Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
75/07.1PEFUN.L1-5
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
PERDA A FAVOR DO ESTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: I. Para indicar as provas de que se serviu e fazer a análise crítica delas, o tribunal não tem nem deve fazer o relato da prova produzida; deve antes ir pronunciando-se facto a facto (ou em relação a grupos de factos com unidade de sentido), dizendo que quanto àquele facto o mesmo se baseou no que foi dito pela pessoa x, que sabe dele por isto e por aquilo, e não foi contraditada, ou, tendo-o sido, dizendo porque é que tinha acreditado nela, em vez de naquela que a contradisse.
II. De qualquer modo, é sempre suficiente a fundamentação aduzida quando dela decorre quais os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal recorrido quanto aos vários pontos de facto que interessam, quais os meios de prova que contraditavam aqueles de que se serviu, e porque é que preferiu uns e não os outros.
III. Para a condenação pelo tráfico de droga, o tribunal só se pode servir dos factos concretos que tiverem ficado provados, não de generalizações e abstracções e referências indeterminadas a períodos de tempo.
IV – Um arguido, não consumidor, que num período de pouco mais de 2 meses esteve na origem de uma actividade de tráfico, levada a cabo por três toxicodependentes por sua conta, que diz respeito a 91 vendas em 6 dias diferentes, num total de 9,9 g, e à posse de 141,64 g, correspondente a cerca de 30.100€, é um médio traficante próximo já de um grande traficante.
V - Não havendo disposição expressa que o permita, não é possível decretar o perdimento a favor da Região Autónoma da Madeira dos bens apreendidos nessa Região por crime de tráfico de estupefacientes, sob pena de se estar a violar o princípio da legalidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo assinados:

Manuel C…, e José A…, foram condenados, no processo supra identificado, como autores materiais, cada um, de um crime de tráfico de estupefacientes (do art. 21/1 do Dec.-Lei 15/93 de 22/01), nas penas de 7 e 6 anos de prisão, respetivamente.
Sete outros arguidos vinham, como eles, acusados por crime de tráfico de droga, 5 por aquele art. 21 e 2 pelo art. 25 do Dec.-Lei 15/93, tráfico de menor gravidade, tendo 3 deles sido condenados pelo art. 25, 2 outros foram condenados como traficantes-consumidores, do art. 26 do Dec.-Lei 15/93, e 2 outros foram absolvidos.
Os arguidos Manuel C… e José A… recorreram, dentro do prazo de 30 dias, o primeiro pedindo a sua absolvição nem que fosse por falta de prova dos factos com base no princípio in dubio pro reo, ou, subsidiariamente, a sua condenação pelo pequeno tráfico, do art. 25, com uma pena inferior a 5 anos, suspensa na sua execução; e o segundo pedindo a sua condenação pelo art. 25 e que a pena aplicada fosse reduzida para 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
O MP na 1ª instância defendeu as condenações.
Neste TRL (= Tribunal da Relação de Lisboa), a Srª Procuradora-Geral-Adjunta entendeu que os recursos deviam ser rejeitados por extemporâneos por terem sido interpostos para além do prazo de 20 dias (que terminava a 10/03/2010, tendo o recurso sido interposto a 22/03/2010), já que, não se destinando, realmente, à reapreciação da prova produzida, mas sim a pôr em causa a valoração da prova pelo tribunal recorrido, não podiam beneficiar do prazo alargado de 30 dias previsto no art. 411/4 do CPP.
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A questão prévia:
Apesar de, muitas vezes, os recursos com impugnação da matéria de facto, principalmente na espécie que tem em vista a reapreciação da prova gravada, virem deficientemente formulados, a verdade é que, normalmente é possível, com o auxílio das motivações, saber quais são os factos concretos que os arguidos estão a pôr em causa e quais são as partes concretas dos depoimentos das testemunhas que invocam que dizem respeito a tais factos, com indicação dos locais onde estão gravadas. Ora, isso tem que bastar para se poder dizer que o recurso tem por objeto a impugnação da matéria de facto, com eventual reapreciação da prova gravada: ao menos daquela concreta parte da prova gravada, daquele preciso depoimento, com referência àquela precisa questão que tiver sido possível desencantar.
Está-se a referir o auxílio das motivações pelo seguinte: cinco regras têm sido utilizadas na questão da interpretação do âmbito e objeto de um recurso:
1ª: o objeto de um recurso é dado pelas conclusões do mesmo – é o que resulta do disposto nos vários nºs do art 412 e nos nºs. 3 e 5 do art. 417 do CPP.
2ª: as conclusões, inexistentes ou deficientes, que não obedeçam a estas normas, podem ser formuladas ou aperfeiçoadas, desde que, ao fazê-lo, não se ultrapasse o âmbito do constante das motivações do recurso – é o que resulta do disposto nos nº.s 3 e 4 do art. 417 do CPP;
3ª: as questões não constantes das conclusões, mesmo que constem das motivações, não são objeto do recurso – mas, como as conclusões podem ser aperfeiçoadas, esta regra diz respeito às conclusões que resultam depois do despacho de “aperfeiçoamento”: pelo que se das conclusões iniciais não constam questões que existem nas motivações, não se pode logo dizer que o recurso não abrange uma questão colocada nesta, sem primeiro se dar ao requerente a possibilidade de aperfeiçoar as suas conclusões – esta terceira regra resulta logo do disposto no nº. 3 do art. 417 do CPP, quando se admite a hipótese, deficiente, de a motivação do recurso não conter [nenhumas] conclusões.
4ª: as conclusões podem ser interpretadas pelos seus destinatários de modo a deduzir delas aquilo que delas não consta expressamente – é o que resulta da parte do nº. 3 do art. 417 do CPP em que se admite que os destinatários dos recursos [juízes, MP no tribunal de recurso, recorridos] deduzam, das conclusões, total ou parcialmente, as especificações previstas nos nºs. 2 a 5 do art. 412.
5ª: se mesmo assim, não for possível extrair das conclusões aquelas especificações, o juiz do tribunal de recurso, pode mandar aperfeiçoá-las, de modo a que delas passem a constar, naturalmente que com recurso apenas ao que consta das motivações do recurso (porque estas ficam o âmbito do recurso – art. 417/4 do CPP). Ora, não se vê que o próprio juiz do tribunal de recurso, em vez de mandar aperfeiçoar as conclusões, utilize ele próprio aquilo que consta das motivações (se essa utilização for linear) de modo a completar as conclusões com as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art. 412 do CPP.
Quanto ao conteúdo da especificação, sistematiza Pinto de Albuquerque (Comentário do CPP, UCP, Dez2007, pág. 1135):
“A especificação dos ‘concretos pontos de facto’ só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado.
[…]
A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa.
Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe decisão diversa da recorrida. Este é o cerne da especificação. […] O grau acrescido de concretização exigido pela Lei 48/2007, de 29/08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado”.
Tendo isto presente, trata-se então de saber se é possível aproveitar o recurso do arguido José A... , necessariamente como recurso para reapreciação da prova, porque interposto muito para além dos 20 dias que a lei concede para os outros recursos.
Para se poder acompanhar melhor o que irá sendo dito, consignam-se aqui os factos dados como provados no acórdão recorrido quanto ao arguido José A... e a fundamentação da convicção do tribunal para os dar como provados:
Factos provados:
[…]
8. O arguido José A…, a fim de dissimular a sua atividade de venda de produto estupefaciente e impedir a sua deteção pelas autoridades policiais, utilizava o seu domicílio profissional sito na oficina da H… Madeira, Parque Industrial da Cancela, para ali esconder produto estupefaciente.
[…]
42. No dia 26/02/2009, cerca das 12h35m, na Estrada de São Gonçalo, Funchal, elementos da PSP do Funchal, no exercício das suas funções apreenderam ao arguido José A… uma embalagem contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 9,092 g de heroína.
43. Nesse mesmo dia 26/02/2009, foi efetuada uma busca no interior da residência do arguido José A…, sita na Rua do M…, nº 19, Funchal e, aí, foram aprendidos 4.800€ + 220€ + 245€, um talão de depósito no valor de 3.250€, 2 cartões de crédito, um telemóvel Nokia e um veículo automóvel BMW, matrícula 00-00-PA.
44. Ainda no dia 26/02/2009, foi efetuada uma busca no interior do local de trabalho do arguido José A…, Oficina H… Madeira, sita no Parque Industrial da Cancela e, aí, foram apreendidos, numa caixa de cartão pertencente ao arguido e apenas por ele utilizada, uma embalagem contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 9,989 g de heroína e 5 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 252,356 g de heroína.
[…]
50. O arguido José A... atuou de forma livre voluntária e consciente, conhecendo as características dos produtos estupefacientes que lhe foram apreendidos, substâncias que detinha e que destinava à venda com o propósito de obter com a dita venda contrapartida económica e sabendo ser proibida e punida por lei a sua conduta.
A convicção do tribunal […] assentou no seguinte:
[…]
4. Por seu turno, a testemunha J… F…, Agente da PSP, confirmou a apreensão de droga ao arguido José A…, o qual detinha tal produto num dos bolsos das calças, bem como a busca a casa do mesmo arguido, no âmbito da qual não foram apreendidos produtos estupefacientes.
Referiu que também participou na busca que foi efetuada ao local de trabalho do arguido José A…, Oficina H… Madeira, referindo que tal busca foi autorizada pelo chefe da oficina e que, na sequência da mesma, no interior de um caixote pertencente ao arguido A… e que continha peças de um carro que lhe pertencera, foram encontradas as embalagens de produto estupefaciente, identificadas no auto de apreensão.
Acrescentou, ainda, que as embalagens de heroína que encontraram no referido caixote estavam embaladas do mesmo modo que a embalagem que apreenderam àquele arguido e que ele trazia no bolso das calças.
[…]
11. A testemunha C…, declarou ser o chefe da H… Madeira, local de trabalho do arguido A…, referindo que este é pintor daquela empresa, tendo ainda confirmado a busca por parte da PSP naquela oficina.
A propósito de tal busca, esclareceu que, no dia em causa, chegou à oficina uma brigada da PSP a qual lhe pediu autorização para efetuar uma busca naquelas instalações ao que, na sua qualidade de chefe da oficina acedeu, tendo assinado a respetiva autorização e acompanhado a dita brigada em tal diligência tendo, posteriormente, comunicado tal situação à administração da empresa.
Mais disse que a caixa onde foi apreendida a droga, se encontrava numa arrecadação, "sendo espaço do pessoal da pintura".
Ainda esclareceu que, esse espaço, é um armazém de material de pintura e que o mesmo tem acesso apenas por uma porta, além de que, normalmente, quem entrava naquele local eram os pintores, ou seja, o arguido A… e um seu colega.
Confirmou que, naquele espaço, também entravam os lavadores mas quem quisesse lá ir tinha de pedir a chave no escritório.
Contudo, ainda acrescentou que a caixa onde foram encontradas as embalagens contendo produto estupefaciente, pertencia ao arguido A… e que nela estavam guardadas algumas peças de um carro que lhe pertencera, o que não foi, de modo nenhum, posto em causa.
Reafirmou que tem autoridade para orientar a oficina e decidir sobre as questões que lá se suscitem.
Confirmou, ainda, que o arguido A…, para além da sua atividade de pintor, ainda comprava carros que ele próprio arranjava e que, posteriormente vendia, daí que possamos concluir que, este arguido, para além do seu salário naquela empresa, tinha outra fonte de rendimento.
Por último, referiu que ficou muito chocado com o que se passou, tendo tal facto constituído uma verdadeira surpresa.
12. A testemunha M…, colega de trabalho do arguido A…, referiu que trabalha com o arguido há 6 anos e que sempre se deram bem, o que não foi posto em causa.
Disse que esteve presente aquando da busca que fizeram à oficina onde trabalhavam e que presenciou a apreensão da droga que estava guardada na arrecadação, dentro de uma caixa que pertencia ao A... e na qual se encontravam guardadas peças de um carro dele, um turbo GT que ele desmontara.
Esclareceu que não tem dúvidas de que a caixa pertencia ao arguido A... e que não há qualquer hipótese de pertencer a outra pessoa, embora o lavador também entrasse naquele local duas ou três vezes por semana, e mesmo estando a chave no escritório, o que permitia o acesso a qualquer pessoa, aquele era o espaço privilegiado dos pintores e apenas eles guardavam ali objetos que lhes pertenciam.
Perante este depoimento e o depoimento da testemunha C… cuja isenção foi patente e cujo teor não foi, de modo nenhum posto em causa, entendeu o tribunal, em sua convicção, não haver qualquer dúvida de que a droga apreendida naquele local pertencia efetivamente ao arguido A….
E que a dita droga se destinava a ser vendida resulta claro da circunstância do arguido José A… não ser consumidor de estupefacientes e da elevada quantidade apreendida que, em muito, ultrapassa as dez doses individuais
Acrescentou, ainda, a testemunha M…, que o arguido A… comprava e vendia carros, tendo-lhe vendido um carro em Janeiro de 2008, confirmando, assim, que este arguido tinha outra fonte de rendimentos para além do seu vencimento na H… Madeira, circunstância que aliada à falta de qualquer outra prova levou o tribunal a considerar como não provado que as quantias monetárias apreendidas àquele arguido traduziam o lucro da venda de droga e que o carro que também lhe foi apreendido foi comprado com o dinheiro da venda de droga.
[…]
26. A testemunha V…, comerciante, referiu que conhece o arguido José A… e que este lhe comprou um veículo de marca Mercedes SLK, pelo preço de 19.500€, tendo-lhe entregue uma viatura de Marca FIAT Punto, pela qual pagou 3.000€.
Os restantes 16.000€, pois fez-lhe um desconto de 500€, foram-lhe entregues, em numerário, notas de 20 e de 50 euros, pelo arguido José A….
Embora tivesse dito que não achou normal tal atitude, acabou por dizer que, afinal, tem muitos clientes que lhe pagam daquela maneira.
Posteriormente, o arguido José A… entregou o Mercedes e comprou um BMW, ficando por pagar o valor de 19.500€, pagamento que fez através de cheque e pela entrega de 5.000€ ou 6.000€, em dinheiro, o que, só por si, não é suficiente para se concluir que os veículos em causa foram adquiridos com o lucro da venda de estupefacientes, já que se provou que o arguido A… tinha outra atividade para além da que exercia na H… Madeira, além de que não ficou provado que, anteriormente à data das apreensões que lhe foram feitas nos autos, se dedicava à venda de produtos estupefacientes.
[…]
33. Por seu turno, a testemunha J… J…, irmão do arguido José A… disse que este é pintor de automóveis e que, além dessa atividade, ainda compra e arranja carros que depois vende, o que acontece, duas a três vezes por ano.
Acrescentou que o irmão não é consumidor de drogas.
[…]
35. O arguido Manuel C… […] disse que, com o arguido José A… não tinha relação nenhuma e que só o conhecia da rua, tendo já tomado um café com ele, e só. Diga-se, desde já, que relativamente ao alegado relacionamento do arguido José A… com o arguido Manuel C…, no sentido de que este lhe fornecia a droga, nenhuma prova se produziu a esse respeito, quer porque as testemunhas nada adiantaram sobre tal situação, quer porque nos autos não existe qualquer prova que nos levasse a concluir nesse sentido.
O tribunal ainda assentou a sua convicção no […] no auto de busca e apreensão de fls. 675, no auto de apreensão de fls. 676, no documento de fls. 677, no qual o chefe da oficina da H… Madeira autoriza a busca às instalações daquela, no auto de busca e apreensão de fls. 678, […] no exame pericial de fls. 1441, no CRC de fls. […] 1310 […] e no relatório social de fls. […] 1540 a 1544
Este arguido, José A... , apresenta as seguintes conclusões o seu recurso:
1. O tribunal a quo, mal no nosso entender, não considerou os depoimentos corretamente das testemunhas F…, C… e M….
2. O tribunal deveria ter anulado, por violação clara de variadíssimos preceitos legais, a dita busca na H… Madeira, SA.
3. Não existiu uma análise crítica às provas; é impossível considerar, sem dúvida, que os ditos pacotes da H… Madeira seriam só do A…, pois podem muito bem ser doutras pessoas, uma vez o fluxo de funcionários ao local onde tal saco apareceu.
4. O tribunal deveria ter condenado o arguido nos termos do art. 25 do DL 15/93, pela diminuta quantidade de substancia apreendida, de 9 g, a uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
5. Mas, à cautela, e ainda que se considere somente o artigo 21/1 do DL 15/93, a aplicação ao arguido José A… a uma pena de 6 anos é excessiva, uma vez ser primário, estar inserido familiar e economicamente, e ao facto da quantidade produto apreendido, pelo que a aplicação duma pena de 4 anos de prisão são mais do que justos, sendo que se faz Justiça suspender tal pena também neste caso pelo mesmo tempo de 4 anos.
Assim, primeiro, existe uma única conclusão quanto à impugnação da matéria de facto.
Segundo, essa conclusão apresenta-se, manifestamente, em desobediência às exigências legais dos nºs. citados acima dos arts. 412 e 417 do CPP.
Será que, apesar disso, as motivações que apresenta permitem extrair os dados necessários para se poder dizer que o recurso visa a reapreciação da prova gravada?
Diz o recorrente, nas motivações (antecedem-se os parágrafos de letras, de modo a poderem ser referenciados facilmente e a evitar-se a sua repetição):
a) Para fundamentar a sua convicção o tribunal socorreu-se das seguintes provas:
b) testemunhas J…F…; C…; M…; V…; J… J…; ausência de antecedentes criminais”.
c) Ora bem: A) não foi valorado pelo tribunal coletivo, a totalidade das declarações das testemunhas C… e de M…, e as discrepâncias entre este e o agente da PSP J…F…, bem como os mesmos consideraram que as embalagens de heroína que encontraram no referido caixote estavam embaladas do mesmo modo que a embalagem apreendida àquele…”; ora, se tivermos atento às instâncias do coletivo, quando o agente J…F… afirmou tal dedução, um dos juízes questionou, se essas embalagens não sempre iguais a todas as outras já e sempre vistas, não contendo nada de único e característico, tendo o depoente, chefe J…F…, concordado com tal evidência!
d) Minuto 14 ao minuto 16 do depoimento da testemunha PSP, Chefe J… F….
e) Também, e mal na nossa opinião, considerou o tribunal de que: “o arguido José A…, a fim de dissimular a sua atividade de venda de produto estupefaciente e impedir a sua deteção pelas autoridades policiais, utilizava o seu domicílio sito na oficina da H… Madeira, Parque Industrial da Cancela, para ali esconder produto estupefaciente”.
f) Na verdade a tendo em atenção todos os depoimentos chega-se a conclusão bem diversa.
g) Na verdade o local era utilizado por muitos e quase todos os trabalhadores da H… Madeira. As chaves eram acessíveis a todos.
h) Haviam muitas pessoas que frequentavam tal local, desde o colega do arguido, como um lavador, com frequência diariamente e múltiplas vezes ao dia:
i) A dita caixa, não tinha nada em especial, e somente por declaração duma testemunha, M…, é que a mesma afirmou que tal caixa seria do A…, e quando foi-lhe questionado se não poderia ser do mesmo, é óbvio que o mesmo o negou!
j) Por outro lado, não foram feitos exames lofoscópicos, ou recolhidas quaisquer evidencias probatórias, de que os embrulhos pertencessem ao arguido ora recorrente, tendo em vista a procura da verdade material, e a dissipação das dúvidas de quem seria tal embrulho, e assim sendo não poderia ter concluído como o fez, o tribunal, que tais pacotes seriam do A…, pois podiam e podem ser e é plausível que assim seja, que os mesmos fossem de outrem e não do arguido.
k) Este exercício de análise decorre obviamente da apreciação critica e factual dos depoimentos das testemunhas Chefe J…F…, C… e M….
l) Pelo que entende a decisão proferida está ferida de vícios, de análise critica aos factos, como já se demonstrou.
Veja-se então:
As als. a) e b) são, quando muito, tentativa de resumo do acórdão recorrido.
A al. c) tem três partes:
Na 1ª diz-se que não foi valorado pelo tribunal coletivo, a totalidade das declarações das testemunhas C… e de M….
Ora, dizer-se que o depoimento de três testemunhas, em globo, sem se dizer o quê em concreto, não foi considerado, obviamente que não respeita a exigência da indicação das concretas provas em causa, com indicação das passagens gravadas em que consta o que cada uma delas disse e que não foi considerado pelo tribunal – sendo que é para que o recorrente tenha tempo de o fazer, que o art. 411/4 do CPP lhe dá mais tempo que o que normalmente é concedido para o recurso em que não o tenha que fazer. Note-se que nem se trata de o recorrente ter dito que o tribunal recorrido não considerou nada do depoimento destas testemunhas. Nem o recorrente o podia dizer, visto que o tribunal recorrido referiu, concretamente, o depoimento das testemunhas em causa, resumindo-o. O que o recorrente diz é que não foi considerado tudo o que elas disseram.
Na 2ª parte, o recorrente diz que não foi valorado pelo tribunal as discrepâncias entre este [testemunha M…? Ou arguido?] e o agente da PSP J…F….
Ora, o recorrente não diz que discrepâncias é que se trata, e, como se verá já de seguida, o que diz até sugere que não há discrepâncias nenhumas.
Na 3ª parte, o recorrente diz que os mesmos consideraram [mas não havia discrepância?; se havia como é que afinal ambos consideraram?] que as embalagens de heroína que encontraram no referido caixote estavam embaladas do mesmo modo que a embalagem apreendida àquele…”; ora, se tivermos atento às instâncias do coletivo, quando o agente F… afirmou tal dedução, um dos juízes questionou, se essas embalagens não sempre iguais a todas as outras já e sempre vistas, não contendo nada de único e característico, tendo o depoente, chefe F…, concordado com tal evidência! Esta 3ª parte está ligada ao que consta de d) em que se localiza o local em que terá havido este diálogo.
Esta parte reporta-se assim, não à impugnação de um facto dado como provado pelo tribunal, mas antes a uma parte da fundamentação aduzida pelo tribunal, em que se faz referência a que a testemunha J… F… disse que as embalagens de heroína que encontraram no referido caixote estavam embaladas do mesmo modo que a embalagem apreendida ao arguido. Ora, depois disto, a testemunha teria dito algo que, no entender do recorrente, desvalorizaria a afirmação anterior.
Assim, o que o recorrente faz é impugnar, não um facto dado como provado pelo tribunal, mas uma pequena parte da fundamentação aduzida pelo tribunal para dar como provado um dado facto, sem que o recorrente diga como é que a desconsideração de tal parte da fundamentação implicaria uma decisão diversa quanto a um facto que não diz qual é.
Na al. e) o arguido diz o que é que o tribunal considerou provado.
Na al. f) faz um apelo global a todos os depoimentos, sem precisar nada.
Nas als g) e h) diz o que entende sobre os factos. Não diz em que é que se baseia para considerar que são esses os factos reais. Eventualmente, poderia recorrer-se ao que diz em k), mas aí teríamos novamente a invocação em bloco do depoimento de três testemunhas, não a indicação das passagens concretas em que elas teriam dito alguma coisa que impusesse que assim fosse e que o tribunal de recurso, ouvindo, pudesse confirmar que assim era. Ora, era para que o pudesse fazer que o art. 411/4 do CPP lhe deu mais tempo para recorrer.
Na al. i), primeira frase, faz mais uma afirmação de facto e não refere nenhuma prova para a confirmar [a não ser que de novo se recorresse ao que diz em k), mas com o mesmo resultado referido no parágrafo que antecede].
Depois, diz que apenas uma testemunha afirmou um facto dado como provado pelo tribunal (a pertença da caixa ao arguido) e para a pôr em causa diz que ela, perguntado por algo que era necessariamente contrário ao que tinha afirmado, negou… como não podia deixar de ser. Se alguém acaba de dizer que é verde e se lhe perguntam se não será amarelo e ela diz que não, qual é o espanto ou em que é que isto pode pôr em causa o depoimento da testemunha?
Por fim, em j), na primeira parte, fala das provas que não foram colhidas, o que não é fundamento da impugnação da matéria de facto. Podia ser fundamento, quando muito, de recurso contra uma decisão que tivesse negado a recolha de tais provas.
Na segunda parte de j), fala de dúvidas, dúvidas que não demonstra que haja razões para ter nem que o coletivo as tenha tido. E diz que uma dada hipótese é plausível, o que não é fundamento de nada.
Em k), como já se viu, invoca em bloco depoimentos de testemunhas e nem sequer diz que se serve do que elas disseram – o que seria impossível, pois que em relação pelo menos a duas delas tinha acabado de sugerir que estavam a mentir -, mas da análise crítica do que elas disseram.
Em l) limita-se a dizer qual é o seu entendimento sobre o valor do acórdão, sem dizer nada mais de útil.
Em suma, o recorrente não indica em algo algum uma qualquer passagem da gravação da prova de uma qualquer testemunha que ponha em causa um qualquer ponto da matéria de facto.
Pelo que, como disse a Srª Procuradora-Geral-Adjunta, o recurso do mesmo foi apresentado fora do prazo de 20 dias que tinha para o fazer. É que só se o recurso visasse a reapreciação da prova é que poderia ser interposto no prazo mais largo, de 30 dias, que a lei lhe dá para que tenha tempo de transcrever e localizar devidamente as passagens dos depoimentos das testemunhas que servem para pôr em causa – implicando decisão diversa - concretos pontos de facto da matéria de facto.
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Quer tudo isto dizer que o recurso interposto, aparentemente tendo por objeto a reapreciação da prova gravada – e por isso utilizando o prazo de 30 dias previsto no art. 411/4 do CPP -, afinal nada tem a ver com aquela reapreciação.
A solução, não passa, no entanto, pela intempestividade do recurso, mas sim pela sua manifesta improcedência: porque o recurso diz respeito aparentemente à reapreciação da prova, podia ser interposto no prazo de 30 dias. Mas como não tem quaisquer fundamentos que possam servir à sua procedência com esse fundamento, isto é, que possam levar à alteração da matéria de facto, deve ser rejeitado.
De resto, solução contrária obrigaria a que o juiz da 1ª instância, para decidir se um recurso era tempestivo, entrasse dentro da apreciação substantiva do mesmo, averiguando se de facto se tratava de um recurso para reapreciação da prova gravada. Para efeitos da apreciação da tempestividade do recurso tem apenas de contar a aparência que lhe foi dada.
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Quanto às outras questões que o recurso levanta, aqui, já estaríamos perante um recurso sujeito ao prazo normal de interposição. E como o recurso só foi interposto fora do prazo legal dos 20 dias para os casos de recursos que não se destinam à reapreciação da prova gravada e é manifestamente improcedente quanto a essa questão, admitir-se a subsistência do recurso quanto às outras questões seria afinal permitir um recurso manifestamente intempestivo quanto a elas ao abrigo de um recurso tempestivo quanto a uma questão manifestamente improcedente. Estaria aberta a porta à interposição intempestiva de qualquer recurso, bastando para o efeito que o recorrente ao mesmo tempo dissesse, mesmo que de forma manifestamente improcedente, que recorria para reapreciação da prova gravada.
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Pelo que este recurso é manifestamente improcedente [art. 420/1a) do CPP], tendo que ser rejeitado, como foi defendido pela Srª Procuradora-Geral-Adjunta embora por outro motivo (que, no fundo, se traduz no mesmo...).
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Quanto ao recurso interposto pelo arguido Manuel C…, como se verá já de seguida, tem que se entender que ele tem suficiente impugnação de facto, com indicação de inúmeras e concretizadas passagens de concreta prova testemunhal indicada, para apreciação de concretos pontos de factos precisados, o que implicará a eventual necessidade de reapreciação da prova gravada, ao menos naquelas passagens, pelo que foi feito nos termos do art. 411/4 do CPP e, por isso, em tempo (já que sem ultrapassar o prazo de 30 dias aí previsto).
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Passa-se então à apreciação do recurso do arguido Manuel C... :
O recorrente na conclusão 1ª diz que foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 21 e 24 als. b) e c) do DL 15/93. É um erro. Ele foi condenado pelo crime do art. 21.
Na conclusão 2ª o arguido anuncia parte do âmbito do recurso e, depois, nas conclusões 3 a 16, tece considerações doutrinárias, incluindo uma série de “noções básicas”.
Na parte final do recurso, já depois das conclusões, diz ainda, quanto a “normas violadas”, que o foram os arts: 374/2, 127, 128/1, 138/3, 141, 344, 412/2, do CPP; 16/2 e 32/2 da CRP; 11 da DUDH.
Nada disto corresponde à noção de conclusões, que deviam ser um resumo das razões do pedido (art. 412/1 do CPP).
Para além disso, invocar uma série de “noções básicas” e a violação de uma série de normas do CPP, da Constituição e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, não é invocar uma violação concreta, por parte do tribunal recorrido, de qualquer dessas normas.
Pelo que nada há a dizer quanto a elas, para além da óbvia improcedências das mesmas em tudo o que não esteja concretizado nas subsequentes conclusões.
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Na conclusão 17, o arguido diz:
No caso concreto, o tribunal a quo deu como provados os pontos de facto os factos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 36, 37, 38, 39, 45, 46, 48 e 49, relativamente, ao arguido Manuel C….
Não é assim. Os pontos de facto 12 a 35 também dizem respeito ao arguido Manuel C…, como se vê do que consta dos pontos de factos provados 3 a 5 e 9, que se irão transcrever um pouco mais à frente. Ora, se se atentar bem, isto corresponde à conclusão de que o arguido não impugna parte substancial dos pontos de facto que lhe eram imputados, o que desde já se deixa assinalado.
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Na conclusão 18 diz o arguido:
Do testemunho prestado pelo agente da PSP G…, nunca se poderia afirmar com total certeza que aquando da primeira rusga, realizada a 20/09/2008, a droga apreendida no quarto do arguido Carlos E…, pertencia ao arguido Manuel C….
Entra assim, aqui sim, o arguido na impugnação do acórdão recorrido, na espécie de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, a que dedica as conclusões seguintes até à 40, inclusive.
As restantes conclusões, nesta parte, são as seguintes:
19 - Das declarações deste testemunha tal ilação não se pode nem deve tirar.
20 - Da primeira rusga efetuada, o que se sabe, é que foi aprendida droga ao arguido Paulo A…, e que esta se encontrava no quarto deste. Também se sabe pelos autos, que foi encontrada droga no quarto do arguido Carlos E…. Ninguém sabe a quem pertence a droga aprendida, ninguém viu ­quem a colocou lá. O tribunal a quo presume apenas que pertence ao arguido Manuel C…, uma vez que a casa é dele.
21 - Há que referir que numa casa, onde para além do arguido Manuel C…, da arguida F…, dos dois filhos do casal, que lá vivem, mais o arguido Carlos E…, ainda moravam lá dois toxicodependentes (que também vendiam produto estupefaciente), os arguidos Paulo A… e o arguido D….
22 - Estes dois arguidos possuíam a chave da casa e, como relata o arguido Paulo A…, ambos aproveitavam a ausência do arguido Manuel C… para irem para dentro de casa na companhia de vários toxicodependentes e para guardarem doses individuais de droga, nomeadamente heroína.
23 - Do teor das declarações do Agente G…, não se pode afirmar com certeza absoluta que o arguido Manuel C…, se dedicasse à prática de venda de produto estupefacientes, nem que o produto apreendido fosse dele. Aqui há meras presunções, as presunções não são verdades absolutas, valem o que valem! Não podendo assim ser atribuídos, como provados, pelo tribunal a quo os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 36, 37, 38, 39, 45, 46, 48 e 49.
24 - Se atendermos às declarações do arguido Manuel C…, relativamente, à droga encontrada em sua casa aquando da segunda rusga, este afirma que a droga pertencia ao mestre João P…, pessoa esta que trabalhava como pintor e que prestou serviços em casa do arguido, sendo também toxicodependente. Este testemunho não foi levado em conta pelo tribunal a quo e mal, pois se todas as provas não forem valoradas, a descoberta da verdade material está viciada
25 - O tribunal a quo fez sua convicção quanto aos factos provados o testemunho de M…. Esta testemunha, diz que utilizou a casa do arguido Manuel C…, durante cerca de um ano, sendo que no ano de 2007 ainda frequentava, nessa altura a casa, para se prostituir. Esclarece também que quando começou a se prostituir, comprava droga ao arguido Manuel C… e ao "continental", referindo-se ao arguido Paulo A…, tendo comprado droga a estes, pela última vez em Janeiro de 2008.
Porém, se atendermos aos depoimentos desta testemunha e de outras testemunhas e arguidos, veremos que há nítidas contradições no seu testemunho, não oferecendo então, qualquer credibilidade o depoimento da Sra. M….
26 - Ora se em 2007, a testemunha já não se encontrava na casa do arguido Manuel C…, como pode dizer ela agora que nessa altura comprou droga aos arguidos Manuel C… e ao arguido Paulo A…, tendo comprado pela última vez em Janeiro de 2008. Lembramos, novamente, que em 2007 o arguido D… já se encontrava a viver em casa do Manuel C… e a própria Testemunha M…, dizer mesmo que não o conhece. Este testemunho pauta por contradições e mentiras, que retiram a credibilidade da testemunha, não podendo nem devendo ser valorado.
27 - As únicas certezas que temos, com este depoimento, são: se a Sra. M… frequentava a casa e possivelmente terá comprado produto estupefaciente e consumido em casa do arguido Manuel C…, terá sido no ano de 2005. Se assim o foi, o tribunal a quo não poderá valorar a prova porque esta não faz parte da acusação.
28 - Ora, perante isto, o depoimento não poderá ser valorado. Esta contradição traz também no julgador e no tribunal a quo um espírito de incerteza. E se tal é valorado é violado o princípio in dubio pro reo.
29 - Outra contradição que se verifica no depoimento desta testemunha, a M… depreende-se com o local onde a droga estava escondida. O tribunal a quo refere a fls 62 do acórdão que o arguido Paulo A… tirava o produto debaixo da mesa-de-cabeceira, enquanto o arguido Manuel C… ia buscá-la debaixo de uma almofada que tinha no quarto.
30 - Se atendermos às apreensões realizadas nas três buscas efetuadas na casa do arguido Manuel C…, não houve uma única vez que tivesse sido encontrada droga no quarto deste arguido. Na primeira rusga efetuada a 20 de Setembro de 2008, foi encontrado e apreendido produto estupefaciente, no interior do quarto do arguido Carlos E… e também foi encontrado e apreendido produto estupefaciente, no interior do quarto do arguido Paulo A…. No dia 03 de Outubro de 2008 foi encontrado e apreendido produto estupefaciente na casa do arguido Manuel C….
31 - Face a estes depoimentos é estranho que o tribunal a quo tenha dado como provados os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 36, 37, 38, 39, 45, 46, 48 e 49, ainda mais estranho é ter dado credibilidade à testemunha M…, porque todo o seu depoimento pauta pela incoerência, incoerência essa que está nos pormenores. Afirma que viveu em casa do arguido Manuel C… em 2007/2008, quando os outros testemunhos afirmam o contrário, ou seja, que ela apenas lá viveu durante três meses no ano de 2005. Alega também que o arguido Manuel C… era o dono da droga e que a tinha guardado debaixo de uma almofada no interior do quarto dele, quando nunca em todo o processo se encontrou ou foi mencionado por qualquer testemunha que tivesse sido encontrado produto estupefaciente lá.
32 - Relativamente, ao depoimento prestado pelo arguido D…, tal depoimento não poderá ser credibilizado, pois toda a sua postura, a deste arguido, em sede de julgamento foi a de querer descriminalizar a sua conduta.
33 - O arguido Paulo A… afirmou em sede de julgamento que ele e o arguido D…, tinham acesso a casa do arguido Manuel C…, pois tinham as chaves da casa, e que guardavam a droga dentro de casa.
34 - O acórdão proferido pelo tribunal a quo está assente numa dúvida constante. Uma tal convicção só existirá quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável e não foi o caso.
35 - Assim, não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental, produzida (quer, globalmente, considerada, quer apreciada individualmente), matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente Manuel C… se dedicava à venda de heroína e cocaína.
36 - O arguido Paulo A…, afirmou que todos os toxicodependentes compravam e vendiam produto e que utilizavam a casa do arguido Manuel C…, na ausência e sem o seu conhecimento, para guardar o produto estupefaciente e procederem à respetiva venda do mesmo.
37 - O arguido C…., também desconhece quem era o dono da droga.
38 - Por outro lado, a prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo tribunal a quo, isto é a, a falta de prova impunha a sua absolvição dos crimes pelos quais foi acusado.
39 - O artigo 430 nº 1 do CPP refere que: "Quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se verificarem-se os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410 e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.
40 - Defende o recorrente para o caso de o TRL considerar verificado o vício apontado, não é possível evitar o reenvio do processo mas por mera cautela requer-se a repetição do seguinte ato de produção de prova tido lugar em 1ª instância, inquirição do recorrente.
41 - Assim, não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental, produzida (quer, globalmente, considerada, quer apreciada individualmente), matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente Manuel C… se dedicava à venda de heroína e cocaína.
42 - Por outro lado, a prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo tribunal a quo, isto é a, a falta de prova impunha a sua absolvição dos crimes pelos quais foi acusado.
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Para apreciação de todas estas questões importa primeiro saber quais os factos que são imputados ao arguido Manuel C… e qual a fundamentação da convicção do tribunal para os dar como provados, o que se passa a consignar:
Factos provados [não se reproduzem aqui os factos que dizem apenas respeito ao arguido José A…]:
1. Desde data não apurada mas, pelo menos, desde o início do ano de 2007 que o arguido Manuel C… se dedicava à venda e distribuição de produtos estupefacientes - heroína e cocaína -, quer através da venda direta aos consumidores, quer através do "recrutamento" de indivíduos ligados ao consumo de estupefacientes, que procediam a essa venda agindo por conta daquele arguido.
2. O arguido Manuel C… dedicava-se à venda e distribuição do produto estupefaciente a terceiros consumidores, mediante o pagamento de um preço, sendo que, pelo menos, uma vez, aceitou objetos em ouro, o anel identificado a fls. 428, o par de brincos de fls. 430 e os dois anéis, um com pedra verde e outro com pedra vermelha identificados a fls. 433 dos autos, como meio de pagamento, de valor superior ao preço do produto estupefaciente.
3. Na referida atividade de venda de produtos estupefacientes, o arguido Manuel C… contava com a colaboração dos arguidos D… e Paulo A…, que residiam consigo na mesma habitação e, ainda, do arguido C…, todos consumidores de heroína, os quais seguindo as suas instruções, procediam à entrega do produto estupefaciente àqueles que se lhes dirigissem para o adquirir.
4. Os arguidos D…, Paulo A… e C… vendiam o produto estupefaciente por conta do arguido Manuel C... , por preço superior ao da sua aquisição, revertendo para ele o lucro da sua venda.
5. O arguido Manuel C… funcionava como elemento dirigente de coesão entre os colaboradores, intervindo quando havia necessidade de tomar decisões acerca de algo relacionado com a distribuição de produto estupefaciente e entrega do respetivo preço.
6. Por vezes, procedia o próprio arguido Manuel C… à venda e distribuição de produto estupefaciente, o que ocorreu, em data não concretamente apurada do ano de 2007, em que procedeu, por várias vezes, à entrega, pelo preço de 20€ cada dose, de quantidades não apuradas de heroína, a M….
7. O arguido Manuel C… adquiria o produto estupefaciente, heroína e cocaína, a pessoa cuja identidade não ficou apurada e, posteriormente, dividia-o em várias embalagens que escondia no interior da sua residência, sita no nº 00 da Rua de S… Funchal.
[…]
9. Os arguidos Paulo A…, D… e C… eram contactados diretamente pelos consumidores, junto da residência do arguido Manuel C…, na Rua de S…, nº 00, no Funchal, que faziam a encomenda e, de seguida, estes deslocavam-se ao interior da residência para ir buscar o produto estupefaciente já devidamente embalado, que lhes era entregue pelo arguido Manuel C…, após o que o entregavam aos consumidores, recebendo deles o respetivo preço que, por seu turno, entregavam àquele arguido.
10. Em data indeterminada do ano de 2007, a arguida Maria de F…, tendo conhecimento do local onde o produto estupefaciente se encontrava armazenado e do fim a que se destinava, entregou a M…, pelo menos, por duas vezes, quantidade não apurada de heroína e de cocaína pelo preço de 20€ a dose.
11. Em data indeterminada do ano de 2007, mas posterior ao mês de Abril, o arguido Paulo S… vendeu a Carla F…, por duas vezes, uma dose de heroína, quantidade não superior a 0,1 g, pelo preço de 20€, que aquela destinou ao seu consumo.
12. No dia 31/07/2008, entre as 14h e as 15h, Fernando J…, adquiriu ao arguido C…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
13. No dia 20/08/2008 entre as 10h e as 14h40, Manuel C…, adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 19€ uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
14. No dia 10/09/2008 entre as 14h30 e as 18h45, I… J… ainda adquiriu ao arguido Carlos D…, pelo preço de 20€ um pacote de heroína (quantia não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
15. No dia 15/09/2008, entre as 8h e as 12h30m, Rui A… adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 10€, meia dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
16. No mesmo dia e horas, Luís M… adquiriu ao arguido D…, um pacote de heroína cuja quantidade variava entre 0,5 g e 0,8 g que destinava ao seu consumo.
17. No mesmo dia e horas, I… J… também adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 20€, um pacote de heroína (quantia não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
18. No mesmo dia e horas, N… R…, adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
19. No dia 16/09/2008, entre as 10h e as 18h25 I... J... e Carla F..., adquiriram ao arguido D..., pelo preço de 20€, um pacote de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
20. No dia 16/09/2008, entre as 8h e as 18h25, I… J… adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 20€, um pacote de heroína (quantidade não superior a 0,1 g), que destinava ao seu consumo.
21. No mesmo dia e horas, I… J… adquiriu ao arguido Paulo A…, pelo preço de 20€, um pacote de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
22. No dia 31/07/2008, entre as 14h e as 15h, um indivíduo cuja identidade não ficou apurada adquiriu ao arguido Paulo A…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
23. No mesmo dia e horas, 5 indivíduos cuja identidade não foi possível apurar adquiriram ao arguido C…, cada um deles, pelo preço de 20€ uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
24. No dia 20/08/2008, entre as 10h e as 14h40m, onze indivíduos, cuja identidade não ficou apurada adquiriram ao arguido Carlos D…, cada um deles, pelo preço de 20€, uma dose de heroína que destinavam ao seu consumo.
25. No dia 10/09/2008, entre as 14h30 e as 18h45, indivíduo cuja identidade não ficou apurada, adquiriu ao arguido D…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
26. No mesmo dia e horas, Ricardo J… adquiriu ao arguido D…, por preço não apurado, quantidade não apurada de produto estupefaciente que destinava ao seu consumo.
27. No mesmo dia e horas, cinco indivíduos, cuja identidade não ficou apurada, adquiram ao arguido C…, cada um, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
28. No dia 15/09/2008, entre as 8h e as 12h30m, um indivíduo cuja identidade não ficou apurada, adquiriu ao arguido Paulo A…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinava ao seu consumo.
29. No mesmo dia e horas, 13 indivíduos, cuja identidade não ficou apurada, adquiriram ao arguido D…, cada um deles, pelo preço de 20€ uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
30. No dia 16/09/2008, entre as 10h e as 18h25m, dez indivíduos cuja identidade não ficou apurada, adquiriram ao arguido D…, cada um deles, pelo preço de 20€ uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
31. No dia 16/09/2008, entre as 8h e as 12h30m, quatro indivíduos cuja identidade não ficou apurada, adquiriram, cada um deles, ao arguido P…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
32. No mesmo dia e horas, sete indivíduos cuja identidade não ficou apurada, adquiriram ao arguido D…, cada um deles, pelo preço de 20€ uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g), que destinavam ao seu consumo.
33. No mesmo dia e horas, um indivíduo cuja identidade não ficou apurada, adquiriu ao arguido Paulo A…, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g), que destinava ao seu consumo.
34. No dia 20/09/2008, entre as 9h e as 14h15m, dois indivíduos cuja identidade não ficou apurada, adquiriram ao arguido C…, cada um deles, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
35. No mesmo dia e horas, dezanove indivíduos, cuja identidade não ficou apurada, adquiriram ao arguido D…, cada um deles, pelo preço de 20€, uma dose de heroína (quantidade não superior a 0,1 g) que destinavam ao seu consumo.
36. No dia 20/09/2008 foi efetuada uma busca no interior da residência do arguido Manuel C… e, aí, foram encontrados e apreendidos:
- no interior do quarto do arguido Carlos E…, 4 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 36,959 g de heroína, 2 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 76,799 g de heroína, 17 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 0,481 g de cocaína, e 27 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 2,962 g de heroína;
- no interior do quarto do arguido Paulo A…, 6 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 0,351 g de heroína, 2 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 0,035 g de cocaína;
- na sala de estar 1.350€ + 1.000€ + 500€ + 180€, um telemóvel Nokia, propriedade do arguido Manuel C…, um telemóvel Sony Eriksson propriedade do arguido Manuel C…, 2 telemóveis Nokia, propriedade do arguido Paulo A…, 2 tesouras, quantidade não apurada de recortes em plástico, um x-ato, uma lâmina de x-ato, três colares em metal amarelo, uma pulseira, uma balança de cozinha, uma máquina fotográfica digital Olympus, um computador portátil Acer, 2 colunas de som Trust, 4 playstations Sony, uma máquina de filmar digital Panasonic, dois teclados Labtec, uma impressora Epson, 4 televisões LG, 5 colunas de som Sony, uma bateria Airis, um leitor de DVD Philips, uma rede sem fios Asus.
37. O produto estupefaciente apreendido […] havia sido adquirido pelo arguido Manuel C… e destinava-se a ser comercializado por preço superior ao da sua aquisição. [O produto que] foi guardado no interior do quarto [do Paulo A… foi-o] com o seu [do Paulo A…] conhecimento e consentimento. [As correções introduzidas por este TRL nas partes entre parênteses retos são de lapsos de redação, decorrentes de se ter excluído, no acórdão recorrido, o conhecimento do arguido Carlos E… da existência da droga, sem se reparar que com a redação dada a este ponto também se estava a excluir do mesmo a droga encontrada no seu quarto; mas o próprio arguido recorrente, Manuel C…, entendeu perfeitamente que lhe era imputada a propriedade da droga encontrada no quarto do seu filho e esse é mesmo o primeiro ponto da impugnação de facto do seu recurso].
38. No dia 03/10/2008, foi efetuada uma busca no interior da residência do arguido Manuel C… e, aí, foram apreendidos uma embalagem contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser 24,312 g de heroína, 3 embalagens contendo no seu interior um produto que submetido a exame revelou ser, 0,177 g de heroína; no quarto da arguida Maria de F…. 1.000€; 340,21€, 2.400€, 10 alianças em ouro, 12 colares em ouro, 27 anéis em ouro, 11 pulseiras em ouro, 9 medalhas em ouro, 12 em ouro, 8 pares de brincos em ouro, 2 alfinetes em ouro, 10 relógios, um telemóvel Sony Eriksson, um telemóvel Sagen
39. O produto estupefaciente apreendido que havia sido adquirido pelo arguido Manuel C…, destinava-se a ser comercializado por preço superior ao da sua aquisição.
40. No dia 17/11/2008, cerca das 13h40m, na Rua de S…, Funchal, elementos da PSP, no exercício das suas funções, apreenderam ao arguido Paulo A… 40€ e 6 embalagens com 0,662 g contendo um produto com heroína tendo a tara 0,25 g [corrigiu-se este ponto, por ter havido necessidade de comparação e na sequência de se ter constatado o lapso no ponto 46, tendo por base o relatório pericial de fls. 43 do apenso, correção que se operou ao abrigo do art. 431a) do CPP].
41. O arguido Paulo A… destinava o produto estupefaciente à venda a quem se lhe dirigisse para o efeito e o dinheiro que tinha na sua posse era proveniente das vendas de heroína já efetuadas.
[…]
45. No dia 26/02/2009, cerca das 12h30m, na Rua de S…, Funchal, elementos da PSP do Funchal, no exercício das suas funções, apreenderam ao arguido Paulo A… a quantia pecuniária de 35€.
46. No dia 26/02/2009, foi efetuada uma busca no interior da residência do arguido Manuel C…, sita na Rua de S…, nº 00, Funchal e, aí, foram apreendidos no quarto do arguido Paulo A…, 8 embalagens com 1,114 g contendo um produto com heroína tendo a tara 0,29 g, um telemóvel de Nokia, uma faca de cozinha, uma tesoura, uma lâmina x-ato, um cartão SIM TMN e 20€ [foi lapso notório de escrita o ter-se escrito Jorge, quando se quis escrever A…, como aliás se vê em 45 e 47, lapso que este TRL agora corrige; corrigiu-se também o resultado do exame, tendo em conta o que consta de fls. 1441 invocado para prova do facto].
47. O produto estupefaciente apreendido ao arguido Paulo A… destinava-se a ser comercializado por preço superior ao da sua aquisição.
48. Os objetos apreendidos destinavam-se a ser utilizados pelo arguido Paulo A… na atividade de venda de produto estupefaciente a que se dedicava e a quantia monetária apreendida constituía lucro proveniente de tal atividade.
49. Os arguidos M…, Maria de F…, Paulo A…, C… e D… atuaram de modo livre e consciente e ainda de comum acordo e em conjugação de esforços com o propósito concretizado de procederem à venda de heroína e de cocaína, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos de tais produtos estupefacientes, substâncias que detinham e que vendiam aos consumidores que se lhes dirigissem, atuando os arguidos Manuel C…, Paulo A… e Maria de F…, com a intenção de obterem contrapartida económica e os arguidos D… e C… com o propósito único de obterem para si produto estupefaciente para o seu uso pessoal, não obstante todos os ditos arguidos saberem ser proibida e punida por lei a sua conduta.
[…]
Factos não provados [entre outros que, aqui, não têm interesse]:
58. Que o mesmo produto estupefaciente [referido em 36 e 37 dos factos provados] foi guardado no interior do quarto do arguido Carlos E…, com conhecimento e consentimento deste.
[…]
A convicção do tribunal recorrido quanto aos factos provados e não provados assentou no seguinte:
1. No depoimento da testemunha G… agente da PSP que começou por referir que conhece todos os arguidos devido às funções que exerce e que o presente processo se iniciou devido a várias queixas feitas junto da PSP no sentido de que, na Rua de S…, havia prostituição e tráfico de drogas.
Nessa sequência, foi montado um dispositivo de vigilância ao local, tendo sido tiradas várias fotografias aos indivíduos que vendiam droga e tendo ele próprio visionado a venda de produto estupefaciente por parte dos arguidos D…, Paulo A… e C…, os quais eram contactados pelos consumidores na rua, após o que se dirigiam a casa do arguido Manuel C…, volvendo minutos depois com o produto estupefaciente que entregavam ao consumidor, por vezes, cuspindo-o para o chão.
Acrescentou que nunca viu os arguidos Paulo J…, Carlos E… e Maria de F… fazerem qualquer entrega de drogas e que, na sequência daquela vigilância, intercetaram vários compradores de produto estupefaciente a quem fizeram revistas e apreensões de doses individuais de heroína.
Referiu, ainda, que participou na busca que foi efetuada à casa do arguido Manuel C…, no dia 20/09/2008, confirmando o conteúdo do auto de apreensão então elaborado e que a droga apreendida foi encontrada no quarto do arguido Carlos E…, dentro de uma gaveta de um móvel de roupas, sendo que a mesma estava fria, como se tivesse acabado de sair do frigorífico.
Esclareceu que, nesta data, na casa do arguido Manuel C… viviam, além deste, a arguida F…, sua mulher, dois filhos do casal, sendo um deles o arguido Carlos E…, e ainda os arguidos Paulo A… e D…, mantendo o arguido Manuel C… uma relação amorosa com estes dois últimos.
Referiu que ainda participou numa 2ª busca à casa do arguido Manuel C… e que, nesse dia, que não precisou, o arguido Paulo A… se encontrava, doente e acamado, no seu quarto, o qual era o mais próximo da cozinha.
2. Por seu turno, a testemunha, C…, referiu ter sido consumidor de produtos estupefacientes, até meados de 2008, consumindo tudo o que conseguisse arranjar, conhecer os arguidos e que "toda a gente comprava droga na Rua de Santa Maria".
Contudo, disse que nunca comprou droga aos arguidos D… e P… e que apenas adquiriu Serenal àquele arguido, e só, reafirmando que, em Setembro de 2008, já estava em tratamento, nada consumindo.
Confirmou que os arguidos Paulo A… e D… viviam na casa do arguido Manuel C… e que ouvia este dizer que não queria "aquelas coisas ali", referindo-se à venda de droga.
Tendo esta testemunha negado ter comprado droga aos arguidos e sendo certo que, apesar dos arguidos D…, Paulo A… e C… terem confessado as várias vendas que lhe são imputadas na acusação, não lograram identificar os indivíduos a quem fizeram tais vendas, face à inexistência de qualquer prova, entendeu o tribunal considerar como não provada a aquisição de produto estupefaciente por parte desta testemunha àqueles arguidos.
3. No depoimento da testemunha T…, agente da PSP, que começou por dizer que participou nas três buscas efetuadas à casa do arguido Manuel C…, tendo esclarecido que, aquando da segunda busca, o arguido Paulo A… já não vivia naquela casa, tendo sido o arguido Manuel C… quem alertou os agentes policiais para o local onde se encontrava o produto estupefaciente que veio a ser apreendido.
Também confirmou que o produto estupefaciente apreendido no âmbito da 1ª busca estava frio, denotando ter estado no frigorífico, a existência de uma relação amorosa entre o arguido Manuel C… e os arguidos Paulo A… e D….
Acrescentou, por último, que nunca presenciou os arguidos a venderem droga.
[…]
5. A testemunha L… disse conhecer os arguidos, com exceção dos arguidos Maria de F… e Carlos E… e que era consumidor de heroína, o que fazia diariamente.
Confirmou ter comprado ao arguido D… um pacote de heroína, com 0,1 g, pelo preço de 20€, sendo certo que, nessa sua compra, foi fotografado pela PSP, tendo esclarecido, ainda que, nesse dia, o arguido D... lhe referiu que estava a ressacar e que só tinha um pacote para vender, confirmando, assim, a venda de heroína por parte daquele arguido e a sua qualidade de consumidor de drogas.
6. A testemunha A…., Sub-chefe da PSP confirmou as buscas efetuadas no âmbito destes autos, bem como a existência de duas abordagens ao Paulo A…, no âmbito das quais lhe apreenderam produto estupefaciente.
Ainda disse que o arguido Paulo J… também frequentava a Rua de S… mas que nunca o viu a vender droga.
7. A testemunha O…, agente da PSP, por seu turno, referiu que também participou nas três buscas efetuadas à casa do arguido M…, esclarecendo que, na 2ª busca, o arguido Paulo A… já não vivia naquela casa e que foi o arguido Manuel C… quem indicou o local onde se encontrava a droga, enfiada num bloco de uma parede, corroborando as declarações da testemunha Tiago C…, o que nos levou a considerar que era o arguido Manuel C… quem geria as vendas de droga, pois a ausência do arguido Paulo A… não fez desaparecer a droga da dita casa, o que seria de esperar face às declarações do arguido Paulo A… de que ele é que comprava a droga e que o arguido Manuel C… nunca lhe entregou droga para vender.
8. Por seu turno, a testemunha D…, Agente da PSP, disse que, em 17/11/2008 e não em 11/11/2008, como erradamente consta da acusação, fez uma revista ao arguido Paulo A… e que lhe apreendeu produto estupefaciente, a qual após ter sido sujeita a exame pelo laboratório da PJ, revelou ser heroína, o que também foi confessado pelo referido arguido.
9. A testemunha J…, veio dizer que era consumidor de heroína, o que deixou há cerca de 20 meses e que nunca comprou droga aos arguidos, acrescentando que o arguido Paulo J… vende roupa na Rua de S… e que nunca o viu a vender droga.
10. Por seu turno, a testemunha S…, referiu ter sido consumidor de heroína, estando em tratamento há dois meses e que, em Maio de 2008 comprou um panfleto de heroína ao arguido C…, pelo preço de 20€, esclarecendo que, nesse dia, na Rua de S…, perguntou ao C… se lhe arranjava heroína ao que ele respondeu que lhe arranjava um panfleto ou dose, após o que lhe entregou o dinheiro.
De seguida, o arguido C…, dirigiu-se a uma casa na Rua de S…, cujo número não soube precisar e trouxe-lhe a droga confirmando, assim, a venda deste produto por parte do arguido Carlos D…, o qual também aceitou tal facto.
[…]
13. A testemunha J…, por sua banda, referiu conhecer os arguidos e ter sido consumidor de heroína e de cocaína, mas que nunca lhes comprou droga, acrescentando que, na Zona Velha da cidade, há muita gente a vender aquele produto.
Confirmou que já deu uma "ganza" ao D… pessoa a quem, por vezes, "apresentava uma ganza" e que, apesar de reconhecer-se no fotograma de fls. 289, nesse dia, não partilhou qualquer ganza com o arguido D…, reafirmando que nunca lhe comprou qualquer droga.
Afirmou, contudo, que a C… "gorda" comprava ao arguido D… e que conhecia o arguido C…, o qual, diariamente, consumia drogas, para o que pedia esmola e "roubava".
Quanto ao arguido Paulo J… afirmou que nunca o viu a vender drogas.
Dada a falta de qualquer outra prova e visto que os arguidos Paulo A…, D… e C… não identificaram os consumidores a quem vendiam produto estupefaciente, entendeu o tribunal considerar como não provadas as aquisições imputadas a esta testemunha.
14. A testemunha M… referiu que, em 2008, consumia heroína e que adquiriu esse produto aos arguidos P… e D…, cerca de 4 a 5 vezes, pelo preço de 20€, cada dose.
Confirmou que comprou o dito produto na Rua de S… e que, nessa altura, os ditos arguidos tinham a droga com eles, acrescentando que, por vezes, o arguido D... tinha a droga na boca, ignorando, contudo, onde é que eles a iam buscar.
Confirmou que, tanto o arguido D…, como o arguido P…, consumiam drogas e que nunca viu os restantes arguidos a venderem droga.
15. A testemunha P… disse que, em 2008, consumia heroína e que, para além de outros locais, também comprava esse produto na Rua de S….
Mais disse que comprava a heroína ao arguido C…, à dose, pela qual pagava o valor de 10€ ou 20€, compras que se prolongaram num período de 6 a 7 meses e 2 a 3 vezes por semana confirmando, assim, a venda deste produto pelo referido arguido.
Negou que tivesse comprado heroína aos outros arguidos e que desconhece onde é que o C… ia buscar a droga que lhe vendia.
Confirmou, por último, que o arguido C… também era consumidor de drogas há vários anos.
16. A testemunha F… disse que foi consumidor de heroína e que comprava esse produto na Zona Velha, ao arguido C…, sendo que entregava o dinheiro àquele arguido e que ele ia buscá-la a casa do "Sr. N…", referindo-se ao arguido Manuel C….
Esclareceu que o arguido C… levava o dinheiro, entrava na casa do "N…" e que alguns minutos depois aparecia com a droga que lhe entregava, do que resulta que a droga vendida pelo arguido C… saía, com toda a certeza, da casa do arguido Manuel C….
Ainda disse que pagava 20€ por cada dose e que adquiria esse produto, pelo menos, uma vez por dia.
Afirmou, também, que o arguido C… era consumidor de drogas e que as vendas que aquele fazia eram o meio para arranjar droga para o seu consumo.
Ainda confirmou que adquiriu heroína, algumas vezes, ao arguido Paulo A…, confirmando, também, que este arguido vendia aquele produto.
Disse que, algumas vezes, ainda comprou heroína ao arguido D… e que este também ia buscá-la a casa do N…, ou seja, a casa do arguido Manuel C….
Acrescentou que pagava o produto estupefaciente sempre em dinheiro e que o arguido Paulo A… facilitava quando não tinha o dinheiro todo, o que já não sucedia com o arguido C… que nunca lhe facilitou a compra, daí que se possa concluir que a posição do arguido Paulo A… e do arguido C…, na venda da droga, era diferente, certamente porque aquele mantinha uma relação amorosa com o arguido Manuel C… e este não.
Especificou que comprou heroína, duas vezes, ao arguido D… e seis vezes ao arguido Paulo A… e que estes e o arguido C… eram consumidores daquele produto.
Por último, disse que nunca comprou drogas ao arguido Paulo J….
17. A testemunha M…, por seu turno, referiu conhecer os arguidos, com exceção do arguido Carlos E…, que foi consumidor de heroína e que adquiriu esse produto, uma vez, ao arguido D... G…, pelo preço de 19€ ou 20€, a dose, o que se considerou provado, referindo, ainda, que, nessa altura, o arguido D… trazia a droga com ele.
18. A testemunha José C… disse ter sido consumidor de heroína e conhecer os arguidos, com exceção dos arguidos Maria de F… e Carlos E….
Apesar de referir que era comentado que havia droga na casa do "N…", referindo-se ao arguido Manuel C…, quando lhe perguntava por tal produto este respondia" sei lá o que é isso", "alguma vez viste-me a vender disso?"
Quando abordava o arguido D… para lhe vender droga este também lhe respondia que não tinha nada disso, sendo certo que este arguido nunca lhe vendeu droga.
Perante estas declarações e sendo certo que, tendo-lhe sido exibidos os fotogramas de fls. 287 e 288 dos autos, negou que estivesse a fazer qualquer compra de droga, dado que os arguidos D…, Paulo A… e C… não identificaram os compradores de heroína, considerou o tribunal como não provada a aquisição deste produto por parte desta testemunha.
19. A testemunha I… J…iniciou o seu depoimento dizendo conhecer o arguido C… "seu colega da droga", a qual deixou há cerca de 9 meses.
Esclareceu que consumia heroína todos os dias, isto durante um ano e que, para adquiri-la, entregava 20€, por cada pacote, ao arguido C…, já que este conhecia uma pessoa que a vendia, mas sendo este que lhe entregava o pacote.
Tendo-lhe sido exibidos os fotogramas de fls. 279 e 289, confirmou que também adquiriu heroína ao arguido D…, sempre à dose e pelo preço já referido, o que se considerou provado, confirmando que aquele também era consumidor de drogas.
20. A testemunha C… declarou ter sido consumidora de heroína e que era hábito dela e do namorado, a testemunha I… J…, comprarem o produto no cruzamento da Rua da B… com a Rua de S….
Confirmou também ter comprado um pacote de heroína, pelo preço de 20€, ao arguido D…, próximo da casa do "…".
Também comprou heroína ao arguido C…, duas ou três vezes, pagando 20€, por cada pacote.
Acrescentou que ainda comprou heroína ao arguido Paulo S…pelo preço de 20€ cada dose, o que aconteceu depois de Abril de 2007, altura em que começou a consumir, o que se considerou provado, sendo que comprava sempre um pacote, ou uma dose, embora no mesmo dia tivesse comprado duas vezes.
Conhecia os arguidos D…, C… e Paulo S… como consumidores.
21. A testemunha N…, tendo sido consumidor de heroína até Abril de 2009 referiu ter comprado esse produto ao arguido D..., a quem entregava o dinheiro para tal.
Comprava à dose, pagando por cada uma delas a quantia de 20€.
Após entregar o dinheiro ao arguido D…, este demorava cerca de 2 a 5 cinco minutos para voltar com a heroína.
Confirmou que o arguido C… era consumidor de heroína e que fazia "cabrinhas " com ele, isto é, partilhavam uma dose.
Tendo-lhe sido exibido o fotograma de fls. 295 reconheceu-se nele a comprar heroína ao arguido D…, esclarecendo que entregou 10€, ao D… e que ele foi buscar a heroína, não sabe onde.
Negou ter comprado heroína ao arguido Paulo A…. e disse não conhecer o arguido Paulo S….
22. A testemunha F… iniciou o seu depoimento dizendo que foi consumidor de heroína e que comprava esse produto na Zona Velha da cidade.
Confirmou ter comprado heroína, uma vez, ao arguido Paulo A… e outra vez ao "Inglês", referindo-se ao arguido C….
Tendo-lhe sido exibido o fotograma de fls. 123, confirmou ser ele que aí se encontra a comprar um pacote de heroína, equivalente a uma dose, pelo preço de 20€.
Esclareceu que, quando comprou a heroína ao arguido C…, este trazia o produto estupefaciente na boca e que o cuspiu sendo certo que depois desta compra ainda comprou heroína ao arguido Paulo A…, em Fevereiro de 2009, confirmando, assim, que estes dois arguidos vendiam heroína.
23. A testemunha Ricardo J…, disse ter sido consumidor de heroína, vício que deixou há cerca de um ano e que, várias vezes, foi abordado pela PSP.
Embora tivesse dito que não se recordava a quem comprava a droga, reconheceu-se no fotograma de fls.336 e confirmou que estava a comprar produto estupefaciente ao arguido D…, embora não pudesse precisar que tipo de droga se tratava, confirmando, assim, as vendas por parte daquele arguido.
24. A testemunha M… começou por dizer que conhece todos os arguidos e que já foi toxicodependente, tendo-se submetido a tratamento há cerca de 2 anos, mantendo-se abstémica.
Acrescentou que consumia heroína e cocaína, consumos que iniciou há 12 anos e que para alimentar o vício prostituía-se usando, para tal efeito, a residência do arguido Manuel C… que identificou como situando-se no n° 00 da Rua de S…, pagando 5€ pelo quarto.
Utilizou esta casa cerca de um ano e deixou de o fazer porque o arguido Manuel C…, entretanto, encerrou-a para obras, reafirmando que, ainda no ano de 2007, frequentava a dita casa para se prostituir.
Quanto à aquisição da droga que consumia, esclareceu que a comprava diretamente ao N…, ou seja, ao arguido Manuel C…, ao Paulo A… e que a mulher daquele, a arguida Maria de F…, também lhe entregou droga, heroína e cocaína, pelo menos, duas ou três vezes, sendo que pagava 20€, por cada dose ou pacote que adquiria.
Ainda esclareceu que, quando começou a se prostituir comprava a droga ao arguido Manuel C… e ao "continental", referindo-se ao arguido Paulo A…, também em doses de 20€ cada, o que fazia todos os dias, sendo que a última compra que efetuou situa em Janeiro de 2008.
Ainda explicou que conheceu o "N…" através do arguido Paulo S… e da namorada dele de nome C… que também eram consumidores de estupefacientes e que residiam na casa do arguido Manuel C….
Acrescentou que, por vezes, quando tinha dinheiro, comprava droga 9 vezes no mesmo dia.
Ainda disse que, em data que não sabe precisar, mas que situa em 2007, entregou ao arguido Manuel C…, como garantia do pagamento da droga, objetos em ouro, para que este lhe desenrascasse 4 pacotes, dois de heroína e dois de cocaína, até às 14h e que, nesse mesmo dia, lhe entregaria o dinheiro do produto.
Acrescentou que, nesse mesmo dia, quando pretendeu entregar o dinheiro da droga que lhe vendera o arguido Manuel C…, este recusou-se a receber tal quantia, tendo ficado com os objetos que ela lhe entregara como garantia e que identificou como sendo o anel identificado a fls. 428, o par de brincos de fls. 430 e dois anéis um com pedra verde e outro com pedra vermelha, identificados a fls. 433 dos autos, os quais tinham valor superior à droga.
Mais disse que desconhecia onde o arguido Manuel C… ia buscar a droga mas que sucedeu que, tendo ela faltado, aquele arguido mandou-os esperar pois ia tratar de arranjar mais e, cerca de meia hora depois, espreitaram e viram chegar a casa daquele um indivíduo de raça negra, sendo que, ainda nesse dia, comprou droga ao "N…".
Ainda esclareceu que comprou mais vezes ao arguido Manuel C… do que ao arguido Paulo A…, embora aquele arguido lhe dissesse "fala com o Paulo que ele é que é o dono disto", o que contraria o facto de ser ele a providenciar quando faltava o produto estupefaciente, atitude própria de quem gere o "negócio" da venda de droga.
Ainda disse que o arguido Manuel C… vendia a outros toxicodependente, "mas só aos mais bem apresentados".
Ainda referiu que, nessa altura, o arguido Paulo A… quase não saía de casa e da cama, onde passava os dias a se injetar, circunstância a que aludiu um dos agentes policiais que interveio numa das buscas a casa do arguido Manuel C…, o que retrata este arguido como um toxicodependente, incapaz de gerir a sua própria vida quanto mais um "negócio" daquela natureza, que ele certamente arruinaria em meia dúzia de dias, pois mais alto fala o vício.
Contudo, acrescentou a mesma testemunha, tanto um como o outro, venderam-lhe droga, sendo que o arguido Paulo A… tirava o produto da mesa-de-cabeceira, enquanto o arguido Manuel C… ia buscá-la a debaixo de uma almofada que tinha no quarto.
Ainda referiu que, quem tinha o dinheiro era o "…", mas que este queria manter a aparência que nada tinha a ver com a droga e que, por isso, não facilitava a venda do produto estupefaciente dizendo que o mesmo pertencia ao arguido Paulo A..., subterfúgio do dono do negócio para evitar que não lhe paguem, acrescentamos nós.
Anteriormente, comprava droga noutros locais até se ter apercebido que havia na casa do N… e, então, a partir daí, prostituía-se noutro lado, mas ia à casa daquele comprar droga.
Adiantou que o arguido Carlos E… nunca lhe vendeu droga e que não tem nada a ver com isto, esclarecendo que a arguida F… desenrascou-a duas ou três vezes, pelo facto do arguido Manuel C… não se encontrar em casa e que, inicialmente, se recusou a tal, acabando por lhe entregar a droga face à insistência da testemunha.
Embora tivesse dito que a arguida F… vendeu a mais duas pessoas, tal não foi considerado dado que tais pessoas não foram identificadas, nem mais ninguém confirmou tais vendas.
Esclareceu que o arguido Paulo A… era do continente e que o arguido Manuel C… trouxe-o para a Madeira para ajudá-lo, sendo namorados.
Também confirmou que o arguido Manuel C… dava consultas em casa e que via, pelo menos, cinco a seis pessoas por dia a consultá-lo, sabendo que, por cada consulta, pagavam 50€.
Referiu, por último, que o arguido C… é consumidor de drogas e que conhece o arguido Paulo J..., pessoa que nunca viu a vender droga.
25. Por seu turno, a testemunha José L…, declarou conhecer os arguidos mas que nunca lhes comprou droga, o que face à circunstância dos arguidos Paulo A…, D… e C… não terem identificado os consumidores a quem venderam, mais uma, vez levou o tribunal a considerar como não provado que aquela adquiriu produto estupefaciente a estes.
[…]
27. Por seu turno, a testemunha Maria D…começou por dizer que foi consumidora de heroína e que conhecia os arguidos "…", Paulo A…, D…, Paulo S… e C…, tendo ainda confirmado que comprou heroína aos arguidos Paulo A… e D…, os quais iam buscar o produto a casa do arguido Manuel C….
Comprava pacotes, pelo preço de 20€, cada, tendo confirmado que é ela que se encontra no fotograma de fls. 320.
Esclareceu que comprou, duas vezes, heroína ao arguido Paulo A… e que depois da data constante do fotograma ainda comprou mais duas vezes ao arguido D….
Perguntada como é que foi bater a casa do arguido Manuel C… referiu que ouviu dizer que aí se vendia droga, tendo ainda visto os arguidos Paulo A… [corrigido pelo TRL – lapso material evidente tendo em conta todo o resumo do depoimento] e D… a vender tal produto.
Confirmou que o arguido Paulo A… era consumidor de drogas e que nunca viu o arguido Paulo [J… – aditado pelo TRL; lapso material evidente tendo em conta todo o resumo do depoimento] vender esse produto.
28. A testemunha A… negou ter comprado droga aos arguidos, o que se deu como não provado pelas razões já acima expostas.
29. A testemunha R… também disse que foi consumidor de heroína e que adquiriu esse produto, três ou quatro vezes, na Zona Velha, além de que partilhava heroína com o arguido C…, a quem entregava o valor de 10€, equivalente a meia dose. Confirmou que é ele que se encontra no fotograma de fls. 84 e 85.
30. Por seu turno, a testemunha E… disse conhecer o arguido Manuel C… e a sua família há cerca de 18 anos, sendo que a arguida F… trabalha num lar de idosos e que o arguido Manuel C… é "bruxo", fazendo tratamentos, sendo pago pelas pessoas que lhe pedem ajuda.
31. Também a testemunha José L… referiu conhecer a família do arguido Manuel C… há cerca de dois anos, que a arguida Maria de F… trabalha fora e que o "…" é cartomante, tendo já feito um tratamento a um desgosto de amor à testemunha e pelo qual lhe pagou o valor de 20€, porque quis.
32. A testemunha R… veio dizer que a arguida F… trabalha num lar de idosos, é boa mãe e pessoa trabalhadora, enquanto o arguido Manuel C… é vidente, tendo muitos clientes.
Ainda disse que pediu à Maria de F… que lhe guardasse o seu ouro, dado que tinha em casa um filho drogado que tudo gastava ou levava para vender com o fito de comprar droga.
Também já consultou o "…" e pagou o que pôde.
[…]
34/35. As testemunhas C… e Maria E…, apenas referiram conhecer os arguidos e terem já sido toxicodependentes mas que nunca lhes adquiriram drogas.
Ambas conhecem a testemunha M…, tendo dito que também era consumidora de drogas, que viveu na casa do arguido Manuel C… e que se prostituía.
A testemunha M E… ainda referiu que viveu na casa do arguido Manuel C…, tendo partilhado o quarto com o arguido Paulo S… e a sua namorada de nome C…, confirmando que ambos eram toxicodependentes.
Ainda disse que a testemunha M…, a determinada altura, arranjou um namorado e que quis trazê-lo para casa, ao que se opôs o arguido Manuel C…, facto que, em nosso entender, não descredibiliza, de modo nenhum, o depoimento daquela testemunha, que foi sereno, isento e mereceu toda a credibilidade, nada tendo sido trazido aos autos que o pusesse em causa.
Por último, referiu conhecer o arguido Paulo J… e que nunca lhe comprou droga.
Apesar dos arguidos terem, inicialmente, declarado não pretender prestar declarações, o certo é que, no decurso da audiência de julgamento, vieram fazê-lo os arguidos Manuel C…, D…, Paulo A… e C…, das quais já aflorámos alguns aspetos das declarações destes três últimos.
36. O arguido Manuel C…, por seu turno, negou os factos constantes da acusação e qualquer participação nas vendas de droga, limitando-se a dizer que sempre acolheu e acolhe toxicodependentes que lhe peçam ajuda, o que fez com os arguidos Paulo A…, que reconheceu ter sido seu namorado, Paulo S…, C… e D…, que também foi seu namorado, sendo certo que tinha conhecimento que aqueles vendiam droga e que tinham droga na sua casa, mas que era assunto deles e no qual não participava.
Quanto ao dinheiro que foi apreendido na sua residência, referiu que 1.000€ pertenciam à sua cunhada, irmã da mulher e que os restantes valores advinham da sua atividade de vidente, além de que os objetos em ouro pertencem­-lhe e à sua família há vários anos, "pois sempre gostou de ouro", exibindo vários anéis que trazia nos dedos.
Perante estas declarações e sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas e consumidoras de estupefacientes, para além da testemunha M... , declararam que pagaram a droga com objetos de ouro, mas em dinheiro, não pôde o tribunal concluir que os objetos em ouro apreendidos, para além dos pertencentes àquela testemunha, foram obtidos pelo arguido Manuel C… como meio de pagamento da droga e, consequentemente, obtidos de um modo ilícito.
Relativamente à droga apreendida na 2ª busca à sua residência, ainda disse que a mesma pertencia a um indivíduo de nome João P… (mestre João) que lhe pediu para a guardar, o que fez, o que não é credível já que o comum das pessoas sabe que a detenção de droga é proibida e punida por lei, daí que se tenha concluído, com toda a certeza, que tal droga era pertença do arguido Manuel C…
[…]
[…] quanto aos factos imputados na acusação aos arguidos Carlos E… e Paulo J…, cuja inexistência de prova foi total, daí que os mesmos tenham sido considerados não provados.
Ainda acrescentou o arguido Manuel C… que depois da 1ª busca à sua residência o arguido Paulo A… e o dito João P… saíram da sua casa.
Referiu, também, o arguido Manuel C… que sempre teve namorados, que foi criado por um casal dado que os pais o abandonaram, que casou mas que sempre foi gay, pelo que cinco anos depois de ter casado arranjou um namorado.
Acrescentou que começou a levar os namorados para casa e a dar-lhes guarida porque tinha pena deles, já que eram toxicodependentes e não tinham para onde ir.
Referiu que o arguido Paulo A… foi o seu primeiro namorado e que andou com ele seis meses, tendo ele se mantido na sua casa mesmo depois do relacionamento acabar.
Quanto ao arguido C…, disse que ele também comia na sua casa, mas que vivia noutro lugar, reafirmando que nunca mandou ninguém vender droga e que ajudou-os a fazer o tratamento de desintoxicação, qual benemérito!
37. Por seu turno, declarou o arguido D… que viveu na Rua de S…, na casa do arguido Manuel C…, que era consumidor de cocaína e de heroína, vício que iniciou aos 16 anos e que deixou há três meses, tendo-se submetido a um tratamento para o efeito.
Conheceu o arguido C… na zona do Edifício 2000 e que, nessa altura, ambos se prostituíam, tendo sido ele quem lhe apresentou o "N…", referindo-se ao arguido Manuel C….
Então, passou a viver na casa do N…, partilhando o quarto com ele sendo certo que o arguido Paulo S.. e a namorada e o arguido Paulo A… já lá viviam, sendo todos eles consumidores de drogas.
Confirmou que, durante esse período, vendeu heroína e cocaína, admitindo ter feito as vendas que lhe são imputadas na acusação, embora não possa identificar as pessoas a quem vendeu, daí que se tenha considerado provado que este arguido fez as vendas em causa, embora a pessoas cuja identidade não ficou apurada, com exceção daqueles consumidores que admitiram ter feito tais compras àquele arguido, o que também determinou que tivessem sido consideradas como não provadas as vendas de produto estupefaciente aos que negaram tal compra e a todos aqueles cuja identidade não se comprovou, o que também sucedeu relativamente às vendas feitas pelos arguidos C… e Paulo A….
Confirmou que vendia heroína ao pacote, pelo preço de 20€ e que ele próprio comprava ao N…, sendo que as vendas que fazia tinham em vista apenas obter droga para o seu consumo pessoal e só, o que não foi posto em causa.
Ainda explicou que o seu modo de operar se traduzia em receber, na rua, o dinheiro dos clientes que, depois, entregava ao "N…", após o que este lhe entregava a droga que ele levava para os consumidores que o esperavam na rua.
Mais disse que o "N…" era o único que lhe entregava a droga para vender, corroborando, assim, as anteriores declarações da testemunha M... de que o arguido Manuel C… vendia droga e que era ele quem geria as vendas que faziam os arguidos D…, C… e Paulo A….
Ainda disse que a droga que vendia pertencia ao "…" pois era este que entregava o dinheiro para que ele e o arguido Paulo A… fossem comprá-la à Camacha, além de que era ele que providenciava para que houvesse mais droga quando acabava a que tinham e quem ficava irritado quando ele e o arguido Paulo A… iam comprar droga e pelo caminho consumiam alguma, o que, dizemos nós, não acontecia com o Paulo A… que não era mais do que um consumidor e vendedor de droga, também por conta do arguido Manuel C…
Esclareceu que, quando o N… não se encontrava em casa, deixava a droga ao Paulo A… para que a entregasse ao C… para que a vendesse procedendo, então, nessa altura, aquele arguido ao controlo das vendas.
Acrescentou que, tanto ele, como o P… e o C… estavam lá para se desenrascarem, querendo, com isso, dizer, para arranjarem droga para o seu consumo.
Reafirmou que a droga era do N..., pois quando este saía deixava ao Paulo A... 5 pacotes para venderem e quando aqueles acabavam não havia mais sendo certo que, quando aquele estava em casa, não faltava droga para venderem e se faltasse o N... arranjava sempre mais.
Além disso, era o N… que entregava o dinheiro para irem comprar droga à Camacha e ao Estreito, o que presenciou, quando acompanhava o arguido Paulo A… nessas aquisições.
Reafirmou que, se faltava droga e o N… não estava, só quando este chegava é que havia mais e só ele ficava irritado quando iam comprar e consumiam pelo caminho, o que, mais uma vez, nos leva a concluir que o arguido Manuel C… era o dono da droga.
38. Por seu turno, o arguido Paulo A… começou por dizer que veio para a Madeira há cerca de 5 ou 6 anos e que, nessa altura, era ladrilhador.
Contudo, durante dois meses, o patrão não lhe pagou o ordenado e ficou desprevenido tendo, nessa altura, conhecido o arguido Manuel C… que lhe deu guarida e comida.
Era toxicodependente e consumia um pacote de heroína por dia, sendo que o D…, o C… e o Paulo S… eram todos consumidores.
Mais disse que ia à Camacha e ao Estreito comprar droga, geralmente uma grama de heroína, que depois dividiam em dez ou doze doses que vendiam.
Confirmou ter feito as vendas que lhe são imputadas na acusação, embora também não soubesse identificar as pessoas a quem vendeu tal produto, que todo o dinheiro que lhe foi apreendido provinha da venda de droga e que se destinava a comprar mais produto estupefaciente, tendo ainda confirmado que os objetos que lhe foram apreendidos eram utilizados nessa venda.
Apesar de ter referido que o arguido Manuel C… nunca lhe entregou droga para vender, tal não mereceu aceitação, face às declarações da testemunha M… e do arguido D… e ao facto de que era aquele arguido quem comprava a droga e quem recebia os lucros da sua venda.
Mais disse que vendia cada dose, em princípio não superior a 0,1 g, pelo preço de 20€.
Referiu também que, depois da 1ª busca, o arguido Manuel C… pô-los fora de casa tendo, nessa altura, ido viver para a Rua das R…, apesar de na 3ª busca já estar a viver, de novo, na casa daquele arguido.
Também disse ter conhecido a testemunha M… e que esta "praticamente ia passar a noite a casa do arguido Manuel C…", o que não é totalmente verdade já que aquela utilizava a casa daquele arguido para se prostituir, pagando, para tal uma contrapartida económica, tendo, ainda, admitido que lhe tenha vendido droga, mas que não era só ele, pois "todos vendiam".
Ainda disse que, a maioria das vezes, andava com a droga no bolso mas que, às vezes, deixava-a na casa do "N…", acrescentando que, atualmente, ainda vive na casa deste último.
39. O arguido C… referiu que consumiu heroína e cocaína durante vários anos e que, em finais de 2008, a família pô-lo na rua, passando a vier numa casa antiga, desabitada.
Contudo, a PSP, descobriu que lá ficava e viu-se obrigado a abandoná-la.
Já conhecia o arguido Manuel C… e este, ao tomar conhecimento de que estava desalojado, disse-lhe que tinha uma casa na Quinta das R… e que podia lá viver mas que, em contrapartida, teria de cuidar do cão que lá tinha e de ajudar o arguido Paulo A… a vender droga, na Rua de S…, o que aceitou.
Nessa Rua era abordado pelos consumidores, após o que se deslocava à casa do n° 00, a casa do "N…" e, aí, o Paulo A… entregava-lhe a heroína ou a cocaína.
Quando o Paulo A… não estava ia ter com o N… e era este que lhe entregava o produto estupefaciente.
Embora o arguido Manuel C… dissesse que a droga não era dele, o certo é que, tanto entregava o dinheiro das vendas que fazia àquele, como ao arguido Paulo A….
Relativamente às vendas que fazia tinham as mesmas em vista curar a sua ressaca e conseguir produto para o seu consumo, sendo que acordaram que tinha de vender quatro doses para ficar com uma para seu uso pessoal, daí que se tenha considerado provado que vendia com o propósito de conseguir droga para si, o que também sucedia com o arguido D....
Ainda esclareceu que vendia cada dose de heroína ou de cocaína a 20€, tendo admitido as vendas que lhe são imputadas, referindo, ainda, que conhecia algumas destas pessoas apenas de vista e como consumidores.
Não soube dizer de onde vinha a droga, mas reafirmou que vendeu droga durante alguns meses, os que precederam o seu tratamento.
Disse que do arguido Carlos E… nunca recebeu droga nem nunca lhe entregou o dinheiro das vendas que fazia, sendo que "aquele nada tinha a ver com isto", consolidando a convicção do tribunal quanto aos factos que considerou não provados e respeitantes àquele arguido.
Também a arguida F… nunca lhe entregou droga nem recebeu dinheiro das vendas que fazia, embora todos tivessem conhecimento do que ali se passava.
Reafirmou que o arguido N… lhe entregava a droga quando o Paulo A… não estava, mas que entregava o dinheiro ao Paulo A… quando estavam os dois, apenas pelo facto do arguido Manuel C… dizer que a droga era daquele arguido, e só.
Ainda disse que o arguido D…, também operava da mesma maneira que ele e que não tinha a droga consigo quando era abordado, pois caso a tivesse consigo acabava por consumi-la toda.
O tribunal ainda assentou a sua convicção no auto de apreensão de fls. 6, 7, 10 [e] no exame pericial de fls. 43 do apenso 2708.3PBFUN, quanto à apreensão da droga, em 17/11/2008, ao arguido Paulo A…; nos fotogramas de fls. 79 a 100, 151 a 164, 276 a 296, 302 a 327, 331 a 333, no auto de apreensão de fls. 193, no auto de busca e apreensão de fls. 199 a 201, no auto de busca e apreensão de fls. 407 a 411, no auto de apreensão de fls. 419, no exame pericial de fls. 539, […] no auto de apreensão de fls. 683, no exame pericial de fls. 955 e 956 […] nos CRC de fls. 1303, 1304, 1306, 1307, 1308 […] 1311, 1312 e 1822 a 1823 e nos relatórios sociais de fls. 1500 a 1504, 1506 a 1510, 1511 a 1514, 1515 a 1518, 1519 a 1523, 1531 a 1534, 1535 a 1539 […] e 1545 a 1549, na declaração de fls. 1708, da qual resulta que o arguido Paulo S… está a frequentar um programa de tratamento à toxicodependência, na declaração de fls. 1814, da qual decorre que o arguido C… está a submeter-se a tratamento de desintoxicação de drogas [e] no documento de fls. 1815, do qual decorre que o arguido C… está inscrito no Centro Regional de Emprego.
Por último e no que respeita aos restantes factos considerados não provados, decorreram os mesmos da falta absoluta de prova quanto à sua verificação, sendo de salientar que, não obstante a evidenciada venda de droga por parte do arguido Manuel C…, quer diretamente, quer através dos arguidos acima referidos, o certo é que exercendo esse arguido, na sua casa, uma atividade pela qual cobrava valores monetários, não pôde o tribunal concluir que as quantias que lhe foram apreendidas resultaram da venda de droga ou dessa atividade, daí que face a tal dúvida o tribunal tenha considerado como não provado que as mesmas provinham da venda de droga, bem como que os objetos apreendidos foram comprados com o produto da venda de droga.
*
Como se viu, o arguido Manuel, o primeiro facto que impugna é parte do facto constante do ponto 37, isto é, que a droga apreendida no quarto do arguido Carlos E…, filho do arguido Manuel, fosse sua.
Note-se aqui, desde já, que o arguido entendeu corretamente o acórdão nesta parte, introduzindo-lhe uma alteração implícita, pois que o acórdão não dizia isto, já que, aparentemente, se referia apenas à droga que foi encontrada no quarto do arguido Paulo A….
Mas a verdade é que, como resulta da correção supra introduzida, o que o acórdão afirma é que toda a droga era do arguido Manuel C….
Ora, para chegar a esta conclusão, o tribunal recorreu a uma extensa argumentação, com recurso a variadíssimos elementos de prova, que só numa pequena parte têm apoio no que foi dito pelo agente G….
Os elementos de prova indicados pelo acórdão recorrido são os que se foram sublinhando acima – de modo a evitar-se a sua reprodução textual aqui – e, como se vê, vão muito para além do que o arguido recorrente diz terem sido os utilizados pelo tribunal recorrido.
Mais precisamente e quanto ao facto da droga existente na casa do arguido Manuel C... ser deste e não de outras pessoas, a convicção do tribunal recorrido baseou-se: quanto ao resultado da 1ª busca, nos depoimentos dos agentes G… e T…, pois que aquilo que disseram quanto à temperatura da droga encontrada no quarto do filho do arguido indica que ela tinha acabado de ser lá colocada – assim, o local onde ela foi encontrada foi irrelevante (aliás, o arguido C… – para além de outros -, familiarizado com as coisas, disse que o filho do arguido Manuel C… nada tinha a ver com o tráfico da droga, afirmação que é analisada pelo acórdão recorrido e aceite); quanto ao resultado da 2ª busca, o tribunal baseou-se, para aquele efeito, no depoimento dos agentes T… e O…, pois que disseram ter sido o arguido Manuel C… quem alertou os agentes policiais para o local onde se encontrava o produto estupefaciente que veio a ser apreendido, o que foi confirmado pelas declarações do arguido, quando referiu que a tinha guardado a pedido do mestre João, tendo aqui o tribunal referido que tal não era credível já que o comum das pessoas sabe que a detenção de droga é proibida e punida por lei, daí que se tenha concluído, com toda a certeza, que tal droga era pertença do arguido Manuel C… (podendo-se acrescentar ou explicitar, neste TRL, como mais um óbvio motivo para apoio desta conclusão do tribunal recorrido, o facto do arguido Manuel ter sido detido cerca de 13 dias antes, pelo mesmo motivo – existência de droga em sua casa).
Por outro lado, dos depoimentos destes dois agentes (O… e T…) quando disseram que aquando da 2ª busca, o arguido Paulo A… já não vivia naquela casa, - depoimentos nesta parte contrários ao do 1º agente (G…), tendo o tribunal recorrido preferido a versão daqueles sem dúvida porque, como indicou, o depoimento deste, nesta parte era impreciso, pois que nem indicava a data da 2ª busca - o tribunal pôde concluir, como disse, que era o arguido Manuel C… quem geria as vendas de droga, pois a ausência do arguido Paulo A… não fez desaparecer a droga da dita casa, o que seria de esperar face às declarações do arguido Paulo A… de que ele é que comprava a droga e que o arguido Manuel C… nunca lhe entregou droga para vender. Note-se que o arguido Manuel C… (e não só) confirmou que depois da 1ª busca à sua residência o arguido Paulo A… e o dito João P… saíram da sua casa (o que aconteceu por pouco tempo, pois que aquando da 3ª busca, já o arguido Paulo A… estava de novo a viver lá).
Também do que foi dito pela testemunha F… o tribunal pôde extrair expressamente uma conclusão quanto às relações dos arguidos Paulo A…, C… e Manuel C…, que depois vai fortalecer a sua convicção quanto à propriedade da droga.
De vários outros testemunhos, por outro lado, o tribunal pôde concluir que os arguidos Paulo A…, C… e D… eram toxicodependentes, ao contrário do arguido Manuel da C…, o que também fortaleceu a convicção do tribunal de que a droga era deste que a fornecia àqueles (sendo que o tribunal recorrido invoca exemplos de comportamentos do arguido Paulo A… e Manuel C…, dados pelos arguidos D… e C…, que apontam para que a propriedade da droga era do Manuel e não do Paulo: como o facto de este consumir droga com os outros, sem se preocupar com o que gastavam todos juntos, ao contrário do Manuel que ficava irritado quanto a droga era consumida…; como o ficarem sem droga mesmo quando o Paulo A… estava com eles, o que não acontecia quando o arguido Manuel estava por perto, pois logo providenciava por mais droga; e por fim, ser ele que entregava dinheiro para a compra da droga).
Através de vários outros testemunhos, o tribunal pôde ver que havia uma rotina de os consumidores adquirirem droga aos arguidos Paulo A…, C… e D… que a iam buscar a casa do arguido Manuel C… (à exceção do arguido Paulo A… que devido à maior proximidade com o arguido Manuel C…, por vezes a tinha consigo, como ele o admite), pelo que, depois, quando os arguidos D… e C… prestaram declarações, com grandes pormenores, quanto a isto e outras coisas, o tribunal pôde ver que estes estavam corroborados por outros elementos de prova e que, por isso, podia confiar neles e não no depoimento do arguido Manuel C….
Corroboração que também existe no depoimento da testemunha M…, que por si era também prova suficiente de quase tudo, inclusive, junto com a confirmação do agente G…, que o arguido Paulo A… quase não saía de casa e da cama, onde passava os dias a injetar-se, o que, concluiu o tribunal recorrido, “retrata este arguido como um toxicodependente, incapaz de gerir a sua própria vida quanto mais um ‘negócio’ daquela natureza, que ele certamente arruinaria em meia dúzia de dias, pois mais alto fala o vício”.
Foi ainda com base nesta testemunha M… – que referiu que, quem tinha o dinheiro era o "N…", mas que este queria manter a aparência que nada tinha a ver com a droga e que, por isso, não facilitava a venda do produto estupefaciente dizendo que o mesmo pertencia ao arguido Paulo A… – que o tribunal concluiu que o arguido Manuel C… usava subterfúgio próprio de dono do negócio para evitar que não lhe paguem, o que de novo apontou para que a propriedade da droga fosse deste.
E como decorre do depoimento da testemunha, ela não sabe as coisas só do tempo em que viveu em casa do arguido Manuel C…, mas porque continuou lá a ir e a frequentá-la (tendo este dito que a testemunha M... praticamente ia passar a noite a casa do arguido Manuel C…, afirmação que aliás foi analisada pelo acórdão recorrido).
As testemunhas C… e Maria E… confirmaram que a testemunha M… viveu em casa do arguido Manuel C… e o que a testemunha Maria E… diz quanto à M… - arranjou um namorado e que quis trazê-lo para casa, ao que se opôs o arguido Manuel C… – o tribunal ponderou-o e esclareceu: “facto que, em nosso entender, não descredibiliza, de modo nenhum, o depoimento daquela testemunha, que foi sereno, isento e mereceu toda a credibilidade, nada tendo sido trazido aos autos que o pusesse em causa”.
*
Assim, como se vê, o tribunal adota o sistema de resumir o depoimento das testemunhas e as declarações dos arguidos e, ao longo de todo este trabalho, ir extraindo conclusões, quer quanto à credibilidade daquilo que cada um diz quer quanto à correspondência à realidade das afirmações de facto que constavam da acusação, o que corresponde à indicação dos elementos de prova e análise crítica da mesma.
É verdade que seria preferível que o tribunal se fosse pronunciando facto a facto (ou em relação a grupos de factos com unidade de sentido), dizendo que quanto àquele facto o mesmo se baseou no que foi dito pela pessoa x, que sabe dele por isto e por aquilo, e não foi contraditada, ou, tendo-o sido, dizendo porque é que tinha acreditado nela, em vez de naquela que a contradisse. Com isso, evitar-se-ia que o tribunal estivesse a fazer o papel – que não lhe compete – de relator da prova produzida, evitando-se também a perda de tempo correspondente (que podia ser aproveitada para estudar em vez de trabalhar…com isto remete-se para um artigo do Conselheiro Américo Campos Costa, publicado na Tribuna da Justiça, que tinha um título parecido: trabalhe menos, estude mais). Como diz Teixeira de Sousa: “A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto […] Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção (Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 348; mais ou menos no mesmo sentido, veja-se Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 653/655; bem como Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, especialmente págs. 660 a 662; e Lebre de Freitas, A ação declarativa comum à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, págs. 279 a 281; e Remédio Marques, Ação declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 409 a 411).
Independentemente disto, a verdade é que o resultado global da fundamentação aduzida pelo tribunal recorrido é perfeitamente suficiente – à custa de mais trabalho para ele próprio - para se poder ver quais os meios de prova que lhe serviram para formar a convicção quanto aos vários pontos de facto que interessam, quais os meios de prova que contraditavam aqueles de que se serviu, e porque é que preferiu uns e não os outros.
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Ora, perante isto tudo – toda esta extensa fundamentação do acórdão recorrido, para dar como provado que a droga apreendida era do arguido Manuel C… e não do arguido Carlos E…, filho daquele -, o que o arguido Manuel C… faz, nas conclusões 18 e 19, é limitar-se isolar o depoimento do agente G… e dizer que deste depoimento não poderia resultar a certeza que a droga era sua.
Esta parte final está certa e o acórdão recorrido nunca disse o contrário. Mas o depoimento desta testemunha é apenas um elemento do conjunto de elementos que serviram ao tribunal recorrido para formar a sua convicção quanto à questão.
E tendo-se já visto (ao fazer-se a leitura da fundamentação do acórdão recorrido) em que ponto é que tal depoimento foi importante, refira-se que a parte da transcrição que o arguido Manuel começa por fazer desse depoimento até indicia – aqui está-se a falar apenas em indícios, mas é este TRL que o está a fazer, não o acórdão recorrido – que foi o arguido Manuel a colocar a droga no quarto do filho: pois que se vê que ele se apercebe que a PSP ia atuar e que por isso o terá feito:
Testemunha G…
20091022111920_18872_64417
8:24
MP - Olhe, e o Sr. fez uma busca a casa então do Sr. Câmara?
Testemunha - Fiz.
MP - E o que é que o Sr. encontrou? Recorda-se?
Testemunha - estávamos à espera de um momento oportuno porque a droga consegue desfazer-se facilmente, consegue-se hum… Estávamos à espera do momento adequado e surgiu…, foi na altura em que eu e o meu colega, portanto ... virámos para o lado da Rua S…, isto é, à esquerda e intercetamos este Sr. que está aqui, o Sr. D….
9:20
Testemunha - … O Sr. C… vem à janela, entretanto tiramos as chaves aqui ao Sr. D…, para entrar na casa .... e sabíamos que o D… tinha as chaves ....
9:46
Testemunha - O intercetar este Sr. D… e tomar conta da casa demora um minuto, dois minutos à vontade.
10:31
Testemunha - A droga foi encontrada no quarto deste Sr., filho do Sr. C….
11min
MP - Mas a droga foi encontrada no quarto do filho do Sr. C…?
Testemunha - Sim ….
11min24seg
Testemunha - a única pessoa capaz de fazer isto, de aperceber-se da situação, que a polícia estava a bater à porta, retirar a droga do frigorífico, na altura quando a gente tomou posse da casa, já não estava trancado o frigorífico, foi acima, deixou e depois desce a escada, nesse tal pico de um minuto, a única pessoa possível de fazer isto era o Sr. C….
*
Na conclusão 20 o arguido faz confusão. Não foi apreendida droga ao arguido Paulo A… que se encontrava no quarto deste. Também esta droga era do arguido Manuel, como aliás decorre inequivocamente do ponto de facto 37, mesmo antes da correção introduzida. Por outro lado, em lado algum o acórdão recorrido fala em qualquer presunção com o teor invocado pelo arguido. E já se viu que a convicção de que a droga era do arguido Manuel, apesar de se encontrar nos quartos dos arguidos Carlos E… e Paulo A… foi explicada e fundamentada pelo tribunal recorrido, e para isso não importava saber quem é que colocou a droga naqueles quartos.
*
Quanto à conclusão 21 é verdade o que lá consta e isso foi dado como provado pelo acórdão recorrido, não tendo qualquer influência na questão.
*
Na conclusão 22 o arguido Manuel diz que o arguido Paulo A… disse que ele e o arguido D… aproveitavam a ausência do arguido M… para irem dentro de casa.
Mas da própria transcrição que faz, não é isso que resulta, pois que isso, na versão deste arguido – e da fundamentação do tribunal recorrido pode-se ver que é só ele que o diz – era só ao princípio que ele arguido M… não permitia, era só ao princípio que ele não sabia…:
10:07
Juíza - O Sr. Manuel C… é o dono desta casa, como é que ele permitia esta...
Arguido - ele não permitia, ao princípio, ao princípio ele nem sequer sabia, ­porque ele, às vezes ia para o cabeleireiro e a gente aproveitava isso e, íamos para a rua e como ele morava ali a gente punha os pacotes na porta. Aproveitava-se daquela situação.
E noutra parte que o arguido transcreve, vê-se que este arguido está a responder só por ele e não pelo arguido D…:
Juíza - e o Sr. Manuel nunca lhe entregou droga para vender?
Arguido - a mim não!
6:
Juíza - então o Sr. não tinha conhecimento que ele entregava droga ao D…, para o D… a vender?
Arguido - eu digo por mim. Ele nunca me entregou droga. Falo por mim. Eu nunca o vi a entregar droga a ninguém.
Os outros elementos de prova referidos pelo acórdão recorrido, de modo algum permitem esta afirmação – a afirmação de que os arguidos D…, Paulo A… e C… aproveitavam a ausência do arguido Manuel para lá irem. Antes pelo contrário, como foi sendo visto na fundamentação do acórdão recorrido.
Aliás, o próprio arguido Manuel C…, tendo em conta o resumo feito pelo tribunal recorrido (a que o arguido nada opôs) não confirma esta sugestão de que as coisas se fizessem nas suas costas, aproveitando-se da sua ausência, limitando-se a dizer que tinha conhecimento que aqueles vendiam droga e que tinham droga na sua casa, mas que era assunto deles e no qual não participava.
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Na conclusão 23 o arguido refere-se de novo ao depoimento do agente G…, como se o tribunal recorrido o tivesse utilizado para afirmar que arguido Manuel C… se dedicava à venda de produto, mas o tribunal não se serviu deste testemunho para o efeito. E o arguido volta de novo a referir a questão da propriedade da droga, mas esta questão, quanto a este testemunho, já está vista.
Invoca ainda presunções, mas não diz quais nem de quem – da testemunha, do tribunal? – e por isso nada tem de ser considerado.
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Na parte final da conclusão 23, como o fará noutras, o arguido faz a afirmação genérica de que não podem “assim ser atribuídos, como provados, pelo tribunal a quo os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 36, 37, 38, 39, 45, 46, 48 e 49”.
Mas como se viu, nada desta conclusão, ou outras anteriores, contribui para qualquer impossibilidade de ser terem como provados aqueles factos.
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Na conclusão 24, o arguido diz que disse algo – quanto ao mestre João P… - que não foi tomado em conta pelo tribunal. Isto serve-lhe de base para outras afirmações. Mas só por lapso é que o arguido diz que o tribunal não tomou em conta o que ele disse a propósito, pois que, antes pelo contrário, o tribunal rebateu expressamente aquilo que o arguido tinha dito quanto ao mestre João P….
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Na conclusão 25, 1ª parte, o arguido tenta reproduzir a convicção do tribunal. É irrelevante.
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Na 2ª parte da conclusão 25 e nas conclusões subsequentes, o arguido invoca contradições no testemunho de M... :
1ª contradição (2ª parte da conclusão 25 e parte inicial da conclusão 26): a testemunha M… teria dito que em 2007 já não se encontrava na casa do arguido Manuel C…; assim, como pode ela dizer que nessa altura comprou droga aos arguidos Manuel e ao arguido Paulo A…?
A contradição invocada não existe, como é evidente. Porque é que o facto de alguém já não viver numa casa a impede de comprar droga aos habitantes da mesma? De resto, o que a testemunha disse, quanto a 2007, não foi o que o arguido diz.
2ª contradição (2ª parte da conclusão 26): em 2007 já o arguido D… se encontrava a viver em casa do arguido Manuel. Ora, a testemunha M… diz que não o conhece.
A contradição invocada não existe: por que é que o facto de alguém não conhecer uma pessoa que vive numa casa é contraditório… para mais se aquele alguém nem sequer vive nessa casa?
3ª contradição (conclusões 29 e 30): a testemunha M… diz que os arguidos Paulo A… e Manuel C… tiravam a droga de dados sítios; ora as drogas encontradas nas buscas não foram encontradas em nenhum desses sítios.
Não existe qualquer contradição: desde logo porque a testemunha M… se está a referir ao período de 2007 e Janeiro de 2008, enquanto as buscas foram realizadas em Set2008 e Out2008 [os resultados da 3ª busca não são imputados ao arguido Manuel]… e depois porque a testemunha se está a referir às situações de entrega normal, não ao local onde a droga poderia ser escondida.
4ª contradição (parte final da conclusão 31): a testemunha M... afirma que viveu na casa do arguido Manuel em 2007 e 2008 quando outros testemunhos afirmam o contrário.
Primeiro: não é verdade que a testemunha M… afirme o que o arguido diz: o que ela diz (tendo em conta o que o tribunal diz a esse respeito e o arguido repete, por isso não o pondo em dúvida) é que utilizou a casa para a prostituição durante cerca de um ano e que ainda o fez em 2007. A determinada altura passou a só lá ir comprar droga.
Segundo, quanto ao que outros testemunhos dizem, o arguido invoca o da testemunha Maria E…, do qual, segundo as transcrições do arguido, apenas se aproveita que a testemunha M… lá viveu uns meses, em 2005. E as suas próprias declarações, dizendo que ela lá viveu em 2005 e saiu no final de 2005.
Assim, por um lado, não existe a contradição apontada, porque a testemunha M… não diz o que o arguido diz que ela disse (quanto a 2007). E depois não existe a contradição porque o arguido não diz que a testemunha M… tenha dito o contrário do que ele e a sua testemunha Maria E… disseram (quanto a 2005).
Assim, não se verificam os apontados motivos para a desconsideração do depoimento da testemunha M…, como já tinha sido explicado pelo acórdão recorrido.
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Na conclusão 27, o arguido invoca uma certeza para a qual nem sequer faz o esforço de argumentar: donde é que resulta tal certeza? A testemunha M… disse o que consta no resumo transcrito pelo arguido na conclusão 25, relativamente a 2007. O arguido fala no período em que ela lá terá vivido, em 2005. Qual é o nexo de lógica que liga as afirmações em causa?
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Na conclusão 28 e na parte inicial da conclusão 31 o arguido limita-se a repetir que o testemunho de M… não pode ou não devia ser considerado e que a contradição - que não provou -, cria um espírito de incerteza – que o tribunal nunca revelou – implicando aquela valoração a violação do in dubio pro reo.
Ora, para haver violação deste princípio, o arguido tem de demonstrar, primeiro, a existência de uma dúvida no espírito do tribunal, não no seu, ou que aquilo que argumentou impunha tal dúvida, não tendo feito, até agora, nem uma coisa nem outra.
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Na conclusão 32, põe em causa as declarações do arguido D…, sem mais nada do que o argumento de elas serem desculpabilizadoras. Ora, esse argumento pode ser invocado também contra as declarações do arguido Manuel. A questão, assim, é a qual dar preferência? E o tribunal explicou porque é que dava às dos arguidos D… e C…, sendo que, como se viu, estas estão corroboradas e aquelas não.
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Nas conclusões 33 e 36, o arguido repete desgarradamente uma conclusão com teor no essencial idêntico já analisada acima (a 22).
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Na conclusão 34 diz que o acórdão está assente numa dúvida constante.
Basta ler o acórdão para se ver que a convicção do tribunal não tem qualquer dúvida. O arguido aponta razões para que essa dúvida pudesse existir. Mas improcedentemente.
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Na conclusão 35 limita-se a uma petição de princípio, afirmando aquilo que devia provar.
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Na conclusão 37, o arguido diz que o arguido C… disse que não sabia de quem era a droga.
E de facto o arguido C… disse isto no minuto 4:11 a 4:35 das suas declarações lá para o fim do julgamento. Mas qual o relevo disto se este arguido, para além do mais que foi dito pelo acórdão recorrido, contou o que contou quanto ao modo como passou a vender droga por proposta do arguido Manuel, ajudando o arguido Paulo A…. – disse ele que o arguido Manuel lhe propôs deixá-lo ficar na casa da Rua das R… em troca de cuidar de um cão e ao mesmo tempo ajudar o Paulo a… vender droga (2:34 a 3:27). Ora, mais importante do que o arguido dizer quem é que era o proprietário da droga é contar os factos donde o tribunal recorrido pudesse tirar as devidas deduções. Como fez.
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Nas conclusões 38, 41 e 42, trata-se de nova petição de princípio: o arguido afirma aquilo que deveria provar, o que, como se viu até agora, não fez.
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Quanto às conclusões 39 e 40, o arguido está a prever a consequência de uma hipótese que não se verifica.
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Com tudo isto fica afastada toda a impugnação da matéria de facto. Dito de outro modo, todas as conclusões que versam sobre os factos são improcedentes.
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Mantendo-se pois os factos dados como provados contra o arguido Manuel C…, que incluem, como se viu, os factos sob 12 a 35, que o arguido não impugnou, importa ver agora as questões de direito que o arguido coloca nas suas conclusões 43 e seguintes:
Primeiro as conclusões 43 a 46, respeitantes à compreensão daquilo que de facto pode ser imputado ao arguido:
43 - Não obstante, e admitindo-se, por mera hipótese, que o arguido Manuel C… tivesse vendido à testemunha M… e que tivesse entregue ao arguido D… e ao arguido C…, em pequeniníssima quantidade, produto estupefaciente, o tribunal a quo devia ter levado em conta, de que se trataria de quantidades reduzidas, o que, manifestamente, elimina as consequências danosas da atuação.
44 - Certo é que consta da matéria de facto provada que "o arguido dedicava-se à venda de produtos estupefacientes ... ".
45 - Mas trata-se de matéria de facto essencialmente conclusiva sem suporte nos factos dados como provados.
46 - Sendo certo que a prova de venda, em quantidade indeterminada não poderá ser valorada na dimensão mais gravosa para o arguido, assim, se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal, a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos tipos legais em apreço, tem de ser equacionada de acordo com o princípio in dubio pro reo (ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2007 - proc. 07P3317).
Assim, nas conclusões 44 a 46 o arguido questiona a indeterminação dos factos que lhe são imputados.
E isto seria assim, se o tribunal recorrido se tivesse limitado a dar como provados os factos 1 a 7 e 9. Mas estes factos foram desenvolvidos depois, nos factos 12 a 35, como já se assinalou acima.
De qualquer modo, o arguido tem parcial razão quanto à frase inicial do ponto 1 dos factos provados, pois que é perfeitamente indeterminado e por isso não valorável contra o arguido, o dizer-se que uma atividade, pela qual se vai condenar um arguido, se iniciou não se sabe quando.
Sobre isto tudo, veja-se o acórdão do STJ de 26/9/2007, publicado sob o nº. 07P1890 da base de dados do STJ no ITJ (depois repetido nos acórdãos do STJ de 5/12/2007, publicado sob o nº. 07P3396, e de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203):
XXVIII - A imputação genérica de uma atividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objeto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e em relação à matéria relativamente à qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e experiência comum, são permitidas pela prova produzida, mas dentro daqueles limites.
XXIX - Assim, a prova da venda em quantidade indeterminada a vários consumidores, e durante vários meses, desacompanhada de outro elemento coadjuvante, não poderá ser valorada na dimensão mais gravosa para o arguido. Se a quantidade de droga é essencial para a determinação do tipo legal, a dúvida sobre tal quantidade e, nomeadamente, sobre as que relevam em termos jurisprudenciais para a transposição dos dois tipos legais em apreço, tem de ser equacionada de acordo com o princípio in dubio pro reo.
No acórdão do STJ de 27/05/2009, publicado sob o nº. 09P0484, diz-se que:
Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
Neste acórdão citam-se, neste sentido, os acórdãos de 06-05-2004, processo n.º 908/04-5ª; de 04-05-2005, processo n.º 889/05; de 07-12-2005, processo n.º 2945/05; de 06-07-2006, processo n.º 1924/06-5ª; de 14-09-2006, processo n.º 2421/06 - 5.ª; de 17-01-2007, processo n.º 3644/06-3ª; de 24-01-2007, processo n.º 3647/06-3ª; de 21-02-2007, processos n.ºs 4341/06 e 3932/06, ambos da 3ª secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3ª; de 16-05-2007, processo n.º 1239/07-3ª; de 04-07-2007, processo n.º 2303/07-3ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 234; de 15-11-2007, processo n.º 3236/07-5ª; de 02-04-2008, processo n.º 4197/07-3ª e n.º 578/08-3ª (neste afirmando-se que a dúvida sobre a quantidade de droga vendida a vários consumidores, e apresentada de forma indeterminada e em jeito de imputação genérica, tem de ser equacionada de acordo com o princípio in dubio pro reo); de 02-07-2008, processo n.º 3861/07-3ª.
E conclui-se: sem a individualização concreta e clara dos atos integrantes da atividade do arguido, a referência vaga e indeterminada não relevará para efeitos de enquadramento de tráfico com a amplitude temporal certificada nas instâncias, ou seja, durante cerca de 4 anos e 5 meses. Não pode ser conferida toda essa amplitude, a extensão da conduta, pois não se concretiza o modo de execução, os locais onde tiveram lugar as vendas, a periodicidade da sua realização, se os compradores eram revendedores ou meros consumidores, e quanto a qualidade, o que foi efetivamente vendido, se haxixe, ou heroína. Tal imprecisão da matéria de facto provada impede que se considere respeitado o princípio do contraditório, dado que o arguido não poderá validamente nestes casos pronunciar-se sobre a afirmação genérica em causa, uma vez que não concretizada ou individualizada noutros pontos da matéria de facto, no que respeita a alguns períodos. Nesta conformidade, cumpre concluir que a imprecisão inviabiliza a sua aceitação para efeitos penais - excetuados os casos concretizados, com realce, nos períodos pouco esclarecidos, para os casos singulares de 2001, a venda de 28-11-2003, os casos restritos de 2004 - designadamente, para efeitos de consideração da indicada delimitação temporal da prática do crime, dado que tal constituiria uma violação do direito de defesa do arguido constitucionalmente consagrado.
Assim, e para respeitar o direito de defesa do arguido, apenas a atividade de tráfico que tiver sido concretizada em termos minimamente aceitáveis pode ser considerada para a sua condenação.
Ora, para além de 3 vendas (de 20€ a dose) feitas pelo arguido Manuel à testemunha M… no ano de 2007 – quando se diz “várias vezes” utiliza-se uma forma de plural que implica pelo menos mais do que 2 vezes – a que se refere o ponto 6 dos factos provados, que é praticamente irrelevante, por dizer respeito a um período tão grande de tempo sem qualquer precisão, já aquilo que consta de vendas efetivadas nos pontos 12 a 35 (tendo em conta que o arguido Manuel vendia droga - heroína e cocaína - através dos arguidos D…, Paulo A… e C…, normalmente a 20€ a dose de 0,1g), é significativo:
31/07/20087 doses
20/08/200812 doses
10/09/20088 doses
15/09/2008½ dose + 0,5g + 16 doses
16/09/200825 doses
20/09/200821 doses
, tal como o é as apreensões de que se fala nas buscas feitas a casa do arguido Manuel C… (factos 36 e 37 e factos 38 e 39):
20/09/2008117,1541 g (de heroína e cocaína
03/10/200824,489 g (de heroína e cocaína.
Assim, num período de pouco mais de 2 meses (agosto e setembro de 2008) o arguido esteve na origem de uma atividade de tráfico que diz respeito a 91 vendas em 6 dias diferentes, num total de 9,9 g (+/- => 1.782€) e à posse de 117,1541 g (+/- => 23.430,82€) + 24,489 g (+/- => 4.897,80€), ou seja: cerca de 30.100€.
Podendo isto ser concretizado assim, não há razões para aceitar as críticas do arguido – para além do que já foi aceite e que levou à concretização nestes termos – que constam das conclusões 44 a 46 e pode-se ao mesmo tempo rejeitar totalmente o que o arguido diz na conclusão 43.
*
Note-se o seguinte: nos pontos de facto provados sob 40 e 46, depois de se ter dado pelo lapso de redação do ponto de facto provado sob 46, corrigiu-se a sua redação, dizendo-se que o que tinha sido apreendido foi uma dada quantidade (x g) de um produto com heroína e x de tara.
Procedeu-se pois, no conteúdo desses pontos, a duas correções que não se fizeram noutros pontos, por desnecessárias à apreciação do recurso do arguido Manuel C….
A correção tem a ver com o seguinte: quando o resultado de um exame pericial a um produto diz que nele foi encontrado a substância ativa de heroína e se diz que o produto tem o peso de 5 gramas, não se está a dizer que foram encontradas 5 g de heroína, mas que o produto, com o peso de 5 g, tem heroína (em percentagem que esse exame não indica mas devia indicar, sendo que muitos outros exames o fazem ou faziam). Tal como uma garrafa de 1 l de vinho com 12,5% de álcool não tem 1 l de álcool, um produto cuja substância ativa é a heroína, só tem desta a percentagem que o resultado desse exame indicar. E se o não fizer, a dúvida que daí resulta tem de ser decidida a favor do arguido, pelo que, a percentagem deverá ser fixada em cerca de 20%. Pelo que, em 5 g daquele produto existirá, apenas, 1 g de heroína.
Tudo isto - isto é, a diferença entre produto e a respetiva substância ativa presente e percentagem a considerar – pode ser visto, apenas por exemplo, no nº. 1 do nº. 10 da Portaria 94/96, de 26/3, no artigo de Eduardo Maia Costa, na RMP, nº. 74, Direito Penal da droga: breve história de um fracas­so, pág. 103 e anotação, na pág. 170 e segs, ao acórdão do STJ de 26/03/98, sobre a in­constitucionalidade do artigo 71.°, n.° 1, c) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e ilegali­dade do nº 9 da Portaria n.° 94/96, de 26/03, publicado na pág. 167; e em Vítor Paiva, Procurador da República, no estudo publicado na Revista do Ministério Público, nº. 99: a Portaria “aponta, claramente, para o respetivo princípio ativo, sendo certo, até, que no exame pericial da droga ‘... o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respetivo princípio ativo ou substância de referência” (pág. 145), e citando Eduardo Maia Costa: “os exames laboratoriais aludem, usualmente, apenas ao peso líquido do produto, não também à quantidade pura do estupefaciente”. Problema que poderá – deverá, face à razoabilidade imposta pelo art. 127 do CPP – ser atenuado pelo tribunal considerando pura apenas cerca de 20% da ‘droga de rua’ apreendida (tendo em conta os prováveis ‘cortes’ por ela sofridos)” – e o acórdão do STJ de 29/11/2005, publicado na CJ.STJ.2005.III.219/222, no qual se chama a atenção para que “com os ‘cortes’ operados nas diversas fases do percurso, ao consumidor muito pouco terá chegado do respetivo princípio ativo (admitindo-se um grau de pureza de 20%)”. E, sobre o valor pericial dos números do mapa da Portaria, ou a natureza meramente técnica da remissão, veja-se o estudo de Teresa Beleza e Costa Pinto, O regime legal do erro e as normas penais em branco, Almedina, 1999, pág. 37 e segs e 45 e segs.
Quanto à tara: quando no resultado de um exame se começa por referir o peso do produto e depois se diz o peso que dele restou e o peso da tara, o peso do produto examinado não é o peso que dele restou, mas sim o peso inicial subtraído do peso da tara. Ou seja, por exemplo no caso do ponto 40, o peso do produto era de 0,662 – 0,25 = ou seja, 0,412 g e não 0,32 g.
Tendo tudo isto presente e sendo os factos lidos com estas considerações por pano de fundo, diga-se, no entanto, que, no caso do arguido Manuel C…, tal não tem interesse, pois que não se trata de produto que ele tenha na sua posse para consumir, mas sim de produto que lhe foi encontrado para vender, todo ele como se fosse droga e ao preço da droga e não produto com droga.
A questão apenas tem de ser considerada quanto se está perante um consumidor encontrado com um produto com peso que permitisse, feitas estas contas, considerar que a droga lá presente correspondia a uma quantidade tal que seria inferior ao necessário para o consumo individual durante 10 dias (consumo individual médio previsto naquela Portaria 94/96 ou o consumo daquele possuidor no caso de se conseguir provar que era diferente do médio) ou noutras hipóteses que, no caso, não têm interesse por o recurso não ter sido posto pelo MP (imagine-se que se tinha provado que o produto apreendido ao arguido Manuel era 100% de heroína e de cocaína; então as contas que podiam ser feitas aumentavam exponencialmente o nº. de doses que dali podiam ser tiradas e vendidas, já que aquele produto seria naturalmente sujeito a corte, multiplicando-o por 5, se se aceitasse a percentagem referida acima).
*
Nas conclusões 47 a 49, o arguido pretende que o tráfico que lhe pode ser imputado é apenas o pequeno tráfico, do art. 25 do Dec. Lei 15/93 e não o médio ou grande tráfico do art. 21 do Dec. Lei 15/93:
47/48 - Acresce que o tribunal a quo, não distinguiu, os grandes e médios traficantes (art. 21/1), dos pequenos traficantes (art. 25, ambos do DL 15/93, de 22/01). Violando, assim, por errada interpretação, entre outros: os arts 2/1 do DL 15/93 de 22/01 e 40, 50 e 71 do CP.
49 - Pelo que, mesmo admitindo-se por mera cautela que o recorrente alguma vez traficou estupefacientes, tal atividade deve ser considerada tráfico de menor gravidade, enquadrando-se, jurídico-penalmente, no art. 25 do DL 15/93, de 22/01.
Quanto a isto disse o tribunal recorrido:
[…]
O art. 21/1 do DL 15/93 de 22/01, contém a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que, assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efetivamente determine: a lei faz recuar a proteção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta" ac. do STJ de 19/11/2008, pesquisa em www.dgsi.pt.
Ainda a propósito deste artigo lê-se no ac. do STJ de 03/09/2008, mesma pesquisa que "a infração prevista no artigo 21 do DL 15/93 de 22/01, constitui o que a doutrina tem apelidado de crime "exaurido", "excutido" ou de "empreendimento" em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de atuação envolvendo droga que não se destine exclusivamente a consumo.
Na verdade, a previsão molda-se em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita. Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a atividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Lateralmente, com tal estrutura progressiva, aceita-se que a natureza de crime de perigo abstrato do ilícito criminal referido no artigo 21 do DL 15/93 de 22/01, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efetiva lesão do bem jurídico em causa - a saúde pública - antecipação cifrada na punição dos primeiros atos de execução do agente.
Assim, não se exige, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da globalidade da ação projetada pelo agente. Porém, a consumação exige que se dê por provada, pelo menos, uma das ocorrências ali referidas - cultivar, produzir fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem transportar, importar, exportar, fazer transitar, ou ilicitamente deter"
E sendo assim, como é, analisando as condutas dos arguidos Manuel C…, C…, D…, Paulo A… e Maria de F… logo verificamos que todos eles venderam ou cederam produto estupefaciente divergindo apenas a intenção com que o fizeram.
Na verdade, atuaram os arguidos Manuel C…, Maria de F… e Paulo A… com o propósito de obterem proventos económicos com a dita venda, sendo que, quanto aos arguidos D… e C…., atuaram eles com a intenção única de obterem produto estupefaciente para o seu consumo.
Por outro lado, considerando que a atuação da arguida Maria de F… se traduziu na venda, por duas vezes, de uma dose de produto estupefaciente, o que ocorreu após insistên-cias da consumidora em causa e sendo certo que a contrapartida económica que obteve também terá revertido para o arguido Manuel C…, dono do produto estupefaciente, a que acresce o facto de as entregas de produto estupefaciente dizerem respeito a pequenas quantidades, doses que não excediam 0,1 g, podemos afirmar que a sua atuação se reveste de uma ilicitude diminuída, o que arreda a sua conduta da previsão do art. 21 do DL 15/93 de 22/01.
E o mesmo se diga relativamente ao arguido Paulo A…, cuja atuação se move no quadro de uma toxicodependência dirigida para a obtenção de proventos económicos mas aliados ao consumo, sendo certo, ainda, que lhe foi apreendido produto estupefaciente em quantidade superior ao seu consumo diário que variava entre 0,5 a 0,8 g, o que exclui a sua atuação do âmbito do artigo 26 do referido Dec. Lei.
E sendo assim e no que respeita a estes arguidos, podemos concluir que apenas a conduta do arguido Manuel C… preenche o tipo previsto no art. 21 do DL 15/93 de 22/01.
Posto isto:
Considerando que no período de 31/07/2008 a 03/10/2008, o arguido Manuel C… se dedicou à venda e distribuição de droga (heroína e cocaína), com a colaboração de três outros arguidos, os quais seguiam as suas instruções, revertendo para ele o lucro da sua venda (factos 1 a 7 e 9) e que só nesse período esteve na origem de um tráfico que diz respeito ao valor bruto de cerca de 30.000€ e a cerca de 150 g de cocaína e heroína (cerca de 1500 doses de 0,1g), veja-se se ele pode ser considerado um pequeno traficante ou um médio ou grande traficante de droga, tal como estes têm sido vistos na jurisprudência:
Há mais de 10 anos que “situações que eram tratadas como consubstanciando o crime previsto e punido pelo art. 21 do Dec. Lei 15/93, de 22/1, vêm merecendo menor censura com a sua integração no crime privilegiado de tráfico de menor gravidade (cfr. os acórdãos do STJ de 24/11/99, no BMJ 491/88, de 22/10/98, no BMJ 480/43, e de 23/09/88, no BMJ 479/252)” (esteve-se a citar a anotação ao acórdão do STJ de 28/06/2000, publicado no BMJ. 498/59).
No acórdão do STJ de 27 de Junho de 2002, relatado por Carmona da Mota, depois de se fazer uma recolha de inúmera jurisprudência em que o art. 25 foi aplicado, doutrina-se no sentido de que:
“Embora timidamente enunciado, teve o legislador o propósito de não “meter no mesmo saco” todos os traficantes, distinguindo entre os casos “graves” (art. 21), os muito graves (art. 24), os pouco graves (art. 25) e os de gravidade reduzida (art. 26), redução essa motivada no fundo pela condição de toxicodependente do agente.
Pois bem: a jurisprudência esvaziou quase completamente os arts. 25 e 26, remetendo para o art. 21 a generalidade das situações. Para tanto, faz uma interpretação contra legem do art. 25.
Com efeito, estabelece este artigo que se aplica às situações em que “a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade” das drogas.
A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma “droga leve”, ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25 é para o pequeno tráfico, para o pequeno “retalhista” de rua (Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss)”.
Veja-se neste mesmo sentido, o estudo de João Conde Correia, revista Lusíada/Direito, 2002, Coimbra Editora, Outubro de 2003, Aspetos Jurídico-Penais da Lei da Droga: as fontes, muita jurisprudência e alguma doutrina, págs. 105 a 126: “a generalidade das situações julgadas nos nossos tribunais é, de facto, de pequeno tráfico, mesmo quando não são rotuladas como tal. Inicialmente essa jurisprudência [sobre o artigo 25] era muito restritiva. Hoje é mais flexível. O caráter cruzadista vai-se perdendo”.
E ainda neste mesmo sentido veja-se o artigo do Procurador da Re-pública Víctor Paiva, na Revista do Ministério Público, nº. 99, págs. 137 a 153.
No acórdão do STJ de 29/11/2005 chama-se de novo a atenção para que:
“A integração do crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25, não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta. Como resulta, designadamente, da moldura prevista na sua al. a), a ilicitude pode ser já considerável; deve, é, situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art. 21”.
E ainda que
“a jurisprudência do STJ dos últimos anos tem vindo a alargar o campo de aplicação do aludido art. 25 a tudo quanto seja pequeno tráfico, aos ‘dealers’ ou ‘retalhistas’ de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga – enfim, os pequenos tentáculos situados na base da grande pirâmide do narcotráfico”.
Neste sentido vejam-se os seguintes acórdãos (alguns deles citados no acórdão do STJ de Carmona da Mota) com casos que foram enquadrados, pelo STJ e pelas Relações, no art. 25 e não no art. 21 do Dec. Lei:
1
O acórdão do STJ de 15/01/98, publicado na CJ.STJ.98.I. 161, referente à posse para consumo de um grupo de 15 pessoas num fim-de-semana, de 150 gramas de haxixe.
2
O acórdão do STJ de 8/10/98, publi­cado na CJ.STJ.98.III. 188, referente a uma senhora que foi detida com 18 embalagens de he­roína, com o peso de 5,687 g, que as destinava em parte à venda e em parte ao seu consumo pessoal e que no espaço de tempo de 2 meses tinha ido outras 6 vezes a Lisboa adquirir droga para o mesmo fim.
3
O ac. do STJ de 20/10/99, Proc. n.º 918/99: detenção de 1,46g de heroína; arguido atuava sozinho, por sua conta e risco, comprando pequenas doses, de que consumia metade e vendia a restante, a outros toxicodependentes; duração: 5 meses; quantidade vendida 17,3 gramas do referido produto (tanto quanto consumiu, no mesmo período).
4
O acórdão do STJ de 28/06/2000 refere-se a um consumidor de estupefacientes desde há três/quatro anos, que se abastecia então sem o recurso aos lucros do tráfico e que é referenciado como pequeno negociador de tais produtos durante três semanas antes da sua detenção.
5
O ac. do STJ de 30/11/2000, processo 2849/2000-5 refere-se a um arguido consumidor habitual de heroína, e por vezes, de cocaína; ia abastecer-se duas vezes por mês; nos últimos seis meses antes da sua detenção, dividia parte do produto em palhinhas que vendia esporadicamente em número não superior a cinco ou seis a consumidores que para o efeito o procurassem, ao preço de 1000$ cada; foram-lhe encontradas 3,089 g de heroína e 0,236 g de cocaína, adquiridas nesse dia, num total de 10 quarteiras de heroína e 1 quarteira de cocaína, tudo pelo preço de 27.500$.
6
O acórdão do STJ de 24/01/2001 Proc. 3826/00–3 (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203) refere-se à detenção, uma única vez, de 200,6 g de haxixe
Note-se, no entanto, que o acórdão do STJ de 19/12/2007 refere, contra, que o STJ já considerou que integrava a previsão do tipo base (art. 21) uma única detenção para venda de 174 gr de haxixe (no ac. de 12/6/97 publicado na CJ.STJ.97, T2, págs. 233 a 235) ou uma única detenção de 246,089 g do mesmo produto estupefaciente (ac. de 26/09/2001 publicado na mesma CJ.STJ.2001, T3, págs. 172 a 174: neste caso, o TRL tinha condenado na pena de 5 anos de prisão e o STJ baixou a pena para 4 anos e 4 meses).
7
O ac. do STJ de 14/2/2001, processo 4210/00-3, refere-se a um arguido consumidor da heroína, que atuava sozinho, e que ia buscar 15 a 20 "quartas" de heroína por semana, pelas quais pagava cerca de 50.000$, fazendo de cada "quarta" cerca de 5 ou 6 doses individuais, que vendia por 1.000$ cada, atividade que se prolongou por cerca de sete meses, tendo sido surpreendido, no momento da sua detenção, na posse de 23 embalagens com 1,231 g daquele produto, tendo cedido 0,110 g, em duas embalagens, à sua coarguida (num total que não atinge 2 gramas) (tem um voto de vencido).
8
O acórdão do STJ de 05-12-2001 Proc. 3017/01-3ª (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203) refere-se à detenção pelo arguido de 3122,5 g de haxixe (não existem outros dados publicados).
9
Acórdão do STJ com o nº. 1101/03-5 nos sumários do STJ (citado pelo de 19/12/2007, publicado sob o nº. 07P4203)
Foi tido como «tráfico de menor gravidade» a detenção de 911,058 g de haxixe, uma vez que todas as demais circunstâncias provadas favoreciam o arguido, assim dando uma imagem global do facto suscetível de algum enfraquecimento da ilicitude (não existem outros dados publicados).
10
O acórdão do STJ de 29/11/2005, publicado na CJ.STJ.2005.III.219/222 altera a decisão da 1ª instância, passando a qualificar o crime como de tráfico de menor gravidade, do art. 25/a) do Dec. Lei 15/93, e baixando a pena de 9 anos de prisão para 3 anos e 6 meses de prisão, relativamente a um indivíduo, consumidor ocasional de droga, que foi apanhado, num dia, a vender cocaína, detendo ainda em seu poder 25 embalagens com o peso total de 9,572 gr, bem como 154,20€ provenientes de vendas anteriores desse produto, mas que não foi possível quantificar. Este arguido cometeu este crime num período de liberdade condicional de uma pena por um outro crime de tráfico de droga. E tinha pendente uma outra pena pelo crime de resistência e coação sobre funcionário.
11
No acórdão do STJ de 23/03/2006, publicado sob o nº. 06P767 da base de dados do ITIJ, substitui-se um acórdão do TRE que tinha condenado o arguido na pena de 4 anos e 8 meses de prisão pelo crime do art. 21 (em vez dos 5 anos e 5 meses da 1ª instância), por um acórdão que o condena na pena de 3 anos de prisão por um crime do art. 25, com base nas seguintes considerações:
I - Apurando-se que: - em dia não concretamente apurado de Março de 2004 o arguido transportou uma mochila que continha no seu interior pelo menos cerca de 700 g de heroína e quantidade não apurada de cocaína, o que ele sabia, entregando a mesma a um outro arguido, a solicitação deste; - o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as qualidades estupefacientes dos produtos que transportou e que esta atividade e a sua mera detenção são proibidas; - o arguido foi condenado, em Junho de 2004, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa e inibição de conduzir; - trabalha, auferindo mensalmente quantia entre € 630 e € 650, e vive com esposa e uma filha de 2 anos, - foi consumidor de estupefacientes e encontra-se em tratamento à dependência destes produtos, entende-se que o arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pois a sua intervenção se limita ao «transporte» da droga «a solicitação» de outro arguido a quem a entregou, sendo que ninguém afirma, e muito menos se prova, que esse «transporte» constituísse um ato interessado do arguido ou qual o móbil da sua atuação, bem como não se sabe qual o trajeto do produto e sua duração.
12
No ac. do STJ de 12/10/2006, nº. 06P2683 da base de dados do ITIJ, condenaram-se dois arguidos, um por ter entregue, outro por ter recebido, 429 g de cocaína, ato esporádico e desinteressado, pelo crime do art. 25, na pena de 3 anos de prisão. Estes arguidos tinham sido condenados, no ac. substituído, nas penas de 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses, respetivamente. Diz-se no ac. que mesmo lidando com a posse de «droga dura», até, já em quantidade apreciável, não fica afastada a hipótese de aplicação do artigo 25 do DL 15/93, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», já que não se limita a prever bagatelas, condutas «sem gravidade», tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21, pode ir até aos 5 anos de prisão.
13
No acórdão do TRP de 10/10/2007, publicado sob o nº. 0714610, substitui-se uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão pelo crime do art. 21, por uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão, pelo crime do art. 25, dizendo-se que comete este crime e não o outro aquele que detém cocaína e heroína suficiente para confecionar, respetivamente, 63 e 25 doses, não lhe sendo conhecidos outros atos enquadráveis na atividade de tráfico.
14
O acórdão do STJ de 8/11/2007 (sob o nº. 07P3164 da base de dados do ITIJ/STJ) condena dois arguidos não toxicodependentes que, após complicados contactos, faziam o transporte de um produto com cerca de 50 g (cujo princípio ativo era cocaína), pelo crime do art. 25, ao contrário da 1ª instância e da Relação, em penas de 2 anos e 6 meses e 3 anos de prisão respetivamente – o arguido punido com 3 anos já tinha estado anteriormente, num outro processo, preso por tráfico de droga). As penas da 1ª instância e do TRP tinham sido, respetivamente, 4 anos e 6 meses e 5 anos (esta depois de baixada pelo TRP).
15
O acórdão do STJ de 24/10/2007 (sob o nº. 07P3317 da base de dados do ITIJ/STJ) condena um arguido que não é toxicodependente e que já tinha estado preso por tráfico de droga e que vendeu droga desde meados de 2005 até 22/5/2006, a diversos indivíduos dela consumidores, nomeadamente: cocaína, por duas ou três vezes, a MR; cocaína, por uma ou duas vezes, a SF; heroína, regularmente (quase todos os dias) e durante quatro ou cinco meses, a JB. Em nenhum destes negócios foram transacionadas mais que duas doses de heroína ou de cocaína; por cada dose das mencionadas substâncias estupefacientes o arguido cobrava € 10; no dia 18/11/2005, tinha em seu poder 0,632 g de cocaína (cloridrato) e 1,255g de heroína, produtos que destinava à venda a terceiros; pelo crime do art. 25 na pena em 3 anos de prisão efetiva (tinha sido condenado pelo crime do art. 21 na pena de 5 anos e 6 meses de prisão).
16
O ac. do STJ de 19/12/2007, nº. 07P4203 da base de dados do ITIJ, pune com 3 anos e 6 meses de prisão, um arguido que tinha sido condenado em 4 anos e 3 meses de prisão pelo artigo 21, entendendo que a infração praticada integra os elementos constitutivos do crime previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22/01, considerando que:
- a imputação genérica de uma atividade de tráfico nos sobreditos termos não oferece relevância em termos de qualificar a atuação do arguido como integrando o crime p. e p. no art. 21.º do DL 15/93;
- resta a posse de cerca de 30 e 46 g de haxixe, a qual se situa numa zona limite de traficância entre o dealer de rua, com uma menor densificação da intensidade da ilicitude, porque reduzida a um tráfico de vizinhança, no qual o agente representa o último lugar da distribuição, e o tráfico de estupefacientes que se destina a um mercado mais amplo e a uma procura mais geral por forma a obter substanciais proveitos económicos.
17
O acórdão do STJ de 30/04/2008, publicado sob o nº. 08P1416:
I - A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado de tráfico de estupefacientes, respetivamente, dos arts. 21/1 e 25 do DL 15/93, de 22/01, reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que se revelem em concreto, e que devem ser globalmente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
II - A inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do ato ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga.
III - Numa situação em que: - inexiste referência a uma estrutura organizativa com uma dimensão formal; - para além da detenção de 7,644 g de cocaína (peso líquido), o arguido, entre o ano de 2005 e os primeiros meses de 2006, forneceu essa substância (além de, esporadicamente, 20 pastilhas de MDMA e 5 g de canabis) a cerca de 10 consumidores; - embora esteja em causa um período temporal relativamente longo, encontram-se parcialmente indefinidas as concretas circunstâncias em que os fornecimentos se verificaram e, nomeadamente, o espaçamento temporal, o conhecimento da quantidade fornecida e a definição do facto de o fornecimento ser isolado ou plúrimo, sendo tal indefinição de valorar em sentido favorável ao arguido; é de concluir que o mesmo praticou o crime de tráfico de estupefacientes a que alude o art. 25 do DL 15/93, de 22/1.
18
O acórdão do TRC de 19/11/2008 (2212/06.4 TAAVR.C1 na base de dados do ITIJ) alterou a decisão da 1ª instância, convolando o crime do art. 21 para o do art. 25 – a pena do tráfico baixou de 5 anos para 4 anos de prisão).
Diz-se no acórdão:
1. O regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta dos diversos fatores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal.
2. O juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente.
3. A atividade que perdura por período de cerca de 2 anos, com largos períodos parcialmente indefinidos em termos de números de pessoas a quem vendiam estupefacientes e quantidades transacionadas, encontrando-se provadas vendas a 14 consumidores, não se sabendo exatamente que quantidades foram vendidas ou cedidas, sendo que no período em causa viviam os arguidos, na altura consumidores de heroína e de cocaína, essencialmente dos lucros que retiravam da diferença entre o preço de compra da heroína e cocaína e o maior preço que obtinham na sua venda a retalho, lucros esses modestos, integra a prática de um crime de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, al. a) do DL 15/93.
19
O ac. do TRL de 04/12/2008, publicado sob o nº. 7874/2008-9 da base de dados do ITIJ, alterou a decisão da 1ª instância, passando a aplicar o art. 25 e diminuindo as penas de 6 anos e 5 anos e 6 meses para, respetivamente, 4 anos e 3 anos e 6 meses, suspensas; isto tendo em conta que as qualidades e as quantidades que foram apreendidas aos arguidos bem como as restantes circunstâncias apuradas (a atuação sem sofisticação nem organização – venda à porta de casa, feita pelos membros da família - que, consequentemente, diminui o risco de disseminação; o número e o tipo de transações efetuadas; o não se ter apurado que auferissem grandes lucros), a imagem global dos factos revela uma projeção menor de ilicitude tendo por referência os pressupostos que enquadram o tipo base de tráfico de estupefacientes.
Por outro lado, como casos do art. 21 e mesmo assim situados na fronteira entre este e o artigo 25 (tal como se diz nos próprios acórdãos e/ou resulta das penas aplicadas), vejam-se os seguintes acórdãos:
1
No acórdão do STJ de 30/11/2006 (com a referência 06P4076 no sítio do ITIJ) trata-se de um indivíduo que era reincidente no tráfico e que na sua atividade de revenda de cocaína e heroína, embora “cortadas”: a) não contactava diretamente o consumidor, mas, mais elaboradamente, utilizava, para tanto, um colaborador, a quem adiantava, de cada vez, 10 embalagens, cujo stock, depois de esgotado e pago, logo refazia; b) prolongou a sua atividade entre 13/01/05 e 15/03/05, data em que foi detido; c) utilizava, como colaboradores, «toxicodependentes profundos»; d) dirigia o seu negócio a partir de casa, não sendo procurado pelos interessados nem vendendo diretamente na rua e, assim, não ocupando, na cadeia de comercialização da droga, o último lugar; e e) quando detido, tinha em casa, para revenda, 169 embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso total líquido de 14,866 g, e 24 embalagens de heroína, com o peso total líquido de 1,805 g, além de € 111, produto de vendas anteriores. O STJ considerou que se tratava de tráfico de fronteira entre o tráfico comum e o tráfico menor e que a respetiva penalização devia refletir essa proximidade, punindo com uma pena de 4 anos de prisão, enquanto o tribunal de 1ª instância tinha condenado o arguido em 5 anos de prisão.
2
No acórdão do STJ de 7/12/2006 (com a referência 06P4355 no sítio do ITIJ) diz-se que se mostra adequada a pena de 5 anos de prisão imposta na 1.ª instância, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21/1 do DL 15/93, de 22/01, a uma arguida sem antecedentes criminais; desempregada e residente em Portugal, com 2 filhos menores, que, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, procedente de Bissau, transportando no corpo e no fundo e tampo falso da mala de mão, 4 embalagens contendo cocaína, com o peso líquido global de 5590,700g.
3
No acórdão do STJ de 21/12/2006 (com a referência 06P4337 no sítio do ITIJ) trata-se de um indivíduo que faz de correio entre a Venezuela e Lisboa, transportando cocaína, com o peso líquido de 967,891 g e o STJ confirmou a pena de 4 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado em 1.ª instância, como autor de um crime do art. 21 do DL 15/93, de 22/01. Diz-se no acórdão: No da ilicitude, poder-se-á, dizer, como diz o recorrente, que a quantidade de estupefaciente não é elevada. Efetivamente, 967,891 g de cocaína não são uma quantidade elevada, mas também não são uma quantidade reduzida. O peso da cocaína transportada pelos “correios” oscila entre cerca de 1 kg, como era o caso, e os 5 kg. Diremos que a droga transportada pelo recorrente se situa no limiar do mínimo normal, o que não impede que se deva caracterizar a situação, também neste aspeto, de normal.
4
No acórdão do STJ de 15/2/2007 (com a referência 06P4092 no sítio do ITIJ) trata-se de tráfico de droga praticado por um arguido CC que está em cumprimento de pena de 21 anos por uma série de outros crimes, entre eles o de tráfico; a atividade parece durar de Nov2002 a Maio de 2003; o arguido organiza toda a atividade através da prisão; há uma série de intervenientes; o transporte é feito do Continente para a Madeira; só numa das viagens estão em causa 95g de heroína; o tipo de crime foi considerado pelo STJ, em relação a todos os arguidos, o do tráfico base (21). A pena foi de 5 anos de prisão.
5
No acórdão do STJ de 15/3/2007 (com a referência 07P648 no sítio do ITIJ) estavam em causa 51 consumidores a quem os arguidos tinham vendido droga e um período de atividade de cerca de 6 meses. Discutiu-se se se tratava de um caso de tráfico base (21) ou menor (25), tendo o processo baixado à 1ª instância para apuramento da quantidade de droga que estava em causa.
6
No ac. do STJ de 24/02/2010, publicado sob o nº. 141/08.6P6PRT.S1 da base de dados do ITIJ, o arguido foi detido com 424 embalagens de heroína, com o peso líquido de 53,949 g. A essa quantidade de droga há que juntar a que já tinha vendido por aproximadamente 910€, o que indicia quantidade nada despicienda; foi punido pelo art. 21 com 4 anos e 6 meses de prisão.
7
No ac. do STJ de 20/01/2010, publicado sob o nº. 18/06.GAVCT.S1 da base de dados do ITIJ, o arguido desde 2006, juntamente com outro, dedicava-se à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento em que viviam, destinando-se o numerário obtido ao sustento da família; até ao dia 3/08/2007, o arguido preparava doses individuais de heroína e de cocaína, que acondicionou em saquetas de plástico, as quais foi vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10 por unidade; durante esse período, o arguido e outro venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respetivas viaturas; nesse dia, achavam-se na barraca do arguido 79 embalagens com 6,736 g, de um produto composto por heroína; o arguido foi condenado pelo crime do art. 21 com 5 anos e 6 meses de prisão;
8
No ac. do STJ de 25/11/2009, publicado sob o 220/02.3GCSJM.P1.S1 da base de dados do ITIJ, está em causa a compra e venda de heroína e cocaína; os produtos destinavam-se a um número de consumidores de algum relevo, procedendo-se a comercialização como revendedor, mas apenas por via direta; a culpa é acentuada e revelada pelo modo de atuação, operando o recorrente e sua companheira, de modo geral em pleno dia, recebendo clientes na residência e locais públicos; a atividade de tráfico perdurou por cerca de 21 meses, de forma ininterrupta, quase diariamente; na base do negócio estava uma estrutura organizativa mínima, em que o recorrente dispunha de vários contactos com fornecedores e clientes e da ajuda da companheira, coarguida, dispondo de quatro telemóveis para tais efeitos e ainda de dois automóveis e um ciclomotor para as deslocações e transporte, de uma balança digital, não sendo despicienda a consideração da presença de Noostam; a motivação da conduta prende-se com a obtenção de vantagem patrimonial, a fim de garantir o consumo próprio, mas não só, uma vez que o recorrente não desempenhava qualquer atividade profissional; o arguido era consumidor de estupefacientes; não tem antecedentes criminais e não assumiu a prática dos factos; o arguido foi condenado por um crime do art. 21 na pena de 5 anos e 2 meses de prisão.
Ora, tendo por comparação estes casos, pode-se desde já considerar que o arguido é, seguramente, um médio, a caminhar para o grande, traficante de droga, pelo que improcedem totalmente estas conclusões do arguido.
*
Finalmente, na conclusão 50 o arguido Manuel C… põe em causa a medida da pena:
50. Sendo de aplicar ao recorrente uma pena que não exceda uma cinco anos de prisão e que deve ser suspensa na sua execução.
Quanto à medida da pena, tinha o tribunal recorrido os seguintes factos para considerar relativamente ao arguido Manuel C…:
1. Com exceção do arguido C… […], os arguidos não têm antecedentes criminais.
[…]
3. O arguido Manuel C… cresceu num contexto de abandono dos seus pais biológicos, tendo sido integrado numa instituição de proteção de menores até o início da idade escolar; nesta altura, foi acolhido por um casal, que vivia da atividade da pesca, bordados e arrendamento de quartos na própria habitação, não sendo referenciadas dificuldades nas condições de subsistência, sendo que o arguido associou a este casal as suas figuras parentais, em função da vinculação afetiva que desenvolveu, procurando passar a imagem de uma socialização estável.
4. Desde cedo, o arguido Manuel C… moveu-se num ambiente social problemático, tendo sido exposto a um tecido onde coexistiam micro-culturas de pobreza, modos de vida marginais e associais, assim como economias informais; a influência do meio social veio a revelar-se determinante na rede de sociabilidades e de conhecimentos que travou, assim como no seu próprio modo de vida, que sempre surgiu muito associado ao desenvolvimento de mecanismos informais e subterrâneos de subsistência, sendo que nestas condições, o arguido Manuel C… foi desenvolvendo actividades à margem do tecido convencional, destacando-se, desde há muito, as práticas de cartomancia e outros rituais baseados na magia.
5. As actividades laborais formais deste arguido foram pouco significativas e contextualizadas num curto espaço de tempo, de cerca de seis anos, durante os quais exerceu funções pouco qualificadas, dada a sua baixa escolaridade, tendo apenas o 4° ano que concluiu após várias retenções.
6. O arguido Manuel C… contraiu matrimónio, por volta dos 28 anos, do qual nasceram três filhos, dois dos quais são ainda menores de idade; a separação do casal aconteceu após cinco anos, ainda que a coabitação se venha mantendo ao longo de vários anos, sendo que a rutura foi movida pelo facto do arguido ter assumido, na altura, a sua orientação homossexual, passando então a encetar alguns relacionamentos com jovens, alguns deles com problemáticas de toxicodependência.
7. Na sua trajetória individual, o arguido não desenvolveu qualquer problemática aditiva.
8. O agregado familiar central do arguido Manuel C… é constituído pelo próprio, pela sua esposa e por três filhos, sendo que dois dos descendentes têm permanecido grande parte do tempo com familiares, na Ribeira Brava.
9. Este sistema vem sofrendo oscilações constantes e uma estrutura flutuante, em função da entrada e saída de conhecidos do arguido na sua habitação; atualmente, acolhe três idosas, às quais presta os cuidados, sendo uma delas a sua mãe biológica, com quem apenas começou a relacionar-se recentemente; integra, ainda, este agregado, um ex-companheiro do arguido, com problemática de toxicodependência.
10. Ao longo do tempo o arguido Manuel C… tem também cedido na sua habitação, espaços de acolhimento quer a toxicodependentes, quer para práticas de prostituição, sendo que também estabelece períodos de coabitação com alguns companheiros, mesmo num contexto em que partilha a casa com a esposa e filhos.
11. No seu contexto familiar, o arguido assume uma posição de líder, concentrando em si o poder e as tomadas de decisões, determinando todo o funcionamento familiar, características compatíveis com a capacidade de influência e de persuasão que consegue exercer sobre os outros.
12. O arguido revela uma situação económica confortável, tendo adquirido uma habitação própria, por intermédio de um empréstimo bancário, assim como um veículo automóvel de gama alta; a economia do arguido é subterrânea, sendo as suas fontes de rendimento informais, resultando da prática da cartomancia, assim como da gestão das pensões das pessoas idosas que acolhe.
13. O arguido Manuel C… trata-se de um indivíduo com vivências muito associadas a um sub-mundo marginal, quer pelas ligações sociais que estabelece, quer pelos esquemas de angariação de rendimentos, nunca tendo sentido necessidade de assegurar uma colocação laboral formal.
Disse depois o tribunal recorrido o seguinte quanto à medida da pena:
Da medida abstrata da pena
Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21/1 do DL 15/93 de 22/01, incorrem os arguidos Manuel C… e José A…, na pena abstrata de prisão de 4 a 12 anos.
[…]
[…] não se provaram quaisquer circunstâncias que determinem a atenuação especial das penas.
Da medida concreta da pena:
A medida concreta da pena há-de encontrar-se dentro dos parâmetros fornecidos pelos arts 40 e 71 do CP.
Assim, nos termos do art. 71 do CP, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Por seu turno, determina o art. 40/2 do mesmo código que a pena não poderá ultrapassar a medida da culpa.
"Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)" Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime" de Figueiredo Dias, Notícias Editorial, 1993, pag.214, citado no acórdão acima identificado.
Por outro lado, "o juízo de culpa que na realidade é o suporte axiológico­ normativo da punição, é um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser o ponto de vista da validade lógica, da ética ou do direito" ac. do STJ de 10/04/1996, CJ. acs. do STJ ano IV, tomo II, pag.168, também citado no aresto acima identificado.
Considerando que no caso dos autos:
Quanto ao arguido Manuel C…:
O arguido atuou com dolo intenso posto que direto;
É elevado o grau de ilicitude do facto, atento o seu modo de execução, pois este arguido é o dono da droga, usa toxicodependentes para procederem à sua venda, o que aumenta o desvalor e a gravidade da sua ação, além de que não sendo consumidor de estupefacientes, a sua conduta prende-se, tão só, com a obtenção de proventos económicos à custa de outras pessoas, sob um falso véu de auxílio consubstanciado em ceder um teto e comida aos vendedores;
Revela-se elevado o grau de censurabilidade do facto, dado que o arguido não padecia nem padece de qualquer doença do foro mental que o impedisse de se conduzir de acordo com as normas, estando plenamente ciente da danosidade social que tais substâncias criam nas famílias atingidas pelo flagelo da droga e, de um modo geral, na sociedade;
Também são elevadas as exigências de prevenção geral pois este tipo de crime continua a proliferar a velocidades extremas e lançando tentáculos para todos os lados, não diferenciando classes, sexos ou idades, com o consequente alarme social e insegurança que gera nos cidadãos cientes de que este tipo de crime acarreta grandes males para a estrutura social e para as famílias que, por infelicidade, se vêm envolvidas nas malhas da droga;
Não obstante o arguido não ter antecedentes criminais, revelam-se elevadas as exigências de prevenção especial, atento o meio social em que se movimenta, o seu total desprezo pelos outros e falta de consciência crítica perante este fenómeno;
O arguido negou os factos e não mostrou qualquer arrependimento pela sua atuação; e
O arguido é [de] condição social acima da média.
*
Perante isto, a medida da pena deve baixar, como pedido pelo arguido? Passar dos 7 para menos de 5 anos de prisão?
Desde logo note-se que está certo o que de essencial é dito pelo tribunal recorrido para a fixação da pena, isto é, quer as considerações sobre os fins das penas quer a forma como os fatores foram invocados e tidos em conta.
No entanto, como se viu, a concretização feita acima do tráfico real, implicou que, relativamente ao ano de 2007, a atividade do arguido Manuel não tenha podido ser considerada significativa. E, mesmo em relação ao ano de 2008, a atividade que lhe pode ser imputada em concreto, acaba por só dizer respeito a pouco mais de 2 meses.
Assim, é um pouco menos grave a conduta do arguido Manuel C… [aquela que pode ser concretizada] do que aquela que foi tida em conta pelo tribunal recorrido
Por outro lado, tendo em conta, para comparação, os 7 casos do STJ referidos acima (com penas fixadas), como de tráfico do art. 21, concluiu-se que o caso do arguido Manuel da C…, nos termos acima concretizados, é mais grave do que aqueles, por não ser um consumidor da droga e ter três toxicodependentes a trabalhar para ele, tendo mexido em produto com um “valor de mercado” de cerca de 30.100€.
É mais grave, mas apenas um pouco. Ora, as penas que aí foram aplicadas andam pelos 4 anos e meio a 5 anos e meio.
Assim, tendo tudo isto em conta, considera-se que a pena deve baixar para os 6 anos de prisão.
Esta pena, por ser superior a 5 anos, impede a consideração da possibilidade da suspensão da mesma (art. 50 do CP). Pelo que, em tudo o resto que não nesta diminuição da pena de 7 para 6 anos, a conclusão 50 é improcedente.
*
Ao abrigo do art. 380/1b) e também do disposto no art. 379/2 ambos do CPP, este último na medida em que o tribunal recorrido se pronuncia sobre uma questão que não lhe tinha sido colocada [dando assim causa a uma nulidade de conhecimento oficioso - art. 379/1c) do CPP], corrige-se oficiosamente o ponto 12 da parte decisória do acórdão, quando declara perdido a favor do Estado vários bens, mas depois acrescenta, sem qualquer base legal para o efeito, que os mesmos revertem para o património da RAM (no mesmo sentido, veja-se o ac. do TRL de 20/03/2007, publicado sob o nº. 10954/2006-5 das bases de dados do ITIJ, cuja razão de ser, embora ele se refira aos Açores, têm inteira aplicação à Madeira: I - Não havendo disposição expressa que o permita, não é possível decretar o perdimento a favor da Região Autónoma dos Açores dos bens apreendidos nessa Região por crime de tráfico de estupefacientes, sob pena de se estar a violar o princípio da legalidade. II - A declaração de perda para o Estado tem a virtualidade de criar para este um direito de propriedade sobre os objectos, produtos e dinheiro apreendidos, que se efectiva com o trânsito em julgado do acórdão condenatório, ingressando então esses bens no património do Estado. III - É ao proprietário, em exclusivo, que compete dar o destino à coisa que passou a ser sua. IV - É certo que os referidos bens são susceptíveis de transferência do património do Estado para o da Região onde foram apreendidos, mas não havendo lei expressa que consinta ao Tribunal fazer essa afectação, tal transferência só pode ser levada a cabo pelo Estado).
Assim, suprime-se, no ponto 12 da parte decisória do acórdão, a declaração de reversão para o património da RAM dos bens declarados perdidos para o Estado.
*
Em suma:
I - Quando o recorrente não indica em algo algum uma qualquer passagem da gravação da prova de uma qualquer testemunha que ponha em causa um qualquer ponto da matéria de facto, não há recurso para reapreciação da prova gravada e por isso o recurso não pode ser interposto para além do prazo de 20 dias e, sendo-o, deve ser rejeitado no seu todo.
II - Invocar uma série de “noções básicas” e a violação de uma série de normas de vários diplomas legais, não é invocar uma violação concreta, por parte do tribunal recorrido, de qualquer dessas normas, nem conteúdo útil de conclusões que tenham que ser autonomamente decididas.
III – Para a condenação pelo tráfico de droga, o tribunal só se pode servir dos factos concretos que tiverem ficado provados, não de generalizações e abstrações e referências indeterminadas a períodos de tempo.
IV – Um arguido, não consumidor, que num período de pouco mais de 2 meses esteve na origem de uma atividade de tráfico, levada a cabo por três toxicodependentes por sua conta, que diz respeito a 91 vendas em 6 dias diferentes, num total de 9,9 g, e à posse de 141,64 g, correspondente a cerca de 30.100€, é um médio traficante próximo já de um grande traficante.
V - Não havendo disposição expressa que o permita, não é possível decretar o perdimento a favor da Região Autónoma da Madeira dos bens apreendidos nessa Região por crime de tráfico de estupefacientes, sob pena de se estar a violar o princípio da legalidade.
*
Pelo exposto, rejeita-se o recurso interposto pelo arguido José A…, por manifestamente improcedente [art. 420/1a) do CPP].
Custas pelo arguido, com 3 UC de taxa de justiça.
E julga-se o recurso interposto pelo arguido Manuel C… parcialmente procedente, ficando agora condenado pelo crime de tráfico de droga do art. 21/1 do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de 6 anos de prisão (de que se descontam os 5 dias em que esteve detido, restando-lhe cumprir 5 anos, 11 meses e 25 dias).
Custas pelo arguido, com 4 UC de taxa de justiça.
*
Ao abrigo dos arts. 380/1b) e 379/2 ambos do CPP, corrige-se oficiosamente o ponto 12 da parte decisória do acórdão, suprimindo a parte em que diz que os bens revertem para o património da RAM.

Lisboa, 15/06/2010

Pedro Martins
Nuno Gomes da Silva