados com as mediadoras imobiliárias que a A. angariou para o R. e todos os contratos financeiros e bancários celebrados ao abrigo de protocolos com intervenção da A., tal como foram identificados nos pontos 3.1, 3.2 e 3.3 da petição inicial, tudo de acordo com a última tabela vigente e acrescido de juros a contar da citação.
Citado, o R. contestou dando o seu próprio enquadramento histórico da sua introdução no mercado nacional e do nascimento do projecto dos agentes financeiros, no quadro do qual foram celebrados os contratos com a A. e o promotor, seu sócio-gerente.
Também veio sustentar que não houve qualquer redução das competências dos promotores financeiros, tendo apenas existido um projecto que não estava inicialmente definido em todos os seus contornos práticos e que veio a ser moldado por regulamentação entretanto aprovada pelo Banco de Portugal e pela CMVM.
Por outro lado, impugnou igualmente que tivesse havido qualquer alteração de estratégia na implementação do projecto dos promotores que - ao contrário do que a A. quis fazer supor - teve sempre um crescimento em número e resultados, sendo que o R. nunca garantiu que essas empresas funcionariam em regime de exclusividade territorial, nem alguma vez prometeu que não iria promover a instalação de agências bancárias próprias em todo o território nacional.
Sustentou igualmente que o projecto dos promotores não excluía a criação de agência bancárias próprias, porque as duas formas de intervenção no mercado complementavam-se, dando vários exemplos em que a experiência funcionou de forma lucrativa para todos, impugnando igualmente que houvessem condições discriminatórias para os promotores relativamente às agências e que houvesse deficiência por parte do R. nos serviços prestados aos seus promotores financeiros.
Impugnou igualmente as alegadas angariações de clientes por parte da A. relativa aos empreendimentos turísticos, alegando ter pago todas as comissões devidas até Agosto de 2008.
Relativamente às mediadoras imobiliárias, referiu que, por acordo com os centros de promotores, seriam aquelas sociedades imobiliárias que teriam direito a receber as comissões pelos negócios por si angariados, ficando os promotores apenas com direito às comissões sobre os outros produtos que esses clientes viessem a formalizar com o banco, sendo que o R. pagou essas comissões devidas à A..
O mesmo alegou relativamente aos clientes dos protocolos mencionados na petição inicial, que confirmou terem sido celebrados, mas realçando que as comissões só seriam devidas se os clientes efectivamente aderissem a produtos financeiros do R..
No que se refere ao processo de alteração de instalações por parte da A., impugnou que fosse por qualquer facto imputável ao R., mas sim a motivos relativos à própria A., fornecendo a sua versão dessas negociações, concluindo pela inexistência de quaisquer danos causados à A. e pela improcedência da acção.

Findos os articulados, teve lugar uma Audiência Preliminar (realizada em 21 de Junho de 2010), no decurso da qual foi proferido Despacho Saneador e veio a ser seleccionada a matéria factual assente (por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes) e a que, por se mostrar controvertida entre as partes, foi incluída na Base Instrutória.
Na Base Instrutória, foram formulados Quesitos do seguinte teor:
13º
Com o grupo O, que tem diversos empreendimentos turísticos em Portugal, na maioria dos casos no Algarve, um volume de vendas de imóveis médio de cerca de € 250.000.000,00 por ano e sede no sítio da ..., edifício ..., 0000-000 ..., no Algarve (cfr. doc. de fls 371 a 373), a A. promoveu e participou, desde 5 de Março de 2004, inclusive nos escritórios deste grupo, em diversas reuniões com responsáveis daquele, designadamente os Senhores H…, Director Financeiro, G…, Managing Director e U…, Chefe de Vendas, tendo, em consequência do seu trabalho, o R. e este grupo acordado que ele trabalharia em exclusivo com esse banco no financiamento das suas operações imobiliárias, inclusive no financiamento da comercialização por terceiros dos imóveis sitos nos empreendimentos turísticos do grupo, já construídos, em construção ou já perspectivados ?
14º
Esses empreendimentos são, concretamente, os seguintes:
a) O empreendimento B... Spa & B…. , sito no Algarve, constituído por 189 unidades habitacionais de luxo, distribuídas em apartamentos, suites e moradias (cfr. doc. de fls 376 a 377), sendo que durante o ano 2006 o grupo O vendia habitações neste empreendimento aos preços de: entre €285.000,00 e €325.000,00 para habitações T1; entre €425.000,00 e €475.000,00 para habitações T2; e €495.000,00 para habitações T3 – cfr. doc. de fls 374 a 375;
b) O empreendimento E... da L..., sito no centro da aldeia da Praia da L… junto à praia, no Algarve, constituído por 146 apartamentos de luxo (cfr. doc. de fls 376 a 377), sendo que durante o ano 2006 o grupo O vendia habitações neste empreendimento aos preços de: entre €160.000,00 e €195.000,00 para habitações T0; entre €235.000,00 e €300.000,00 para habitações T1; €365.000,00 para habitações T2; e entre €400.000,00 e €450.000,00 para habitações T4 – cfr. doc. de fls 374 a 375;
c) O empreendimento Quinta do ..., sito no ..., ,, no Algarve, constituído por 16 moradias de luxo de tipologia T5, implantadas em lotes de terreno com cerca de 2.500 m2 e áreas de construção até 500 m2 (cfr. doc. de fls 378 a 379), sendo que durante o ano 2006, o grupo O vendia moradias deste empreendimento ao preço de €1.250.000,00 cada – cfr. cit. doc.;
d) O empreendimento Jardins ..., cuja construção foi concluída em Março de 2004, sito na ..., junto ao campo de golfe de ..., nas imediações de ..., no Algarve, constituído habitações de luxo distribuídas entre 22 moradias de dois andares T2 e T3 e 44 apartamentos T3 (cfr. doc. de fls 380);
e) O empreendimento V... G... & G… , sito em ..., no Algarve, constituído por moradias e apartamentos de luxo (cfr. doc. de fls 381 a 382);
f) O empreendimento A…. G..., sito no concelho de ..., no Algarve, constituído por habitações de tipologias T2, T3 e T4 (cfr. doc. de fls 383 a 388), sendo que durante o ano 2006 o grupo O vendia habitações neste empreendimento aos preços de: entre €130.000,00 e €595.000,00 para habitações T2 consoante as zonas; €595.000,00 para habitações T3; e entre €1.650.000,00 e €2.000.000,00 para habitações T4 (cfr. cit. doc.);
g) O empreendimento Vila..., concluído durante o verão de 2007, sito na aldeia da Praia da Luz, junto à praia, no Algarve, constituído por apartamentos de luxo de tipologias T1, T2 e T3 (cfr. doc. de fls 389 a 392), sendo que durante o ano 2006 o grupo O vendia habitações neste empreendimento aos preços de: entre €220.000,00 e €270.000,00 para habitações T1; e entre €360.000,00 e €410.000,00 para habitações T2 (cfr. cit. doc.); e
h) O empreendimento Royal Ó…, em construção na vila de Óbidos, constituído por moradias de luxo (cfr. doc. de fls 371 a 373) ?
17º
Em consequência do trabalho da A., o R. e este grupo acordaram, em síntese, que o R. seria o financiador preferencial em todas as operações imobiliárias do grupo, inclusive no financiamento da comercialização por terceiros dos imóveis sitos nos respectivos empreendimentos, mais concretamente nos seguintes:
a) O empreendimento Parque … , sito no ..., 0000-000 ..., no Algarve, constituído por moradias de luxo implantadas no terreno conforme a planta anexa aos documentos juntos de fls 398 a 400, que em Junho de 2006 o grupo V... vendia por preços de €230.445,00 a €650.000,00, consoante a dimensão das respectivas áreas de implantação e a fase de construção das mesmas (cfr. cit. doc. a fls 400);
b) O empreendimento Quinta da F..., sito nas proximidades de ..., junto à praia, no Algarve, constituído por moradias de luxo de tipologias T3 e T4 (cfr. doc. de fls 401 a 404), que em Junho de 2006 o grupo V... vendia por preços de €250.000,00 a €600.000,00, consoante a tipologia, a dimensão das respectivas áreas de implantação e a fase de construção das mesmas (cfr. cit. doc. de fls 402 a 404);
c) O empreendimento The V..., sobranceiro à praia da ..., na aldeia da ..., no Algarve, constituído por moradias de luxo de tipologia T2 implantadas no terreno conforme a planta anexa aos documentos juntos de fls 405 a 408, que em Junho de 2006 o grupo V... vendia ao preço de €450.000,00 (cfr. doc. de fls 406 a 408);
d) O empreendimento The V... 2, sito na mesma zona do anterior, constituído por moradias de luxo implantadas no terreno conforme a planta anexa ao documento junto de fls 409 a 412, que em Junho de 2006 o grupo V... vendia a preços entre € 420.000,00 e € 498.750,00, consoante a tipologia, a dimensão das respectivas áreas de implantação e a fase de construção das mesmas (cfr. cit. doc.);
e) O empreendimento Quinta de S..., sito nas proximidades de ..., constituído por apartamentos e moradias de luxo (cfr. doc. de fls 413);
f) O empreendimento Quinta do M..., sito na aldeia de ..., no Algarve, constituído por moradias de luxo (cfr. doc. de fls 414);
g) O empreendimento Quinta da A..., sito nas proximidades de ..., constituído por moradias de luxo (cfr. doc. de fls 415); e
h) O empreendimento Parque do R..., sito na vila do ..., no Alentejo, constituído por moradias de luxo (cfr. doc. de fls 416) ?
34º
A partir de então, em consequência do trabalho da A. e do seu promotor Senhor Dr. José …. , o R. estabeleceu acordos com estes empreendimentos, ao abrigo dos quais aqueles obrigaram-se a encaminhar para o R., enquanto financiador exclusivo ou preferencial (consoante os casos), todos os interessados na aquisição de imóveis (habitações ou terrenos) sitos nos mesmos ?
35º
Esses acordos previram também a realização de acções de publicidade conjuntas entre o R. e cada um deles, no âmbito das quais se publicitava, em simultâneo, a comercialização dos imóveis desses empreendimentos e o papel daquele banco enquanto financiador preferencial dos potenciais interessados ?
45º
Desde 2004, e em consequência do trabalho desenvolvido pela A. e pelo Senhor Dr. José …. , o R. tem realizado muitas operações de crédito à habitação a terceiros para aquisição de imóveis daqueles grupos e empreendimentos, bem como os correspondentes contratos de seguro de vida e de seguro multi-riscos, e bem assim outros produtos e serviços bancários financeiros?
57º
A partir de então, em consequência do trabalho desenvolvido por si e por aquele seu promotor, a A. estabeleceu acordos com estes mediadores e mediadoras imobiliárias, ao abrigo dos quais estes se obrigaram a apresentar os serviços e produtos de financiamento do R. a todos os interessados na aquisição de imóveis cuja comercialização fosse mediada pelos mesmos ?
62º
Desde 2004, e em consequência do trabalho desenvolvido pela A. e pelo seu promotor, Senhor Dr. José …. , o R. tem realizado muitas operações de crédito à habitação a terceiros para aquisição de imóveis através das mediadoras, bem como os correspondentes contratos de seguro de vida e de seguro multi-riscos, e bem assim outros produtos e serviços bancários financeiros ?
70º
Desde a data dos protocolos, e em consequência do trabalho desenvolvido pela A. e pelo seu promotor, Senhor Dr. José …. , o R. contratou muitos produtos e serviços financeiros com os membros e funcionários daquelas entidades ?
117º
O R. não informou os 50 % de clientes mantidos na carteira do Senhor Dr. José …. , do local onde a A. tinha passado a exercer a sua actividade, o que motivou que os mesmos passassem a utilizar apenas o centro próprio que o R. abriu em ..., em detrimento do centro de promotores que a A. mudou para Faro ?”
120º
O R. não o fez, tendo-os encaminhado a todos para a sua agência financeira própria em ..., bem como aos clientes correspondentes aos 50% mantidos na carteira do promotor da Autora Senhor Dr. José …. ?
121º
Em consequência do trabalho da A. e seus promotores, desde 2004 o R. tem contratado com muitos clientes oriundos das entidades descritas muitos produtos e serviços bancários e financeiros, incluindo um grande número de créditos à habitação para aquisição de imóveis nos empreendimentos turísticos, acompanhados dos correspondentes contratos de seguro de vida e de seguro multi-riscos ?
122º
Os clientes correspondentes aos 50% mantidos na carteira do promotor da A., Senhor Dr. José …. , continuaram a contratar com a R. outros produtos e serviços bancários e financeiros ?
123º
Por causa do R., esses produtos e serviços bancários e financeiros não foram processados através da agência de promotores da A., como era devido ?
124º
O R. nunca prestou quaisquer contas dos mesmos à A., nem lhe pagou as correspondentes comissões referentes aos mesmos ?
125º
São de valor nunca inferior a cinco milhões de euros todas as comissões referentes a todos os produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o R., durante os anos de 2004 e 2005 e o primeiro semestre do ano de 2006, incluindo os clientes da listagem de fls 548 e pelos clientes que contrataram créditos à habitação para aquisições de imóveis em todos os empreendimentos turísticos angariados pela A. e seu promotor, e pelos clientes das aquisições de imóveis mediadas por qualquer dos mediadores ou mediadoras imobiliárias angariados pela A. e seu promotor, e por todos os clientes que contrataram com o R. quaisquer produtos e serviços bancários e financeiros ao abrigo dos protocolos descritos, calculadas nos termos das tabelas vigentes ?”
A Autora, no requerimento probatório que apresentou em 27/9/2010, requereu a notificação da Ré para juntar aos autos os seguintes Documentos em seu poder:
“Para prova da matéria dos n.ºs 117 e 120 a 125 da Base Instrutória:
1.1. Cópias de todos os contratos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações) de produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o R., nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, pelos clientes identificados no documento de fls. 545 a 548 e referido no n.º 99 da Base Instrutória, para o qual se remete por economia processual.
Para prova da matéria dos n.ºs 13, 14, 17, 34, 35, 45 e 120 a 125 da Base Instrutória:
1.2. Todos os protocolos celebrados, durante os anos de 2004 e 2005 e o primeiro semestre de 2006, com os grupos e empreendimentos turísticos descritos sob o seguinte ponto 2 do presente capítulo II deste requerimento.
1.3. Cópias de todas as escrituras públicas (incluindo todos os respectivos documentos complementares e todos os aditamentos e alterações às escrituras e documentos complementares) de mútuo e de compra e venda de imóveis nos empreendimentos turísticos descritos no ponto 2 do presente capítulo II deste requerimento e melhor identificados nos n.ºs 13 a 31 da Base Instrutória, celebradas nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, com financiamento pelo R..
Bem como dos respectivos contratos de seguros de vida e de seguros multi-riscos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações).
Em conformidade com o que é praticado por todo o mercado bancário português, o R. guarda nos seus arquivos cópias dos documentos referidos pelo menos durante todo o prazo de vigência dos respectivos contratos.
1.4. Cópias de todos os contratos (incluindo todos os respectivos aditamentos e alterações) de outros produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o R., durante o mesmo período, pelos mutuários dos contratos referidos no ponto 1.3 anterior.
Para prova da matéria dos n.ºs 57, 62 e 120 a 125 da Base Instrutória:
1.5. Todos os protocolos celebrados, durante os anos de 2004 e 2005 e o primeiro semestre de 2006 (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações), com os mediadores e mediadoras imobiliárias descritos sob o seguinte ponto 3 do presente capítulo II deste requerimento.
1.6. Cópias de todas as escrituras públicas (incluindo todos os respectivos documentos complementares, bem como incluindo todos os aditamentos e alterações às ditas escrituras e seus documentos complementares) de mútuo e de compra e venda de imóveis mediadas, pelos mediadores e mediadoras imobiliárias descritos sob o seguinte ponto 3 do presente capítulo II deste requerimento e melhor identificados nos n.ºs 51, 53 e 54 da Base Instrutória, realizadas nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, com financiamento pelo R..
Bem como dos respectivos contratos de seguros de vida e de seguros multi-riscos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações).
1.7. Cópias de todos os contratos (incluindo todos os respectivos aditamentos e alterações) de outros produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o R., durante o mesmo período, pelos mutuários dos contratos referidos no ponto 1.6 anterior.
E para prova da matéria dos n.ºs 70 e 120 a 125 da Base Instrutória
1.8. Cópias de todos os contratos (incluindo de todos os respectivos aditamentos e alterações) de produtos e serviços bancários e financeiros contratados com o R., nos anos de 2004 e 2005 e no primeiro semestre do ano de 2006, ao abrigo dos protocolos celebrados em 2004 entre a Ré e o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Faro, o Centro de Acção Social de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Saúde e da Segurança Social do Distrito de Faro e com a Casa do Pessoal da Direcção de Finanças do Distrito de Faro, que constam de fls. 481 a 489 e são descritos nas alíneas BP) a BT) da Matéria Assente.”
Notificada do teor do requerimento probatório da Autora, a Ré veio alegar que “o hipotético deferimento da junção pelo Deutsche Bank da documentação requerida pela Autora, designadamente, contratos e seus aditamentos de produtos e serviços bancários e financeiros entre 2004 e o primeiro semestre de 2006 (pontos 1.1, 1.4, 1.7 e 1.8 do requerimento probatório da Autora), imporia que o Réu violasse o sigilo bancário a que está adstrito por força do artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, por se tratarem de documentos atinentes à relação do Réu com os seus clientes abrangidos por tal sigilo. Pelo que – concluiu a Ré -, “desde já se invoca a recusa de junção pelo ora Réu da prova documental que importa a violação do sigilo bancário a que está vinculado.
Notificada deste requerimento apresentado pela Ré, a Autora veio, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 519º, n.º 4, do CPC, 135 do CPP e 79º n.º 2 alínea e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, deduzir junto deste Tribunal da Relação de Lisboa INCIDENTE PROCESSUAL PARA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
“17. Conforme consta das alíneas T), AI) a AN) e AQ) a AS) da Matéria Assente, a remuneração que o R. pagava à A. correspondia a comissões calculadas a partir dos valores e outras condições dos produtos e serviços bancários e financeiros subscritos pelos clientes que a A. angariava para o R..
18. Tanto no crédito à habitação e respectivos seguros de vida e multi-riscos,
19. Como nos demais produtos e serviços fornecidos pelo R. a clientes prospectados e angariados pela A..
Por isso:
20. É essencial à presente causa conhecer os valores e demais condições dos produtos e serviços fornecidos pelo R. aos clientes mencionados nos supra citados n.ºs 1.1, 1.3, 1.4, 1.6, 1.7 e 1.8 do requerimento de prova da A..
21. Porque, como visto, é desses valores e condições que depende o cálculo das comissões devidas à A. nos casos de clientes do R. que se venha a demonstrar terem sido angariados pela A..
22. E o apuramento desses valores e condições pode ser feito mediante a análise dos documentos requeridos e supra discriminados, porque são eles que espelham as condições contratuais acordadas entre o R. e esses clientes para fornecimento dos respectivos produtos e serviços.
23. Diz o R. que a A. pode obter esses documentos por si só - cfr. n.º 9 do seu requerimento de 27 de Setembro de 2010.
24. Mas só academicamente se poderia conceber semelhante possibilidade.
25. Porque, conforme consta dos supra referidos artigos da Base Instrutória para cuja prova se requereram os documentos em causa, exceptuando o caso dos clientes referidos no n.º 1.1 do seu requerimento de prova, a A. não sabe nem pode saber identificar os clientes que contrataram com o R..
26. Também porque, de acordo com esses mesmos artigos da Base Instrutória, a A. não sabe nem pode saber quais produtos e serviços foram contratados com o R. por nenhuns dos clientes visados nos supra citados n.ºs 1.1, 1.3, 1.4, 1.6, 1.7 e 1.8 do seu requerimento de prova.
27. E por isso, muito menos pode ter localizar e aceder aos documentos que titulam tais relações contratuais.
28. Mesmo no caso dos créditos à habitação, não é possível à A. localizar por si só as respectivas escrituras públicas e respectivos anexos com as condições dos mútuos e respectivos seguros. Nomeadamente mediante pesquisa no registo predial, como diz o R. no n.º 9 do seu requerimento de 27 de Setembro de 2010.
29. É que, como consta dos supra referidos artigos da Base Instrutória para cuja prova se requereram os documentos em causa, a A. também não sabe quais os imóveis cuja aquisição foi financiada pelo R. a clientes por ela prospectados e angariados.
30. Porque:
- No caso dos supra referidos n.ºs 1.3 e 1.4 da Base Instrutória, ou seja, dos empreendimentos turísticos, estão em causa imóveis espalhados por todos os empreendimentos descritos nos n.ºs 13 a 31 da Base Instrutória e a um período de tempo de cerca de 2 anos e meio.
- E nos casos a que se referem os supra citados n.ºs n.ºs 1.1, 1.6, 1.7 e 1.8, estão em causa imóveis cuja localização é inteiramente desconhecida à A..
Assim,
31. A verdade é que o R. se escuda no sigilo bancário para se furtar ao espírito de colaboração que lhe impõe o art.º 266 do CPC.
32. Os documentos em causa são essenciais ao apuramento da verdade material subjacente à presente causa. E garantidamente, só ele os tem na sua posse, conforme melhor se expôs no requerimento de meios de prova da A..
Por último,
33. Pelos motivos expostos, é essencial conhecer as respostas visadas na perícia requerida.
34. O documento é essencial para a demonstração da matéria supra descrita, sendo esta igualmente essencial para a causa de pedir da Autora.
E assim sendo,
35. Ponderando os interesses em conflito, deve ser julgado procedente o presente incidente, decidindo-se pela quebra de sigilo bancário e pela consequente admissão da junção aos autos do referido documento.
NESTES TERMOS:
Porque ponderando os interesses em conflito se deve concluir que a administração da justiça, inclusive no caso concreto da A., deve prevalecer sobre os interesses tutelados pelo sigilo bancário invocado pelo R., deve o presente incidente ser julgado procedente, decidindo-se a quebra do sigilo bancário que envolve os meios de prova supra identificados.”

A Ré, notificada da dedução deste Incidente, advogou o seu indeferimento liminar, alegando que o incidente seria extemporâneo, “uma vez que o Tribunal ainda não admitiu os meios de prova requeridos pela Autora, nomeadamente, a junção de documentos pela contraparte e a prova pericial”.
Em 10/11/2010, o Sr. Juiz “a quo” exarou um despacho do seguinte teor:
“Cumpre aqui deixar consignado o nosso entendimento de que não existe prazo legal para deduzir o incidente de levantamento de sigilo bancário.
Quando muito só se poderá dizer que não se pode suscitar o incidente sem que previamente haja recusa de produção do meio de prova requerido, com fundamento na existência de sigilo bancário.
Ora, no caso, a R. logo se opôs aos meios de prova requeridos pela A. (cfr. fls 270 e ss versus fls 316 e ss) invocando que não os poderia juntar com violação do sigilo.
Os documentos pretendidos ver juntar reportam-se a matéria que consta da base instrutória e, por isso, revelar-se-ão seguramente de interesse para o conhecimento do mérito da causa. Mas, uma vez invocada a legítima recusa por parte da R., o meio de prova só poderá ser produzido através da decisão do incidente suscitado pela A. (cfr. fls 343 e ss).
Por outro lado, existe todo um conjunto doutros meios de prova requeridos cuja utilidade está igualmente dependentes da decisão sobre o levantamento do sigilo bancário invocado, nomeadamente a prova pericial requerida.
Assim, aguardaremos a decisão a proferir pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre o incidente suscitado e depois apreciaremos, em conjunto, todos os requerimentos probatórios formulados pelas partes, no pressuposto de que todos são processualmente admissíveis e não são impertinentes.”
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
MATÉRIA DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do mérito do presente Incidente de levantamento de sigilo bancário são os que constam do relatório, para os quais se remete.
A QUESTÃO PRÉVIA DA EXTEMPORANEIDADE DO INCIDENTE
Como vimos, a Ré suscitou (na sua resposta ao requerimento no qual a Autora deduziu o presente Incidente) a questão prévia da sua intempestividade.
Alegou, para tanto, que o incidente seria extemporâneo, “uma vez que o Tribunal ainda não admitiu os meios de prova requeridos pela Autora, nomeadamente, a junção de documentos pela contraparte e a prova pericial”.
Na tese da Ré, «não sendo conhecidos os meios de prova requeridos pela Autora que serão admitidos pelo Tribunal não pode ser atendido o incidente para a quebra do sigilo bancário». «Solução inversa acarretaria a perversa e hipotética situação de ser conhecido pelo Tribunal superior o incidente para a quebra do sigilo bancário tal como foi configurado pela Autora e o Tribunal de 1.ª instância não admitir os meios de prova requeridos e que são objecto do presente incidente».
Isto porque (…) o Réu não arguiu apenas a violação do sigilo bancário como fundamento para a não admissibilidade destes meios de prova – junção de documentos em poder da contraparte e prova pericial – pelo Tribunal de 1ª instância.
Além da invocada violação do sigilo bancário, a Ré aduziu, a favor do indeferimento do requerimento probatório da Autora, no segmento em questão, outros fundamentos, a saber:
a) alguns dos documentos cuja apresentação foi pedida pela Autora podem ser directamente obtidos por esta, uma vez que os mesmos são públicos e/ou estão em poder de terceiros;
b) quanto à prova pericial requerida pela Autora, a mesma seria impertinente, dado que não são precisos conhecimentos especiais de peritos para analisar os factos controvertidos, razão pela qual o Tribunal não deveria admitir este meio de prova de harmonia com o previsto no artigo 578.º do Código de Processo Civil.
Quid juris ?
Efectivamente, quanto ao pedido de junção das escrituras públicas em que seja parte o Réu (pontos 1.3 e 1.6 do requerimento probatório da Autora), o Réu, além de pugnar pelo seu indeferimento por essas escrituras documentarem relações com clientes que o mesmo não pode, por si, divulgar, sustentou que, pretendendo a Autora apurar quais, de entre os adquirentes no âmbito dos empreendimentos turísticos e imobiliários que identifica, terão contratado mútuo para a aquisição junto do Réu, a Autora pode – e deve – investigar, através da competente conservatória de registo predial, quais as escrituras públicas efectuadas quanto a tais empreendimentos turísticos e imobiliários e, pela consulta de tais escrituras, que constituem documentos públicos, a Autora poderá facilmente obtê-los, pelo que não existe fundamento legal para notificação da parte contrária para que esta tenha o ónus de apresentar os documentos em questão.
De sorte que, enquanto o tribunal de 1ª instância não se pronunciar – como lhe compete – sobre se a Ré está ou não obrigada a juntar aos autos as escrituras em questão, não tem qualquer sentido fazer intervir o Tribunal Superior para, sendo caso disso, decidir, nos termos do artigo 135º do Código de Processo Penal (aplicável por remissão do art. 519º, nº 4, do CPC), se é de manter ou não o invocado dever de segredo profissional.
O mesmo se aplica ao pedido de “Realização de exame à documentação comercial e contabilística do R., incluindo ao respectivo sistema informático, por Técnicos Oficiais de Contas” (Titulo III, Ponto 1. Do requerimento probatório da Autora) tendo por base, nomeadamente, os contratos e seus aditamentos de produtos e serviços bancários e financeiros, dossiers físicos dos clientes, extractos integrais de todas as contas correntes dos clientes.
Efectivamente, enquanto o tribunal de 1ª instância não emitir um juízo perfunctório quanto à admissibilidade e pertinência desta prova pericial requerida pela Autora Nos termos do art. 578º, nº 1, do CPC: «Requerida a perícia, o juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que ela pressupõe (art. 388 CC). Sendo a diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a (…). Não havendo indeferimento, é notificada a parte contrária para se pronunciar sobre o objecto da perícia, ao qual pode aderir, ou cuja ampliação ou restrição pode propor. (…) A determinação final do objecto da perícia é feita pelo juiz, ao qual compete excluir as questões de facto, propostas pelas partes, que julgue inadmissíveis ou irrelevantes e acrescentar-lhe outras que considere necessárias.» (LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 2ª ed., 2008, pp. 537-538)., é prematuro submeter ao tribunal superior (nos termos do artigo 135º do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do art. 519º, nº 4, do CPC) a questão de saber se é de manter ou não o dever de segredo profissional invocado pela parte contrária, entre outras razões, para fundamentar a alegada inadmissibilidade desta perícia.
Na verdade, se, porventura, o tribunal de 1ª instância indeferir liminarmente, nos termos do cit. art. 578º-1, o pretendido exame à documentação comercial e contabilística do R., incluindo ao respectivo sistema informático, por Técnicos Oficiais de Contas - designadamente por considerar que as concretas questões que a Autora pretende ver respondidas por peritos se reportam a factos que não se encontram na Base Instrutória ou porque não são precisos conhecimentos especiais de peritos para aplicar as tabelas de comissionamento que foram convencionadas ao longo da relação contratual entre a Autora e o Réu dado que a aplicação das diferentes tabelas acordadas apenas se encontra dependente dos seguintes vectores: (i) valor financiado, (ii) spreads, (iii) prazo do empréstimo, (iv) prémios de seguros e (v) prémios de seguros multi-riscos celebrados no âmbito do crédito à habitação -, a questão ora submetida à apreciação desta Relação tornar-se-á puramente académica e teórica, nenhuma relevância assumindo para o desfecho da causa.
Já não assim, porém, quanto aos demais documentos em poder da Ré, cuja junção aos autos foi requerida pela Autora, no seu requerimento probatório.
Relativamente a estes documentos, desde que a Ré logo se opôs à sua pretendida junção aos autos, invocando que não os poderia juntar com violação do sigilo bancário a que está vinculada, não se mostra prematuro apreciar e decidir, nos termos do artigo 135º do Código de Processo Penal (aplicável por remissão do art. 519º, nº 4, do CPC), se é de manter ou não o invocado dever de segredo profissional.
Consequentemente, a questão prévia da alegada extemporaneidade do presente Incidente de levantamento de sigilo bancário apenas procede em parte, no que tange ao pedido de junção das escrituras públicas em que seja parte o Réu (pontos 1.3 e 1.6 do requerimento probatório da Autora) e ao pedido de “Realização de exame à documentação comercial e contabilística do R., incluindo ao respectivo sistema informático, por Técnicos Oficiais de Contas” (Titulo III, Ponto 1. Do requerimento probatório da Autora).
Pelo que esta Relação irá confinar o objecto da sua apeciação e decisão à questão de saber se é de manter ou não o dever de segredo profissional invocado pela Ré para se opor à pretendida junção aos autos dos documentos em seu poder enumerados nos pontos 1.1., 1.2., 1.4., 1.5., 1.7. e 1.8. do Requerimento probatório da Autora apresentado em 27/9/2010.
O MÉRITO DO INCIDENTE
O art. 519.º-1 do CPC impõe a todas as pessoas (sejam ou não partes na causa) o dever de cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que lhes for requisitado e praticando os actos que lhe forem determinados.
«As partes e os terceiros a quem o tribunal o solicite devem facultar objectos que constituem meios de prova (documentos ou monumentos: arts. 518º e 528º-531º), prestar depoimento de parte ou testemunhal (arts. 552º e 616º) e esclarecer o relatório pericial (art. 588º), submeter-se a inspecção judicial (cf. art. 612º-1) e ao exame pericial (cf. art. 582º) e praticar os demais actos que o tribunal determine (ver, por exemplo, os arts. 581º, 584º-1, 585º, 587º-3)» LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Volume 2.º cit., p. 439..
O mesmo art. 519.º admite, no entanto, no seu n.º 3, que a recusa (a essa colaboração) será legítima, se a obediência importar:
a) violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou de segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
E o n.º 4 estatui que: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do n.º anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”
O CPP, por sua vez, depois de enunciar (no art. 135.º-1) uma série de classes profissionais obrigadas ao dever de sigilo (entre as quais “os membros das instituições de crédito”) prevê que “podem elas escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo.”
No entanto, logo nos números seguintes o legislador preveniu hipóteses de esse dever de sigilo ter ou poder ser quebrado, em função do princípio da “prevalência do interesse preponderante.”
Consequentemente, «o dever de cooperação para a descoberta da verdade tem dois limites: o respeito pelos direitos fundamentais, imposto pela Constituição e referido nas alíneas a) e b) do nº 3 [do cit. art. 519º]; o respeito pelo direito ou dever de sigilo, a que se refere a alínea c) do nº 3» LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 441..
Enquanto «o primeiro limite é absoluto, não podendo o tribunal ultrapassá-lo», já «não o é o segundo, aplicando-se, quanto a ele, por remissão do nº 4, o disposto nos arts. 135º CPP (segredo profissional, abrangendo os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a que a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional) 136º CPP (segredo de funcionários, relativamente aos factos que constituam segredo e de que tenham tido conhecimento no exercício das suas funções) e 137º CPP (segredo de Estado, nos termos da Lei 6/94, de 7 de Abril, abrangendo nomeadamente os factos cuja revelação possa causar dano à segurança, interna ou externa, do Estado Português ou à defesa da ordem constitucional): invocada a escusa, havendo dúvida fundada sobe a sua legitimidade, o juiz decide, depois de proceder às averiguações necessárias, salvo no caso do segredo de Estado, que é confirmado pelo Ministro da Justiça; verificado o direito – ou o dever – ao segredo e se não se tratar de segredo religioso ou de Estado, o tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se suscite decide se ele é de manter ou não, fazendo prevalecer o critério do interesse preponderante» LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, ibidem. «Enquanto que, no caso da violação da integridade física ou moral das pessoas, se está perante um tipo de prova, absolutamente, inadmissível, já quanto a outros direitos fundamentais, como seja, o da intromissão no sigilo bancário, não decorre da lei a proibição absoluta da admissibilidade da prova que, em função das circunstâncias do caso concreto como que foi obtida, será ou não valorizada pelo Tribunal. Trata-se dos denominados «direitos condicionais» que, ao contrário dos direitos absolutos ou intangíveis, que são objecto de uma protecção inderrogável, apenas gozam de uma tutela relativa, porquanto admitem limitações, em caso de estado de necessidade» - Ac. do STJ de 17/12/2009 (Proc. nº 159/07.6TVPRT-D.P1.S1; Relator – HÉLDER ROQUE), acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
«O dever de sigilo bancário constitui um dever de segredo profissional, como tal expressamente considerado no art. 135º-1 CP». «Impende sobre os membros dos órgãos de administração e de fiscalização das instituições de crédito, bem como sobre os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços, permanentes ou ocasionais, e abrange todos os factos conhecidos por via exclusiva do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente os nomes dos clientes, contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias, podendo ser levantado, quando relativo a factos das relações do cliente com a instituição de crédito, por meio de autorização do primeiro, transmitida à instituição (arts. 78º e 79º do DL 298/92, de 31 de Dezembro)» LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, ibidem..
Efectivamente, no art. 79º do mesmo diploma, dispõe-se que:
1. Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2. Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições: b) À comissão de Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, no âmbito das suas atribuições; d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal; e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.
Consequentemente, fora do quadro da autorização expressa do cliente, a revelação dos elementos cobertos pelo segredo depende da existência de outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo – artº 79º, al. e), do RGICSF.
No Acórdão da Rel. de Coimbra de 5/12/1006 (Proc. nº 2294/06.9YRCBR; Relator – TELES PEREIRA), considerou-se que, «no caso concreto da jurisdição civil, pode-se considerar conter uma limitação ao segredo desta natureza o nº 4 do artigo 519º do CPC, sendo certo que manda aplicar, deduzida escusa com fundamento em violação do sigilo profissional (nº 3, alínea c) do mesmo artigo), “[…] com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”. Ora, no processo penal, concretamente através do artigo 135º do CPP, “[o] tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado […] pode decidir da […] quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada […] face ao princípio da prevalência do interesse preponderante […]” (artigo 135º, nº 3 do CPP, na parte relevante para a presente situação)».
De todo o modo, a «prevalência do interesse preponderante» constitui um conceito indeterminado, a concretizar perante os problemas que, no caso concreto, careçam de ser decididos.
Na jurisprudência penal, os tribunais têm, geralmente, autorizado a quebra do segredo bancário quando ela se mostre necessária para a averiguação de factos que constituam crime. É corrente a afirmação segundo a qual «o interesse na boa administração da justiça prevalece sobre o da protecção do consumidor de serviços financeiros e da confiança na banca».
Porém, no domínio das relações privadas, a doutrina tende a considerar que o levantamento do sigilo bancário só pode ocorrer em conjunturas muito particulares» ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO in “Manual de Direito Bancário”, 3ª ed., 2008, p. 272..
Na jurisprudência, já de decidiu, por exemplo, que:
- o sigilo bancário pode ser oposto aos herdeiros do cliente do banco Acórdãos do STJ de 28/6/1994 (in Col. Jur., 1994, tomo 2, pp. 163-165), da Rel. de Coimbra de 21/11/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 5, pp. 36-38), de 7/3/1996 (in Col. Jur., 1996, tomo 2, pp. 179-182), do STJ de 10/12/1997 (in Col. Jur., 1997, tomo 3, pp. 170-171), da Rel. de Lisboa de 9/11/1999 (in Col. Jur., 1999, tomo 5, pp. 78-80), do STJ de 21/3/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo 1, pp. 130-132), da Rel. de Lisboa de 14/11/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo 5, pp. 95-96) e da Rel. de Lisboa de 28/2/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo 1, pp. 130-131).;
- quando um dos cônjuges recuse o levantamento do sigilo, há que recorrer ao suprimento judicial previsto no art. 1684º-3 do Código Civil Ac. do STJ de 19/4/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 2, pp. 37-39).;
- o sigilo bancário de que é beneficiário o marido cede perante o interesse da mulher em conhecer os bens existentes, em acção de partilha dos bens do casal Ac. da Rel. de Lisboa de 5/3/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo 2, pp. 71-74).;
- o sigilo bancário cessa perante o arrolamento Ac. da Rel. de Coimbra de 7/11/1989 (in Col. Jur., 1989, tomo 5, pp. 45-46) e Ac. do STJ de 31/10/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 3, pp. 88-90).;
- no arrolamento de conta bancária, dado o segredo bancário, basta indicar o estabelecimento e o nome do titular Ac. da Rel. de Lisboa de 13/5/1999 (in Col. Jur., 1999, tomo 3, pp. 99-100).;
- o sigilo bancário cede perante a penhora Acórdãos da Rel. de Lisboa de 22/9/1994 (Col. Jur., 1994, tomo 4, pp. 92-93), da Rel. do Porto de 12/6/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 3, pp. 235-237), da Rel. de Lisboa de 22/6/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 3, pp. 134-136), da Rel. de Lisboa de 30/11/1995 (in Col. Jur., 1995, tomo 5, pp. 129-130), da Rel. de Évora de 18/6/1996 (in Col. Jur., 1996, tomo 3, pp. 276-278), da Rel. de Lisboa de 8/10/1996 (in Col. Jur., 1996, tomo 4, pp. 134-136), do STJ de 14/1/1997 (in Col. Jur., 1997, tomo 1, pp. 44-46), do STJ de 8/4/1997 (in Col. Jur., 1997, tomo 2, pp. 37-39), da Rel. de Évora de 4/11/1997 (in Col. Jur., 1997, tomo 5, pp. 258-260), da Rel. de Lisboa de 18/12/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo 5, pp. 115-117) e da Rel. de Lisboa de 5/6/2003 (in Col. Jur., 2003, tomo 3, pp. 105-107).;
- o sigilo não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador, pelo que o arguido de depósitos irregulares na própria conta pode ver o banco seu empregador inspeccionar a mesma, para efeitos disciplinares Ac. da Rel. de Lisboa de 5/7/1989 (in Col. Jur., 1989, tomo 4, pp. 176-178) e Acórdão do STJ de 29/3/1991 (in BMJ nº 407, pp. 308-310). Cfr., também no sentido de que, «a fim de prosseguir a obrigação legal de dotar a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar as suas actividades em condições apropriadas de qualidade e eficiência (art. 73º da Lei n.º 67/98), é lícito à instituição de crédito dar a conhecer ao tribunal os dados pessoais necessários para fazer a prova dos factos que invocou para fundamentar a justa causa de despedimento de um trabalhador gerente que desrespeitou os interesses que lhe estão confiados», o Ac. do STJ de 2/12/2004 (Proc. nº 04S1284; Relator – VÍTOR MESQUITA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
De qualquer modo, a jurisprudência mais recente tem acentuado que se deve proceder a uma concreta ponderação de interesses, nunca devendo a quebra do sigilo ir além do necessário «No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar» (Acórdão da Relação de Guimarães de 19/12/2008; Processo nº 2730/08-2; Relator: ANTÓNIO CONDESSO) cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. Cfr., também no sentido de que «o conflito entre o dever de cooperação com a administração da justiça e o dever de sigilo profissional deve ser resolvido, caso a caso, com base no princípio da proporcionalidade», o Ac. da Rel. do Porto de 10/3/2003 (Proc. nº 0350671; Relator: CAIMOTO JÁCOME), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. Cfr., todavia, no sentido – que já nos parece excessivo – de que «verificando-se um conflito entre o dever de sigilo que impende sobre as instituições de crédito e financeiras e o de cooperação para a realização da justiça, que visa satisfazer interesses bem mais relevantes, mesmo no âmbito do processo civil, deverá o mesmo ser dirimido no sentido da quebra ou levantamento de tal segredo», o Ac. da Rel. de Coimbra de 6/4/2010 (Proc. nº 120-C/2000.C1; Relator: EMÍDIO COSTA), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
«Destinando-se o dever de sigilo a proteger os direitos pessoais, como o direito ao bom nome e reputação e o direito à reserva da vida privada, consagrados nos artigos 26º, da CRP, e 80º, do CC, bem como o interesse da protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes, enquanto que o dever de cooperação para a descoberta da verdade visa a satisfação do interesse público da administração da justiça, a contraposição dos dois interesses em jogo deve, no caso concreto, ser dirimida, atento o teor do pedido e da causa de pedir da acção, com prevalência do princípio do interesse preponderante, segundo um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses, constitucionalmente, protegidos, como decorre do artigo 18º, nº 2, da CRP, concedendo-se primazia ao último, ou seja, ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, sobre o primeiro» - Acórdão do STJ de 17/12/2009 (Proc. nº 159/07.6TVPRT-D.P1.S1; Relator – HÉLDER ROQUE), acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
«Nessa ponderação [entre o dever de cooperação para a descoberta da verdade e o dever ao sigilo] importa levar em consideração o elevado contributo que a quebra do segredo poderá representar para o esclarecimento da matéria de facto controvertida, independentemente do mérito final da acção» - Ac. da Rel. de Lisboa de 27/1/2011 (Proc. nº 2065/09.0TBALM-A.L1-6; Relator: OLINDO GERALDES), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Assim, «justifica-se a medida excepcional da quebra do segredo bancário, por prevalência do interesse na cooperação para a descoberta da verdade, quando a prova dos factos, sem tal quebra, pode ficar seriamente comprometida e, com isso, eventualmente, a justa decisão da causa» - cit. Ac. da Rel. de Lisboa de 27/1/2011.
Na mesma linha, entendeu-se que «a exigência da divulgação dos elementos da conta bancária de uma das partes que permitam o apuramento da situação patrimonial da outra, em causa pendente, no âmbito do, estritamente, indispensável à realização dos fins probatórios visados por aquela, e com observância rigorosa do princípio da proibição do excesso, é garantia da justa cooperação das partes com o Tribunal, com vista à descoberta da verdade, à luz da doutrina da ponderação de interesses, sob pena de insanável comprometimento do direito da autora a produzir as provas que indicou e a alcançar uma tutela jurisdicional efectiva, com o consequente e inequívoco abuso de direito da parte que a tal se opõe» (cit. Acórdão do STJ de 17/12/2009).
Em sintonia com esta doutrina, ponderou-se que: «O respeito pela privacidade do depositante subjacente ao sigilo bancário tem de compaginar-se com a realização dos direitos subjectivos através da acção jurisdicional, devendo ceder na medida necessária ao êxito dessa finalidade» - Acórdão da Rel. de Lisboa de 23/2/2006 (Proc. nº 794/2006-6; Relatora: ANA LUÍSA GERALDES), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt . Por isso, «estando controvertidos factos relacionados com movimentos ocorridos numa conta bancária do Autor e que, segundo este, teriam sido feitos pelo Banco Réu sem sua autorização e conhecimento, deve dispensar-se o sigilo bancário para efeitos de prestação de depoimento testemunhal por parte de funcionários do Banco» (ibidem).
Dentro da mesma orientação, considerou-se que: «Justifica-se a quebra do sigilo bancário, em ordem à prestação de informações alusivas ao exequente, nomeadamente com vista a averiguar se determinados cheques foram depositados em contas do exequente, quando está em causa averiguar da excepção de pagamento invocada pelo executado e os elementos de informação em causa assumem pertinência no âmbito de prova pericial requerida pelo exequente e na sequência da junção de documentos pelo executado, junção feita a solicitação da exequente» (Ac. da Rel. de Guimarães de 14/9/2010; Proc. nº 4447/04.5TBBCL-A.G2; Relatora: ISABEL FONSECA; texto integral acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
Ainda na mesma linha, entendeu-se que: «Se com o levantamento do sigilo se pretende saber quem é o titular de determinada conta onde foi depositada determinada quantia auferida com a venda e resgate de produtos associados à conta cujo arrolamento foi requerido, a informação pedida à entidade bancária é necessária para que se averigue o destino dado a valores da conta cujo arrolamento foi pedido» - Acórdão da Rel. de Lisboa de 20/2/2009 (Proc. nº 6175/08.3TBCSC-B.L1; Relatora: ALEXANDRINA BRANQUINHO), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt. Ora, «não existindo outra forma de se conhecer a identidade do titular da conta de destino daqueles valores, o interesse da requerente em obter tutela jurisdicional, que é também um interesse do Estado na defesa do Estado de direito, prepondera sobre o interesse do titular da conta» (ibidem).
Em conclusão:
a) No âmbito das relações jurídico-privadas, a quebra do sigilo bancário assume características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar;
b) o conflito entre o dever de cooperação com a administração da justiça e o dever de sigilo profissional deve ser resolvido, caso a caso, com base no princípio da proporcionalidade;
c) justifica-se a medida excepcional da quebra do segredo bancário, por prevalência do interesse na cooperação para a descoberta da verdade, quando a prova dos factos, sem tal quebra, possa ficar seriamente comprometida e, com isso, eventualmente, a justa decisão da causa.
Isto posto, resta averiguar se, no caso concreto colocado à apreciação desta Relação, se está ou não perante um daqueles casos excepcionais em que o dever de sigilo profissional deve ceder perante o dever de cooperação com a administração da justiça, visto a prova dos factos controvertidos de que depende o julgamento do mérito da causa poder ficar seriamente comprometida sem a quebra do sigilo bancário.
Está assente que a remuneração que o R. pagava à A. correspondia a comissões calculadas a partir dos valores e outras condições dos produtos e serviços bancários e financeiros subscritos pelos clientes que a A. angariava para o R..
Isto tanto no crédito à habitação e respectivos seguros de vida e multi-riscos, como nos demais produtos e serviços fornecidos pelo R. a clientes prospectados e angariados pela A..
Assim sendo, é fundamental para a decisão da causa conhecer os valores e demais condições dos produtos e serviços fornecidos pelo R. aos clientes mencionados nos citados n.ºs 1.1, 1.3, 1.4, 1.6, 1.7 e 1.8 do requerimento probatório da Autora, sendo certo que – como se viu - é desses valores e condições que depende o cálculo das comissões devidas à A. nos casos de clientes do R. que se venha a demonstrar terem sido angariados pela A..
Ora – como é de meridiana evidência - o apuramento desses valores e condições só pode ser feito mediante a análise dos documentos requeridos e supra discriminados, porque são eles que reflectem as condições contratuais acordadas entre o R. e esses clientes para fornecimento dos respectivos produtos e serviços.
Acresce que muito dificilmente a A. poderia obter, por si só, os documentos em causa.
Na verdade, exceptuando o caso dos clientes referidos no n.º 1.1 do seu requerimento probatório, a A. não sabe nem pode saber identificar os clientes que contrataram com o R..
Por outro lado, a Autora ignora – nem se esperaria que os conhecesse – quais os concretos produtos e serviços que foram contratados com o R. pelos clientes visados nos supra referidos n.ºs 1.1, 1.3, 1.4, 1.6, 1.7 e 1.8 do seu requerimento de prova.
Consequentemente, muito menos poderia a Autora localizar e aceder aos documentos que titulam tais relações contratuais.
Mesmo no que respeita aos créditos à habitação, a A. só poderia localizar por si própria, através de pesquisa no registo predial, as respectivas escrituras públicas e os respectivos anexos com as condições dos mútuos e respectivos seguros, se, ao menos, conhecesse quais os imóveis cuja aquisição foi financiada pelo R. a clientes por ela prospectados e angariados. Ora, a A. desconhece de que imóveis se trata, porquanto:
- No caso dos supra referidos n.ºs 1.3 e 1.4 da Base Instrutória, ou seja, dos empreendimentos turísticos, estão em causa imóveis espalhados por todos os empreendimentos descritos nos n.ºs 13 a 31 da Base Instrutória e com respeito a um período de tempo de cerca de 2 anos e meio;
- Nos casos a que se referem os supra citados n.ºs n.ºs 1.1, 1.6, 1.7 e 1.8 do requerimento probatório da Autora, estão em causa imóveis cuja localização é inteiramente desconhecida à A..
Trata-se de documentos que só o aqui R. possui, garantidamente, em seu poder, porquanto – conforme alegou a A. no seu requerimento probatório - em conformidade com o que é praticado por todo o mercado bancário português, o R. guarda nos seus arquivos cópias dos documentos referidos, pelo menos, durante todo o prazo de vigência dos respectivos contratos.
Sendo, a todas as luzes, evidente que os documentos em questão são essenciais para a prova dos factos constitutivos do direito da Autora que constam da Base Instrutória, é altamente plausível que, na falta destes documentos, a Autora não logre obter ganho de causa, por não conseguir provar – como é seu ónus – o montante das comissões calculadas a partir dos valores e outras condições dos produtos e serviços bancários e financeiros subscritos pelos clientes que a A. angariava para o R., já que não se trata de factos susceptíveis de ser convincentemente provados apenas com base em depoimentos prestados por quaisquer testemunhas.
Se assim é, conclui-se que a prova dos factos controvertidos de que depende o julgamento do mérito da causa pode ficar seriamente comprometida sem a quebra do sigilo bancário. Justifica-se, portanto, que o dever de sigilo profissional deva ceder perante o dever de cooperação com a administração da justiça.
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DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder ao Banco Réu na presente acção a dispensa do cumprimento do dever de sigilo profissional, no que concerne à pretendida junção aos autos, a requerimento da Autora, dos documentos em seu poder enumerados nos pontos 1.1., 1.2., 1.4., 1.5., 1.7. e 1.8. do Requerimento probatório da Autora apresentado em 27/9/2010.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Março de 2011

Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves