Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | TRABALHO PORTUÁRIO TRABALHADOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/18/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | I – No domínio do trabalho portuário, os trabalhadores eventuais/temporários não são trabalhadores vinculados por contrato de trabalho subordinado à empresa de trabalho portuário, por tempo indeterminado, ou mesmo por contrato a termo. II- Na contratação de trabalhadores temporários disponíveis, a empresa, embora não possa contratar trabalhadores não incluídos na listagem anexa ao CCT vigente para o sector (no caso o publicado no JORAM III, nº 3 de 1/2/2002), não se encontra vinculada à sequência dessa listagem, reconhecendo-lhe o CCT o exercício desse direito de colocação segundo um princípio de discricionariedade, de acordo com a sua livre apreciação, baseada na produtividade, na assiduidade e na eficácia. | ||
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Decisão Texto Integral: | 1 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: JOSÉ … veio instaurar, no Tribunal do Trabalho do Funchal, contra E…, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, pedindo que a Ré seja condenada a: - a reconhecer o direito do Autor a prestar trabalho, conforme as necessidades que se verifiquem e em obediência sequencial segundo a listagem que consta do CCT publicado no JORAM III, nº 22 de 16/11/01, ou qualquer outra que venha a ser aprovada pelos parceiros sociais e pela entidade competente, a APRAM; - a pagar ao Autor o valor a apurar em execução de sentença correspondente aos dias e turnos em que deveria ter prestado serviço se não tivesse sido ilicitamente substituído por indivíduos que não constam da escala consagrada no dito CCT, na base da retribuição de €51,10 acrescida de €8,85 por cada turno. Alegou, em síntese e conforme se refere na sentença sob recurso, que: Nos termos da Lei e do CCT para o sector, e conforme a própria Ré várias vezes assumiu, o trabalho portuário apenas pode ser exercido por quem esteja reconhecidamente habilitado para tal. O Autor faz parte da lista que integra o CCT do sector, como trabalhador temporário disponível para contratação. Desde Dezembro de 1993 que o Autor presta serviço, regularmente, no porto do Funchal. Tendo frequentado com aproveitamento, em 1996, o curso de formação profissional de trabalhado portuário polivalente – nível básico, promovido pela Ré. A partir de meados de 2003 a Ré, com frequência quase diária, passou a distribuir trabalho a indivíduos que não constam dessa lista e sem formação profissional para o efeito. O Autor foi chamado pela última vez para prestar serviço em 24/2/2003. Por um turno de trabalho o Autor aufere a retribuição de €51,10, acrescida do subsídio de refeição de €8,85. Desde 1/5/2003 o Autor esteve sempre disponível para prestar trabalho. No ano de 2000 o Autor auferiu em média a retribuição mensal de 89.771$00, a que acresceu o pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal. A Ré, regularmente citada, contestou, alegando, em resumo, que: É uma empresa idêntica às de trabalho temporário e tem como objecto social exclusivo a cedência temporária de trabalhadores portuários, a empresas de estiva ou utentes de áreas portuárias privativas. A imprevisibilidade da actividade, dependente dos fluxos de bens ou mercadorias, impossibilita a criação de um quadro de mão-de-obra único, estável e permanente, sob pena de custos incomportáveis gerados pela existência de numerosos e duradouros tempos mortos ou de inactividade de mão-de-obra, máquinas e equipamentos. Estas especificidades da actividade originaram regimes normativos específicos para o trabalho portuário, havendo necessidade, a par do contingente de trabalhadores efectivos, de mão-de-obra suplementar em regime de contrato de trabalho temporário à medida das necessidades. O que origina, em simultâneo, dois tipos de trabalhadores – os com vínculo contratual permanente para a satisfação das necessidades normais ou permanentes da actividade portuária, registados como trabalhadores do efectivo dos respectivos portos -e os trabalhadores temporários que integram uma listagem própria, organizada e revista a qualquer momento pela própria Ré. É a O…, Ldª , empresa utilizadora da mão-de-obra portuária que determina e requisita à Ré o número de trabalhadores necessários em cada turno e procede à sua requisição à Ré com uma antecedência diminuta relativa ao início de cada turno, que é de duas horas no turno da tarde. Que é o tempo de que a Ré dispõe para contactar os trabalhadores e organizar a equipa de trabalho, recorrendo aos temporários quando o número de permanentes seja insuficiente. Dos trabalhadores temporários incluídos na listagem anexa ao CCT de 2001, muitos perderam o interesse em desenvolver a sua actividade no sector portuário, mostrando-se indisponíveis quando a Ré os contactou. O que originou que, a partir de meados de 2003, por razões de gestão racional de recursos, a Ré tivesse que elaborar, com uma periodicidade mensal, uma escala específica daqueles trabalhadores que estão sempre contactáveis e disponíveis. A contratação de pessoal eventual obedece a outros critérios de colocação e a inclusão na listagem anexa ao CCT apenas garante aos trabalhadores que possuem qualificações profissionais para o desempenho das funções, mas não lhes confere qualquer vínculo de permanência, razão pela qual não estão sujeitos a qualquer dever de prestação de trabalho quando contactados para o efeito, sendo, aliás, sempre lícita a sua recusa sem necessidade de apresentar justificação e sem sofrerem qualquer sanção. Pelo que não existe um vínculo laboral, mas apenas uma expectativa de colocação no trabalho portuário quando ocorram insuficiências de trabalhadores efectivos. Em Maio de 2002, de entre os eventuais, a Ré admitiu 23 trabalhadores que passaram a integrar o efectivo portuário da RAM, que é actualmente de 83 trabalhadores. Que originou uma diminuição das solicitações dos trabalhadores eventuais/temporários. A intensificação de acções de formação, que ocupou um grande número de trabalhadores, e o grande afluxo de navios de peixe e granéis de cimento e de ferro, fizeram aumentar excepcionalmente as contratações entre 1998 a 2001, verificando-se uma diminuição após a cessação dessas situações. O Autor não tem vínculo contratual com a Ré além do que se estabelece pontualmente em cada turno de trabalho, e a Ré apenas lhe reconhece uma mera expectativa de vir a prestar trabalho quando os trabalhadores permanentes são insuficientes. O trabalho prestado pelo Autor não foi regular, mas intermitente e pontual, sempre prestado com carácter temporário. A inclusão dos trabalhadores na lista anexa ao CCT não constitui um quadro exclusivo de mão-de-obra suplementar, nem corresponde a uma efectiva disponibilidade desses trabalhadores para a prestação do trabalho, sendo uma simples relação de pessoas disponíveis à data da publicação do CCT. Os trabalhadores entretanto adicionados à listagem são reconhecidos por esta como habilitados para o desempenho das tarefas. Na maior parte das vezes em que a Ré o contactava para prestar trabalho o Autor não se mostrava disponível. Outras vezes acabava por comunicar minutos antes do início do turno que afinal não podia ir trabalhar, razão porque a Ré não tinha outro recurso senão contactar outro trabalhador eventual. Ao autor não assiste o direito ao preenchimento de qualquer posto de trabalho nem de prioridade na contratação, não lhe assistindo o direito de exigir ser chamado a prestar trabalho. Conclui pela improcedência da acção. O Autor respondeu, em síntese, impugnando que se tivesse recusado a prestar trabalho quando era convocado e que a Ré possa admitir para trabalhar quem muito bem entenda, sem cumprir com as exigências legais para o exercício da actividade de trabalhador portuário, nomeadamente, sem ter de comunicar previamente a identificação dos trabalhadores à APRAM (Administração dos Portos da Madeira) a quem cabe na RAM as competências previstas a nível nacional para o Instituto do Trabalho Portuário, nos termos do Decreto Regulamentar nº 2/94 de 28/1, entidade que sancionou a listagem de que o Autor faz parte. Efectuado o julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória transcrevemos: “Nesta conformidade, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência, decido: Condenar a Ré a reconhecer ao Autor o direito a prestar trabalho conforme as necessidades que se verifiquem; Absolver a Ré dos demais pedidos formulados. Custas por Autor e Ré na proporção de metade, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário do Autor, se for caso disso”. x Inconformado com o decidido, veio o Autor interpor recurso, que foi admitido, e onde formulou as seguintes conclusões: 1 - Aceita-se expressamente e sem quaisquer reservas o teor da sentença recorrida na parte em que decidiu que a R. estava obrigada a respeitar a lista constante do CCT e a fazer o chamamento sequencial dos trabalhadores que dela constam. 2 - E, portanto, nos dias em que a R. ilicitamente atribuiu tarefas a trabalhadores que não constam dessa lista, deveria, em seu lugar, ter atribuído trabalho ao A., pagando-lhe a respectiva remuneração, em condições a serem apuradas em execução de sentença. 3 - O "ponto 40" da matéria de facto que foi considerada como provada deve ser eliminado, por conter apenas meros juízos de valor, os quais, além disso, são tão vagos e imprecisos que nada dos mesmos se poderia aceitar. 4 - De qualquer forma e ao contrário do que foi entendido pelo julgador essas vagas qualificações não cabem na previsão das cláusulas 20.°, n.º 7, e, 24.°, n.º 2, do CCT. 5 - E, mesmo que assim não se entendesse, a ordem sequencial atrás referido só poderia ser ultrapassada se existisse deliberação do Conselho de Administração da R. nesse sentido. 6 - Não tendo sido provada (nem alegada ...) a existência destes pressupostos, o julgador não poderia ter entendido que o A. estava excluído da ordem sequencial estabelecida na aludida listagem e não poderia beneficiar da posição em que se encontra colocado na mesma. 7 - Tendo a decisão recorrida feito errada interpretação do disposto nas aludidas cláusulas 20, n.º 7, e, 24.°, n.ºs 2 e 3. 8- Devendo, consequente, ser reconhecido ao A. o direito a não ser preterido na ordem de chamada e devendo a R. ser condenada a indemnizá-Io relativamente aos dias em que não cumpriu com essa obrigação. A Ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos legais. x Cumpre apreciar e decidir. O inconformismo da recorrente, integrante do objecto da apelação (que, como é sabido, se nos apresenta delimitada pelas conclusões da respectiva alegação de recurso- artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Cod. Proc. Civil), reconduz-se a uma única questão: a de saber se a Ré, na contratação de trabalhadores temporários disponíveis, se encontra vinculada à sequência da listagem anexa ao CCT vigente para o sector. x Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade: 1. O A desde Dezembro de 1993 presta serviço no porto do Funchal; 2. Em 1996 o A frequentou com aproveitamento o curso de formação profissional de trabalho portuário polivalente – nível básico, promovido pela R; 3. Em 16/11/01 foi publicado no JORAM III série, um CCT para o sector, cuja portaria de extensão foi publicada no JORAM III, nº 3 de 1/2/2002; 4. O A foi incluído no âmbito desse CCT com a designação de trabalhador temporário disponível para contratação; 5. Estando incluído numa listagem de todos os trabalhadores que foi considerado estarem nessas condições; 6. Em 8/10/1996 a Ré pronunciou-se no sentido de que o trabalho portuário só poderia ser exercido por quem para tal estivesse especialmente habilitado; 7. A partir de meados de 2003 a R passou a distribuir trabalho a indivíduos que não constam da lista; 8. Terminando a lista que consta do CCT no nº 554; 9. A partir de meados de 2003 passaram a ser admitidos indivíduos que foram designados com números mais avançados do que aquele 554; 10. No dia 19/5/03, no primeiro turno, prestaram serviço oito indivíduos designados pelos números 555, 556, 567, 573, 581, 584, 585 e 591; 11. No dia 9/6/03, quer no primeiro, quer no segundo turno, prestaram serviço em cada um, indivíduos que não constam da lista em causa, indicados nos documentos que constituem fls. 11 e 12 dos autos, que se dão por reproduzidos; 12. No dia 17/6, no segundo turno, prestaram serviço oito indivíduos designados pelos nºs 558, 562, 567, 568, 578, 580, 587 e 590; 13. No primeiro turno de 18/7/03, prestaram serviço indivíduos designados com os nºs 581, 587, 566, 599, 601, 585, 553, 554, 555, 598, 592, 594, 573, 584, 591, e 567; 14. No primeiro turno de 2/2/04 constam dezanove números superiores a 554 e para o segundo turno desse dia constam catorze indivíduos designados por números superiores a 554; 15. No primeiro turno de 3/2/04 constam doze indivíduos designados por números superiores a 554; 16. No primeiro turno de 5/2/04 constam seis indivíduos designados por números superiores a 554; 17. E no primeiro turno de 6/2/04 trinta e dois; 18. O A foi chamado pela última vez para prestar serviço no dia 22/2/03; 19. Por um turno, em 2 dias de trabalho, em 1/1/2003 o Autor auferiu a retribuição de €102,20, acrescida do subsídio de refeição de €17,70; 20. O sistema de chamadas para prestar serviço é sequencial, iniciando-se pelo primeiro trabalhador que consta da lista; 21. O A encontra-se na quarta posição na listagem que consta no CCT; 22. Os dois primeiros colegas de lista do A, Aires Camacho e Ricardo Freitas, exercem tarefas no escritório da Ré, normalmente não sendo chamados para prestar trabalho portuário; 23. Desde Maio/2003 foi chamado diariamente um número de indivíduos que não constam da lista, superior a quatro; 24. A Ré foi constituída e licenciada sob a forma de associação; 25. Cuja actividade exclusiva consiste na cedência temporária de trabalhadores temporários e tem como objectivo social exclusivo a cedência temporária de trabalhadores necessários à actividade portuária nos portos da Região Autónoma da Madeira (RAM); 26. Mantendo em simultâneo dois tipos de colaboradores: - trabalhadores com vínculo contratual permanente aos quais compete a satisfação das necessidades normais ou permanentes da actividade portuária; - trabalhadores temporários- com contrato de trabalho temporário, com a duração de um turno de trabalho, sem vínculo contratual permanente os quais são chamados a prestar a sua actividade sempre que há necessidade de reforço pontual das equipas de trabalho constituídas pelos trabalhadores com vínculo permanente e quando é necessária a formação de novas equipas para a execução temporária de serviços ou tarefas cujas funções se esgotam com a sua execução; 27. Os trabalhadores portuários com vínculo contratual de trabalho permanente estão registados como trabalhadores do efectivo dos respectivos portos; 28. O número de trabalhadores necessários em cada turno é determinado pela empresa utilizadora da mão-de-obra portuária, OPM – Operações Portuárias da Madeira, Ldª.; 29. Para o turno que tem início às 17.00 horas a OPM pode comunicar e requisitar o número de trabalhadores necessários até às 15.00 horas; 30. Desde Agosto de 2003 a Ré passou a elaborar escalas de trabalho, com uma periodicidade mensal, nas quais apenas constam os trabalhadores que nos três meses anteriores se mostraram disponíveis para o trabalho pelo menos uma vez; 31. A Ré dispõe de menos de duas horas para organizar as equipas de trabalho necessárias; 32. A Ré começa por verificar se o número de trabalhadores permanente é suficiente, e em caso negativo, contacta por telefone trabalhadores temporários eventualmente disponíveis; 33. A contratação de pessoal eventual obedece ainda, além da disponibilidade, a outros critérios de colocação enunciados nas cláusulas 20ª/7 do CCT; 34. A nenhum dos trabalhadores temporários da Ré é exigida a sua comparência nas instalações da Ré ou em locais de trabalho para aí aguardarem a distribuição de tarefas, sendo os mesmos contactados por telefone; 35. Em Maio de 2002 a Ré procedeu, de entre a mão-de-obra eventual, à admissão de 23 trabalhadores em regime de contrato de trabalho sem termo, os quais passaram a integrar efectivo portuário da RAM, actualmente composto por 83 trabalhadores; 36. A redução do número de solicitações dos trabalhadores eventuais foi mais evidente há cerca de dois anos a esta parte, porque, entre 1998 e Abril de 2001, a R intensificou as acções de formação profissional ministrada aos trabalhadores eventuais/temporários atendendo a que então se anunciava uma profunda reestruturação do sector e no regime de trabalho portuário, com o objectivo de redução dos custos da mão-de-obra portuária, eficiência e maior produtividade, obtido através da desvinculação de uma parte substancial dos trabalhadores do efectivo dos portos, através do regime de pré-reforma e de reforma antecipada; 37. Durante os anos de 1998 a Abril de 2001 a referida intensificação das acções de formação deu origem ao aumento do número de oportunidades de contratação de muitos trabalhadores eventuais, em virtude de vários outros se encontrarem a receber formação profissional, como aconteceu com o Autor; 38. O número de solicitações feitas aos trabalhadores eventuais/temporários para prestarem trabalho teve também um incremento substancial e anormal nos anos de 1999 e 2000 em virtude do afluxo aos portos da RAM de navios de peixe (1999) e de granéis de cimento e ferro ( 1999 e 2000), os quais exigem um maior número de equipas de trabalho e uma maior rotação das mesmas, o que significa a necessidade de um maior número de trabalhadores disponíveis e colocados a trabalhar, sendo que em muitas destas descargas o número de trabalhadores com vínculo permanente era insuficiente; 39. Com a cessação quer do período de intensificação das acções de formação quer das operações de carga e descarga de navios de peixe e granéis de cimento e ferro – a par do subsequente aumento do número de trabalhadores com vínculo permanente ocorrido em Maio de 2002 – verificou-se uma diminuição acentuada do número de solicitações para a prestação do trabalho efectuadas aos trabalhadores eventuais/temporários, sobretudo aos chamados indiferenciados, como é o caso do A; 40. Mesmo não tendo que desempenhar qualquer função específica o A mostrou-se negligente e despreocupado no desempenho da sua actividade, comportamentos visíveis perante os restantes trabalhadores que compõem as equipas de trabalho; 41. Muitos dos trabalhadores constantes da lista anexa ao CCT mostravam-se indisponíveis e/ou incontactáveis. 42. A listagem anexa ao CCT sofreu alterações posteriores a 2001, quer pelo facto de haver trabalhadores que comunicaram a sua indisponibilidade para continuar a prestar trabalho, quer pelo facto de outros trabalhadores terem sido considerados pela Ré como aptos para o exercício do trabalho portuário, situação dos trabalhadores referidos no art. 14º da p.i.; 43. Tendo os trabalhadores adicionados a tal listagem recebido formação profissional ministrada pela Ré e reconhecidos por esta como habilitados para o desempenho das tarefas; x Este Tribunal de recurso aceita tal matéria de facto (que até nem foi impugnada), com excepção da contida no ponto 40º (essa sim posta em causa pelo Autor). Com efeito, trata-se de matéria nitidamente conclusiva, que só se poderia extrair de factos que tivessem ficado demonstrados quanto a essas “negligência” e “despreocupação”. Considera-se, pois, tal matéria do ponto 40º como não escrita. x O direito: Está em causa a aplicação do CCT do trabalho portuário polivalente, publicado no JORAM, III Série, de 16/11/01, com portaria de extensão publicada no JORAM, III Série, de 1/2//2002. O Autor figura, no Anexo III desse CCT, na listagem dos trabalhadores temporários para contratação, e em quarto lugar da mesma. Em termos de pedido formulado na sua petição, pretende o Autor ver reconhecida a vinculação da Ré a essa listagem, por um lado, e à sequência nela prevista, por outro. Na 1ª instância, decidiu-se que a Ré não podia contratar trabalhadores não incluídos nessa listagem, como contratou. Sobre essa parte da sentença não incidiu recurso. O que o Autor põe em causa é o decidido quanto à obrigatoriedade de respeito, por parte da Ré, da sequência dessa listagem. Antes de mais, importa analisar o pedido do Autor, nos exactos termos em que é formulado na petição inicial: - por um lado, peticiona que lhe seja reconhecido “o direito a prestar trabalho, conforme as necessidades que se verifiquem …” - por outra banda, que a Ré reconheça que esse direito a prestar trabalho o seja “em obediência sequencial segundo a listagem que consta do CCT publicado no JORAM III, nº 22 de 16/11/01, ou qualquer outra que venha a ser aprovada pelos parceiros sociais e pela entidade competente, a APRAM”. A sentença condenou a Ré nos exactos termos dessa primeira parte do pedido (parte transitada em julgado), julgando a improcedente a segunda parte. E bem, desde já o adiantamos. A Ré é uma empresa de trabalho portuário, cuja actividade se pauta pelo estatuído no D.L. nº 280/93, de 13/8, regulamentado pelo Dec. Reg. nº 2/94, de 28/1 e complementado pela Portaria nº 178/94, de 29/3, dizendo esta respeito ao licenciamento da actividade portuária. Estão relacionados com a actividade e o trabalho portuário o D.L. nº 298/93, de 28/8, que estabelece o regime de operação portuária, o D.L. nº 324/94, de 30/12, que aprova as bases gerais das concessões do serviço público de movimentação de cargas e descargas em áreas portuárias, e o D.L. nº 282-C/84, de 20/8, na redacção dada pelo D.L. nº 356/93, de 9/10, sobre o Instituto do Trabalho Portuário. O contrato de trabalho portuário é um contrato de trabalho especial, tendo em conta que o diploma preambular do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual do trabalho, estabelece no seu artigo 6.º, o seguinte: “A aplicação aos contratos de trabalho portuário do regime jurídico anexo deverá sofrer a adaptação exigida pelas características desses contratos, que vier a ser fixada em portaria de regulamentação de trabalho ou em convenção colectiva”. Decorre deste preceito, como refere Monteiro Fernandes- Direito do Trabalho I, 9.ª edição, pg. 146 - que só deve considerar-se afastado da aplicação directa da LCT nos aspectos que são directamente regulados por lei especial (DL 151/90, de 15 de Maio). Como se decidiu no Ac. deste Relação de 21/4/2004, disponível em www.dgsi.pt (sendo relator o Exmº Desembargador Simão Quelhas), os trabalhadores eventuais/temporários não são trabalhadores vinculados por contrato de trabalho subordinado à Ré, por tempo indeterminado, ou mesmo, por contrato a termo. Esses trabalhadores constituem uma reserva de mão-de-obra, que são chamados a prestar serviços ou tarefas de movimentação de cargas, na zona portuária, quando é necessário, ou seja quando haja serviço. Fazem parte de listagens de trabalhadores disponíveis, mas não têm direito a reclamar a prestação de trabalho. Se são chamados para prestar trabalho, devem comparecer, embora não estejam sujeitos a sanção disciplinar se o não fizerem, e prestam a tarefa ou serviço, pelo tempo que for necessário, recebendo o respectivo pagamento. A existência de trabalho ou de tarefas não depende da vontade da empresa de trabalho portuário, mas da necessidade de operações de carga e descarga portuárias, que são variáveis e imprevisíveis. Apesar desta precariedade, esses trabalhadores têm interesse em se manter nas listagens de trabalhadores eventuais. Aplica-se, subsidiariamente, o regime estabelecido para o exercício da actividade das empresas de trabalho temporário, regulado pelo Decreto-lei n.º 358/89, de 17/10, tendo em conta que o art.º 9º, nº 3, do DL n.º 280/93 estabelece o seguinte: “Aplica-se subsidiariamente à actividade das empresas referidas nos números anteriores o disposto no Decreto-Lei n.º358/89, de 17/10”. Como se diz no citado aresto, tendo em conta o âmbito do regime do contrato de trabalho portuário e a especificidade das funções desempenhadas, deve ser aplicado o regime deste contrato especial, quer aos trabalhadores efectivos, quer aos eventuais/temporários que prestem tarefas de movimentação de cargas dentro das zonas portuárias. E os sucessivos contratos de trabalho temporário vão caducando à medida que são cumpridos, não deixando os trabalhadores de constar das listagens, pelo que teoricamente poderão ser futuramente chamados para novos contratos de trabalho temporário, desde que aceitem o regime de contratação proposto pela empresa. E quanto à obrigação, por parte da Ré, enquanto empresa de trabalho temporário, da observância da sequência da listagem constante do Anexo III ao CCT? Escreveu-se, a este respeito, na sentença recorrida: “Quanto à invocada obrigação da Ré de contratação em obediência à sequência das listagens, as regras que disciplinam a contratação e as condições de trabalho dos trabalhadores do Contingente Comum da Ré, em que se integra o Autor - com excepção da prioridade da colocação dos efectivos sobre os temporários, que apenas serão colocados subsequentemente, se necessário - não distinguem entre trabalhadores efectivos e não efectivos, e reconhecem à Ré na colocação dos trabalhadores a adopção de “critérios rotativos de equidade” e “factores de preferência”, nomeadamente, a avaliação do desempenho, a aptidão, a diligência, a produtividade, a assiduidade, a eficiência, a capacidade de integração no trabalho em espírito de equipa – cl. 20º/7 do CCT. Também, nos termos da cl. 24º/2 – sobre os direitos especiais dos trabalhadores – o CCT dispõe que a ETP/RAM colocará prioritariamente em trabalho os trabalhadores que considere mais diligentes na obtenção de boa produtividade, assíduos, mais eficazes e que tenham evidenciado espírito de equipa, apreciação deixada ao livre critério do Conselho de Administração –cl. 24º/3 do CCT. Desta enunciação de critérios para a colocação dos trabalhadores do contingente comum, que são deixados na livre apreciação do Conselho de Administração da ETP/RAM, tem já de concluir-se que relativamente à colocação dos trabalhadores, sejam efectivos ou temporários, a Ré não se encontra na posição de “obediência sequencial” que lhe é exigida pelo Autor, antes lhe reconhecendo o CCT o exercício desse direito de colocação segundo um princípio de discricionariedade, de acordo com a sua livre apreciação, tanto mais que da factualidade apurada resultou provado que o Autor se mostrou negligente e despreocupado no desempenho da sua actividade – cfr. facto provado supra sob o nº 40 - soçobrando nesta parte a tese do Autor”. Aderimos totalmente a tal fundamentação, que não é minimamente beliscada pela argumentação das conclusões de recurso, com excepção da parte relativa à “negligência” e à “despreocupação” (pelos motivos já referidos supra), pelo que para ela remetemos nos termos do disposto no artº 713º, nº 5, do C.P.C.. Apenas temos a acrescentar que, contrariamente ao invocado pelo recorrente na conclusão 4ª da sua alegação, do CCT, e designadamente do nº 3 da clª 24º, não resulta que a ordem sequencial dos trabalhadores só pode ser ultrapassada se existir deliberação expressa, nesse sentido, do conselho de administração da Ré. Dispõe essa clª 24ª, nos seus nºs 2 e 3: “2. A ETP/RAM colocará, prioritariamente em trabalho, os trabalhadores portuários que considere mais diligentes na obtenção de boa produtividade, assíduos, mais eficazes e que tenham evidenciado espírito de equipa. 3. Será da livre apreciação do Conselho de Administração a apreciação referida no número anterior”. Para além do que se disse na sentença, e se transcreveu, não resistimos a citar a seguinte passagem das contra-alegações da Ré, pela sua especial pertinência e acuidade: “Todavia, há-de convir-se que deste preceito nunca se poderá tirar tal afirmação ou ilação. O que o preceito em causa refere é que na colocação deste tipo de mão-de-obra a ETP colocará prioritariamente os trabalhadores em função dos factores de ponderação aí expressamente enunciados e que foram mais acima explicitados. O mesmo, aliás, encontra-se claramente previsto e explicitado no n° 7 da clª 20ª do CCT. Não se trata de haver que fundamentar e deliberar sobre factos ou circunstâncias que permitam recusar a intervenção de determinados trabalhadores - o que pressuporia que estes tivessem o direito de colocação ou de contratação prioritária em relação a outros; o que se trata é de seleccionar ou escolher, de entre o respectivo universo, aquele ou aqueles que a Empresa considere mais diligentes, mais produtivos, mais eficazes, ou que tenham evidenciado espírito de equipa. É, pois, uma escolha assente em avaliação informal, casuística e pontual, efectuada numa perspectiva de valoração positiva dos predicados de cada um, predicados estes como tal conhecidos da ETP ; não um processo de rejeição assente na avaliação menos positiva de quem tenha evidenciado falta de qualidades ou falta de algumas das qualidades para que aponta o citado n° 2 da clª 24ª do CCT”. Pelo que improcedem as conclusões do recurso. x Decisão: Pelo exposto, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo-se a decisão sob recurso. Custas pelo apelante. Lisboa, 18 de Janeiro de 2006 |