Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
334/10.6TVLSB-C.L1-2
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ARRESTO
RECURSO
PODERES DA RELAÇÃO
CONDIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Como o sistema português de recursos se organiza segundo o modelo de reponderação e não de reexame, ao requerente da providência cautelar de arresto não é lícito pedir, no recurso, tutela cautelar para direito diverso daquele que alegou na instância recorrida.
II. Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser actuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objecto do recurso.
III. A condição aposta num negócio jurídico só se tem por verificada se tiver sido impedida pela parte a quem prejudica, competindo ao beneficiário dela a prova de que a contraparte interferiu, contra bona fide, no seu iter formativo.
IV. Sobre a decisão de indeferimento in limine da petição inicial da providência cautelar de arresto, com fundamento na insuficiência da alegação nela contida relativamente a um dos seus pressupostos – o justo receio de perda da garantia patrimonial – não se forma caso julgado formal, no tocante ao outro dos pressupostos exigidos pela lei para o seu decretamento: a probabilidade da existência do crédito a probabilidade da existência do crédito relativamente ao qual se teme a perda daquela garantia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
“A” propôs, na 5ª Vara Cível, 1ª secção, de Lisboa, contra “B” – Investimento Imobiliário SA, providência cautelar especificada de arresto preventivo, pedindo que se ordenasse o arresto das acções representativas de 100% do capital social de “C” – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários SA, de três prédios rústicos desta, de três prédios urbanos da primeira, do direito de crédito, no valor de € 5 871 786,05, resultante do accionamento da garantia bancária emitida, no dia 6 de Dezembro de 2005, pela Caixa Geral de Depósitos a favor da requerida e do saldo e/ou valores de qualquer conta de depósito bancário que aquela possua em qualquer instituição de crédito.
Fundamentou esta pretensão cautelar no facto de, no dia 15 de Outubro de 2004, ter vendido à requerida, pelo preço de € 16 899 043,72, 666 700 acções ao portador – das quais 40 000 foram logo entregues àquela e as restantes depositadas em conta escrow no Banco Internacional de Crédito - com o valor nominal unitário nominal de € 4,99, representativas do capital de “C” – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários SA, proprietária, nessa data, de três prédios rústicos, com 30, 20 e 113ha, sitos na freguesia do ..., Município de ..., preço de que foi pago, logo na mesma data, € 1 000.000, tendo-se convencionado que o remanescente seria pago em três prestações de € 5 871 786,05, € 1 560 000,00 e 8 467 257,67, até 60 dias após a emissão favorável de declaração de impacto ambiental (DIA) para os prédios de 30, 20 e 113 ha, respectivamente, de a requerida ter inviabilizado a condição de pagamento ao ter deixado caducar a declaração de impacto ambiental relativa ao prédio de 30 ha, e a informação prévia favorável relativamente ao prédio de 20 ha, que não se encontra livre de ónus e encargos e ao ter permitido a diminuição da ara bruta do prédio de 113 ha, não tendo diligenciado pela obtenção do licenciamento do projecto de aldeamento turístico e desvalorizando-o por via do destaque nele realizado, pelo que é credor da requerida pelas quantias de €10 027 257,67, relativa ao preço em falta, e de € 224 401,45 referente às despesas com a garantia bancária emitida, a seu pedido, pela CG de Depósitos, a favor da requerida, para assegurar a devolução da quantia de €5 971 786,05 que lhe foi paga por aquela, sem prejuízo de uma indemnização por perdas e danos, e de ter receio fundado de perda da garantia daqueles créditos, dado que as informações de que dispõe relativamente à situação da requerida, são indicadoras de uma situação de diminuta liquidez, porquanto todos os projectos imobiliários que aquela tem em desenvolvimento, que têm associadas elevadas hipotecas, são-no, em quase todas as situações, através de sociedades nas quais possuiu uma participação.
Todavia, a petição inicial foi, com fundamento em não vir invocada factualidade concreta de que permita concluir ser justificado o receio do requerente em perder a garantia patrimonial do seu crédito, indeferida in limine.
Esta Relação, porém, por acórdão de 4 de Maio de 2010, julgou procedente o recurso ordinário de apelação interposto pelo requerente da decisão de indeferimento liminar, revogou esta decisão e substituiu-a por outra que convide o requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial.
O requerente ofereceu, então, nova petição inicial – na qual, modificou a sua pretensão, através da eliminação do pedido de arresto dos prédios rústicos propriedade de “C” SA - e, produzida, na 11ª Vara Cível, 2ª secção, Lisboa para o qual o processo da providência foi, entretanto, remetido para apensação ao da causa principal, a prova testemunhal proposta pelo requerente, foi proferida sentença que, depois de observar que não se verifica o requisito da provável existência do crédito do requerente, não ordenou a providência.
Apelou, naturalmente, o requerente, pedindo que se ordene a providência.
Para mostrar o mal fundado da decisão recorrida, o recorrente extraiu da sua latitudinária alegação estas pródigas conclusões:
A) Em 29/01/2010 o Requerente apresentou Procedimento Cautelar de Arresto contra a Requerida “B” - INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. que foi distribuído à 5a Vara, 1 a Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
B) Por Despacho de 05/02/2010 veio aquele Tribunal indeferir liminarmente tal providência por considerar que: "(...) não vem invocada factualidade concreta de que permita concluir ser justificado o receio de o ora requerente perder a garantia patrimonial do seu crédito.";
C) Conforme consta do Despacho, então posto em crise, são dois os requisitos do decretamento do arresto: a provável existência do crédito e o receio, justificado, por parte do credor, de perda da garantia patrimonial do crédito;
D) Por discordar do entendimento sufragado naquele Despacho, o ora Recorrente interpôs, para este Venerando Tribunal, em 03/03/2010, recurso de Apelação.
E) A 7.a Secção Cível deste Venerando Tribunal, em 04/05/2010, acordou que: "Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que convide o requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial."
F) Como, entretanto, o Requerente tinha dado entrada, em juízo, com a petição inicial da acção principal, os autos da Providência Cautelar de Arresto, após baixarem, foram apensos àquela acção, a correr termos pela l la Vara, 2a Secção, do mesmo Tribunal da Comarca de Lisboa.
G) O Despacho do qual, então se recorreu, e que veio a ser substituído, pôs apenas em crise a não verificação, no caso concreto, do receio justificado, por parte do credor, de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
H) Veio o Tribunal a quo, destafeita e por Despacho de 18/1112010, considerar que "(...) não se verifica o requisito da provável existência do crédito do requerente. Pelo exposto, não ordeno a providência."
I) Com efeito, aquando da prolação do primeiro Despacho que recaiu sobre a Providência Cautelar de Arresto, considerou o Juiz a quo não estar verificado o segundo requisito de que depende a decretação do Arresto, ou seja, o receio justificado, por parte do credor, de perder a garantia patrimonial do crédito.
J) Uma vez suprida a incompleição da matéria de facto relativa ao mesmo, Veio o mesmo Tribunal a quo, agora noutro juízo, considerar não verificado o primeiro requisito de que depende a decretação do Arresto, ou seja, a provável existência do crédito.
L) O que importa saber é se a decisão do M° Juiz da 5.a Vara, 1.a Secção, no que tange à verificação do primeiro requisito de que depende a ordenação da Providencia Cautelar de Arresto, transitou em julgado, pelo que nada mais há a fazer do que respeitar o que foi nele decidido, ou se essa decisão tomada não forma caso julgado, sendo, então, possível ao Tribunal a quo, agora pela 11.a Vara, 2.a Secção, pôr em causa o que foi decidido no despacho de indeferimento liminar quanto ao primeiro requisito, voltando a apreciá-lo,
M) Considerando-o não verificado e, em consequência, não ordenando a Providência Cautelar;
N) Entende o Recorrente que a decisão tomada no primeiro despacho formou caso julgado formal, pelo que, tendo a mesma transitado, precludiu a possibilidade de a Ma Juiz a quo voltar a poder apreciá-lo, pondo a sua verificação em crise;
O) Assim, em princípio e regra geral, proferida uma sentença ou um despacho, o seu conteúdo decisório não pode mais ser alterado (artigo 666°, n° 1, do CPC), a não ser em sede de recurso; se este não for interposto, podendo sê-lo, essa decisão (imodificável) torna-se obrigatória dentro do processo (artigo 672° do CPC).
P) No caso em análise, o primeiro juiz que se pronunciou sobre a Providência Cautelar de Arresto proferiu, assim, um juízo sobre a relação jurídico - processual.
Q) Formulado o referido juízo, a pessoa (o juiz) que o proferiu ou outra que a substituísse não o poderia alterar, não se poderia, mais tarde, vir dizer o contrário ou, sequer, diferente (artigo 666°, n° 1, do CPC): mal ou bem já julgou uma vez a questão.
R) Não tendo, recaído recurso sobre esta parte do Despacho proferido pela 5.a Vara, aquele transitou em julgado, tendo-se consolidado definitivamente a decisão.
S) A decisão transitou em julgado, ou seja, tornou-se obrigatória dentro deste processo, não podendo já ser alterada, quer na primeira instância, quer em qualquer outra.
T) Assim sendo, entende o Recorrente que a Mª Juiz a quo, da 11ª Vara, 2ª Secção, por formação de caso julgado formal quanto à verificação do primeiro requisito de que depende a ordenação do arresto, não podia, ao contrário do que fez, dele conhecer,
U) Devendo, outrossim, avaliar da verificação ou não, do segundo requisito e único que fora posto em crise no anterior Despacho recorrido.
V) Nestes termos, deve ser revogada a decisão proferida pela Ma Juiz a quo, sendo substituída por outra que determine o conhecimento tão-só da verificação ou não do segundo requisito de que depende a ordenação do arresto, ou seja, se da prova produzida e constante nos autos se mostra sumariamente demonstrado, conforme se impõe nesta fase processual, o receio, justificado, por parte do credor, de perder a garantia patrimonial do seu crédito,
W) Ou  Ser, de imediato, decretado o arresto, por os autos disporem de todos os elementos necessários para o efeito.
X) Sem conceder em quanto fica dito e porque o dever de patrocínio impõe tal cautela, caso este Venerando Tribunal venha a entender de modo diferente, sempre se dirá que não assiste razão em quanto foi decidido havendo incorrecta e insuficiente decisão sobre a matéria de facto constante da decisão sob censura. Y) Nada disse a Ma Juiz a quo quanto aos seguintes factos, que resultaram provados da prova documental e testemunhal produzida, e cuja apreciação releva de modo determinante na apreciação e valoração do cumprimento do contrato, dos autos, pelas partes:
* Art° 58° da p.i.: "atendendo à caducidade da mesma e ao âmbito da alegada "reformulação", o projecto do P...A... voltou ao início, tornando ineficaz e inútil tudo o que anteriormente havia sido promovido no processo. "-facto que resultou provado pelos documentos 9 a 11 e pelo depoimento da testemunha “D” - conforme gravação áudio no Habilus  Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...-.
* Art° 59° da p.i.: "Tudo quanto foi feito perdeu os seus efeitos e os serviços competentes, designadamente a Secretaria de Estado do Ambiente e o ICN B irão apreciar os actuais projectos como novos, seguindo todo o procedimento de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) legalmente imposto" - facto que resultou provado pelos documentos 9 a 11 e pelo depoimento da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...;
Art° 60° da p.i.: "Havendo necessidade de voltar a requerer a emissão de uma nova DIA para o P...A... "- facto que resultou provado pelo depoimento da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...;
Art° 61° da p.i.: "E também a necessidade de reconhecimento de interesse público ao projecto, nos termos legais" - facto que resultou provado pelo depoimento da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/1.0/2010, com a referência ...;
Art° 64° da p.i.: "O Requerente, até meados de Dezembro/09, desconhecia esta situação, uma vez que a Requerida, ao longo de cinco anos, e não obstante todas as insistências que nesse sentido aquele lhe formulou, não lhe forneceu quaisquer informações concludentes sobre o estado do processo, apesar das insistências que o Requerente foi efectuando" - facto que resultou provado pelos documentos 14 e 15 e pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...;
Art° 65°- "Nem lhe deu os meios que dariam ao requerente a possibilidade de aceder a essas informações, conforme, aliás, previsto na cláusula IS", n.° 1 do Contrato " - facto que resultou provado pelo documento 15 e pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...;
Art° 66°- "Vendo-se o Requerente, com todas as dificuldades inerentes por não ser "dono do processo ", na contingência de ter que obter as informações junto dos diversos serviços da Câmara Municipal de ..., ICNB e da Secretaria de Estado do Ambiente" - facto que resultou provado pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...;
A testemunha “E” referiu que era ele que ía junto destes organismos tentar obter informações sobre o andamento dos processos, uma vez que a Requerida nada dizia. Contudo, a obtenção de informações era muito difícil, quando conseguia que lhe dissessem alguma coisa.
Art° 67°- "A Requerida ocultou ao Requerente a caducidade da DIA." - facto que resultou provado pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ... e da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...;
Art° 115°- "Ascendendo a mencionada "Reclamação de Créditos" do BES a €50.403.658,97, à qual estão afectas as propriedades da “C”, SA por via da mencionada escritura de mútuo com hipoteca de 05/12/2005 e demais contratos celebrados entre a Requerida e aquele Banco "- conforme doc. 58;
Art° 127°-"Em 28.11.2007, o Requerente enviou à Requerida a carta que se junta como doc. 62, na qual, para além da descrição de alguns, e apenas de alguns, dos factos acima referidos, se menciona que "algumas das actuações entretanto assumidas por V. Exas. -- “B” ou “C” -- condicionam o (...) cumprimento [do Contrato], nos termos previstos "- Facto provado de acordo com o doc. 62.
Art° 139°- "Nesta carta [datada de 15 de Janeiro de 2010 referida em 24 dos factos provados], a Requerida, pela primeira vez, vem dar conhecimento ao Requerente de factos e informações que, até então, nunca lhe havia comunicado, com a inerente gravidade."- facto que resultou provado pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 1311012010, com a referência ...;
Art° 140°- Nessa carta, "No que respeita à propriedade dos 30ha, a Requerida, com relevância, vem informar duas situações:
a) Que efectuou em 19.01.2007, o requerimento ao Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para reconhecimento de interesse público ao "Aldeamento Turístico P...A...";
b)Tendo o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) indeferido este pedido em 20.07.2007, conforme doc. 66 que se junta, ou seja, aproximadamente uma semana antes de findar o prazo de validade da DIA (10-08-2007)."- Facto que resultou provado pelo doc. 65 e pelo depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13110/2010, com a referência ...;
* Art° 146° a 148°- "O cumprimento de uma das condicionantes da DIA favorável (condicionada) emitida em 10/08/2005 ficou definitivamente inviabilizado em 20/07/2007, comprometendo definitivamente a emissão da DIA e os pressupostos ao abrigo dos quais foi emitida e entregue a própria Garantia .- facto que resultou provado pelo doc. 66 e pelo depoimento da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...;
* Art° 154°- "Não foi dado qualquer conhecimento ao Requerente que o pedido de prorrogação foi indeferido por Despacho do Senhor Secretário de Estado do Ambiente de 07/09/2007, comunicado à Requerida, na mesma data"- facto que resultou provado pelo doc. 67, pelo depoimento da testemunha “D”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ... e da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...;
* Art° 176°- "Entretanto, a Requerida interpelou a Caixa Geral de Depósitos, solicitando que esta instituição lhe pague a quantia de €5.871.786, 05, ao abrigo da Garantia, conforme refere no ponto 3.5 da sua carta de Janeiro. "- facto provado pelo doc. 65.
* Art° 180° e 181°- "Em 26.02.2008 teve lugar uma reunião entre as partes, na sequência da carta do Requerente de 28/11/2007, e a solicitação deste, nessa data já tinha sido recusado o RIP e caducado a DIA relativamente ao prédio de 30ha, não tendo a Requerida prestado qualquer informação a esse respeito". - facto provado pelo doc. 65 e depoimento da testemunha “E”, conforme gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...;
* Art° 254°- " Quanto ao envolvimento financeiro entre a Requerida e o Banco Espírito Santo:
No âmbito da reclamação de créditos que o BES apresentou na acção executiva que respeitou à “C”, aquele reclamou a quantia de 50.403.658, 97 €- doc. 58;
Sobre os imóveis supra identificados estão constituídas hipotecas para garantia das operações financeiras da Requerida, junto daquela instituição bancária que ascendem a um montante máximo assegurado de €126.230.948,87 (cento e vinte e seis milhões, duzentos e trinta mil, novecentos e quarenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos - docs. 13 a 209;
* Acções executivas Alínea o) Processo: .../09.6YYLSB, Lisboa - Juízos de Execução, l ° Juízo - 2° Secção, Execução Comum, dívida civil, Sentença condenatória Judicial, 30.047,02 €, Exequente “F”; (facto provado pelo DOC 211.
Z) Estes são os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais o Tribunal a quo se não pronunciou, mas que resultaram provados e dos quais importa retirar as necessárias consequências jurídicas: a imputabilidade à Requerida da caducidade da DIA condicionada e da não aprovação dos projectos para as outras duas propriedades da “C”;
AA) Ainda com relevância para a decisão da causa, o Tribunal a quo não considerou que tivesse ficado provado, ainda que sumariamente, o seguinte facto: "A Requerida não forneceu ao Requerente quaisquer informações sobre o estado do processo"
BB) E a convicção do Tribunal , quanto a este ponto da matéria derivou do "(...)facto de ser feita referência no aditamento ao contrato de fls. 189 a 191, datado de 27 de Março de 2009, à dispensa administrativa ou judicial, da declaração de interesse público, o que indicia que, pelo menos a 27 de Março de 2009, o requerente conhecia o estado do processo relativo ao P...A... (...).
CC) Este entendimento é contrário à prova constante e produzida nos autos, designadamente o depoimento da testemunha “D” (gravação áudio no Habilus Media Studio, em 21/10/2010, com a referência ...) e do prestado pela testemunha “E” (gravação áudio no Habilus Media Studio, em 13/10/2010, com a referência ...)
DD) Quanto à referência que é feita, no aditamento ao contrato, de 27 de Março de 2009, à "dispensa administrativa ou judicial, da declaração de interesse público", a mesma resultou do facto de a Requerida informar o Requerente que ainda estava a aguardar decisão quanto à acção judicial que corre termos pelo processo n° .../05.3 BELSB (artigo 46° da p.i.) do qual deu conhecimento, onde é pedida a dispensa da declaração de interesse público (ou RIP),
EE) Conforme também já constava do texto da garantia bancária que o Requerente entregou à Requerida em 06 de Dezembro de 2005 - cfr. facto 7. dos "factos provados";
FF) Se a Requerida alguma vez tivesse prestado qualquer informação ao Requerente, quanto ao indeferimento do RIP, não teria aquele tido necessidade de ir perguntar esse facto ao ICN B, tendo confiado na informação - errada - que lhe foi dada, que, à posteriori, e por consulta do segundo processo que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio a apurar não corresponder à verdade;
GG) Assim sendo, deve ser dado como provado que a "Requerida não deu ao requerente quaisquer informações sobre o estado do processo ", contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo.
HH) O Tribunal a quo considerou que in casu "não se verifica o requisito da provável existência do crédito do requerente ", não ordenando, em consequência, a providência.
II) Em suma, o Tribunal a quo considerou que a emissão das Declarações de Impacte Ambiental não constitui condição suspensiva; o negócio celebrado produziu os seus efeitos; a emissão das Declarações de Impacte Ambiental tem a ver com o vencimento das três últimas prestações do preço; mesmo que a eventual caducidade da Declaração de Impacte Ambiental condicionada quanto ao P...A... e a não emissão das Declarações de Impacte Ambiental quanto aos outros dois aldeamentos turísticos fosse imputável à requerida, não podia o requerente exigir o pagamento das prestações em falta;
JJ) O Tribunal a quo entendeu que resulta do estipulado pelas partes que a consequência para a não aprovação dos projectos dos aldeamentos turísticos, a não emissão das Declarações de Impacte Ambiental ou a não dispensa da declaração de interesse público até 31 de Dezembro de 2009 é a seguinte: considera-se resolvido o contrato, com a obrigação de restituição de tudo o que houver sido prestado pelo outro outorgante.
KK) Discorda o Requerente, em absoluto, deste entendimento.
LL) A emissão das DIA não constitui condição suspensiva da produção de efeitos do negócio celebrado entre as partes porquanto, na verdade, e como diz o Tribunal a quo, as acções representativas do capital social da “C” transmitiram-se definitivamente para a Requerida nos termos do contrato celebrado,
MM) Mas constitui condição de pagamento das três últimas prestações de pagamento do preço;
NN) Sendo que a perfeição do negócio jurídico só ocorreria após a emissão das DIA relativas às três propriedades da “C”;
00) Só com a emissão das três Declarações de Impacte Ambiental o preço acordado entre as partes seria totalmente pago e só após o pagamento da totalidade do preço, a requerida receberia e poderia movimentar, sem limitações, a totalidade das acções representativas do capital social da “C” que adquiriu ao Requerente, conforme cláusula QUINTA do contrato;
PP) O pagamento das três últimas prestações do preço, pela Requerida ao Requerente, e a movimentação da totalidade das acções da “C” que aquela adquiriu a este, ficaram, assim, inequivocamente subordinadas à verificação de um acontecimento futuro e incerto, nos termos do previsto no artigo 270.° do Código Civil (CC);
QQ) No caso em apreço, a verificação da condição suspensiva da qual dependia o pagamento do resto do preço - emissão da DIA- estava dependente de um acto de terceiros, maxime o Ministério do Ambiente, mas também e sobretudo da Requerida que, por ser a única a ter o domínio e controlo total da “C”, tinha que ter desenvolvido um conjunto de procedimentos, que não desenvolveu;
R) Porém, e ainda que assim não se considerasse, andou mal o Tribunal a quo quando, equacionando a imputabilidade à Requerida da eventual caducidade da DIA condicionada quanto ao P...A... e a não emissão das DIA quanto aos outros dois aldeamentos turísticos, entendeu que a consequência seria a consagrada no contrato, pelas partes, ou seja, "considerar-se resolvido o contrato, com a obrigação de restituição de tudo o que houver sido prestado pelo outro outorgante ".
SS) Tal consequência foi consagrada pelas partes, no contrato, para o caso da não emissão das DIA derivar de FACTO NÃO IMPUTÁVEL A QUALQUER DAS PARTES, designadamente à Requerida “B” uma vez que foi esta a parte que ficou obrigada a desenvolver e entregar todos os projectos e demais necessário com vista à emissão da DIA;
TT) Essa previsão contratual já não terá aplicação no caso de incumprimento da sua obrigação por parte da Requerida;
UU) O Tribunal a quo, em suma, considerou que a consequência da não emissão da DIA quer fosse imputável à Requerida quer não lhe fosse imputável teria sempre a mesma consequência, isto é, a restituição das acções ao Requerente contra a restituição de tudo quanto tivesse sido entretanto pago pela Requerida;
VV) Sendo que este entendimento não levou sequer em conta quanto resultou demonstrado relativamente à desvalorização sofrida pelas acções da “C” resultante da caducidade da DIA condicionada e da não aprovação dos outros dois projectos turísticos previstos para as outras duas propriedades daquela.
WW) Sendo imputável à Requerida, como o é manifestamente, conforme resulta dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo e daqueles cuja apreciação e alteração ora se requer - número 51 desta peça - , a caducidade da Declaração de Impacte Ambiental condicionada quanto ao P...A... e a não emissão das Declarações de Impacte Ambiental quanto aos outros dois aldeamentos turísticos, assiste ao Requerente o direito a exigir o pagamento das prestações do preço em falta.
XX) Nos termos do art. 275.°, n.° 2 do Código Civil, "se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica [neste caso, a Requerida “B”]", a condição "tem-se por verificada",
YY) Donde ser legalmente atendível o pedido do Requerente ao peticionar o pagamento do resto do preço em falta, correspondente às três últimas prestações;
ZZ) Por último, entendeu o Tribunal a quo que "resolvido o contrato , a requerida tem a obrigação de restituir as acções e não os imóveis que pertenciam à “C”, sendo de salientar que o eventual crédito que o requerente possa ter por as acções terem diminuído de valor em virtude da actuação da requerida não está em causa neste procedimento cautelar".
AAA) Discorda, igualmente, o Requerente, deste entendimento.
BBB) Tendo o Requerente, na acção principal formulado o competente pedido;
CCC) Face ao supra alegado resulta demonstrada a existência do crédito do Requerente, sendo certo que, na actual fase, o juízo a formular quanto a ordenar ou não a providência tem que ter em conta as diversas soluções plausíveis de Direito;
DDD) Uma vez que a apreciação que é feita da prova e dos factos é apenas sumária, tem o Tribunal que considerar, em questões de maior complexidade como a presente, as diferentes soluções plausíveis de Direito que ao caso possam vir a ser aplicadas.
EEE) Independentemente da natureza que este crédito, a final, venha a assumir, seja por via do direito que lhe venha a assistir a receber as acções da “C”, seja do pagamento do respectivo preço em falta, seja de uma eventual indemnização por diminuição do valor daquelas acções;
FFF) Também em oposição ao que consta do Despacho recorrido, sendo imputável à Requerida o incumprimento do contrato dos autos, assiste ao Requerente o direito a ser reembolsado das despesas que suportou com a emissão da garantia bancária;
GGG) Assim sendo, o Tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: artigos 237°, 270°, 275°, n.° 2, 334.°, 405° e 762°, n° 2 todos do Código Civil
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
2.1. O requerente produziu, na petição inicial, entre muitíssimas outras, estas alegações:
- Art° 58° da p.i.: "atendendo à caducidade da mesma e ao âmbito da alegada "reformulação", o projecto do P...A... voltou ao início, tornando ineficaz e inútil tudo o que anteriormente havia sido promovido no processo.
- Art° 59° da p.i.: "Tudo quanto foi feito perdeu os seus efeitos e os serviços competentes, designadamente a Secretaria de Estado do Ambiente e o ICN B irão apreciar os actuais projectos como novos, seguindo todo o procedimento de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) legalmente imposto".
- Art° 60° da p.i.: "Havendo necessidade de voltar a requerer a emissão de uma nova DIA para o P...A... ".
- Art° 61° da p.i.: "E também a necessidade de reconhecimento de interesse público ao projecto, nos termos legais".
- Art° 64° da p.i.: "O Requerente, até meados de Dezembro/09, desconhecia esta situação, uma vez que a Requerida, ao longo de cinco anos, e não obstante todas as insistências que nesse sentido aquele lhe formulou, não lhe forneceu quaisquer informações concludentes sobre o estado do processo, apesar das insistências que o Requerente foi efectuando".
Art° 65°- "Nem lhe deu os meios que dariam ao requerente a possibilidade de aceder a essas informações, conforme, aliás, previsto na cláusula IS", n.° 1 do Contrato".
Art° 66°- "Vendo-se o Requerente, com todas as dificuldades inerentes por não ser "dono do processo ", na contingência de ter que obter as informações junto dos diversos serviços da Câmara Municipal de ..., ICNB e da Secretaria de Estado do Ambiente".
- Art° 67°- "A Requerida ocultou ao Requerente a caducidade da DIA."
- Art° 115°- "Ascendendo a mencionada "Reclamação de Créditos" do BES a €50.403.658,97, à qual estão afectas as propriedades da “C”, SA por via da mencionada escritura de mútuo com hipoteca de 05/12/2005 e demais contratos celebrados entre a Requerida e aquele Banco "
- Art° 127°-"Em 28.11.2007, o Requerente enviou à Requerida a carta que se junta como doc. 62, na qual, para além da descrição de alguns, e apenas de alguns, dos factos acima referidos, se menciona que "algumas das actuações entretanto assumidas por V. Exas. -- “B” ou “C” -condicionam o (...) cumprimento [do Contrato], nos termos previstos”.
- Art° 139°- "Nesta carta [datada de 15 de Janeiro de 2010 referida em 24 dos factos provados], a Requerida, pela primeira vez, vem dar conhecimento ao Requerente de factos e informações que, até então, nunca lhe havia comunicado, com a inerente gravidade."-
- Art° 140°- Nessa carta, "No que respeita à propriedade dos 30ha, a Requerida, com relevância, vem informar duas situações:
a) Que efectuou em 19.01.2007, o requerimento ao Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para reconhecimento de interesse público ao "Aldeamento Turístico P...A...";
b) Tendo o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) indeferido este pedido em 20.07.2007, conforme doc. 66 que se junta, ou seja, aproximadamente uma semana antes de findar o prazo de validade da DIA (10-08-2007)."
 Art° 146° a 148°- "O cumprimento de uma das condicionantes da DIA favorável (condicionada) emitida em 10/08/2005 ficou definitivamente inviabilizado em 20/07/2007, comprometendo definitivamente a emissão da DIA e os pressupostos ao abrigo dos quais foi emitida e entregue a própria Garantia.
- Art° 154°- "Não foi dado qualquer conhecimento ao Requerente que o pedido de prorrogação foi indeferido por Despacho do Senhor Secretário de Estado do Ambiente de 07/09/2007, comunicado à Requerida, na mesma data"
- Art° 176°- "Entretanto, a Requerida interpelou a Caixa Geral de Depósitos, solicitando que esta instituição lhe pague a quantia de €5.871.786, 05, ao abrigo da Garantia, conforme refere no ponto 3.5 da sua carta de Janeiro. "
- Art° 180° e 181°- "Em 26.02.2008 teve lugar uma reunião entre as partes, na sequência da carta do Requerente de 28/11/2007, e a solicitação deste, nessa data já tinha sido recusado o RIP e caducado a DIA relativamente ao prédio de 30ha, não tendo a Requerida prestado qualquer informação a esse respeito".
- Art° 254°- " Quanto ao envolvimento financeiro entre a Requerida e o Banco Espírito Santo: No âmbito da reclamação de créditos que o BES apresentou na acção executiva que respeitou à “C”, aquele reclamou a quantia de 50.403.658, 97 €.
Sobre os imóveis supra identificados estão constituídas hipotecas para garantia das operações financeiras da Requerida, junto daquela instituição bancária que ascendem a um montante máximo assegurado de €126.230.948,87 (cento e vinte e seis milhões, duzentos e trinta mil, novecentos e quarenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos.
 * Acções executivas Alínea o) Processo: .../09.6YYLSB, Lisboa - Juízos de Execução, l ° Juízo - 2° Secção, Execução Comum, dívida civil, Sentença condenatória Judicial, 30.047,02 €, Exequente “F”; (facto provado pelo DOC 211.
     2.2. O tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes exactos termos:
1 - Requerente e requerida subscreveram documento denominado "contrato de compra e venda de acções e de créditos", datado de 15 de Outubro de 2004, do qual consta o seguinte:
"Primeiro Outorgante: “A”, ... E:
Segunda Outorgante: “B” - Investimento Imobiliário, S.A
Considerando que:
      A) O primeiro outorgante é titular de seiscentas e sessenta e seis mil e setecentas acções, ao portador, no valor nominal de € 4,99 cada uma, correspondentes a 66,67% do capitai social da sociedade anónima “C” - EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A com o capital social integralmente subscrito e realizado em dinheiro de € 4.990.000,00 (quatro milhões novecentos e noventa mil euros);
      B) A sociedade identificada no Considerando A) é proprietária de um prédio rústico, denominado Casal ... - A... - sito na freguesia do ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n2 ..., com 300.000 m2 (trezentos mil metros quadrados), que confronta do norte com caminho púbico, do sul e poente com “C” - EMPREENDIMENTOS TURISTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A., do nascente com caminho público, “G”, “H”, “I” e “J”, inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção AA, o qual foi desanexado do prédio descrito sob o n9 ..., freguesia do ..., na Conservatória do Registo Predial de ...;
     C) A sociedade identificada no considerando A) é proprietária de um prédio rústico, denominado Casal ..., sito na freguesia do ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com 200.000 m2 (duzentos mil metros quadrados), inscrito na matriz sob o artigo ...;
      D) A sociedade identificada no Considerando A) é proprietária de um prédio rústico, denominado Casal ..., sito na freguesia do ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n2 ..., com 1.130.000 m2 (um milhão cento e trinta mil metros quadrados), inscrito na matriz sob o artigo ...;
      E) Foi já aprovado o licenciamento de um aldeamento turístico no prédio identificado no considerando B), faltando a Declaração de Impacto Ambiental favorável;
      F) Foi já requerido o licenciamento de um aldeamento turístico relativamente ao prédio identificado no Considerando C), em conformidade com o PDM de ..., aguardando-se deliberação camarária; ...
    M) O Primeiro Outorgante declara que tem conhecimento que a “C”, S.A. é proprietária de um prédio urbano sito no Largo ..., n9s 10, 11 e 13, freguesia do ..., concelho de ..., que se encontra hipotecado a favor do Sr. “L”, para garantia do valor de € 748.196,85 que este terá mutuado àquela, desconhecendo o Primeiro Outorgante as características desse mútuo, mas apurou que este valor não consta dos registos contabilísticos da Sociedade “C”;
      N) Constitui pressuposto essencial da vontade de contratar da “B” que venham a estar aprovados os Projectos dos Aldeamentos Turísticos a implementar nos prédios identificados nos Considerandos B), C) e D) e que sejam emitidas as respectivas Declarações favoráveis de Impacto Ambiental; ...
      Q) Foi proposta, por “M”, e está pendente contra a “C” e outro, uma acção judicial que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Almada, 3° Juízo Cível, sob o número .../2002, em que o valor do pedido é de 40.652.028,00 de euros;
      R) O Primeiro Outorgante declara que não teve qualquer intervenção na forma de condução da acção judicial identificada no Considerando Q), que é anterior à sua condição de accionista da “C”, S.A., desconhecendo em absoluto o patrocínio que tem vindo a ser feito;
é, livremente e de boa fé, celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Compra e Venda de Acções e de Créditos que se rege pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
Pelo presente contrato o PRIMEIRO OUTORGANTE vende à SEGUNDA OUTORGANTE, que lhe compra, livres de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades e com todos os inerentes direitos e obrigações, seiscentas e sessenta e seis mil e setecentas acções, correspondentes a 66,67% do capital social da sociedade identificada no Considerando A) do presente contrato de compra e venda, bem como todos os seus direitos de crédito sobre essa sociedade, incluindo os emergentes de empréstimos por si feitos na qualidade de accionista.
SEGUNDA
      1. O preço da referida compra e venda de acções e de créditos é de € 16.899.043,72 (dezasseis milhões oitocentos e noventa e nove mil e quarenta e três euros e setenta e dois cêntimos) e será pago da seguinte forma:
     a) € 1.000.000, 00 (um milhão de euros) com a assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, do qual dá quitação;
b) € 5.871.786,05 (cinco milhões oitocentos e setenta e um mil setecentos e oitenta e seis euros e cinco cêntimos) até sessenta dias após a emissão favorável da Declaração de Impacto Ambiental para o prédio identificado no Considerando B), desde que seja aprovada uma área de construção de 45.000 m2;
c) € 1.560.000,00 (um milhão quinhentos e sessenta mil euros) até sessenta dias após a emissão favorável da Declaração de Impacto Ambiental para o prédio identificado no Considerando C), desde que seja aprovada uma área de construção de 10.000 m2;
d) € 8.467.257,67 (oito milhões quatrocentos e sessenta e sete mil duzentos e cinquenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) até sessenta dias após a emissão favorável da Declaração de Impacto Ambiental para o prédio identificado no Considerando D), desde que seja aprovada uma área de construção de 50.000 m2.
      2. Caso a área de construção aprovada para qualquer um dos prédios seja diversa (superior ou inferior) da definida nas alíneas do número anterior, o preço a pagar em cada momento variará em função da diferença de metros quadrados aprovados, sendo 2/3 de € 266,86 por cada metro quadrado.
QUINTA
      1. Pelo presente contrato a propriedade das referidas acções transmite-se definitivamente do PRIMEIRO OUTORGANTE para a SEGUNDA OUTORGANTE, tendo sido entregues os respectivos títulos representativos das acções ora vendidas.
      2. Apesar de a SEGUNDA OUTORGANTE poder exercer sem limitações todos os direitos de accionista da “C”, as acções representativas do capital social desta são, nesta data, depositadas in escrow numa conta de valores mobiliários do Banco Internacional de Crédito da titularidade da “B”, só podendo ser movimentadas na sua totalidade mediante comprovativo do pagamento da totalidade do preço devido ao Primeiro Outorgante, nos termos da cláusula segunda, sem prejuízo do disposto no número 4 desta cláusula e do disposto nas cláusulas sétima, oitava e nona.
      3. Excepciona-se do disposto no número anterior a entrega de 40.000 (quarenta mil) acções, correspondentes a 4% do capital social da “C” e correspondentes a um valor de 1.000.000,00 de euros, que ficam desde já livres e na posse da SEGUNDA OUTORGANTE.
4. O Banco Internacional de Crédito entregará à “B”, logo que esta o solicite, as acções correspondentes ao proporcional dos montantes pagos ao Primeiro Outorgante.
SEXTA.
      1. A “B” obriga-se a, no prazo máximo de 4 meses após a assinatura do presente contrato, apresentar o Projecto de Aldeamento Turístico, de acordo com o PDM, para o prédio identificado no Considerando D).
     2. A “B” obriga-se a, no prazo máximo de 4 meses após a aprovação do Projecto de Aldeamento Turístico para o prédio identificado no Considerando D), a apresentar os projectos de especialidade e a requerer a emissão da Declaração favorável de Impacto Ambiental.
     3. A “B” obriga-se a, no prazo máximo de 4 meses após a aprovação do Projecto de Aldeamento para o prédio identificado no Considerando C), a apresentar os projectos de especialidade e a requerer a emissão da Declaração favorável de Impacto Ambiental.
     SÉTIMA
     Caso a Declaração favorável de Impacto Ambiental do prédio identificado no Considerando B), cujo Estudo de Impacto Ambiental já foi solicitado às autoridades competentes, não tenha ainda sido emitida, após um prazo de 6 meses contado da assinatura do presente contrato, observar-se-á o disposto na cláusula décima e décima primeira.
     OITAVA
      Caso não haja ainda decisão sobre o Projecto de Aldeamento Turístico ou caso a Declaração favorável de Impacto Ambiental do prédio identificado no Considerando C) não tenha ainda sido emitida, após um prazo de 18 meses contado da assinatura do presente contrato, observar-se-á o disposto na cláusula décima e décima primeira.
     NONA
      Caso não haja ainda decisão quanto à aprovação do Projecto de Aldeamento Turístico relativo ao prédio identificado no Considerando D) ou caso não tenha ainda sido emitida a Declaração favorável de Impacto Ambiental, após o decurso do prazo de 30 meses contado da assinatura do presente contrato, observar-se-á o disposto na cláusula décima e décima primeira.
DÉCIMA
     1. Se, no prazo de quatro anos e seis meses a contar da assinatura deste contrato (ou seja, dois anos após o prazo previsto na cláusula nona), não ocorrer nenhuma das aprovações, bem como não for emitida nenhuma das Declarações favoráveis de Impacto Ambiental referidas no Considerando N), este contrato tem-se por resolvido, ficando cada um dos outorgantes obrigado a, no prazo de 30 dias, restituir tudo o que lhe houver sido prestado pelo outro outorgante.
     2. No caso previsto no número anterior, o Banco Internacional de Crédito deverá restituir ao Primeiro Outorgante as acções da “C” que por ele lhe foram confiadas, mediante exibição de comprovativo de devolução, pelo Primeiro Outorgante à Segunda Outorgante, do montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e mediante comprovativo do pagamento de um montante igual a 2/3 das eventuais dívidas que hajam sido pagas pela “C”.
     DÉCIMA PRIMEIRA
      1. Tendo havido, no prazo de dois anos a contar dos respectivos prazos, previstos nas cláusulas sétima, oitava e nona, aprovação do Projecto de Aldeamento Turístico e Declaração favorável de Impacto Ambiental relativamente a qualquer um dos prédios identificados nos Considerandos B), C) e D), mas não os tendo havido quanto a algum outro desses mesmos prédios, a Segunda Outorgante fica obrigada a formar a vontade da “C” no sentido de transmitir, para o primeiro outorgante, a propriedade de 2/3 do prédio sobre o qual não haja recaído a aprovação e a Declaração favorável referidas.
      2. A transmissão mencionada no número anterior será efectuada por escritura pública de compra e venda, pelo preço de € 1.000.000,00 e no prazo de 6 meses, contado do fim do prazo de dois anos referido no número anterior.
      4. A SEGUNDA OUTORGANTE deverá notificar o PRIMEIRO OUTORGANTE de que pretende que seja transmitida a favor deste a propriedade do prédio rústico sobre o qual não recaiu a respectiva aprovação de Projecto de Aldeamento Turístico e Declaração favorável de Impacto Ambiental, com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da celebração da respectiva escritura pública.
      5. O Banco Internacional de Crédito deverá, mediante a apresentação da escritura pública de transmissão do prédio, ou do instrumento notarial de protesto, caso o PRIMEIRO OUTORGANTE ou quem este indicar não compareça à escritura pública, entregar à SEGUNDA OUTORGANTE as acções correspondentes.
DÉCIMA TERCEIRA
      1. Todos os membros dos órgãos sociais da “C” actualmente em exercício de funções renunciam aos respectivos cargos, comprometendo-se a SEGUNDA OUTORGANTE a, de imediato, proceder à eleição dos novos membros dos corpos sociais, tudo consignando em acta de assembleia geral da “C” e mandando proceder aos competentes registos.
     DÉCIMA QUINTA
      1. O Primeiro Outorgante tem a faculdade de indicar um técnico à sua escolha para acompanhar o decurso do processo conducente à aprovação dos Projectos de Aldeamento Turístico e à emissão das Declarações favoráveis de Impacto Ambiental.
     2. A Segunda Outorgante assume a obrigação de informar o Primeiro Outorgante de todas e quaisquer negociações e/ou acordos que a “C” venha a efectuar relativamente à acção judicial referida no Considerando O)".
     2 - A 10 de Agosto de 2005, foi emitida, relativamente ao projecto de aldeamento turístico do P...A..., Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, constando da mesma o seguinte: "A circunstância deste projecto afectar a integridade do Sítio PTCON0010 - Arrábida/Espiche) - face aos objectivos de conservação do mesmo, tendo levado, por esse facto, à formulação de conclusões negativas na avaliação de impacte ambiental, determina que a presente DIA favorável condicionada não prejudique o cumprimento da exigência prevista no n9 10 do artigo 102 do Decreto-Lei n2 140199 de 24 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n9 4912005, de 24 de Fevereiro".
     3 - Por ofício datado de 21 de Abril de 2009, o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade informou o Sr. Presidente da Câmara Municipal de ... que "a Declaração de Impacte Ambiental emitida à data, em 10 de Agosto de 2005, relativamente ao projecto do P...A... caducou em Agosto de 2007".
     3 - A 20/10/2008, foi remetido ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado do Ambiente aquilo que a “C” denominou de "nova versão do Aldeamento Turístico do P...A...".
     4 - Foi remetido ao Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade o
projecto de reformulação a 6/03/2009, por ofício da Câmara Municipal de ....
     5 - Por ofício datado de 21 de Abril de 2009, o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade informou o Sr. Presidente da Câmara Municipal de ... que "a Declaração de Impacte Ambiental emitida à data, em 10 de Agosto de 2005, relativamente ao projecto do P...A... caducou em Agosto de 2007" e que "deverá o projecto de alterações relativo ao Aldeamento Turístico P...A... agora apresentado ser analisado como um novo processo em sede de Avaliação de Impacte Ambiental".
     6 - A requerida apenas se dispôs a pagar ao requerente a quantia de € 5.871.786,05 se o requerente lhe entregasse uma garantia bancária de idêntico valor.
     7 - O requerente, confiando que a requerida tudo faria para cumprir e ultrapassar as condicionantes da DIA, acedeu a entregar à requerida a garantia bancária emitida a 6 de Dezembro de 2005 do seguinte teor:
      "A Caixa Geral de Depósitos, S.A presta por este meio e a solicitação de “A”, ..., garantia bancária a favor de “B” - Investimento Imobiliário, S.A nos termos seguintes:
     A presente garantia destina-se a assegurar a devolução da quantia de € 5.871.786,05 (cinco milhões oitocentos e setenta e um mil setecentos e oitenta e seis euros e cinco cêntimos), respeitante ao pagamento que o Beneficiário efectua, nesta data, ao Cliente, da segunda prestação do preço devido pela compra e venda de acções e de créditos da Sociedade “C” - EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A  conforme alínea b) do número 1 da Cláusula Segunda do contrato de Compra e Venda de Acções e de Créditos, celebrado entre o Beneficiário e o Cliente em 15 de Outubro de 2004.
      A CGD obrigou-se a entregar ao Beneficiário a quantia assegurada se o Beneficiário a solicitar e simultaneamente invocar o seguinte: que o Cliente a não restituiu no prazo de trinta dias decorridos sobre a interpelação escrita daquele a este para o fazer, por o prédio rústico denominado Casal ... - A... - sito na Freguesia do ..., Concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n2 ..., com 300.000 m2 (trezentos mil metros quadrados), não ter sido objecto, no prazo de 3 anos, de declaração de interesse público a que alude o n2 10 do art. 102 do Decreto-Lei n2 140/99, de 24 de Abril".
     8 - O Requerente, na sequência e de acordo com solicitação para esse efeito feita pela Requerida, acedeu em prorrogar a garantia, o que fez nas datas de 4.11.2008, de 6.4.2009, 6.7.2009 e de 2.10.2009.
     9 - Os custos da garantia ascendem a €224.401,45.
      10 - O Requerente, por carta datada de 28.03.2007, enviou à Requerida comprovativos das despesas inerentes à emissão da Garantia e das respectivas renovações, solicitando o pagamento da quantia de € 60.483,00.
     11 - Requerente e requerido subscreveram documento datado de 27 de Março de 2009, denominado "Aditamento ao Contrato de Compra e Venda de acções e de créditos celebrado em 15 de Outubro de 2004", do qual constam as seguintes cláusulas:
     "Primeira
     A “B” e o primeiro outorgante acordam alterar o teor do n2 1 da cláusula Décima do contrato de compra e venda de acções e de créditos celebrado em 15.10.2004, a qual passa a ter a seguinte redacção:
      Se, até 31.12.2009, não ocorrer nenhuma das aprovações, bem como, não for emitida nenhuma das Declarações favoráveis de Impacto Ambiental referidas no Considerando N) e ainda não for proferida., ou não for, administrativa ou judicialmente, dispensada a declaração de interesse público a que se refere o Decreto-Lei n2 140/99, de 24 de Abril (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n2 49/2005, de 24 de Fevereiro) relativamente ao prédio descrito no Considerando B), este contrato tem-se por resolvido, ficando cada um dos outorgantes obrigado a, no prazo de 30 dias, restituir tudo o que houver sido prestado pelo outro outorgante.
     Segunda
      1 - O Primeiro Outorgante obriga-se a que seja prorrogado por mais um trimestre, ou seja, até 06 de Julho de 2009, o prazo de validade da garantia bancária número ..., emitida em 06/12/2005 pela Caixa Geral de Depósitos, a favor da “B” - Investimento Imobiliário, SA, que já anteriormente foi prorrogado por Aditamento de 04 de Novembro de 2008.
     2 - O prazo de validade da referida garantia bancária, referida no número anterior, poderá ser novamente prorrogado, por períodos iguais e sucessivos de três meses, até ao termo da vigência do Contrato de Compra e Venda de Acções e de Créditos.
     3 - A “B” obriga-se a pagar ao Primeiro outorgante o valor correspondente às despesas suportadas com a garantia bancária identificada no ponto anterior, até ao montante máximo de 1% (um por cento) do valor da garantia bancária, e o imposto de selo devido pelas renovações, será até ao limite máximo de 9.000,00 euros na totalidade das renovações, caso a mesma não venha a ser accionada e caso o contrato de compra e venda de acções e de créditos não venha a ser resolvido.
      4 - As quantias devidas nos termos do número anterior desta cláusula serão pagas até ao termo da vigência do Contrato do qual este Aditamento faz parte integrante".
     12 - Por ofício datado de 16 de Abril de 2007, a Câmara Municipal de ... informou o requerente, relativamente ao P...P..., que "o processo... diz respeito a um pedido de Informação Prévia para viabilidade de construção de Aldeamento Turístico de 4 *"; que "foram consultadas a D.G.T. a DRAOT-LVT e o ICN que emitiram parecer favorável"; que "em Fevereiro de 2004 na sua reunião de dia 18 a Câmara deliberou igualmente emitir parecer favorável"; e que "o pedido de Informação Prévia tendo a validade de 1 ano já se encontra caducado".
     13 - Por ofício datado de 16 de Abril de 2007, a Câmara Municipal de ... informou o requerente, relativamente ao Casal ..., que "o processo... diz respeito a um pedido de Informação Prévia para viabilidade de construção de Aldeamento Turístico"; que "foram consultadas a D.G.T. a DRAOT-LVT e o ICN que emitiram parecer desfavorável"; e que "decorre ao abrigo dos art. 1002 e 1012 do CPA prazo para o requerente produzir alegação".
     14 - No dia 5 de Dezembro de 2005, por escritura pública, o Banco Internacional de Crédito, a requerida e a “C” celebraram acordo pelo qual o referido Banco concedeu à Requerida "um financiamento sob a forma de conta-empréstimo no valor de doze milhões de euros" e a “C” deu de hipoteca ao Banco os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n2s ..., ... e ... em "caução e garantia do bom pagamento do financiamento... concedido à... “B”... e de todas e quaisquer responsabilidades que a referida sociedade tenha ou venha a ter perante o Banco...seja qual for a forma que revistam".
     15 - Da escritura consta a seguinte cláusula: "a execução, arresto, penhora ou alienação dos imóveis hipotecados... importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas".
16 - A hipoteca em questão veio a ser registada na Conservatória do Registo Predial de ... com data de 20.04.2006, constando do registo, como montante máximo garantido, o valor de €15.630.000.
      17 - Na acção referida no Considerando Q) mencionado no ponto 1, foi lavrada transacção a 16.11.2006 pela qual a “C” se obrigou a pagar a “M” a quantia de € 500.000,00, em 4 prestações no valor de € 125.000,00, cada uma.
      18 - “M” instaurou execução contra a “C”, no decurso da qual foram penhorados os prédios referidos no ponto 1 e registadas tais penhoras entre 31.01.2008 e 21.02.2008, para garantia do valor de € 251.583,32.
      19 - Na execução referida no ponto 18, o Banco Espírito Santo, como sucessor do Banco Internacional de Crédito, apresentou, a 15 de Julho de 2008, reclamação de créditos no valor de € 50.403.658,97, invocando a hipoteca referida nos pontos 14 e 16.
     20 - A 26 de Novembro de 209, foi paga a quantia exequenda.
      21 - A 15.5.2007, foi registada a desanexação de um prédio, a que passou a corresponder o n2 13034, com 30.000m2, para "arredondamento de extremas do prédio descrito sob o n2 ... do ...".
     22 - A 23 de Novembro de 2009, a requerida enviou ao requerente carta pela qual solicitava a restituição do montante de € 5.871.786,05 por o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n2 ... não ter sido objecto, no prazo de três anos sobre a emissão da Declaração de Impacte Ambiental, da declaração de interesse público.
     23 - O Requerente remeteu à Requerida, a 18 de Dezembro de 2009, carta pela qual comunicou que considerava que esta incumpriu definitivamente o contrato e interpelava a requerida para pagar a quantia de € 10.027.257,67 correspondente ao resto do preço em falta.
     24 - Por carta datada de 15 de Janeiro de 2010, a requerida respondeu à carta do requerente referida no ponto 23, recebeu uma carta/resposta da Requerida, à sua carta de 18/12/2009, que se junta como doc. 65.
     25 - A 20 de Julho de 2007, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional indeferiu o pedido de reconhecimento do interesse público quanto ao aldeamento turístico P...A....
     26 - A 2 de Outubro de 2007, por Despacho do Senhor Secretário de Estado do Ambiente foi indeferido o pedido de prorrogação do prazo de validade da Declaração de Impacte Ambiental, constando do despacho o seguinte:
    "a) A assumpção da legalidade da exigência do cumprimento do estabelecido no n9 10 do artigo 102 do Decreto-Lei n9 140/99 de 24/4, foi feita, desde logo, por este ministério em Abril de 2006, nos termos da contestação apresentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (Processo n2 .../05.3BELSB), estando assim, desde essa data, perfeitamente esclarecida a posição desde ministério;
     b) A exigência de cumprimento da legislação citada na alínea anterior decorre do facto da execução do projecto em questão afectar a integridade do Sítio PTCON0010 - Arrábida/ Espichei - face aos objectivos de conservação do mesmo, tendo levado, por esse facto, à formulação de conclusões negativas na avaliação de impacte ambiental -, tal como foi reiterado no nosso ofício n2 3680, de 07-09-07;
c) Desde a notificação da DIA proferida em 10 de Agosto de 2005 que o proponente poderia ter intentado, antes da instauração da acção judicial ou já na pendência do processo .../05.3BELSB, uma providência cautelar de suspensão de eficácia dessa mesma DIA, sendo certo que, a obter provimento na mesma, teria obstado à sua caducidade e tornar-se-iam despiciendas todas as outras diligências que elenca no requerimento inicial e em sede da audição prévia dos interessados;
     d) Os riscos do proponente não ter lançado mão do mecanismo processual judicial referido na alínea anterior, como podia, não podem ser, seguramente, imputados a este ministério;
     Considerando ainda que Sua Excelência, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, por despacho de 20/07/2007, entendeu não estarem reunidas as condições para o reconhecimento, por despacho conjunto, da necessidade de realização do projecto em apreço por razões imperativas de reconhecido interesse público, nos termos referidos no n2 10 do artigo 102 do DL 140/99, de 24 de Abril, reconhecimento esse que é - conforme posição manifestada desde logo por este ministério na contestação mencionada na alínea a) do considerando anterior - condição legal sine qua non para que o mesmo possa ser realizado;
      Determino:
     1 - O indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de validade da Declaração de Impacte Ambiental por mim proferida em 10 de Agosto de 2005, relativa ao projecto "Aldeamento Turístico do P...A...", por considerar que não foi apresentada justificação atendível para a necessidade de ultrapassar os prazos previstos na lei".
     27 - Um dos projectos imobiliários que a requerida teve em curso, denominado "P... V..." foi objecto de várias acções judiciais com pedidos de restituição do sinal em dobro.
     28 - No âmbito destes processos a Requerida, entre Fevereiro e Março de 2010, foi efectuando algumas transacções judiciais.
      29 - A requerida tem dívidas fiscais que ascendem a quantia não inferior a € 205.000,00.
      30 - A requerida, na declaração de IRC respeitante ao ano de 2009, inscreveu prejuízos para efeitos fiscais na ordem dos € 12.000.000,00.
      31 - Encontram-se registados a favor da Requerida centenas de imóveis sitos, entre outros concelhos, em I..., P... e C..., sobre os quais incidem diversas penhoras e hipotecas, a saber:
     - hipoteca a favor do Banco Internacional de Crédito para garantia do empréstimo concedido à requerida no valor de € 8.421.360,00;
     - hipoteca a favor do Banco Internacional de Crédito para garantia de abertura de crédito concedido à requerida no valor de € 1.500.000,00;
     - penhora para garantia da quantia exequenda de € 446.451,23 que “N” pretende haver da requerida;
     - hipoteca a favor da Fazenda Nacional para garantia do pagamento de IRC relativo ao exercício do ano de 2006 no valor de € 874.195,78;
penhora para garantia da quantia exequenda de € 401.159,45 que “O” pretende haver da requerida;
      - hipoteca a favor do Banco Espírito Santo para garantia de empréstimo bem como de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair, nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda-certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, descontos de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales, no montante máximo assegurado de € 56.170.000,00;
- hipoteca a favor do Banco Espírito Santo para garantia das obrigações que advêm ou possam advir em virtude de quaisquer contratos de natureza bancária em direito permitidos, já celebrados ou que venham a ser celebrados, nomeadamente os relacionados com quaisquer garantias como sejam fianças ou garantias bancárias de qualquer tipo, os relacionados com letras, livranças, bem como com todas e quaisquer formas de financiamento ou concessão de crédito, regulado, ou não, em legislação especial, como sejam mútuos, aberturas de crédito, descobertos em conta, financiamentos externos, bem como as restantes operações financeiras nas quais seja ou venha a ser interveniente, no montante máximo assegurado de € 20.550.000,00;
     - penhora para garantia da quantia exequenda de € 336.772,87 que “P” pretende haver da requerida;
     - penhora para garantia da quantia exequenda de € 53.737,45 que “Q” - Fornecimento e Obras Públicas, Lda. pretende haver da requerida;
     - hipoteca a favor do Banco Espírito Santo para garantia de abertura de crédito no valor de € 30.000.000,00.
     32 - A requerida tem pendentes, contra si, as seguintes acções executivas:
     - Processo .../08.2YYLSB, do 32 Juízo - 3? Secção dos Juízos de Execução de Lisboa - Dívida: € 310.880,00 - Exequente “R”;
     - Processo .../08.3YYLSB, - Juízos de Execução de Lisboa, 1° Juízo - 3? Secção, Dívida: 401.159,45, Exequente “O”;
     - Processo: .../08.8YYLSB, Juízos de Execução de Lisboa, 32 Juízo - 3? Secção, Dívida: € 168.669,00, Exequente “S”;
     - Processo: .../09.6YYLSB, Juízos de Execução de Lisboa, 1° Juízo - 3? Secção, Dívida: € 25.479,44, Exequente “T”;
     - Processo: .../09.6YYLSB, Juízos de Execução de Lisboa, 29 Juízo - 1? Secção, Dívida: € 78.126,26 €, Exequente “U”.
     Com interesse para a decisão da causa, não se lograram provar, ainda que sumariamente, os seguintes factos:
      1 - O accionista titular das restantes acções representativas do capital social da “C” procedeu à venda à “B” das acções de que era titular naquela sociedade.
      2 - “V” e requerida celebraram acordo pelo qual foram depositadas em "escrow account" 626.700 acções representativas do capital social da “C”.
      3 - A requerida não efectuou o pedido de reconhecimento do interesse público.
      4 - A requerida reagiu contra o despacho no que à necessidade de reconhecimento do interesse público respeita, propondo acção administrativa especial de impugnação, actualmente em fase de recurso no Tribunal Central Administrativo.
      5 - A requerida não efectuou pedido de prorrogação da DIA antes do termo do respectivo prazo.
      6 - A Requerida não forneceu ao requerente quaisquer informações sobre o estado do processo.
      7 - O requerente pagou a quantia exequenda no valor de € 170.000,00.
      8 - A requerida tem colhido, desde 2004, os frutos naturais existentes nas propriedades, designadamente mandando proceder à apanha e venda das pinhas, cujo rendimento, só no ano de 2009, ascendeu a, aproximadamente, €100.000,00.
      9 - A requerida propôs acção de impugnação judicial da decisão de não prorrogação do prazo de validade da DIA.
      10 - Os pagamentos que a requerida efectuou aos promitentes-compradores foram-no com o dinheiro proveniente da quantia de € 5.871.786,05 respeitante à garantia bancária que a Caixa Geral de Depósitos honrou mediante depósito autónomo efectuado a favor da requerida em Fevereiro de 2010.
      11 - Alguns credores avançaram com o pedido de insolvência da requerida junto do Tribunal de Comércio de Lisboa.
      12 - A requerida tem pendentes contra si as acções declarativas identificadas no artigo ...- da petição inicial aperfeiçoada.
     2.3. O decisor da 1ª instância adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2. esta sumária motivação:
     No que toca à matéria de facto dada como sumariamente provada, a convicção do tribunal teve na sua base os documentos de fls. 59 a 72, 77 a 91, 102 a 138, 151 a 296, 299 a 302, 307 a 328, 2929 a 2945, 1670 a 2908, 2951 a 2954, 2911 a 2917 e 2970 a 3004 e nos depoimentos das testemunhas “D” e “X”, testemunhas que depuseram com conhecimento dos factos relativos ao projecto do Aldeamento Turístico do P...A... por, à data dos factos, trabalharem no Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, respectivamente.
__ Para além dos factos que ficaram prejudicados pela matéria de facto dada como provada, a matéria de facto dada como não provada encontra a sua explicação no facto de não ter sido junto documento no qual tenha sido reduzido a escrito o acordo alegado no artigo 311 da petição inicial aperfeiçoada; no facto de o documento de fls. 92 a 101 não se encontrar assinado; no facto de não ter sido junto certidão judicial comprovativa de ter a requerida instaurado acção de impugnação do despacho que considerou necessário o reconhecimento do interesse público e acção de impugnação do despacho de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de validade da DIA; no facto de ser feita referência no aditamento ao contrato de fls. 189 a 191, datado de 27 de Março de 2009, à dispensa, administrativa ou judicial, da declaração de interesse público, o que indicia que, pelo menos a 27 de Março de 2009, o requerente conhecia o estado do processo relativo ao P...A..., sendo de salientar que a posição do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade quanto à caducidade da Declaração de Impacte Ambiental é diferente da posição da requerida; no documento de fls. 293 a 296 do qual resulta que foi a “Z” quem pagou a “M”; na ausência de prova dos factos vertidos nos pontos 8, 10 e 12 da matéria de facto dada como não provada; e no facto de não ter sido junta certidão judicial comprovativa dos pedidos de insolvência.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.
No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].
Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[5].
Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.
A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso[6]: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis ou falta de citação do demandado, quando a nulidade correspondente não deva considerar-se sanada – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – facto deveras raro – é lícito concluir que os recursos interpostos para a Relação visam, em regra, reapreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada (artº 273 nºs 1 e 2 do CPC).
Como melhor se detalhará, o interessado que pretenda obter a providência de arresto, há-de apresentar requerimento ou petição inicial na qual exponha os fundamentos da providência (artº 407 nº 1 do CPC).
Os fundamentos correspondem aos requisitos legais do arresto e configuram verdadeiramente causa petendi da providência. O requerente deve, portanto, alegar: que é titular de determinado direito de crédito; que o seu direito corre risco de insatisfação (artºs 406 nº 1 e 407 nº 1 do CPC). O requerente deve, pois, expor e mostrar: que tem um direito de crédito contra o arrestando; que se verificam tais e tais factos, dos quais emerge o justo receio de perda da respectiva garantia patrimonial.
Tanto na petição inicial primitiva como na petição inicial aperfeiçoada, o recorrente alegou ser titular, relativamente à requerida, deste exacto direito de crédito: o direito ao percebimento do remanescente do preço convencionado no contrato de compra e venda de valores mobiliários – acções do capital social de sociedade anónima – e ao reembolso das despesas que suportou com a prestação de garantia bancária para que parte daquele preço lhe fosse satisfeito pelo comprador e o direito – eventual – de indemnização por perdas e danos sofridas com todo este processo.
E foi a existência de um tal direito de crédito que a decisão impugnada não julgou provável e foi a esse direito que essa mesma decisão recusou a concessão da tutela cautelar pedida.
Simplesmente na alegação do seu recurso, o impugnante – em harmonia com os pedidos subsidiários que entretanto formulou na acção principal - alega a titularidade de outros direitos, maxime, o direito à restituição das acções vendidas.
É bem de ver que esta alegação se resolve na modificação de um elemento objectivo da instância: o direito para o qual se reclama tutela cautelar.
A reclamação de tutela cautelar para esse direito, equivale a pedir no recurso algo distinto do que se pediu na instância recorrida.
A ter-se a conduta do recorrente por processualmente exacta, o recurso não teria por finalidade a reponderação de qualquer decisão proferida na instância de que aquele provém – mas o julgamento ex-novo de uma questão que, bem podendo ter sido sujeita à apreciação do tribunal recorrido, o não foi.
Insiste-se: os recursos visam obter a revogação de decisões incorrectas e não produzir decisões sobre factos ou pedidos novos, quer dizer, factos que podiam ter sido alegados na instância recorrida ou pedidos que nela poderiam ter sido formulados.
Portanto, o único direito que constitui objecto admissível do recurso é aquele que foi alegado na instância recorrida e sobre o qual estatuiu a sentença impugnada: o crédito ao percebimento do remanescente do preço convencionado no contrato de compra e venda de valores mobiliários – acções do capital social de sociedade anónima – e ao reembolso das despesas que suportou com a prestação de garantia bancária para que parte daquele preço lhe fosse satisfeito pelo comprador e o direito – eventual – de indemnização por perdas e danos sofridas com todo este processo. Qualquer outro direito do recorrente, não pode, portanto, no caso, ser considerado na instância de recurso.
     Nestas condições, o recurso tem por objecto a ofensa, pela decisão impugnada, do caso julgado formal, o error in iudicando da matéria de facto e, por último, a verificação, no caso, dos pressupostos de que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar de arresto. O exame destes últimos pressupostos reclama no caso, a exame, ainda que breve, do regime da condição.
Sendo este o objecto do recurso, então interessa, antes de mais, recortar, ainda que levemente, os pressupostos da providência cautelar especificada de arresto preventivo e a medida da prova exigida para seu preenchimento, o regime da condição, a eficácia, as modalidades e o âmbito objectivo do caso julgado e, finalmente, os pressupostos da modificação, por esta Relação, da decisão da matéria de facto do tribunal de que provém o recurso.
Os elementos assim obtidos permitirão, depois, regressar ao caso do recurso e aferir da correcção da decisão impugnada.
3.1. Pressupostos específicos da providência cautelar especificada de arresto.
     Nem sempre uma regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o proferimento de uma decisão do tribunal que resolva, de forma definitiva, conflito.
     A necessidade de assegurar a efectividade da tutela jurisdicional e a utilidade da decisão justificam, por vezes, uma composição provisória da situação controvertida. Essa composição provisória é disponibilizada pelas providências cautelares.
     Essa composição provisória pode, entre outras, ter por finalidade garantir um alegado direito, como sucede, por exemplo, quando o devedor está a dissipar o seu património e, portanto, se torna indispensável impedir a continuação dessa conduta, porque, caso contrário, o credor, mesmo que venha a obter uma sentença condenatória, perde, entretanto, a garantia patrimonial do crédito invocado (artº 601 do Código Civil).
     A providência cautelar especificada de arresto constitui, precisamente, do ponto de vista da sua finalidade, uma providência de garantia, visto que visa exactamente garantir a utilidade da composição definitiva[7].
     O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (artºs 406 nº 1 do CPC, 601 e 619 nº 1 do Código Civil). Para assegurar a realização da pretensão e a sua execução, apreendem-se judicialmente bens ao devedor ou bens do devedor transmitidos a terceiro (artºs 406 nº 2 e 407 nº 2 do CPC, 601 e 619 nº 1 do Código Civil).
     Em regra, a tutela disponibilizada pela providência cautelar é distinta e destina-se a ser substituída pela tutela definitiva atribuída pela acção principal. Essa regra de substituição da composição provisória por aquela que vier a resultar da acção principal da qual dependente conhece, porém, no tocante ao arresto uma excepção, dada a possibilidade da sua conversão em penhora na acção executiva (artº 846 do CPC).
     Como qualquer outra providência cautelar, o arresto está sujeito, além do interesse processual, a dois pressupostos específicos, através dos quais se objectivam os fundamentos da necessidade da composição provisória através do decretamento da garantia: o periculum in mora; o fumus bonus iuris.
     A finalidade específica da providência é evitar o dano proveniente da demora da tutela da situação jurídica, i.e., obviar ao periculum in mora. Se este faltar, ou seja, se o requerente da providência não se encontrar na eminência de sofrer qualquer lesão ou dano – no caso do arresto, se o requerente não se encontrar pelo menos na eminência de perder a garantia patrimonial do seu crédito – falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada. Neste sentido, o periculum in mora é, verdadeiramente, um elemento constitutivo da providência requerida: a falta dele obsta ao seu decretamento.
     Após a revogação tácita do artº 403 nº 3 do CPC de 1961, pelo artº 1 do DL nº 329-A/95 tornou-se admissível o arresto contra comerciantes. A proibição do arresto contra comerciantes constituía, efectivamente, um privilégio injustificado. Todavia, a circunstância de o devedor ser comerciante importa a reconformação de algumas situações que normalmente justificam o arresto. Está nessas condições, por exemplo, a alegação de que requerido pretende alienar os seus bens imóveis: compreende-se por si que este fundamento da providência não pode ser transposto, sem outras considerações complementares, para uma empresa que precisamente de dedique a essa actividade[8].
Como se fez notar, a razão desta providência está nisto: o património do devedor é garantia dos credores; foi atendendo a determinado património que estes com ele contrataram, sendo portanto justo permitir o arresto logo que os bens que formam o conteúdo dessa garantia começarem a desaparecer, a ponto de o desaparecimento fazer perigar a satisfação do direito de crédito.
Apenas se exige a prova da probabilidade da existência do crédito, pouco importando que a dívida não esteja vencida ou que não se ache fixado o seu quantitativo – dívida ilíquida.
Não interessa o destino que o devedor se proponha dar ou tenha dado aos bens, nem o carácter oneroso ou gratuito do acto de disposição deles: que o credor não possa obter pagamento porque o devedor não tem bens, ou porque os ocultou de maneira a não se encontrarem, é precisamente o mesmo; que o credor não veja o seu crédito satisfeito porque o devedor não tenha bens, ou porque doou ou os vendeu, é exactamente a mesma coisa; que o devedor não tenha bens ou que o credor, apesar das diligências que desenvolveu, não consiga encontrá-los, é uma e mesma coisa.
Também não se exige a prova de que os actos do devedor de que resulta o perigo de insatisfação do crédito sejam subjectivamente iluminados por qualquer propósito de prejudicar o credor, que o devedor agiu ordenado pela finalidade de subtrair os seus bens para não pagar. A única condição é a de que desses actos do devedor resulte, objectivamente, para o seu património, uma situação que faça perigar a satisfação ao direito do credor: desde que se mostre que desses actos resulta o perigo de insatisfação do crédito, deve colocar-se na mão do credor o meio de conservação da garantia patrimonial representada pelo arresto.
É ao credor que cabe, por inteiro, o encargo do julgamento sobre o momento que julga adequado para actuar este meio jurídico específico destinado a manter a integridade possível do património do devedor, podendo actuá-lo para prevenir toda e qualquer saída patrimonial ou simplesmente para impedir o agravamento dessa diminuição do activo patrimonial do devedor.
É claro que se o credor tomar uma atitude de longanimidade, de apatia ou de exagerada confiança, corre o risco de não encontrar qualquer património ao devedor. Todavia, a ausência de bens no património do devedor no momento em que o credor promove o arresto, prende-se com a utilidade ou o êxito da providência e não com a verificação dos respectivos pressupostos. Em qualquer caso, é um risco que releva inteiramente da esfera ou da auto-responsabilidade do credor. A lesão do direito de crédito, por perda da respectiva garantia patrimonial, só é definitiva e irreversível se, no momento em que o credor actua este meio cautelar de conservação dessa garantia, o devedor não dispuser de qualquer património. Aliás, a observação da realidade judiciária, mostra de, um aspecto, que, em regra, o credor tem uma atitude mais apressada ou insofrida, apresentando-se, ao mínimo sinal de inconsistência económica do devedor, a requerer o arresto dos bens dele, muitas vezes com base num receio assente em simples ou vagas conjecturas subjectivas, e, de outro, que como consequência da morosidade da justiça, é frequente o recurso às providências cautelares como forma de solucionar litígios, especialmente quando elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a dispensar essa tutela.
     3.2. Medida da prova dos pressupostos da providência cautelar especificada de arresto.
     A prossecução da finalidade específica da providência cautelar exige que a composição provisória que disponibiliza seja concedida com celeridade. A providência cautelar satisfaz-se, por isso, como uma apreciação sumária.
Consequência directa da summario cognitio é o grau de prova que é suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente. A providência cautelar não exige uma prova stricto sensu - mas apenas uma prova sumária do direito ameaçado, ou seja a probabilidade séria da existência do direito alegado (artºs 384 nº 3, 387 nº 1, 403 nº 2, 407 nº 1, 421 nº 1 e 423 nº 1 do CPC).
     O arresto, tal como de resto, todas as providências cautelares, requer apenas, quando ao grau de prova, um mera justificação, a simples demonstração de que a situação jurídica alegada – a existência do crédito invocado – é provável ou verosímil, sendo, por isso, suficiente, a aparência desse direito. Numa palavra: basta um fumus boni iuris.
     Isto é decerto assim relativamente á prova exigida para a convicção do tribunal sobre a realidade da situação que se pretende acautelar – no caso do arresto, relativamente ao crédito que corre o perigo de insatisfação por perda da garantia patrimonial: quanto a este requisito pede-se ao tribunal apenas uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Esta solução explica-se pela circunstância de este pressuposto específico da providência cautelar constituir simultaneamente objecto da acção principal, na qual o credor terá de fazer a prova stricto sensu da existência do direito acautelado[9].
     Mas o mesmo não sucede com o requisito do periculum in mora: este pressuposto específico da providência constitui objecto exclusivo do procedimento cautelar e já não também da acção principal.
     Por este motivo não falte quem sustente que quanto ao segundo pressuposto – perigo de insatisfação do direito que se pretende acautelar – se pede ao tribunal algo mais: um juízo de realidade ou certeza. É essa, de resto, a orientação dominante na jurisprudência[10].
     Todavia, a verdade é que a exigência de que o receio de perda da garantia patrimonial seja fundado não é incompatível, quanto ao grau de prova, com a suficiência de mera justificação[11], dado que o requisito tem por finalidade salientar a exigência de que o periculum in mora deve decorrer de factos e circunstâncias objectivas e não de temores puramente subjectivos ou de simples conjecturas do credor, sem qualquer correspondência ou tradução na realidade.
     É claro que a circunstância de o periculum in mora constituir pressuposto exclusivo da providência, no sentido de que não será objecto de apreciação na acção principal, faz com que o juízo sobre a sua verificação se deva aproximar da certeza[12]. Mas não equivale, em qualquer caso, à exigência de uma prova stricto sensu, ou seja uma convicção, absolutamente certa e segura, do tribunal sobre a realidade dos factos constitutivos daquele pressuposto: é suficiente um juízo de probabilidade forte e convincente[13].
     Note-se, por último, que mesmo a suficiência da mera justificação como medida da prova não provoca qualquer refracção às regras gerais de distribuição do ónus da prova: a repartição desse ónus entre o requerente e o requerido faz-se inteiramente de harmonia com essas regras (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).
     A summaria cognitio justifica igualmente que a providência cautelar de arresto seja decretada sem a prévia audiência da parte contrária, isto é, possa ser concedida sem facultar a esta parte o uso do contraditório (artº 408 nº 1 do CPC). A providência é decretada demonstrada que seja a probabilidade séria da existência do seu crédito, ainda que sujeito a termo ou a uma condição resolutiva, e justificado o receio de perda da respectiva garantia patrimonial (artº 408 nº 1 do CPC).
     3.3. Regime da condição.
O código Civil dá esta noção de condição: cláusula contratual típica que vem subordinar a eficácia de uma declaração de vontade a um evento futuro e incerto (artº 270). Depois de dar esta noção, o mesmo Código procede a um distinguo entre a condição suspensiva e a condição resolutiva. A condição diz-se suspensiva quando o negócio só produza efeitos após a verificação do evento; a condição é resolutiva sempre que o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual verificação do evento em causa (artº 270).
Além desta classificação legal, a condição é susceptível de uma multiplicidade de classificações de origem puramente doutrinal[14]. Por relevar para a economia do recurso, destaca-se a ordenação das condições que as separa entre as condições casuais e potestativas, condições de momento certo e de momento incerto, e condições automáticas e condições exercitáveis.
Assim, a condição pode ser casual ou potestativa, conforme o evento de que dependam se traduza num facto alheio aos participantes ou, pelo contrário, emirja da vontade de um deles, caso em que este último recebe o direito potestativo de deter ou desencadear a eficácia do negócio. A condição casual pode depender dum facto natural, dum acto de terceiro ou dum acto social ou administrativo.
A condição pode ser de momento certo ou de momento incerto, conforme ocorra numa ocasião prefixada, ainda que incerta ou numa ocasião indeterminada.
As condições podem ser automáticas ou exercitáveis, de harmonia com a desnecessidade ou a necessidade, para a sua eficácia, de qualquer manifestação de vontade.
A condição seja ela suspensiva ou resolutiva, releva, inteiramente, da autonomia privada das partes e, como tal, deve ser respeitada (artºs 270, 405 e 406 nº 1 do Código Civil).
A pendência da condição cessa com a verificação ou não verificação; a certeza de que a condição se não verificará equivale à não verificação (artº 275 do Código Civil).
Verificada a condição os seus efeitos retrotraem-se, em princípio, à data da conclusão do negócio a que foi aposta. Portanto, sendo resolutiva, aquele negócio tem-se como não celebrado (artºs 276 e 277 do Código Civil).
Desde o momento da celebração do negócio condicionado e até à altura em que se verifique a condição – ou que haja a certeza de que não se verificará – esta está pendente. A pendência da condição é, assim, o período que medeia entre a celebração do negócio e a verificação ou não da condição.
Durante esse tempo, no caso de condição resolutiva, os efeitos negociais produzem-se plenamente. Todavia, a verdade é que a situação jurídica condicionada é, por definição, uma situação instável, e, consequentemente, uma fonte de conflito de direitos: o titular do direito condicionado é, de algum modo, um titular precário.
A condição opera, naturalmente, uma distribuição de riscos, dado que da sua pendência ou da sua verificação podem ocorrer danos para os intervenientes no negócio. Trata-se, porém, de um risco assumido, por decorrer, por inteiro, da actuação da autonomia privada, que, como tal deve ser suportado, com resignação, pela parte prejudicada.
Pendente condicione, a boa fé desempenha um papel extraordinariamente importante. Assim, se a condição for impedida por aquele que prejudica, tem-se por verificada; se também contra a boa fé, for provocada por aquele a quem beneficia, a condição considera-se não verificada (artºs 272 e 275 nº 2 do Código Civil). Numa palavra: nenhuma das partes pode, contra a boa fé, impedir ou provocar condições.
A boa fé deve, neste contexto, ser entendida em sentido objectivo e, portanto, como a necessidade de, em cada situação jurídica, observar os vectores fundamentais da ordem jurídica[15]. Desta manifestação de boa fé objectiva decorre a exigência da observância, designadamente, do princípio da confiança: na pendência da condição, as partes não devem actuar contra o que, de harmonia com as suas opções negociais, ou pela ordem natural das coisas, iria, em princípio ocorrer, em termos que provocaram a crença ou a expectativa legítimas da contraparte. Deste modo, é de todo contrária a boa fé qualquer actuação das partes que incida sobre o iter formativo da condição desde que, por exemplo, se venha a interferir na sua ocorrência ou não ocorrência, em termos que contrariem a confiança fundada da outra parte.
Os efeitos da verificação ou do preenchimento da condição vêm claramente marcados na lei: a produção dos efeitos do acto, tratando-se de condição suspensiva; a cessação desses mesmos efeitos, se a condição for resolutiva. A regra é a de que esse desencadeamento ou essa cessação seja retroactiva (seja resolução e não dissolução); mas a isso pode opor-se a natureza do negócio ou a vontade das partes (artº 276 do Código Civil).
Para o problema, sempre sensível, do ónus da prova da verificação da condição, a lei disponibiliza uma previsão específica: esse ónus recaiu sobre o autor, se o direito que invoca estiver sujeito a condição suspensiva, ou sobre o réu, se essa condição for resolutiva (artº 343 nº 3 do Código Civil). Esta regra vale, naturalmente, para os casos em que a condição se tenha por verificada por impedimento daquele a quem prejudica: a prova da verificação suspensiva a que tenha sido sujeito o direito do autor, por impedimento da sua verificação pela parte a que prejudica, continua a caber àquele.
3.4. As modalidades, a eficácia e o âmbito objectivo do caso julgado.
Como bem nota o recorrente, o caso julgado consiste na insusceptibilidade de impugnação – por meio de reclamação ou através de recurso ordinário - de uma decisão, decorrente do seu trânsito em julgado (artº 677 do CPC).
O caso julgado traduz-se, por isso, na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão – por qualquer tribunal, mesmo, portanto, por aquele que a proferiu – por força da insusceptibilidade da sua impugnação, por reclamação ou recurso ordinário.
Um distinguo fundamental neste domínio, e que assenta no âmbito da sua eficácia, é o que separa o caso julgado formal do caso julgado material: o caso julgado formal só tem um valor intraprocessual e, portanto, só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão que o adquiriu (artº 672 do CPC); já o caso julgado material, para além de valer no processo em que a decisão foi proferida, é susceptível de valer num outro processo (artº 671 nº 1 do CPC).
Estas considerações deixam, aliás, antever os dois efeitos processuais característicos do caso julgado: um efeito negativo, que se resolve na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, de se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; um efeito positivo, que se traduz na vinculação do tribunal que proferiu a decisão – e eventualmente, qualquer outro tribunal – ao que nessa mesma decisão se declarou ou definiu.
É claro que é sempre possível a violação destes efeitos e, portanto, a situação patológica da existência de casos julgados contraditórios – tanto no mesmo processo como em processos distintos. Para resolver o conflito, a lei socorre-se de um critério ou princípio de prioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tiver transitado em primeiro lugar (artº 675 nº 1 do CPC). Este critério de remoção da contradição de casos julgados vale, igualmente, para as decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (artº 675 nº 2 do CPC).
Mas há sempre que determinar a exacta determinação do quantum da matéria apreciada pela decisão que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, o mesmo é dizer, que precisar o âmbito ou limite objectivo do caso julgado.
De forma deliberadamente simplificadora, pode assentar-se em que a o caso julgado abrange a parte decisória da decisão, quer dizer, a conclusão extraída dos seus fundamentos: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusuum de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (artº 659 nº 2, in fine, do CPC).
3.5. Poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto.
A apelação, dado o seu carácter de recurso global, destina-se também a facultar o controlo da decisão do tribunal de 1ª instância relativamente à matéria de facto e, pode, de resto, ter por único fundamento, um error in judicando dessa matéria.
     Um tal error in iudicando da matéria de facto pode, todavia, radicar em duas causas diversas: pode tratar-se de um erro na apreciação dessa prova ou mais simplesmente de um erro na selecção do objecto da prova.
     Um primeiro caso em que a Relação pode ser chamada a censurar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª instância não respeita à violação dos critérios de apreciação da prova – mas à infracção das regras relativas à selecção da matéria de facto. Não se trata, portanto, de controlar a correcção do procedimento de apreciação da prova da matéria de facto – mas a exactidão da operação de selecção dessa matéria.
     Sempre que considere deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto – por se ter omitido o julgamento de um facto relevante – a Relação anula a decisão da 1ª instância e reenvia-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (artº 712 nº 4, 1ª parte, do CPC)[16].
     A decisão da matéria de facto é deficiente sempre que o julgamento, não cubra a matéria de facto alegada pelas partes, relevante segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da causa. Por outras palavras: a decisão da matéria de facto é deficiente quando determinado ponto da matéria de facto ou algum segmento dela não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa[17].
     O julgamento do recurso de harmonia com o modelo de cassação justifica-se pelo facto de a decisão da matéria de facto se encontrar ferida de um erro de julgamento, mas de este erro não resultar de um erro na apreciação da prova - mas de um erro sobre o objecto dessa prova.
     As dificuldades na exacta determinação dos parâmetros de controlo da Relação relativamente à decisão da questão de facto do tribunal da 1ª instância sobem de tom no caso de a patologia dessa decisão não no erro sobre o objecto da prova – mas no erro na avaliação, aferição ou valoração dessa prova.
     A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).
     Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[18].
     Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[19].
     Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.
     De um aspecto, porque esse controlo, e a reponderação correspondente, da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos ou da leitura fria e inexpressiva, da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[20]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora ou a assentada não têm a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[21]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, a gravação comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.
     A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[22] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa[23]. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.
     Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[24].
     Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.
     O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.
     Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa maior é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[25].
     Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[26].
     O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.
     É, portanto, à harmonia destes parâmetros do controlo pela Relação sobre a matéria de facto – e por se tratar de procedimento cautelar, à luz do referido grau de prova - que deve ser reponderado, no recurso ordinário de apelação, o julgamento dessa matéria efectuado pelo tribunal a quo.
     Agora, deve ter-se presente que, seja qual for o fundamento da impugnação da decisão da matéria de facto, de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[27].
Se o facto ou factos cujo julgamento – ou falta dele - é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição ou, no caso de deficiência, com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.
     Este pecúlio de considerações habilita-nos a decidir a questão concreta controversa colocada no recurso.
3.6. Eficácia da composição do procedimento pela decisão de indeferimento in limine da petição inicial da providência.
O primeiro fundamento da impugnação consiste na violação pela decisão recorrida do caso julgado formal que, na opinião do recorrente se formou sobre a decisão de indeferimento liminar da petição inicial da providência, relativamente a um dos pressupostos da concessão da providência cautelar de arresto: a probabilidade da existência do direito.
Todavia, não é necessário prodigalizar muitas considerações para mostrar que, realmente, um tal fundamento da impugnação é, de todo improcedente.
A decisão de indeferimento liminar da petição inicial do procedimento estatuiu sobre este limitado objecto: a suficiência da alegação do requerente para se concluir pela verificação de um dos pressupostos específicos da providência - o justo receio de perda da garantia patrimonial.
E, como mostra o acórdão desta Relação que revogou a decisão de indeferimento, o fundamento desta decisão era exacto. A inexactidão daquela decisão residia simplesmente na consequência que se deveria assinalar à insuficiência da alegação no tocante ao referido pressuposto do deferimento da providência: ao passo que a 1ª instância era da opinião de que essa suficiência era motivo de indeferimento liminar da petição inicial, esta Relação concluiu – decerto por aplicação do princípio da cooperação intersubjectiva, na vertente do dever de prevenção, que vincula o tribunal relativamente às partes – que aquele defeito da petição inicial não autorizava a decisão grave e severa de indeferimento, antes justificava, mais limitadamente, o convite do recorrente ao aperfeiçoamento daquele articulado (artºs 508 nº 1 b), 2 e 3 e 508-A nº 1 c) do CPC).
Ao contrário do que sustenta o impugnante, aquela decisão de indeferimento nem se sequer se pronunciou sobre a questão da suficiência da alegação contida naquele articulado relativamente ao outro pressuposto da providência: a probabilidade da existência do crédito relativamente ao qual se teme a perda da garantia patrimonial. Atitude, que, no plano estritamente lógico, se compreende, dado que sendo aqueles pressupostos de decretamento da providência de verificação necessariamente cumulativa, a ausência de um deles é razão bastante para justificar a decisão de indeferimento in limine da petição inicial da providência.
Não tendo aquela decisão estatuído sobre aquele último objecto é patente, que nem sequer se pode falar de uma qualquer decisão relativamente à qual se deva ter por formado caso julgado.
Mas mesmo que, ex adverso, o contrário se devesse entender, a única coisa que se deveria ter por irrepetida e imutavelmente decidida era que a alegação contida petição inicial do procedimento era suficiente para individualizar o requisito da providência da providência representado pela probabilidade da existência do direito crédito que o requerente pretende acautelar – mas não pela verificação, comprovada – de harmonia com o grau de prova apontado - no caso, desse pressuposto.
A ter-se por exacta a doutrina defendida pelo apelante, sempre que o juiz, no exame liminar da petição do arresto não lhe achasse qualquer defeito e ordenasse a produção das provas, ter-se-iam por preenchidos, ipso facto, por força do caso julgado formal formado sobre a decisão de prosseguimento do procedimento, os requisitos ou fundamentos da providência. O absurdo desta proposição é uma coisa que se compreende por si.
Realmente, o requerente do arresto há-de, não apenas, alegar os fundamentos do arresto – mas deve igualmente justificá-los, quer dizer, demonstrá-los (artº 408 nº 1 do CPC). E bem pode suceder – e, sucede, aliás, com frequência – que sendo o articulado inicial oferecido pelo requerente da providência perfeita no plano da alegação e, portanto, da individualização, daqueles fundamentos, aquele não consiga, a final, demonstrar a sua verificação, com a consequencial recusa na concessão da providência.
Por outro lado, o juiz, mesmo que não em consequência de um exame superficial e precipitado, pode, na apreciação liminar da petição de arresto, não encontrar motivos para a indeferir liminarmente nem para convidar o requerente a aperfeiçoa-la; impõe-se então – dado que a lei exclui aqui o contraditório do requerido – o dever de ordenar o prosseguimento do procedimento para o exame das provas propostas pelo requerente (artº 408 nº 1 do CPC).
Mas o despacho que designa dia para a produção das provas não faz, nunca, caso julgado que obste a que o juiz, na sentença, conclua, por exemplo, a que a pretensão do requerente é, de todo, manifestamente improcedente. A única coisa que aquele despacho significa é que o juiz – bem ou mal - não notou na petição vício palpável, ou que o vício não saltou aos olhos do juiz; pode, porém, o vício existir. E então o juiz conhecerá dele na sentença que decidir o procedimento.
E esta conclusão não é puramente doutrinária, antes corresponde a declaração terminante da lei (artº 234 nº 5, 2ª parte, do CPC). Nada obstava, portanto, que na sentença impugnada o juiz concluísse, por exemplo, que a pretensão cautelar do requerente era manifestamente improcedente. Mas no caso, nem sequer foi essa a conclusão tirada na sentença recorrida: esta, examinando os factos disponibilizados pelas provas produzidas, assentou, antes, na falta de demonstração – e não na falta de alegação – de um dos fundamentos do arresto: a probabilidade da existência do direito que requerente pretendia ver acautelado.
Por este lado, é patente que o recurso não tem bom fundamento.
     3.7. Inutilidade da reponderação da decisão da matéria de facto do tribunal de que provém o recurso.
     Um segmento largo dos fundamentos da impugnação da decisão da matéria de facto consiste, na incorrecção, por omissão, do julgamento dos pontos de facto alegados pelo recorrente nos artºs 58 a 61, 64 a 67, 115, 127, 139, 140, 146 a 148, 154, 176, 180, 181 e 254 da petição inicial.
     Portanto, neste ponto, o erro de julgamento, não radica na apreciação da prova, i.e., num equívoco na valoração das provas produzidas – mas no erro sobre o objecto dessa prova.
     E, realmente, o decisor da 1ª instância, não decidiu nenhum daqueles pontos da matéria de facto alegados pela expropriada, não os tendo julgado provados ou não provados.
     Portanto, verdadeiramente, o tribunal a quo não incorreu num error in judicando daqueles pontos de facto, por erro na valoração da prova produzida para convencer da sua realidade - antes omitiu, por inteiro, qualquer decisão sobre eles. O erro na decisão da matéria de facto pressupõe, logicamente, o julgamento dessa matéria: no caso, esse julgamento não se realizou. A patologia do julgamento da questão de facto radica, portanto, não no erro na apreciação da prova – mas na deficiência daquele julgamento.    
     O único ponto em que, segundo o recorrente, o decisor da 1ª instância incorreu em erro de julgamento, por erro na apreciação da prova é o relativo ao não fornecimento, pela requerida, de quaisquer informações sobre o estado do processo, identificado, na decisão recorrida, nos factos não provados, com o algarismo 6.
     Todavia, a patologia representada pela omissão de julgamento dos pontos de facto referidos, alegados pelo recorrente, não autoriza, no caso, o uso por esta Relação dos poderes de cassação indicados.
     Desde logo, porque esses poderes de cassação são nitidamente subsidiários dos poderes de substituição, dado que só podem ser actuados se do processo não constarem todos os elementos de prova que permitam, no caso de deficiência da decisão da matéria de facto, o seu suprimento (artº 712 nº 4 do CPC). Não é, seguramente, o caso do recurso, dado que o processo disponibiliza todos os elementos de prova – designadamente, através do registo sonoro, a prova testemunhal – produzida na instância recorrida.   
No entanto, a verdade é que não há fundamento para suprir aquela deficiência nem para reparar o eventual erro de julgamento, por erro na valoração da prova, do ponto de facto julgado não provado.
Quer os enunciados de facto relativamente aos quais o decisor da 1ª instância omitiu qualquer julgamento quer aquele concreto ponto de facto que o mesmo decisor julgou não provado respeitam, no seu nódulo mais representativo, à caducidade ou não obtenção das declarações de impacto ambiental relativamente aos prédios rústicos de “C” SA relativamente à qual, a requerida, por força do contrato de compra e venda de acções, concluído entre as partes, assumiu uma posição de controlo, e à não prestação, pela última, de informações relativas ao estado dos processos de licenciamento dos projectos turísticos a desenvolver naqueles prédios.
Ora qualquer daqueles enunciados de facto não deve considerar-se relevante para nenhuma das soluções plausíveis da questão de direito.
O que se discute no recurso é se a situação jurídica alegada pelo recorrente – a titularidade por este de um crédito sobre a requerida – é provável ou verosímil, se existe prova sumaria daquele direito, ou seja, se está demonstrado, segundo um critério de mera justificação, a probabilidade séria da existência daquele direito.
Como decorre da alegação do recorrente, o ponto vivo desta questão radica, não na inverificação da verdadeira condição suspensiva a que foi contratualmente sujeito, o direito daquele ao percebimento do remanescente do preço convencionado – mas na imputabilidade da não verificação dessa condição à recorrida.
Realmente um ponto que se deve ter por inteiramente demonstrado é, seguramente, a não verificação da condição suspensiva a que o direito do recorrente ao percebimento do preço da venda foi submetido e, portanto, a única coisa que interessa discutir é se essa não verificação daquela condição resultou de impedimento da recorrida, caso em que a condição se deve ter por verificada, e, portanto, se deve concluir que, realmente, ao recorrente assiste a exigir da requerida a realização da prestação pecuniária representada pelo – remanescente - do preço convencionado, que constitui o núcleo do direito de crédito para qual requer que seja disponibilizada tutela cautelar.
Nestas condições, não correspondendo os factos a que o recorrente assaca o erro de julgamento ao único possível enquadramento jurídico da causa, a reparação desse eventual erro de julgamento em nada releva para a decisão dela, dado que não concorrem para a única solução possível de direito do procedimento. E só essa irrelevância explica, decerto, a omissão, pelo decisor da 1ª instância, do julgamento dos pontos de facto mencionados.
De resto, o recorrente alega insistentemente a violação pela requerida de deveres de informação. Não é, porém, excessivo recordar-lhe que, de harmonia com o contrato – cláusula décima quinta, nº 2 – a requerida apenas assumiu uma específica obrigação de prestação de informações relativamente às negociações e/ou acordos que a “C” SA viesse a efectuar relativamente à acção judicial de que era autor “M”.
Seja como for, desde que os factos – não julgados ou mal julgado – alegados pela recorrente não são relevantes segundo o enquadramento jurídico apontado, por ser o único possível é, de todo inútil, o julgamento daqueles factos ou a reponderação daquele que se mostra julgado, e, portanto, a actuação por esta Relação dos poderes do controlo da matéria de facto que a lei lhe reconhece.
A solução de direito do caso deve, por isso, ser construída sobre os factos julgados provados pelo tribunal de que provém o recurso.
3.8. Concretização.
É indubitável que entre o requerente e a requerida foi concluído, no dia 15 de Outubro de 2004, um contrato de compra venda (artºs 874 e 875 do Código Civil).
Do contrato de compra e venda emergem no Direito Português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e ambas suportando esforço económico.
     A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a segunda modalidade.
     Realmente, aquele contrato teve por objecto uma particular modalidade de valores mobiliários típicos – acções, isto é, valores mobiliários emitidos por uma sociedade anónima, representativos da participação social do accionista (artºs 272 a), 276 e 465 nº 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e 1 a) do Código dos Valores Mobiliários - CVM).
     O contrato de compra e venda produz, em regra, um efeito real: a transmissão da propriedade da coisa da titularidade do direito (artºs 408 nº 1 e 879 a) do Código Civil).
     Todavia, no tocante às acções    esse efeito não é simples consequência da conclusão do contrato, dado que a lei exige, para que se efeito se produza, outras formalidades complementares: no essencial, as acções escriturais e as acções tituladas sem sistema centralizado transmitem-se pelos registos em conta (artºs 80 e 105 do CVM), sendo que fora do sistema, as acções tituladas nominativas se transmitem por endosso nominal e registo no emitente (artº 102 do CVM) e as acções tituladas ao portador se transmitem por constituto possessório – encontrando-se depositadas: artº 101 nº 2 - ou entrega material – no caso inverso: artº 101 nº 1 do CVM)[28].
     Na espécie do recurso, as acções vendidas foram logo traditadas para o comprador, mas só algumas delas ficaram na posse dele; a sua maior parte foi objecto de depósito escrow[29] em instituição bancária.
     Do contrato de compra e venda emerge tipicamente para o comprador a obrigação de pagar o preço (artºs 875 e 879 c) do Código Civil).
     O Código Civil de Seabra falava a propósito desta obrigação do comprador em certo preço em dinheiro. O Código Civil actual limita-se a falar em preço. Levantou-se, por isso, o problema de saber se o preço teria forçosamente de consistir em dinheiro ou se não poderia ele corresponder a algo diverso.
     A resposta a esta questão é negativa. Preço é, por definição, a expressão do valor em dinheiro[1]. Preço é, portanto, no contexto do contrato de compra e venda, o valor da coisa ou direito expresso em moeda corrente.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (artº 405 nº 1 do Código Civil).
O cumprimento, ponto por ponto, de um contrato de compra e venda reclama, portanto, que o comprador satisfaça ao vendedor o preço convencionado.
No caso, o recorrente e a recorrida acordaram que o preço convencionado seria satisfeito, de forma fragmentada, em prestações. Assim, logo no momento da conclusão do contrato, o vendedor satisfez ao comprador uma parte do preço acordado: o cumprimento, pelo comprador da obrigação das prestações remanescentes do preço, de valor sucessivamente mais elevado, seria pago no prazo de 60 dias, contados da emissão favorável da declaração de impacto ambiental (DIA) relativamente a cada um dos três prédios rústicos integrantes do património social da sociedade comercial que, força da alienação das acções, passou a ser controlada pela requerida.
Qualquer negócio pode dar mais ou menos lucro, conforme os casos, numa álea que o Direito abandona à lógica do comércio privado. Na vida de relação que o Direito legitima, a margem de risco é, em simultâneo, margem de lucro e de perda. Contratar é perigoso e, por isso, atraente: cada parte sabe de antemão que o seu sucesso acarreta o insucesso da outra parte, e assim por diante. Compreende-se, por isso, que as partes, tendam, no momento da contratação, a convencionar esquemas que distribuam a margem de risco que lhe é inerente de modo a repartir esse risco, obstando assim que o dano não seja comportado unicamente na esfera jurídica da parte em que se verifique, de harmonia com o princípio, the loss lies where it falls ou casum sentit dominus.
Se olharmos para o conjunto das estipulações contratuais com que as partes regularam os seus interesses, torna-se patente que a aquisição pela recorrida do controlo da sociedade “C” SA é meramente instrumental relativamente à aquisição do seu património social – três prédios rústicos – e que este bens imóveis apenas interessavam ao adquirente pela sua vocação para o desenvolvimento e promoção de empreendimentos imobiliários turísticos e só uma tal potencialidade valoriza exponencialmente aqueles bens imobiliários e justifica o valor particularmente elevado do preço convencionado para a alienação dos valores mobiliários em que as acções se resolvem.
Simplesmente, a obtenção deste resultado está dependente de actos autorizativos da administração – central, regional e local – por aplicação - no contexto de um procedimento integrado por uma multiplicidade de actos do administrado e da administração - de um conjunto de instrumentos de gestão de instrumentos de gestão do território que tecem uma teia normativa particularmente complexa[30].
Isto explica que as partes tenham tido o cuidado de sujeitar o cumprimento pelo adquirente da sua obrigação de entrega das prestações remanescentes do preço, à ocorrência deste facto: a emissão de declaração favorável da declaração de impacto ambiental relativamente a cada um dos prédios rústicos integrantes do património social da sociedade comercial anónima cujo controlo foi adquirido pelo comprador.
Concorda-se com o recorrente quando salienta, na sua alegação, que a obrigação de pagamento das prestações remanescentes do preço ficou sujeita à verificação de um facto futuro e incerto, e, portanto, a uma condição suspensiva. Também se julga exacto o ponto de vista do impugnante relativo à carácter misto dessa condição, dado que o evento condicionante decorre, em simultâneo, da vontade de uma das partes – a recorrida – e doutro factor casual: a emissão, pela administração, de uma declaração favorável de impacto ambiental. Realmente, aquela condição não era puramente potestativa, dado que o evento condicionante não dependia, em absoluto, da vontade da recorrida – mas de um facto de terceiro: a emissão, pela administração, daquela declaração.
Também estamos de acordo com o apelante quando faz notar que aquela condição se não verificou, o que, aliás, explica a razão pela qual o recebimento pelo recorrente da segunda prestação em que o preço foi fragmentado – no valor de € 5 871 786,95 – foi condicionado à prestação, a favor da apelada, de uma garantia bancária, objecto de prorrogações sucessivas, que lhe ocasionou um largo dispêndio e através da qual se procurou garantir à recorrida a devolução daquela quantia.
Alega, porém, a apelante que aquela condição só não se verificou porque a requerida impediu essa verificação. Para mal da pretensão do recorrente, neste ponto nevrálgico da impugnação já nos é possível acompanhar a sua argumentação.
Realmente, se pusermos os olhos tanto nos factos que o decisor da 1ª instância julgou demonstrados como mesmo no conjunto dos factos alegados pelo recorrente não há a mínima razão para que se deva concluir que a recorrida, contra bona fide, tenha impedido a verificação daquela condição, que aquela, no iter formativo, deveras complexo, da condição tenha interferido na sua verificação, de modo obstar à ocorrência do facto condicionante.
De resto, seria deveras inexplicável que, tendo a recorrida interferido, contra a boa fé, na verificação da condição, o recorrente tivesse acordado, em 27 de Março de 2009, na modificação do nº 1 da cláusula décima do contrato – que conjuga uma condição resolutiva com um termo – prorrogando o prazo para as aprovações e para a emissão das declarações favoráveis de impacto ambiental, ou para a declaração de interesse público ou para a sua dispensa, relativamente ao prédio com 30 há, até 31 de Dezembro de 2009.
Seja como for, exacto é em todo o caso, que a condição suspensiva a que foi sujeita a obrigação da recorrida de pagamento das prestações remanescentes do preço não se verificou nem se deve ter por verificada por o seu preenchimento ter sido impedido pela apelada.
Nestas condições, é seguro que o recorrente não dispõe do direito de crédito cuja satisfação que, por via do procedimento, pretendia acautelar.
Mas vamos que este modo de pensar é desacertado. Ainda assim, sempre permaneceria exacta a conclusão de que, realmente, não está demonstrada a probabilidade da existência daquele direito.
     Na verdade, as partes, perfeitamente cientes dos riscos e da álea económica do contrato e claramente inteiradas dos escolhos e das dificuldades de obter da administração uma decisão favorável à afectação ou ao aproveitamento turístico dos prédios, assumiram mesmo as posições jurídicas globais – de vendedor e de comprador - que para e para outra emergiram do contrato como puramente condicionais.
     É o que resulta da cláusula décima nº 1, na qual se convencionou que, que se no prazo de 4 anos e 6 meses, contados da assinatura do contrato, não ocorresse nenhuma das aprovações nem a emissão de nenhuma das declarações – favoráveis – de impacto ambiental, o contrato se teria por resolvido, ficando cada um dos outorgantes obrigado a, no prazo de 30 dias, restituir tudo o que houvesse sido prestado pelos outorgantes. Esta cláusula sofreu, por acordo das partes, em 27 de Março de 2009, uma modificação, designadamente, quanto ao prazo, que foi prorrogado até 31 de Dezembro do mesmo ano.
     Esta cláusula contém uma nítida condição resolutiva, combinada com um termo (dies) final (dies ad quem) igualmente resolutivo, dado que a impossibilidade de verificação da condição se verifica com o termo – facto ou acontecimento futuro e certo: 31 de Dezembro de 2009[31].
     Já sabemos – e é o próprio recorrente que repetidamente o diz - que uma tal condição se não verificou. Por força do não preenchimento da condição, dentro do prazo acordado, estabeleceu-se, por expressa convenção das partes, uma relação de liquidação, no âmbito da qual deve ser restituído tudo o que tiver prestado: a restituição ao recorrente das acções vendidas; a devolução à recorrida da parte do preço entregue.
     O recorrente tem, portanto, direito a esta prestação restituitória. Mas – como se teve o cuidado de fazer notar quando se procedeu à delimitação do âmbito objectivo do recurso – não foi para o direito a essa prestação que o recorrente reclamou a tutela cautelar[32].
Sendo isto exacto, então é meramente consequencial a conclusão tirada na sentença apelada de que não está demonstrado o requisito da provável existência do crédito do requerente.
O recurso não merece, portanto, provimento.
Duas palavras mais para dar cumprimento ao ingrato e insólito dever de sumariar o acórdão que a lei impõe ao juiz relator (artº 713 nº 7 do CPC)[33].
A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nesta proposição simples: desde que o requerente do arresto não demonstre a probabilidade da existência do seu crédito, deve recusar-se-lhe a concessão da providência.
O recorrente sucumbe no recurso. Deverá, por isso, suportar custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).
Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).


4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B integrante do RCP.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2011                        

Henrique Antunes
Ondina Carmo Alves
Maria da Luz Borrero Figueiredo
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[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.3.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, pág. 138 e ss., e Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51, Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida.
[3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e da RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[5] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.
[6] Ac. do STJ de 23.05.96, CJ, II, pág. 86.
[7] Vaz Serra, Realização Coactiva da Prestação (Execução) (Regime Civil), BMJ nº 73, pág. 39 e ss.
[8] Ac. da RL de 02.10.03, CJ, IV, pág. 103.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado vol. I, 4ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 637.
[10] Acs. do STJ de 02.02.73, BMJ nº 224, pág. 124, de 15.04.80, BMJ nº 296, pág. 206, de 15.10.92, 01.06.93 e 02.06.99, www.dgsi.pt., e da RC de 23.04.96, BMJ nº 456, pág. 513. No mesmo sentido se pronuncia Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 240 e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 169.
[11] No sentido de que no tocante ao periculum in mora é suficiente, como medida da prova, a mera justificação, Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 233 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manuel de Processo Civil, 2ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 25.
[12] Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar no processo administrativo, Coimbra Almedina, 2002, pág. 112, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 5. Procedimentos Cautelares, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 103 a 105.
[13] Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutelar Cautelar Não Especificada, UCP, Lisboa, 2003, pág. 186 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 621.
[14] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 511 e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, AAFDL, Lisboa, 1995, págs. 327 a 334 e da Condição, BMJ nº 263, págs. 37 a 60.
[15] Neste sentido, António Menezes Cordeiro - Tratado de Direito Civil Português, cit., págs. 518 e 519 e Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 1984, págs.837 e 838 - para quem há aqui uma manifestação da regra mãe do tu quoque, baseada na própria boa fé. No sentido de que a boa fé tem aqui um alcance ético semelhante ao referido no artº 227 do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, 1987, Coimbra, pág. 252.
[16] Assim, v.g., Ac. da RP de 22.09.09, www.dgsi.pt.
[17] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 656.
[18] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[19] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[20] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[21] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[22] Ac. do STJ o8.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[23] Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática. No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal. Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª ed., 1974, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 204. A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação do facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto. Neste sentido, Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330.
[24] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[25] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008,
[26] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[27] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571.
[28] Assim, relativamente às acções nominativas, v.g. Ac. da RC de 16.03.10, www.dgsi.pt. Cfr. Alexandre Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 91 e ss.
[29] O depósito escrow consiste no contrato pela qual uma das partes – depositante – confia a guarda de determinados bens móveis – v.g. títulos – a um banco ou outra entidade – depositário – que se obriga, de acordo com as instruções irrevogáveis acordadas, a restituir os bens ao depositante ou a entregar estes a um terceiro – beneficiário. Trata-se de instrumento jurídico – que combina os elementos do depósito, do mandato e da fidúcia - adjuvante, por exemplo, como é o caso do recurso, de contratos de compra e venda de empresas: ancilarmente, à compra e venda de uma empresa societária – rectius, à aquisição de uma participação social de controlo – o comprador deposita as acções adquiridas junto de um banco, ficando este último obrigado a entregá-las ao comprador ou inversamente a entregá-las ao vendedor, uma vez verificadas as condições convencionadas no contrato. Cfr. J. Morais Antunes, Do contrato de Depósito “Escrow”, Almedina, Coimbra, 2007.
[30] Para uma descrição dos complexos momentos que integram o procedimento de implantação de um empreendimento turístico no nosso ordenamento jurídico – designadamente do subprocedimento de avaliação ambiental estratégica (AAE) – cfr. Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, “Empreendimentos turísticos, planeamento e registo Predial; a concretização de um desígnio nacional”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Studia Iuridica, BFDUC, Coimbra Editora, vol. II, 2009, pág. 338 e ss.
[31] Trata-se, além disso, de um termo certo – dado que é antecipadamente segura a sua verificação (dies certus na certus quando) – essencial – dado que é considerado como elemento definidor, no caso, da possibilidade de verificação da própria condição – e próprio – uma vez que resulta da vontade das partes e não da natureza do negócio.
[32] Embora naturalmente a providência cautelar de arresto continue a ser adequada, dado que garante quaisquer obrigações, sejam de dinheiro, sejam de outras coisas: quer se trate de prestação pecuniária, ou de entrega de coisa certa ou de prestação de facto, o arresto tem cabimento. Não é, portanto, exacto dizer-se que esta providência cautelar não é adequada para assegurar a prestação de coisa certa: basta atentar em que a execução para entrega de coisa certa se converte em execução para pagamento de quantia certa quando a coisa não seja encontrada (artº 931 do CPC).
[33] Cfr., para uma apreciação crítica – fundada – desta solução da lei, Lopes do Rego, A Reforma dos Recursos em Processo Civil, in As Exigências do Processo Civil, Associação Jurídica do Porto, pág. 248 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 300 e 301. De resto, esta exigência pode revelar-se uma fonte de embaraços, como sucederá, por exemplo, no caso de haver contradição entre o sumário e o conteúdo do acórdão. Regra geral, a solução do problema não oferece dificuldades, mas poderá mostrar-se espinhosa, tratando-se de acórdão de uniformização de jurisprudência, tirado no recurso ordinário ampliado de revista ou no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dado o seu carácter de recurso uniformizador (artºs 732-A, 732-B nº 5 e 770 nº 1 do CPC). Problema de solução difícil é também o saber se o relator se encontra adstrito ao dever se sumariar no caso de julgar sumariamente o recurso e no julgamento da reclamação contra o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso.