Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
Descritores: | HOSPITAL DÍVIDA PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/13/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – O número 1 artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 118/83 de 25/02 visa não somente os recibos e outra documentação a cuja apresentação os beneficiários estão obrigados, mas abarca também outras situações e entidades, como ressalta, nomeadamente, dos artigos 57.º, 19.º, 23.º e 36.º do mesmo diploma legal (sem prejuízo de se entender que o número 2 daquele primeiro dispositivo, bem como o artigo 63.º se restringirem, em termos de aplicação, aos beneficiários, dado falarem, somente, destes últimos ou de recibos, que tem de ser, naturalmente, entregues por estes). II – Este cenário legal indica claramente que, sem prejuízo de se pretender regulamentar o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, no regime legal em causa se abrangem, em termos de pagamentos das comparticipações devidas, outras entidades para além dos beneficiários (titulares), como os seus familiares, os representantes legais ou voluntários e as entidades prestadoras de cuidados de saúde. III – Ainda que se admita que entidades prestadoras de serviços possam estar abarcados pelo regime do artigo 62.º, número 1 (bem como pelo Despacho Conjunto n.º 965/99 de 9/11, junto a fls. 41), tal só poderá acontecer no âmbito dos acordos celebrados entre as mesmas e a ADSE, funcionando, fora desses casos e nesta matéria, o regime específico da cobrança de dívidas hospitalares estabelecido pelo DL n.º 218/99, de 15/6, que só prevê um prazo prescricional de 3 anos e não qualquer prazo de caducidade, mais longo ou curto do que este último (o Autor, com referência ao regime da ADSE e às situações jurídicas criadas ao seu abrigo, surge como entidade exterior ao mesmo, no papel de terceiro e nas vestes de normal credor dos valores correspondentes aos cuidados de saúde prestados a beneficiários do Réu). IV – A causa de pedir desta acção está antecipada e perfeitamente definida, quer em termos qualitativos, como quantitativos, obrigando à inequívoca formulação de um pedido líquido. V – Ao Autor caberia, por um lado, demonstrar a existência de um contrato de seguro e de que o acordado entre a Companhia de Seguros e o assistido não cobria as despesas de saúde aqui reclamadas (faça-se notar que existem modalidades de seguro, como o de ocupantes, que podem abranger o pagamento de tais prestações – cf. a apólice uniforme desse tipo de seguro), tendo ainda, por outro, de demonstrar a natureza dos tratamentos efectuados e o seu respectivo valor. VI – O incidente de liquidação não pode ser transformado numa segunda acção declarativa onde as partes podem discutir, de novo ou originalmente, matéria essencial e constitutiva de direitos, específica e própria da acção declarativa (verdadeira grandeza, factos fulcrais e constitutivos do direito do Autor ou do Réu reconvinte), sendo o incidente de liquidação complementar dessa acção e respectiva sentença condenatória, visando fixar ou definir o objecto ou a quantidade devida, quando não haja elementos para o fazer no momento da condenação na correspondente pretensão, já aí determinada, qualitativa e juridicamente. VII – A atitude processual do Autor tem consequências jurídicas bastante mais gravosas do que as extraídas pelo tribunal recorrido, não podendo ser meramente reconduzida ao regime constante do artigo 661.º, número 2 do Código de Processo Civil mas antes devendo ser encarada na perspectiva da absolvição do Réu ESTADO/ADSE do pedido contra ele formulado, por o HOSPITAL não ter logrado fazer a prova de alguns dos factos constitutivos do seu direito, nos termos e para os efeitos dos artigos 342.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil. (JES) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO HOSPITAL, intentou, em 03/04/2003 e com pedido de citação prévia, esta acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra ESTADO PORTUGUÊS (ADSE), pedindo, em síntese, a condenação do Réu na quantia de Euros 30.458,15, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sobre a referida quantia, desde a data da citação até ao seu integral pagamento, a liquidar em execução de sentença. * Aduziu o Autor, para tanto e em síntese, o seguinte:1) O Autor é um hospital público que, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, presta serviços de assistência médico-hospitalar à população; 2) No dia 16/03/2000, pelas 10,50 horas, José conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula X, pela Avenida Marginal, no Monte Estoril, no sentido poente – nascente; 3) O José, ao chegar próximo do entroncamento formado pela Avenida Marginal e a Rua, circulava com a sua viatura a uma velocidade superior a 100 Km/hora; 4) Nesse local, a Avenida Marginal tem uma largura de 8,50 metros, com duas faixas de rodagem separadas, entre si, por dois traços longitudinais contínuos, que se encontram assinalados no pavimento; 5) O citado entroncamento é antecedido de uma curva à esquerda, atento o sentido de marcha do José; 6) Uma vez que o José seguia a uma velocidade excessiva e verdadeiramente desadequada, atentas as características do local, ao descrever a curva perdeu o controlo do veículo, pelo que entrou em despiste para a esquerda, transpôs a linha longitudinal contínua dupla e invadiu a faixa de rodagem destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário; 7) Foi, então, que embateu com a parte lateral direita do seu veículo na frente do o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula Y que circulava nessa mesma via, em sentido contrário e na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha do José; 8) A colisão rodoviária em apreço decorreu inteiramente do comportamento manifestamente irreflectido e negligente do condutor assistido; 9) No dia 16/03/2000, pelas 12,30 horas, José deu entrada nos serviços de urgência do Autor, dado necessitar de cuidados médico-hospitalares, decorrentes das lesões sofridas em virtude do acidente de viação em que foi interveniente e que se mostra descrito nas alíneas anteriores, tendo-lhe sido ministrados cuidados de saúde até 10/04/00; 10) Assim, o Autor prestou serviços de assistência médico-hospitalar ao sinistrado no valor de 30.458,15 Euros, que se encontram espelhados nas relações n.º 23000316, 23000321 e 23000325, cujas cópias aqui se juntam e se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais; 11) O condutor assistido era beneficiário do subsistema de saúde ora Réu – beneficiário n.º 007689799; 12) O veículo causador do acidente de viação em apreço, encontrava-se segurado na COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., através da apólice de seguro n.º 254996, ao tempo em vigor; 13) Porém, o José, na sua qualidade de condutor da viatura segurada não se encontra abrangido pelas condições gerais da apólice de seguro automóvel obrigatório acima identificada; 14) Nesta conformidade, o Réu é responsável pelo pagamento dos serviços prestados ao condutor sinistrado, de nome José, nos termos do disposto nos arts. 1.º, 3.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15/06, 21.º n.º 1.º alínea c) do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15/01, artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25/02 e demais legislação em vigor; 15) Sendo o assistido inteiramente responsável pela produção do evento que o lesionou, não existe terceiro legal ou contratualmente responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde que lhe foram prestados pelo Autor, cabendo assim ao Réu o seu pagamento; 16) Apesar de interpelado pelo Autor, o Réu não procedeu ao pagamento das mencionadas quantias. * Citado o Réu, na pessoa do Magistrado do Ministério Público colocado na 10.ª Vara Cível de Lisboa (fls. 27), veio o mesmo a apresentar, dentro do prazo legal, a respectiva contestação, onde alegou, em síntese, o seguinte:I – POR EXCEPÇÃO – CADUCIDADE DO DIREITO 1) Como resulta da documentação junta pelo Autor, os cuidados de saúde a que respeitam as facturas apresentadas pelo Hospital foram prestados ao beneficiário da ADSE entre 16 de Março de 2000 e 10 de Abril de 2000; 2) Mas, só após 27 de Fevereiro de 2003, o Hospital remeteu à ADSE a factura resumo n.º 2/2003, para efeitos de pagamento; 3) Muito embora tenha remetido na mesma data, e após 27 de Fevereiro de 2003, à ADSE, ofício contendo a justificação do atraso; 4) A ADSE não podia atender a justificação invocada, visto que já tinham decorrido até mesmo os dois anos em que por motivo excepcional e devidamente justificado a podia admitir, pelo que foi recusado o pagamento; 5) No Decreto Lei n.º 118/83, de 25/2, que disciplina o funcionamento e esquema de benefícios da ADSE, definem-se como objectivos da protecção social assegurada por este organismo nos domínios dos cuidados de saúde, os encargos familiares e outras prestações de segurança social (art.º 1º, n.º 1); 6) O mesmo diploma define como cuidados de saúde a promoção e vigilância da saúde e a prevenção, tratamento e recuperação da doença (art.º 1.º, n.º 2); 7) No art.º 19.º do diploma em apreço refere-se, no seu n.º 3, que o pagamento pela ADSE dos cuidados prestados assenta nas técnicas do reembolso ao beneficiário e do pagamento directo à entidade prestadora de serviços; 8) No art. 21.º do mesmo diploma legal, prevê-se, no domínio da protecção na doença, entre outros, os cuidados hospitalares (al. b); 9) E de acordo com o art.º 62.º, n.º 1 do mencionado diploma, estipula-se que a ADSE só comparticipará em despesas cujos documentos entrem nos seus serviços dentro de um período nunca superior a seis meses após a realização do acto a que se reportam; 10) Conjugando os art.ºs 62.º e 63.º, com os demais preceitos do diploma em apreço, nomeadamente o art.º 19º, n.º 3, atrás citado, resulta que tanto os beneficiários como as entidades prestadoras de serviços estão sujeitos ao prazo de seis meses fixado na primeira norma citada; 11) Pelo que se pode concluir que a ADSE só se responsabiliza pela comparticipação das despesas hospitalares dos seus beneficiários, cujos documentos entrem nos seus serviços dentro do aludido prazo de seis meses; 12) De acordo com o preceituado no art.º 298.º, n.º 2, do Código Civil, quando, por força da lei, um direito deva ser exercido num determinado prazo, aplicam-se as regras da caducidade; 13) A ratio legis do art.º 62.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 118/83 só pode manifestamente resultar de uma necessidade objectiva de certeza jurídica, de modo a inexistir grande dilação entre o acto gerador da obrigação e o momento da sua liquidação; 14) O referido preceito tem, assim, carácter preclusivo, pelo que o prazo de seis meses em questão começou a correr no dia em que podia legalmente ser exercido, ou seja desde o dia em que foram prestados os cuidados de saúde ao beneficiário – art.º 329.º do Código Civil; 15) Uma vez que o pagamento só foi solicitado após 27 de Fevereiro de 2003 pelo Hospital, foi largamente excedido o prazo fixado por lei para o exercício do direito de crédito invocado que se tornou, assim, inexigível; 16) Entende a ADSE que o Parecer n.º 48/98 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República não a vincula, por não ter sido homologado pelo Ministério das Finanças, ou entidade com delegação de competência para tal, ou ainda pelo Primeiro-Ministro; 17) Aliás, o entendimento exposto e contrário ao do aludido Parecer, resulta de um Despacho conjunto, emanado do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças, publicado no do DR n.º 261, de 9.11.1999; 18) Sendo a caducidade uma excepção peremptória que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor conduz à absolvição do pedido – art.º 493.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Processo Civil. II – POR IMPUGNAÇÃO – O Réu impugnou alguns dos artigos da petição inicial bem como diversos documentos juntos pelo Autor conjuntamente com esse articulado. * O Autor veio responder, a fls. 60 e seguintes dos autos, à excepção peremptória arguida pelo Réu na sua contestação, alegando, em síntese, o seguinte:1) Ao caso em apreço não se aplica o disposto no artigo 62.º n.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25/02; 2) Em primeiro lugar, conforme decorre do seu preâmbulo, o mencionado diploma legal, «destina-se a regulamentar o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública», «no sentido de facultar aos seus funcionários melhor segurança social, buscando a unidade do sistema no sector indispensável para uma distribuição equitativa dos benefícios por todos os beneficiários»; 3) Assim sendo, o mencionado diploma legal, ao enunciar exaustivamente os requisitos destinados a obter a qualidade de beneficiário, as eventualidades e benefícios, deveres e direitos dos beneficiários, sanções, etc.., destina-se apenas a regular uma relação de previdência social firmada entre o beneficiário e o Réu; 4) Em segundo lugar, destaca-se que a relação jurídica estabelecida entre a entidade prestadora de serviços (o aqui Autor) e o Réu, de índole absolutamente obrigacional, só poderá ser regida (actualmente) pelo disposto no Decreto-Lei n.º 218/99, de 15/06; 5) Ao invés, a relação jurídica firmada entre o Réu e o seu beneficiário, constitui uma relação de previdência social; 6) Como tal, aos dois tipos de relação jurídica distintos, acima referidos, têm-se que forçosamente aplicar regimes jurídicos diferentes; 7) Em terceiro lugar, verifica-se que sendo o Autor um terceiro credor (prestador de serviços da sua especialidade a um beneficiário do Réu), não pode enquadrar-se na expressão «beneficiário», constante no art.º 62.º do Decreto-Lei n.º 218/99; 8) Com efeito, para além do Autor configurar uma verdadeira pessoa colectiva, não se revendo assim na expressão não personificada «beneficiário» do citado normativo, a referida qualidade pressupõe a existência de uma relação física, pessoal e directa com o evento que determina a prestação de cuidados de saúde, o que, no caso em apreço, se revela impossível; 9) Acresce ainda que o Autor não é beneficiário do Réu, por não constar das categorias enunciadas no Decreto-Lei n. 118/83; 10) Em quarto lugar, constata-se que, atento o todo o teor do Decreto-Lei n.º 118/83, as relações jurídicas existentes entre a ADSE e as entidades hospitalares integradas no Serviço Nacional de Saúde, não se encontram minimamente reguladas por este diploma; 11) Na realidade, ali apenas se encontra expressamente consagrada a possibilidade da ADSE pagar directamente às entidades prestadoras de cuidados de saúde (art.º 19.º), devendo tais pagamentos ser sempre efectuados em moeda nacional (art.º 57.º), existindo ainda uma referência aos moldes em que se processa o pagamento de tais cuidados, enunciado no art.º 36º, mas que, a nosso ver, apenas dizem respeito à forma como se processa o pagamento ao beneficiário (reembolso); 12) Esta clara e deliberada omissão encontra-se espelhada no art.º 19.º n.º 3 do predito diploma legal, quando aí se estatui que o pagamento a efectuar à entidade prestadora de serviços de saúde, deverá ser realizada «em conformidade com o legalmente estabelecido»; 13) Se o legislador se absteve de regulamentar devida e exaustivamente os moldes e vicissitudes do pagamento a entidades hospitalares prestadoras de serviços médicos inseridas no Serviço Nacional de Saúde, em que consiste, neste caso, o «legalmente estabelecido»? 14) Apenas uma solução poderá ser apontada, uma vez que não existe qualquer acordo entre os ora litigantes (art.º 19.º n.º 4): o recurso a outros diplomas legais, designadamente, ao Decreto-Lei n.º 218/99, que constitui, aliás, uma lei especial; 15) Assim sendo, o crédito do Autor sobre o Réu jamais se poderá considerar caducado, por o prazo de caducidade ali não se encontrar contemplado; 16) Em quinto lugar, salienta-se que o pagamento do crédito do Autor não assenta em técnicas de reembolso e/ou comparticipação, previstas no art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 118/83, que prestou serviços da sua especialidade a um beneficiário do Réu, pois somente ao beneficiário titular, seu representante legal ou voluntário, é conferido o regime da comparticipação e/ou reembolso, quando requerido e justificado perante a ADSE; 17) Por fim e em sexto lugar, o escopo deste normativo legal, visa unicamente penalizar o beneficiário (não o terceiro credor), que ciente das suas obrigações e conhecedor directo dos factos que determinaram a prestação de cuidados de saúde, não proceda à entrega da documentação necessária, no prazo de 6 meses, contados da data, em que cessaram tais serviços; 18) No que tange ao despacho ministerial invocado pelo Réu, cumpre salientar que o mesmo não se aplica ao caso vertente, dado abranger única e exclusivamente situações de prestação de cuidados de saúde emergentes de circunstâncias em que não seja necessário aferir e comprovar a existência ou não de terceiro legal e/ou contratualmente responsável pela produção do evento determinante da predita prestação de serviços; 19) O disposto no mencionado despacho somente se poderá aplicar a simples situações de doença do beneficiário, não emergentes de acidente de viação e outras situações similares, previstas no art.º 43.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 118/83; 20) Somente fora deste contexto (e do dos autos) faz sentido penalizar os hospitais inseridos no Serviço Nacional de Saúde, pois a falta de facturação atempada em situações de simples doença e de fácil qualificação, merece reprovação; 21) O caso dos autos reporta-se à prestação de cuidados de saúde ao beneficiário José, por via de um acidente de viação, cuja responsabilidade lhe é totalmente imputável; 22) O Autor teve que diligenciar pela obtenção de informações tendentes a comprovar a inexistência de terceiro legal e/ou contratualmente responsável pelos ditos serviços (apesar de saber que o utente José era beneficiário do R.), sob pena do R. se escusar a fazer o pagamento, invocando, tal como invoca na contestação, desconhecimento sobre a situação geradora da prestação; 23) Acontece que, apesar das diligências efectuadas, o A. não logrou obter informação atempada sobre as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreu o evento e quem seria o responsável pela produção do mesmo, circunstâncias essas, aliás, verdadeiramente determinantes para a reclamação do seu crédito (vide art.º 5º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15/06 e art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 118/83); 24) De facto, apenas em 05/01/03 soube o Autor que o utente beneficiário do Réu foi inteiramente responsável pelo evento que determinou a prestação de cuidados de saúde; 25) Por este motivo, só facturou os serviços de saúde prestados ao beneficiário em 17/02/03, solicitando de seguida o pagamento da factura ao Réu; 26) Deste modo, verifica-se que o previsto no invocado Despacho não se aplica ao caso vertente, aplicando-se apenas a situações não previstas no disposto no art.º 43.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 118/83; 34) Por conseguinte, a aplicação do previsto no mencionado Despacho, tem que ser temperada com o disposto no art.º 43.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 118/83. * Foi então proferido, a fls. 75 e seguintes, despacho saneador que, julgando improcedente a excepção peremptória de caducidade arguida pelo Réu Estado, procedeu ainda à fixação da matéria de facto assente e à elaboração da Base Instrutória. O Réu Estado, inconformado com o despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade, veio, a fls. 83, interpor recurso do mesmo, vindo o mesmo a ser admitido por despacho proferido a fls. 90, como de agravo, a subir diferidamente e com efeito meramente devolutivo, tendo o recorrente apresentado as respectivas alegações a fls. 94 e seguintes. (…) * (…)Foi proferida então sentença que, julgando a acção procedente, condenou o Réu no pagamento ao Autor da quantia que vier a liquidar-se em sede da competente liquidação de sentença. * O Réu Estado, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 110 e 111, interpor recurso de apelação da mesma, que foi admitido a fls. 113 dos autos, tendo-lhe sido fixado o efeito suspensivo, a pedido do recorrente e atenta a não oposição do apelado (fls. 130).* O primeiro recurso interposto foi, neste Tribunal da Relação de Lisboa, qualificado como de apelação (e não agravo, como havia sido admitido no tribunal recorrido), a subir diferidamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS Da discussão da causa em 1.ª instância resultaram provados os seguintes factos: A) O Autor é um hospital público que, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, presta serviços de assistência médico-hospitalar à população; B) No passado dia 16/03/2000, pelas 12.30 horas, José deu entrada nos serviços de urgência do Autor (documento n.º 1); C) O assistido José necessitava de cuidados médico-hospitalares, em virtude de um acidente de viação que afectou a sua integridade física (documentos n.ºs 2 e 3); D) Na data supra referida, pelas 10.50 horas, o assistido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula X, pela Av. Marginal, no Monte Estoril, no sentido poente-nascente (documento n.ºs 2 e 3); E) Na mesma ocasião, por essa mesma via, e em sentido inverso circulava o veículo automóvel com matrícula Y (documento n.ºs 2 e 3); F) Ao chegar próximo do entroncamento formado pela citada avenida e a Rua A, o assistido seguia a uma velocidade superior a 100 km/hora (documento n.º 3); G) Nesse local a Avenida tem uma largura de 8,50 metros, com duas faixas de rodagem separadas, entre si, por dois traços longitudinais contínuos, que se encontram assinalados no pavimento (documento n.ºs 2 e 3); H) O citado entroncamento é antecedido de uma curva à esquerda, atento o sentido de marcha do assistido (documento n.ºs 2 e 3); I) Ao descrever a curva, o assistido perdeu o controlo do veículo, pelo que entrou em despiste para a esquerda, transpôs a linha longitudinal contínua dupla e invadiu a faixa de rodagem destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário (documentos n.ºs 2 e 3); J) Foi, então, que embateu com a parte lateral direita do seu veículo na frente do "Y", que circulava nessa mesma via, em sentido inverso e na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha do assistido (documentos n.ºs 2 e 3). L) Na sequência deste evento, o assistido teve que ser transportado para os serviços de urgência do Autor, de forma a receber tratamento, sendo-lhe ministrados cuidados de saúde até 10/04/00; M) O assistido era beneficiário do subsistema de saúde ora Réu – beneficiário n.º ….. III – OS FACTOS E 0 DIREITO (…) O Réu Estado veio interpor dois recursos de apelação, impugnando o primeiro o despacho saneador que julgou improcedente por não provada a excepção peremptória de caducidade invocada na contestação e o segundo a sentença que o condenou no pagamento ao Autor da quantia que vier a liquidar-se em sede da competente liquidação de sentença, sustentando que o demandante não logrou provar todos os factos constitutivos do seu direito, não podendo o tribunal recorrido remeter para liquidação de sentença I – PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO No que respeita ao objecto deste primeiro recurso, afigura-se-nos que o apelante não tem razão no que defende nas suas alegações, pelos fundamentos que iremos passar a expor. Para a sentença recorrida, o regime contido no Decreto-Lei n.º 118/83 de 25/02, “destina-se a regulamentar o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (n.º 1 do preâmbulo), instituindo no art.º 62.º que a ADSE só comparticipará em despesas cujos documentos entrem nos seus serviços dentro de um período nunca superior a 6 meses após a realização do acto a que se reportam, exceptuando-se os casos em que, por motivos alheios à vontade dos beneficiários, estes não consigam obter os respectivos documentos dentro do prazo indicado. O art.º 63.º, por sua vez, estabelece que a ADSE só poderá pagar qualquer despesa mediante a apresentação dos originais do recibo e demais documentos relevantes devidamente preenchidos. Considerando, assim, que este diploma se destina a regular as relações da ADSE com os respectivos beneficiários, e que a ADSE exige a apresentação dos originais do recibo e demais documentos relevantes, é patente que o regime em causa não é aplicável às relações estabelecidas entre a ADSE e as entidades prestadoras dos serviços: estas não dispõem dos mencionados recibos para apresentar, sem os quais a ADSE não realiza pagamentos, antes lhe faz chegar a factura, requisitando o pagamento dos serviços prestados a beneficiário.” Também nesse mesmo sentido vão os seguintes Arestos deste Tribunal da Relação de Lisboa, publicados em www.dgsi.pt: Acórdão de 05/07/2001 (relator: Juiz Desembargador Folque de Magalhães) – processo n.º 0019511 1 - Não existe relação de especialidade entre o DL 194/92, de 08/09, que regula a cobrança de dívidas, por um modo expedito, ao Serviço Nacional de Saúde, e o DL 118/83, de 25/02, que regula a relação entre os serviços da ADSE e os respectivos beneficiários. 2 - No artigo 62º, DL 118/83, apenas se pretende estabelecer o prazo, de 6 meses, dentro do qual os beneficiários da ADSE devem fazer chegar a esta os documentos relativos às comparticipações a que tenham direito. 3 - Nele não se encontra regulado o prazo dentro do qual deve ser intentada uma acção para exigir da ADSE o pagamento de certa dívida, sobretudo quando o autor dessa acção não é beneficiário da ADSE e, assim, não se encontra sujeito ao regime de tal diploma. 4 - Os créditos hospitalares prescrevem no prazo de 5 anos, constante do artigo 9º, DL 194/92. Acórdão de 23/02/2006 (relator: Juiz Desembargador Olindo Geraldes), processo n.º 1249/2006-6 I. O DL n.º 118/83, de 25/2, não regula directamente as relações jurídicas entre a ADSE e qualquer entidade integrante do Serviço Nacional de Saúde. II. O prazo fixado no n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 118/83, para a entrega de documentos comprovativos de despesas com cuidados de saúde, não se aplica às entidades integradas no SNS. III. A ADSE está abrangida pelo regime específico da cobrança de dívidas hospitalares estabelecido pelo DL n.º 218/99, de 15/6. Muito embora concordemos com a conclusão expressa nessas três decisões, divergimos de alguns dos fundamentos aí expressos, pelas razões que iremos passar a expor. A imperfeita redacção do texto legislativo em análise permite as dúvidas que, ao nível dos tribunais da 1.ª instância, se tem vindo a suscitar, originando decisões judiciais em sentidos divergentes, como ressalta das diversas sentenças juntas pelas partes com os seus articulados. O número 1 artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 118/83 de 25/02, em nosso entender, visa não somente os recibos e outra documentação a cuja apresentação os beneficiários estão obrigados, mas abarca também outras situações e entidades, como ressalta, nomeadamente, dos artigos 57.º, 19.º, 23.º e 36.º do mesmo diploma legal (sem prejuízo de se entender que o número 2 daquele primeiro dispositivo, bem como o artigo 63.º se restringirem, em termos de aplicação, aos beneficiários, dado falarem, somente, destes últimos ou de recibos, que tem de ser, naturalmente, entregues por estes). O artigo 57.º, número 1 em causa, quando determina o pagamento das comparticipações em moeda nacional, faz referência aos beneficiários e a quaisquer outras entidades. Por outro lado, os artigos 19.º e 23.º também referidos, regulam, respectivamente, a forma de concessão pela ADSE dos respectivos benefícios aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (sendo possíveis, no que toca ao pagamento dos cuidados de saúde, as seguintes duas técnicas: a do reembolso ao beneficiário, quando o mesmo paga a totalidade do preço dos serviços de saúde e a liquidação directa à entidade prestadora dos mesmos, quando aquele só paga a parte a que se mostra obrigado ou nada liquida aquela) e em que entidades podem ser concretizados os cuidados hospitalares (aí se prevendo os Hospitais do Estado). Por outro lado e muito embora se restrinja ao pagamento das contribuições dos cuidados de saúde prestados aos beneficiários no estrangeiro, o artigo 36.º define o universo das pessoas a quem podem ser pagas as aludidas comparticipações, restringindo o mesmo aos beneficiários titular e familiar e aos representantes legais e voluntário, o que reforça o entendimento que temos vindo aqui a perfilhar. Este cenário legal indica claramente que, sem prejuízo de se pretender regulamentar o funcionamento e o esquema de benefícios da Direcção Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, no regime legal em causa se abrangem, em termos de pagamentos das comparticipações devidas, outras entidades para além dos beneficiários. Ora, face ao que se deixou dito, é legítimo perguntar se organismos como o Autor, no caso dos autos e em termos de reclamação de pagamento dos cuidados de saúde prestado a uma beneficiário do Réu, não estarão abrangidos pelo regime legal contido no Decreto-Lei n.º 118/83 de 25/02, com especial incidência no prazo de 6 meses estatuído no artigo 62.º, número 1. Sendo seguro que entre os visados pelos pagamentos da ADSE se contam os beneficiários titulares e familiares, os representantes legais ou voluntários e as entidades prestadoras de cuidados de saúde, é relativamente a este último grupo que é legítimo colocar-se a questão acima formulada. Neste contexto, importa ter em atenção que o pagamento directo das comparticipações se encontra dependente da celebração prévia de acordos com a ADSE, conforme ressalta com nitidez dos dois seguintes excertos: “…por força dos acordos estabelecidos” (número 4 do artigo 19.º) e “…nos termos dos acordos estabelecidos” (número 1 do artigo 23.º), bem como do teor dos artigos 37.º e 38.º e do próprio número 5 do já mencionado artigo 19.º. Ora, quer dos factos dados como assentes, quer mesmo daqueles alegados pelas partes não ressalta um qualquer acordo celebrado entre Autor e Réu que implicasse a eventual aplicação do estatuído nos artigos 57.º, 62.º e 63.º do Decreto-Lei n.º 118/83 de 25/02. Logo, ainda que se admita que entidades prestadoras de serviços como o Autor possam estar abarcados pelo regime do artigo 62.º, número 1 (bem como pelo Despacho Conjunto n.º 965/99 de 9/11, junto a fls. 41), tal só poderá acontecer no âmbito dos acordos celebrados entre as mesmas e a ADSE, o que não é a hipótese dos autos, funcionando, por tal razão e nesta matéria, o regime específico da cobrança de dívidas hospitalares estabelecido pelo DL n.º 218/99, de 15/6, que só prevê um prazo prescricional de 3 anos e não qualquer prazo de caducidade, mais longo ou curto do que este último (o Autor, com referência ao regime da ADSE e às situações jurídicas criadas ao seu abrigo, surge como entidade exterior ao mesmo, no papel de terceiro e nas vestes de normal credor dos valores correspondentes aos cuidados de saúde prestados a beneficiários do Réu). Sendo assim, embora com fundamentos algo diversos do despacho saneador, não pode merecer provimento o primeiro recurso de apelação interposto pelo Réu ESTADO PORTUGUÊS (ADSE). II – SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO Entrando agora na abordagem do segundo recurso do Réu, importa, para uma correcta apreciação e decisão do mesmo, ter em atenção os seguintes dispositivos legais, que respeitam ao quadro legal em que é possível ao tribunal relegar para liquidação de sentença determinados aspectos de um concreto pedido formulado. A este propósito, estatuem os artigos 4.º, número 5, 378.º, 379.º, 471.º e 661.º do Código de Processo Civil o seguinte, sendo que, de acordo com o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8/03, alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10/09 e atendendo à data da proferição da sentença impugnada (25/2/2005), já se aplica à situação dos autos a actual redacção dos dispositivos legais acima identificados, com excepção da do artigo 471.º, que só é aplicável aos processos instaurados após 15/9/2003, tendo, por tal motivo, se reproduzido a anterior versão dessa norma: Artigo 47.º 1. (…)(Requisitos da exequibilidade da sentença) 5 – Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805.º. Artigo 378.º 1. Antes de começar a discussão da causa, o autor deduzirá, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito. (Ónus de liquidação) 2. O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada. Artigo 379.º A liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor, conforme os casos, relacionará os objectos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou especificará os danos derivados do facto ilícito e concluirá pedindo quantia certa. (Como se deduz) Artigo 471.º 1. É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes: (Pedidos genéricos) a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito; b) Quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.ºdo Código Civil; c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu. 2. Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido pode concretizar-se em prestação determinada por meio do incidente de liquidação, quando para o efeito não caiba o processo de inventário. Não sendo liquidado na acção declarativa, observar-se-á o disposto no nº 2 do artigo 661.º. Artigo 661.º 1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. (Limites da condenação) 2. Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. 3. (…). O Autor, por seu turno, no quadro dos presentes autos, instaurados em 3/4/2003, formulou o seguinte pedido: a condenação do Réu na quantia de Euros 30.458,15, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sobre a referida quantia, desde a data da citação até ao seu integral pagamento, a liquidar em execução de sentença, sendo certo que tal montante se referia a tratamentos e outros cuidados de saúde prestados ao beneficiário do Réu entre 16/3/2000 e 10/04/2000. Estamos perante uma acção em que a respectiva causa de pedir está antecipada e perfeitamente definida, quer em termos qualitativos, como quantitativos, obrigando à inequívoca formulação de um pedido líquido, restando ao Autor, perante a posição assumida pelo Réu, quer no que toca aos factos alegados como no que concerne aos documentos juntos, provar, conforme imposto pelo artigo 342.º do Código Civil, a matéria controvertida e que se mostrava vertida, em parte, no único artigo da Base Instrutória (“os serviços de assistência médico-hospitalar prestados pelo Autor ao sinistrado ascenderam ao valor de Esc. 30.458,15, que se encontram espelhados nas relações n.º 23000316, 23000321 e 23000325?”), prova essa que o demandante não logrou fazer, conforme ressalta da resposta negativa dada ao mesmo e à não junção de documentos comprovativos da existência de um seguro de responsabilidade civil automóvel e do seu exacto conteúdo e âmbito. Temos para nós que ao Autor caberia, por um lado, demonstrar a existência desse negócio jurídico e de que o acordado entre a Companhia de Seguros e o assistido não cobria as despesas de saúde aqui reclamadas (faça-se notar que existem modalidades de seguro, como o de ocupantes, que podem abranger o pagamento de tais prestações – cf. a apólice uniforme desse tipo de seguro), tendo ainda, por outro, de demonstrar a natureza dos tratamentos efectuados e o seu respectivo valor. O instituto da liquidação de sentença, previsto nos artigos acima transcritos, não pode ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na acção declarativa propriamente dita e não foi. O incidente de liquidação é, como ressalta daquelas normas, complementar dessa acção e respectiva sentença condenatória, visando fixar ou definir o objecto ou a quantidade devida, quando não haja elementos para o fazer no momento da condenação na correspondente pretensão, já aí determinada, qualitativa e juridicamente. Não se desconhece que os nossos tribunais têm interpretado o regime constante do número 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil com uma grande amplitude (talvez excessiva), abrindo, nessa perspectiva, uma segunda frente de discussão de aspectos fundamentais, já alegados e que teriam de ser alvo de prova na acção original, mas que o demandante não conseguiu demonstrar. Sem ignorar esse panorama jurisprudencial, entendemos, apesar de tudo, que o incidente de liquidação não pode ser transformado numa segunda acção declarativa onde as partes podem discutir matéria específica e própria da acção declarativa (verdadeira grandeza, factos fulcrais e constitutivos do direito do Autor ou do Réu reconvinte) – cf., apesar de tudo, o que, no sentido acima defendido, diz António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, I Volume, 2.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2003, págs. 182 e seguintes, citando alguma jurisprudência, como é o caso dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/1/1995, publicado em “Novos Estilos”, 1995, n.º 1, página 24 e de 27/02/1996, inédito, proferido no processo n.º 88 221 e em que foi relator o Juiz-Conselheiro Cardona Ferreira, dizendo este último o seguinte:”a fase preliminar de liquidação em execução de sentença nunca pode servir para o apuramento ou averiguação sobre a existência de danos. Só pode servir para quantificar danos quando, na acção declarativa, tenha ficado demonstrada a sua existência, embora ilíquida”) O que nos impressiona no caso dos autos é que o Autor, tendo, por um lado, a causa de pedir e o pedido perfeitamente delineados, quer qualitativa, quer quantitativamente e conhecendo, por outro, a posição do Réu ESTADO/ADSE (impugnação de alguns dos factos alegados e de parte dos documentos juntos), não lançou mão dos meios de prova legalmente permitidos para demonstrar os factos alegados nos artigos 16.º e 17.º da petição inicial (contrato de seguro e respectivas condições contratuais, que só podiam ser dados como assentes mediante documento – cf. despacho de fls. 79) e artigo único da Base Instrutória, quando os podia indicar, na sequência da elaboração do Despacho Saneador e do regime contido no artigo 512.º do Código de Processo Civil (cf. fls. 80 e 81) e tal prova não seria difícil ou complicada de fazer. Esta atitude processual do Autor tem, para nós, consequências jurídicas bastante mais gravosas do que as extraídas pelo tribunal recorrido, pois não pode ser meramente reconduzida ao regime constante do artigo 661.º, número 2 do Código de Processo Civil mas antes devendo ser encarada na perspectiva da absolvição do Réu ESTADO/ADSE do pedido contra ele formulado, por o HOSPITAL não ter logrado fazer a prova de alguns dos factos constitutivos do seu direito, nos termos e para os efeitos dos artigos 342.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil. IV – DECISÃO Por todo o exposto e tendo em conta o artigo 713.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o primeiro recurso de apelação interposto pelo apelante ESTADO/ADSE mas em julgar procedente o segundo recurso de apelação interposto pela mesma parte, revogando-se, nessa medida, a sentença recorrida e absolvendo-se o ESTADO/ADSE dos pedidos contra ele formulados pelo Autor. Sem custas, por Apelante e Apelado delas estarem isentos (artigo 2.º, número 1 do Código das Custas Judiciais, na sua redacção anterior). Notifique e Registe. Lisboa, 15 de Março de 2007 (José Eduardo Sapateiro) (Carlos Valverde) (Granja da Fonseca) |