Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2026/18.9T8LSB-B.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA IMINENTE
MOMENTO DA APRECIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A situação económica difícil ou a insolvência iminente têm de ser apreciadas no concreto e de acordo com os elementos disponíveis no momento, e não com recurso a eventos futuros e incertos.

II – Está em situação de insolvência a empresa que não dispõe de crédito junto da banca e carece de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vençam, bem como revela incapacidade para satisfazer obrigações contraídas que no cômputo global excedem o dobro da relação de ativos fixos tangíveis junta com o plano de revitalização.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO

D... – Reparações Auto, Lda. deu início a um processo especial de revitalização, nos termos do disposto no art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o qual foi concluído sem a homologação de um plano de revitalização da devedora, por decisão judicial de 8.1.2018. O administrador judicial provisório emitido então parecer no sentido de que a devedora se encontra em situação de insolvência, e requereu a respectiva declaração, nos termos do artigo 28º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Foi de seguida elaborada sentença, com o seguinte dispositivo:

«Fica, pois, demonstrada a situação de insolvência da requerente pelo que, nos termos dos arts. 3º, nºs 1 e 2 e 28º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, cabe declarar a mesma de imediato.»
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Não se conformando, a empresa devedora apresentou recurso de apelação, em que pede seja revogada a decisão e substituída por outra que conclua pela sua solvabilidade.

A apelante formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:

«1. A recorrente, junto do Tribunal do Comércio de Lisboa, apresentou-se a um processo especial de revitalização
2. Elaborado o plano de revitalização foi o mesmo votado, favoravelmente, e, consequentemente, aprovado pela maioria necessária.
3. Não obstante, não foi homologado este plano de revitalização. Contudo, deste despacho de não homologação, foi interposto o competente recurso, que aguarda decisão final.
4. Assim, temos um plano de revitalização aprovado, mas não homologado.
5. Assim, ao contrário do constante da sentença recorrida, o processo especial de revitalização, foi concluído com a aprovação de um plano de revitalização da devedora.
6. Logo, porque existe um plano de revitalização/recuperação aprovado, pela maioria dos credores, não está a sociedade devedora insolvente.
7. Logo, não estão preenchidos os pressupostos legais que definem a verificação de insolvência de uma sociedade. Senão, vejamos:
8. A decisão recorrida, viola, nomeadamente, o disposto no artigo 3.º do CIRE.
9. Como atestado e verificado pela maioria dos credores da devedora, esta não está insolvente, pois que, tem possibilidades, retratadas no processo de revitalização, votadas e aceites pela maioria dos credores, de cumprir com as suas obrigações vencidas.
10. Sendo que, como resulta da sentença recorrida, o passivo da devedora não é “manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.”
11. Logo, também atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 3.º do CIRE não se pode concluir pela insolvência da devedora.
12. A devedora, ao contrário do vertido na sentença recorrida, violando assim, também, o disposto no artigo 17-A do CIRE, é susceptível de recuperação, o que se retira da votação dos credores, havida em sede de processo de revitalização apenso.
13. A devedora encontra-se, efectivamente, em situação económica difícil, pois que enfrenta dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por falta de liquidez, mas não está, manifestamente, nos termos da lei, insolvente.
14. A decisão recorrida viola ainda o disposto nos artigos 17.º-F e 17.º-G, ambos do CIRE.
15. Efectivamente, foram, como já referido, concluídas as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, tendo o plano sido remetido ao tribunal.
16. A não homologação do plano, e consequente sentença de insolvência, agora em recurso, violou o disposto no n.º 5 do artigo 17.º-F e 215.º e 216.º do CIRE.
17. E, em todo o caso, sempre o facto de a recorrente não se encontrar em situação de insolvência, o encerramento do processo de revitalização apenas deveria acarretar a extinção de todos os seus efeitos e não a prolação de uma sentença de insolvência.
18. Pelo que, a decisão recorrida violou ainda o disposto no n.º 2 do artigo 17.º-G do CIRE.
19. E, bem assim, o disposto no artigo 20.º do CIRE.
20. Pois que, analisado aquele dispositivo legal, concluímos não se alude à verificação de nenhum dos factos previstos no artigo 20.º do CIRE.
21. E, em concreto, não se verificam nenhum dos factos indiciários da insolvência, bastando, para tal, atentar à sentença recorrida e, em concreto, à sua fundamentação, quanto aos factos.
22. Estando a decisão recorrida ferida de nulidade, por falta de fundamentação, nomeadamente, factual. Posto isto,
23. Ao contrário do vertido na decisão recorrida, o que resulta do PER apenso a estes autos, dos elementos resultantes dos autos resulta manifesto que a Devedora não se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.
24. A decisão recorrida violou, pelo que se deixa dito, o disposto nos arts. 3º nºs 1 e 2 e 28º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
25. O requerimento de insolvência apresentado pelo Administrador Judicial “não se reconduz nem confunde com a apresentação pelo devedor”, cfr. se pode ler a fls.  177 do Livro “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda”.
26. Assim, não está demonstrada a situação de insolvência da devedora, pelo que, nos termos do art. 3º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, não pode ser declarada a insolvência.
27. Pelo contrário, a sentença recorrida, entende que “face à prova documental junta aos autos, encontra-se assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da mesma: “… 3. D... – Reparações Auto, Lda. apresentava, em 31 de Dezembro de 2014, um activo de € 3.276.402,02, o passivo de € 2.658.210,75 e o resultado líquido do exercício de € 3.511,25….7 - O activo da devedora, identificado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, ascende a €1.031.810,28 …”
28. Sendo que, conforme documentação, junta a 22 de Janeiro, ao processo, a Devedora acaba de ver julgados procedentes uns embargos, por si interpostos que poderão pôr termo à situação de dificuldade económica e liquidez em que se encontra.
29. Sendo que, neste momento, apenas se aguarda a decisão final, que, estamos em crer, confirmará a decisão de primeira instância.
30. A devedora tem aviamento próprio e clientes habituais.
31. Assim, é manifesto e documentado, que a recorrente não está insolvente.
32. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua pela solvabilidade da devedora, revogando-se a decisão de insolvência, infundada, ilegal e errada.»

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa apreciar unicamente se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3º nº 1 e nº 2, 17º-F, 17º-G, 20º, 215º e 216º do C.I.R.E. (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade consignada na sentença recorrida é a seguinte:

1 - D... – Reparações Auto, Lda., pessoa colectiva n.º 502..., com sede na E..., n.º71 - B/C., em Lisboa.
2 - D... – Reparações Auto, Lda. tem por objecto social a reparação e comercialização de automóveis, comércio e representação de peças e acessórios para automóveis, sua importação e exportação e tem o capital social de €1.412.598,20.
3 - D... – Reparações Auto, Lda. apresentava, em 31 de Dezembro de 2014, um activo de €3.276.402,02, o passivo de €2.658.210,75 e o resultado líquido do exercício de €3.511,25.
4 - D... – Reparações Auto, Lda. apresentava, em 31 de Dezembro de 2015, um activo de €3.124.008,25, o passivo de €2.567.791,14 e o resultado líquido do exercício negativo de €61.974,16.
5 - D... – Reparações Auto, Lda. apresentava, em 31 de Dezembro de 2016, um activo de €3.129.779,32, o passivo de €2.627.069,77 e o resultado líquido do exercício negativo de €53.265,28.
6 - No processo especial de revitalização foram listados créditos sobre a devedora no valor de €2.475.261,12, sendo a fornecedores e instituições bancárias no montante global de €2.621.124,35 e ao Instituto da Segurança Social, IP no valor de €558.281,04.
7 - O activo da devedora, identificado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, ascende a €1.031.810,28.

Interessa ainda atender à seguinte factualidade, processualmente adquirida:

-  D... – Reparações Auto, Lda., pessoa colectiva n.º 502..., com sede na E..., n.º71 - B/C., em Lisboa, veio, ao abrigo do disposto no art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, instaurar processo especial de revitalização.
- Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 17º-C nº4 do mesmo código.
- O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi objecto de impugnações, que foram decididas, contemplando credores que representam €2.475.261,12.
- Foi depositado o plano de revitalização em 30.11.2017 e publicitado o depósito em 4.12.2017.
- A nova versão do plano foi apresentada em 13.12.2017 e em 14.12.2017 foi publicado anúncio dando conhecimento que a devedora depositou nova versão do plano de revitalização – art.17º-F n.º3.
- O prazo de votação iniciou-se no dia 15.12.2017 e terminou no dia 26.12.2017 – art.17º-F n.º3.
- Em 21.12.2017 Peugeot Portugal Automóveis, SA, Peugeot Portugal Automóveis Distribuição, SA e Banco Santander Consumer Portugal, SA requereram a não homologação do plano de revitalização.
- Em 26.12.2017 Banco BIC Português, SA requereu a não homologação do plano de revitalização apresentado.
- Em 27.12.2017 o Município de Lisboa veio, alegadamente ao abrigo do art.17º-F n.º2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, requerer que a devedora alterasse a 2ª versão do plano e, caso tal não sucedesse, que o mesmo não fosse homologado.
- O plano foi votado por credores que representam €1.859.136,99, sendo €1.322.004,00 a favor, dos quais €53.793,10 com natureza subordinada e €537.132,99 contra.

- Por decisão judicial de 08.01.2018, foi recusada a homologação do plano de revitalização apresentado nos autos por D... – Reparações Auto, Lda., pessoa colectiva n.º 502..., com sede na E..., n.º71 - B/C, em Lisboa, declarando-se encerrado o processo negocial e o encerramento do processo de revitalização - art. 17º G nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No entender da apelante, a «devedora pode estar em situação económica difícil, mas não insolvente. Acreditando no seu futuro próximo ter liquidez suficiente para saldar as suas dívidas, cobrando que consiga os créditos de que entende ser titular e já reclamados judicialmente.
A sociedade, atentas as acções judiciais em curso, poderá a curto prazo, ter a liquidez necessária para cumprir com as suas obrigações e dispor de instalações para exercer a sua actividade, factos, estes, que estão devidamente documentados nos autos de PER, a estes apensos.
Assim, não está demonstrada a situação de insolvência da devedora, pelo que, nos termos do art. 3º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, não pode ser declarada a insolvência.»
 
Por outro lado, «conforme documentação, junta a 22 de Janeiro, ao processo, a Devedora acaba de ver julgados procedentes uns embargos, por si interpostos que poderão pôr termo à situação de dificuldade económica e liquidez em que se encontra.
Sendo que, neste momento, apenas se aguarda a decisão final, que, estamos em crer, confirmará a decisão de primeira instância.
A devedora tem aviamento próprio e clientes habituais.
Assim, é manifesto e documentado, que a recorrente não está insolvente.»

No caso vertente a empresa devedora deu início a um processo especial de revitalização, nos termos do artigo 17º do CIRE, que foi concluído com a aprovação de um plano de revitalização da devedora, que não foi judicialmente homologado, a que se seguiu parecer do Administrador Judicial provisório no sentido de que a devedora se encontra em situação de insolvência, e requerendo a respectiva declaração.

Foi seguida a tramitação prevista no artigo 17º-G do CIRE, de que compete ao administrador judicial provisório, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respectiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Nestas situações de recusa de homologação do plano de revitalização, com a subsequente emissão do parecer do administrador judicial que foi afirmativo quanto à situação de insolvência e a veio requerer, incumbe ao juiz proferir decisão sobre se estão ou não verificados os pressupostos necessários para a declaração de insolvência da devedora. No fundo, o requerimento do administrador judicial provisório equivale à apresentação à insolvência por parte do devedor, conforme se depreende da remissão feita para o artigo 28º do CIRE.

A questão fundamental é discernir as situações em que o devedor se encontra em situação económica difícil, ou está já em situação de insolvência.

O critério traçado na lei (artigo 3º nº 1 do CIRE) é o de que se encontra em situação de insolvência «o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas», o que no geral se mostra evidenciado quando o passivo é manifestamente superior ao ativo, embora nem todas as situações em que tal se verifique conduzam necessariamente à existência de uma situação de insolvência. Prevê-se a possibilidade de uma eventual reavaliação, em conformidade com as regras indicadas nas diversas alíneas do nº 3 do artigo 3º do CIRE.

Por outro lado, a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas não significa que seja necessário fazer a prova de que o devedor está impossibilitado de cumprir todas e cada uma dessas obrigações. Conforme é realçado por Carvalho Fernandes e João Labareda (in C.I.R.E. Anotado, Vol. I, Lisboa, 2006, pág. 70 e seguintes), o que releva é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Assim, e referindo os exemplos fornecidos pelos autores citados, se por hipótese «uma sociedade comercial com algumas centenas de trabalhadores entra em rutura quanto aos seus encargos previdenciais e deixa também de honrar as dívidas com os seus credores bancários, as mais relevantes, ela não deixará de se encontrar numa situação de insolvência atual, apesar de manter religiosamente o pagamento aos seus colaboradores e mesmo assegurar o serviço da dívida a um ou outro banco»; ao contrário, «o facto de, porventura, deixar atrasar, circunstancialmente, o pagamento dos salários, continuando, no entanto, a pagar aos credores bancários, fornecedores e ao setor público, não será, só por si, caracterizador do estado de insolvência em termos de se requerer a correspondente declaração».
               
Nas palavras de Luís Manuel Menezes Leitão (in, Direito da Insolvência, 2ª ed., Alm., 2009, pág. 77 e 78), no direito português foi adotado o critério do fluxo de caixa, segundo o qual o devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem. Para este autor, seria preferível a definição anterior do CPEREF «que entendia a insolvência como a impossibilidade de cumprir pontualmente as respetivas obrigações por carência de meios próprios e por falta de crédito». Assim, a situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações, assim como uma situação líquida positiva não afastará a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações (Carlos Ferreira de Almeida, RFDUL 36 (1995), nº 2, p. 388).

De outra banda, a noção de situação económica difícil é consagrada no artigo 17º-B do CIRE, como sendo a do devedor que enfrente dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

«O processo especial de revitalização … tem, desde logo, uma característica essencial a este fim a que se propõe: permite aos devedores em situação económica difícil ou situação de insolvência iminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência… O facto de, hoje em dia, uma empresa, para poder recorrer a um plano de recuperação, ter de ver decretada a insolvência traz inconvenientes sérios e um “anátema” que se traduz em sérias dificuldades no mercado: os devedores, decretada a insolvência, fogem a pagar, há dificuldades burocráticas várias entre as Finanças e a Conservatória do Registo Comercial e os credores encaram a empresa como debilitada e publicamente conotada como incumpridora….Este procedimento evita isto. Decorre apenas entre o devedor e os seus credores e, no que é publicitado, leva ao mercado apenas a informação de que se trata de uma empresa em dificuldades que procura um entendimento com os seus credores.» (Fátima Reis Silva, PER – Notas Práticas, Porto Ed., 2014, pág. 16).

A fundamentação jurídica da sentença recorrida que declarou a insolvência é a seguinte:
«Prescreve o art. 3º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/04 de 18 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 200/04 de 18 de Agosto (código a que pertencem todas as disposições infra citadas sem qualquer outra indiciação), que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. O nº 2 do mesmo preceito acrescenta que, no caso de o devedor ser uma pessoa colectiva, é também considerado insolvente “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao seu activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”. Por seu lado, o n.º4 prescreve que “equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação do devedor à insolvência.”
O art. 28º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa dispõe que “A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência …”.
Por seu lado, nos termos do art. 17º-G, nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em processo especial de revitalização, na sequência de conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação, o administrador judicial provisório emite o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requer a insolvência do devedor, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no art. 28º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Da factualidade apurada verifica-se que nos dois últimos exercícios a devedora apresentou resultados negativos.
É certo que o capital próprio se revela positivo, no entanto a devedora não tem capacidade para realizar o pagamento das suas obrigações vencidas, como resulta do facto de, tendo-se apresentado a procedimento especial de revitalização, sendo que no âmbito deste foram listados créditos sobre a devedora no valor de €2.475.261,12 (sendo a fornecedores e instituições bancárias no montante global de €2.621.124,35 e ao Instituto da Segurança Social, IP no valor de €558.281,04) e para fazer face aos mesmos, foi identificado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório o activo de €1.031.810,28.
Face ao exposto resulta claro o estado de precariedade económico-financeira da requerente.
Fica, pois, demonstrada a situação de insolvência da requerente pelo que, nos termos dos arts. 3º, nºs 1 e 2 e 28º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, cabe declarar a mesma de imediato.»

Nas alegações de recurso, não é posta em crise a factualidade consignada na sentença impugnada, mas a apelante defende que «tem possibilidades, retratadas no processo de revitalização, votadas e aceites pela maioria dos credores, de cumprir com as suas obrigações vencidas». Assim, a devedora entende estar em situação económica difícil, mas não insolvente, pois acredita «no seu futuro próximo ter liquidez suficiente para saldar as suas dívidas, cobrando que consiga os créditos de que entende ser titular e já reclamados judicialmente. (…) A sociedade, atentas as acções judiciais em curso, poderá a curto prazo, ter a liquidez necessária para cumprir com as suas obrigações e dispor de instalações para exercer a sua actividade, factos, estes, que estão devidamente documentados nos autos de PER, a estes apensos». Por último, «conforme documentação, junta a 22 de Janeiro, ao processo, a Devedora acaba de ver julgados procedentes uns embargos, por si interpostos que poderão pôr termo à situação de dificuldade económica e liquidez em que se encontra… Sendo que, neste momento, apenas se aguarda a decisão final, que, estamos em crer, confirmará a decisão de primeira instância. A devedora tem aviamento próprio e clientes habituais. Assim, é manifesto e documentado, que a recorrente não está insolvente».

A apelante alude a documentação junta recentemente ao processo especial de revitalização, em 22.01.2018, comprovativa de que foram julgados procedentes os embargos por si interpostos, no âmbito do procedimento cautelar que decretou a entrega de diversos imóveis ao locador, Banco Comercial Português, que tinham sido objecto do «contrato de locação financeira imobiliária nº 45000829633», que a devedora subscreveu na qualidade de «contratante aderente». A sentença, proferida em 25.09.2017, não transitou em julgado e determinou a devolução dos imóveis, com o valor de € 387.000,00 à embargante, a aqui devedora e recorrente.

Interessa ainda considerar que o plano de revitalização não foi judicialmente homologado, no seguimento da apreciação dos pedidos de não homologação apresentados por Peugeot Portugal Automóveis Distribuição, SA e Banco Santander Consumer Portugal, SA, na parte em que sustentaram «que a situação dos credores garantidos seria melhor tutelada sem aprovação do plano, pois segundo este os credores hipotecários serão ressarcidos com 80% do produto da venda do imóvel sobre o qual detêm garantia hipotecária, sendo o remanescente pago em iguais condições às dos credores comuns, do que resulta uma diminuição da sua garantia real».

Nos termos do art. 216º n.º1 al. a) do CIRE, pode ser pedida a não homologação do plano se o requerente demonstrar que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente, face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.


O tribunal concluiu pela recusa de homologação, ao abrigo do art.216º n.º1 al. a) do CIRE, tendo «em conta o regime legal aplicável em processo de insolvência, em comparação com o previsto no plano de revitalização quanto ao pagamento dos créditos garantidos por hipoteca, podemos concluir que ao abrigo do plano de revitalização os credores garantidos vêem o valor a ser utilizado no ressarcimento dos seus créditos reduzido a 80% do valor da liquidação do bem dado em garantia, situação que não ocorre caso o pagamento seja realizada no âmbito de um processo de insolvência, no qual estes créditos serão pagos em primeiro lugar, por não terem outros que a eles prefiram e com base em, pelo menos, 90% do produto da venda do bem (considerando que os restantes 10% será utilizado no pagamento das despesas). Por outro lado, o plano não prevê medidas que possam compensar estar redução no valor da garantia. Neste cenário e em face do juízo de prognose assente na comparação entre o previsto no plano e o previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, podemos concluir que para estes credores garantidos, em concreto, o plano de revitalização é mais desfavorável do que um eventual processo de insolvência.
Estamos, assim, perante um plano que encerra um tratamento mais desfavorável para dos credores do que o que se verificaria na sua ausência, o que justifica a recusa de homologação, ao abrigo do art.216º n.º1 al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.»

A recusa de não homologação judicial do plano foi igualmente objecto de recurso interposto por parte da devedora e aqui apelante. A sua menção serve unicamente para contextualizar toda a situação desde que se iniciou o procedimento especial de revitalização e se chegou à declaração de insolvência da devedora.

Na verdade, importa discernir se a procedência dos embargos interpostos, por decisão judicial que não transitou em julgado, é suficiente para alterar a apreciação feita na decisão recorrida quanto à situação de insolvência da apelante.

Não se vislumbra como, pois a devolução dos imóveis à apelante ainda não foi determinada em definitivo e pode não o ser num período temporal que nem sequer é previsível. Não se duvida que a eventual incorporação destes bens imóveis no património da empresa é suscetível de valorizar de forma significativa o ativo da devedora, mas trata-se de um evento futuro e incerto. A situação económica difícil ou a insolvência iminente têm de ser apreciadas no concreto e de acordo com os elementos disponíveis no momento presente.

Os créditos reconhecidos no PER dizem respeito a dívidas contraídas a fornecedores e instituições bancárias, bem como ao Instituto de Segurança Social. Os credores que se pronunciaram no sentido do decretamento da insolvência e que requereram a não homologação judicial do plano de revitalização apresentado são instituições bancárias, resultando do parecer apresentado pelo Administrador Judicial Provisório que a «devedora financiou-se na Banca ao longo dos últimos exercícios para manter em funcionamento a empresa» (artigo 5º).

A sentença objecto de impugnação ponderou a circunstância do capital próprio ser positivo, para concluir que no entanto a devedora não tem capacidade para realizar o pagamento das suas obrigações vencidas, em face do valor apurado dos créditos reconhecidos, que é manifestamente superior ao do seu ativo.

Note-se que, ao contrário do defendido nas alegações de recurso, este facto, juntamente com a circunstância de existirem dívidas contraídas nos últimos seis meses a título de contribuições e quotizações para a segurança social, por si só indicia o preenchimento das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 20º do CIRE.

Cumulativamente, a empresa não dispõe de crédito junto da banca e carece de liquidez suficiente para pagar as suas dívidas no momento em que se vençam, bem como revela incapacidade para satisfazer obrigações contraídas que no cômputo global excedem o dobro da relação de ativos fixos tangíveis junta com o plano de recuperação.

Nesta sequência, é forçoso concluir que a empresa se encontra em situação de insolvência, e que as conclusões de recurso não merecem qualquer acolhimento.
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DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 10.05.2018,


Ana Paula Albarran Carvalho


Maria Manuela Gomes


Gilberto Jorge