Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
No processo comum colectivo nº 435/06.5JDLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido (J), acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. a) e 202º, al. b), do C. Penal; um crime de incêndio, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. a), do C. Penal; e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artº 366º, nº 1, do C. Penal.
O assistente (A) formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 55.000,00, sendo € 30.000,00 a título de danos patrimoniais e € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e até integral pagamento.
Após julgamento, foi decidido:
- Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. a), do C. Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; um crime de incêndio, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. a), do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; e um crime de simulação de crime, p. e p. pelo artº 366º, nº 1, do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, englobando as penas parcelares antes referidas, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão;
- Suspender a execução da pena, por igual período de 5 (cinco) anos, com um acompanhamento em regime de prova nesse lapso temporal e a realização de plano individual de reinserção social, sujeitando-se ainda essa suspensão da execução da prisão ao dever do arguido proceder ao pagamento, ao assistente/demandante (A), da verba ressarcitória de € 40.677,00, num prazo máximo de 3 (três) anos, e sem prejuízo do que se encontra determinado relativamente ao pedido de indemnização civil;
- Condenar o arguido/demandado a pagar ao assistente/demandante (A), a quantia indemnizatória global de € 40.677,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, com acréscimo de juros moratórios legais, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da notificação do arguido do respectivo pedido de indemnização civil e até efectiva e integral liquidação, absolvendo-o do demais peticionado a título de indemnização civil.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, que conclui da seguinte forma:
1 – O alegado valor dos livros danificados em lugar algum dos autos se encontra jurado, peritado ou o que quer que seja que possa determinar qualquer valor, enfermando tais alegações da acusação e do pedido cível de qualquer prova. E em sede de julgamento, nenhuma prova de tais valores – ou outros – foi feita.
2 - A única abordagem ao valor dos danos patrimoniais foi feita pelo assistente, no seu depoimento que se encontra gravado no CD2, desde os 03 min. e 50 seg. aos 36 min. e 20 seg., em que admite que todos os danos patrimoniais sofridos serão de € 25.000,00, aqui incluindo os livros, a estante, o soalho e a parede.
3 – Há desde logo um manifesto equívoco no douto acórdão recorrido, pois condena em valor superior ao dano admitido pelo assistente. E levando em conta que o assistente reclama € 5.000,00 pelo arranjo da estante, parede e chão, constata-se que, ainda na tese do assistente, os livros não teriam valor superior a € 20.000,00, tal como já havia manifestado em declarações anteriores, a fls. 38, que quantificou em 20 a 25 mil euros e a fls. 58, onde atribui 15 a 20 mil euros.
4 - Nenhuma outra prova de valores ou de razão de ciência foi trazida aos autos ou apresentada em julgamento, pelo que a simples declaração do assistente, sem qualquer sustentação, é manifestamente insuficiente para se poderem admitir como valores aceitáveis. Até porque, naturalmente, o assistente atribui valor económico (sem qualquer fundamentação) e valor sentimental (tratado noutra sede) e, tal como no douto acórdão se reconhece e se deu por provado (a. 39.), os livros têm no mercado dos livros antigos um valor muito variável.
5 - E a comprovar esta variação está o depoimento (único sobre esta matéria) da testemunha do assistente, (AG), gravado no CD2, desde os 46 min. e 47 seg. aos 58 min. e 12 seg., em que, declaradamente e como especialista em livros antigos, não tem dúvidas em afirmar que não é real o valor dado aos livros constante dos autos. Referiu que há 2 meses comprou 2 livros como os que aqui estão nos autos, por preço inferior a 1/5 do constante da avaliação dos autos. E mais disse que os livros que comprou ao arguido, por € 24.000,00, constantes de fls. 72 e 73, avaliados a fls. 236 a 243 em cerca de € 101.000,00, contava vendê-los por € 40.000,00, se os vendesse todos. Hoje, não pagaria mais do que os € 24.000,00 pelos mesmos livros.
6 - Por aqui se vê a enorme variação de valores, a grande disparidade, o que leva a que os livros avaliados a fls. 236 a 243 e dado por provado sob o ponto a.11., não valham mais de 1/5 dos aí constantes € 644.775,00.
7 - E, quanto aos livros destruídos e às alegadas colecções, nenhuma prova foi feita quer dos livros e colecções quer dos valores. Nem de muito nem de pouco: nenhuma.
8 - Ao contrário do que foi dado por provado (a.42.), o fogo nenhuma despesa acarretou para o assistente, pois alegou no pedido cível possuir um orçamento de valor não inferior a € 5.000,00, acabando por apresentar um orçamento em audiência de julgamento datado de 26/05/2008, no valor de € 677,00.
9 - O assistente nenhuma despesa fez, tratando-se de simples e mero orçamento, 2 anos depois do evento, o que evidencia a (felizmente) escassez de dano e a ausência de necessidade de reparação, não sendo o orçamento apresentado prova bastante dessa necessidade, muito menos de despesa.
10 - Há uma evidente contradição na matéria dada por provada, quanto aos livros danificados, pois dá-se como não provado que tenham ficado danificados os livros a esse título reclamados e ao mesmo tempo, dá-se por provado o valor reclamado dos mesmos.
11 - Ora, se eram aqueles livros – e não outros – que alegadamente tinham o valor indicado, ao ser dado por não provado que esses livros se tenham danificado, não se pode dar por provado o valor dos mesmos.
12 - E não basta dar-se por provado que ficaram destruídos 5 livros (a.22. e a.23.), pois isso de nada serve para a prova do valor. Até porque, tal como se evidenciou e até consta da avaliação de fls. 236 a 243, os valores, por um lado, são muito relativos e, por outro lado, são incomensuravelmente díspares de livro para livro, pelo que nenhuma comparação se pode obter.
13 - Mutatis mutandis quanto às alegadas colecções, que nunca foram alegadas nem provadas quaisquer referências identificativas das pretensas colecções e do seu número.
14 - Ao dar-se por não provado que tenham sido danificados os livros reclamados, nenhuma prova do valor poderá ser dada por provada. E, efectivamente, também nenhuma prova dos valores foi apresentada.
15 - Ao não se saber que livros (e colecções) foram danificados, nenhum juízo ou exercício de prognose se poderá fazer quanto ao valor dos mesmos.
16 - A prova produzida não permite dar por provado que tenham ficado danificados 5 livros (a.22. e a.23.); que alguns (?) livros destruídos fizessem parte de colecções e as mesmas ficassem inutilizadas (a. 23.); que o valor dos livros destruídos fosse de € 25.000,00 (a. 24.); que o fogo no chão, estantes e parede haja acarretado ao assistente a despesa de € 677,00 (a.42.).
17 – Quanto aos danos não patrimoniais, nenhuma prova foi feita quanto aos alegados eventos cardíacos e hospitalização. Aliás, estes factos seriam necessariamente de comprovação documental, o que não aconteceu. E quanto a prova testemunhal, apenas se lhe referiu a testemunha (E), cujo depoimento se encontra gravado no CD2 desde 1 hora, 11 min. e 46 seg. a 1 hora, 20 min. e 10 seg. que, atento o exagero das suas apaixonadas afirmações, nenhuma prova poderão fazer.
18 - Em qualquer caso, esta testemunha sempre disse que o assistente havia sido operado antes dos factos dos autos a um cancro da próstata; que era fumador e tinha problemas respiratórios; que no Natal de 2007 teve um enfarte do miocárdio.
19 - Pelo menos, seguramente, os dois primeiros eventos nada têm a ver com os factos dos autos e, quanto ao enfarte do miocárdio, o próprio assistente no seu depoimento gravado no CD2 desde os 03 min. e 50 seg. aos 36. min. e 20 seg., afirma nada ter a ver com o caso dos autos.
20 - Portanto, não há prova bastante da ocorrência dos eventos que levaram à hospitalização e, a terem ocorrido, nenhuma prova foi feita que tivessem por causa os factos dos autos.
21 - A condenação indemnizatória é também e ainda pelo desgosto do desaparecimento “dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos” (a.47.), quando não se provou quais os exemplares ardidos, o que é de questionar a valoração dada, pois até pode não ter ocorrido qualquer dano a este propósito. E, no caso, atenta a falta de prova dos exemplares ardidos, nenhum dano poderá ser considerado.
22 - O mesmo se diga quanto ao desgosto dos danos ocorridos na estante, paredes e chão, pois são comprovadamente insignificantes – ficaram chamuscados (a. 22.) – e o certo é que o assistente nem os mandou reparar por nenhuma perturbação, transtorno ou afectação lhe causar.
23 - A prova produzida não permite dar por provado o “tremendo” desgosto pelos danos “provocados pelo desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos” (a. 47.) e que se haja agravado o estado de saúde do assistente, nomeadamente que o mesmo tenha “começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização” (a. 48.).
24 – Daí que o montante arbitrado de € 15.000,00 (quinze mil euros) por danos não patrimoniais, já de si exagerado e a reclamar correcção, é manifestamente desajustado, devendo ser consideravelmente diminuído, segundo o prudente arbítrio deste Venerando Tribunal.
25 – Sobre a condenação em juros moratórios desde a notificação do arguido do pedido de indemnização civil, o certo é que quanto aos danos patrimoniais, só em julgamento se liquidou o montante indemnizatório – e no entender do arguido mal, razão do presente recurso – e, quanto aos danos não patrimoniais, também só em sede de julgamento o Tribunal a quo valorou tais danos e os liquidou, segundo o seu arbítrio à data do acórdão e não reportado a data anterior – e também de modo desajustado.
26 - Em qualquer dos casos, porque se trata de liquidação desajustada à prova produzida, só serão devidos juros moratórios a partir do trânsito em julgado da superior apreciação deste Venerando Tribunal de recurso, que corrigirá os montantes condenatórios.
27 - Mal andou o douto acórdão recorrido, violando o disposto nos art°s. 377°, 379°, n° 1 alínea c) e 410° do Código de Processo Penal; 668° n° 1 alíneas c), d) e e) do Código de Processo Civil e 483°, n° 1, 487° e 496°, n° 1 do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, proferindo-se acórdão que altere a matéria de facto dada por provada e diminua o montante indemnizatório, assim se fazendo justiça.
Respondeu o assistente, concluindo:
1 - Fundamentando a sua convicção nas declarações do Assistente (Cd 2, 00: 03: 50 a 00: 36: 20) bem como nas da testemunha (I) (Cd2, 00:36:36 a 00: 45: 10), deu como provado a destruição pelo fogo ateado pelo Arguido de cinco livros, sendo que alguns faziam parte de colecções que ficaram totalmente inutilizadas e sem valor comercial.
2 - O próprio Recorrente, em sede de declarações em audiência de julgamento (Cd l, 00:07:13 a 00:37:35), admitiu que alguns dos livros destruídos faziam parte de colecções, identificando as “Rimas de Camões” (Cdl, 00: 17: 18), tendo ainda declarado que os livros destruídos “estavam irreconhecíveis” (Cdl, 00: 33: 00), admitindo a extensão do dano provocado nos livros queimados pelo fogo por si ateado.
3 - Quando instado, o Assistente declara que os danos sofridos se situarão entre os vinte e cinco mil euros a trinta mil euros, incluindo “as obras (os livros) destruídos e os prejuízos nos soalhos, paredes e tectos” (Cd2, 00: 09: 12 a 00:10:00).
4 - Não foi dado como provado arbitrariamente o valor de € 25. 000, 00 quanto aos livros destruídos, mas e tal como indica, e bem, o douto acórdão recorrido, tendo por fundamentação as declarações do Assistente e da testemunha (I), cujos testemunhos se mostraram isentos e credíveis.
5 - A livre convicção da prova consagrada no artigo 127° do Código de Processo Penal terá de ter subjacente sempre uma motivação ou fundamentação, o substrato racional da convicção que dela emerge.
6 - Conforme é expresso no acórdão recorrido, a sua decisão de quantificar os danos provocados nos livros destruídos em € 25. 000, 00, repete-se, fundamentou o tribunal a quo nas declarações do Assistente e das testemunhas já identificadas, bem como nas regras de experiência.
7 – Não pode proceder a alegação do Recorrente que ver como não provada a quantia de € 677, 00 porquanto o Assistente não reparou os danos, pelo que não apresentou uma factura de despesa mas tão somente um orçamento, deste facto retirando a absurda conclusão de que existe ausência de necessidade de reparação e escassez de dano!!?!
8 - O dano existiu e nunca foi posto em causa pelo Arguido em sede de declarações em audiência de julgamento, nem em qualquer outra sede que não no presente recurso, bem como o facto de o Assistente ainda não ter procedido à reparação dos danos causados no soalho, paredes e estante, não permite concluir que ele não exista!
9 – É princípio geral do Direito, consagrado nos artigos 562° e 566° do Código Civil, a preferência do legislador pela reconstituição natural, ou seja, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
10 - O Tribunal a quo decidiu e bem, com base em todas as provas existentes nos autos, incluindo as declarações do assistente (Cd 2, 00: 03: 50 a 00: 36: 20), e das testemunhas (I) (Cd2, 00:36:36 a 00: 45: 10) e (ER) (Cd3, 00:01: 06 a 00: 27:10), a existência dos danos na estante, nas paredes e soalhos, dando também como provado o montante de € 677, 00 a título de montante indemnizatório desses mesmos danos, tendo por base o orçamento apresentado.
11 - Não pode proceder também nesta parte a argumentação apresentada pelo Recorrente, devendo manter-se também nesta parte a sentença recorrida, porquanto julgou em conformidade com as provas existentes nos autos e com o direito aplicável.
12 – Contrariamente ao que pretende o Recorrente, não estamos perante qualquer contradição da matéria de facto, tendo o douto Tribunal a quo dado como facto provado a destruição de cinco livros (a.22 e a. 23), bem como o facto de que alguns desses livros destruídos fizessem parte de colecções e as mesmas ficassem inutilizadas, tendo também considerado como provado que o valor dos livros destruídos é de vinte e cinco mil euros (a. 24).
13 - Fundamenta-se este juízo nas declarações do Assistente, livreiro antiquário que exerce a sua profissão há mais de sessenta anos, nas declarações das testemunhas (I), (EN) e (R) (Cd2, 01:11:46 a 01:20:10) quanto ao facto dos livros fazerem parte de colecções, nas próprias declarações do Arguido ora Recorrente que admitiu esse facto expressamente (Cdl, 00: 17: 18).
14 - Não existe qualquer contradição insanável da matéria de facto, porquanto foram dados como provados a existência de cinco livros danificados e foi também dado como provado o valor de € 25. 000, 00 dos prejuízos causados por esta destruição.
15 – Novamente, expressa o artigo 127° do Código de Processo Penal, que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, pelo que o douto Tribunal a quo apreciou e julgou criticamente as provas em julgamento e julgou dar como provado o montante de vinte e cinco mil euros como valor global dos livros destruídos.
16 - Não assiste razão ao ora Recorrente também na parte em que alega dever ser diminuído o valor da indemnização por danos não patrimoniais, tendo o douto tribunal a quo decidido bem e em conformidade com os factos dados como provados bem como com o direito aplicável.
17 - O Demandante/Assistente viu-se furtado de livros que, durante uma vida inteira recolheu e coleccionou (vide factos provados a.43 a a.46), no montante de € 644. 775, 00 (conforme avaliação pericial ordenada oficiosamente - facto provado a.12), por um acto ignóbil praticado por alguém em que depositava a sua total confiança, confiando-lhe inclusive a chave do seu lar.
18 - Conforme resulta do depoimento da testemunha Prof. Dr. (E) (Cd2, 00:58:22 a 01:11:30), médico cardiologista que acompanhou o assistente durante o seu período de doença e recuperação, o Assistente sofreu diversas sequelas cardíacas que originaram inclusivamente eventos cardíacos que originaram hospitalização.
19 - Decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar o facto a. 48 como provado e a atender para arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais também ao agravamento do estado de saúde do Assistente, tendo procedido a uma análise crítica e não arbitrária das provas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento.
20 - Não existe exagero na fixação do montante indemnizatório de € 15. 000, 00 (quinze mil euros), por danos não patrimoniais, porquanto é de senso comum que uma pessoa, à data dos factos, com setenta e cinco anos tenha sofrido um tremendo desgosto e transtorno com consequências nefastas para o seu estado de saúde, não só por ver furtado e em perigo todo o fruto de uma vida, de valor patrimonial elevadíssimo, mas também por ver em perigo a habitação que conhece há mais de sessenta anos, acrescido da violação de confiança pelo Recorrente, a quem confiara a chave da sua casa, com acesso à mesma sem qualquer reserva.
21- Quanto à indemnização por danos não patrimoniais decidiu doutamente e bem o Tribunal a quo, não merecendo o douto acórdão qualquer reparo ou necessidade de rectificação.
22 - É norma expressa e direito assente consagrado no n° 3, segunda parte do artigo 805° do Código Civil, que tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação.
23 - Não pode proceder também nesta parte o recurso interposto pelo Recorrido, pois alega em sentido contrário ao disposto pelo artigo 805°, n°3 do Código Civil.
24 – Por fim, estabelece o n° 3 do artigo 566° do código Civil que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”
25 - É posição majoritária da jurisprudência que, tendo por base as provas produzidas em audiência de julgamento, bem como provados os danos existentes, caso não seja possível ao tribunal chegar a um montante exacto dos danos a indemnizar, deve nesse caso o Tribunal julgar segundo juízos de equidade.
26 - Ao estipular como montante indemnizatório global a quantia de € 40. 677, 00 (quarenta mil, seiscentos e setenta e sete euros), teve por base o Tribunal a quo as provas produzidas em julgamento, o que lhe permitiu fazer um juízo de equidade que determinou o quantum indemnizatório.
27 - Deve improceder o recurso interposto pelo Demandado ora Recorrente, pois o douto acórdão proferido não padece de qualquer vício, tendo julgado de acordo com as provas produzidas e com o direito aplicável, não violando o disposto nos artigos 377°, 379°, n° 1, al. c) e 410° do C.P.P., 688°, n° 1, als. c), d) e e) do C.P.C. e 483°, n° 1, 487° e 496°, n° 1 do Código Civil.
Termos em que, deve o douto acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo ser mantido integralmente, e em consequência ser julgado improcedente na sua totalidade o recurso ora apresentado, como é de justiça!
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador- Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos provados:
a) Da acusação, do pedido de indemnização cível e do julgamento:
a.1. Durante o período compreendido entre Maio de 2005 e 14 de Julho de 2006, (J), investigador em história, exerceu as funções de assistente junto de (A), livreiro-antiquário, em regime de part-time, entre as 16h00 e as 19H00.
a.2. Essas funções eram exercidas na residência de (A), de que o mesmo é arrendatário, sita na Av..., n.º... Lisboa, constituída por 18 assoalhadas, local onde o mesmo guardava a sua valiosa colecção de livros antigos, cujo número oscilava entre 6(seis) mil a 7(sete) mil.
a.3. Em virtude de exercer a sua actividade profissional na residência de (A), e de forma a facilitar o acesso a tal local, (J) tinha ao seu cuidado uma chave que lhe tinha sido entregue por aquele, de forma a permitir-lhe o acesso à residência.
a.4. Tal acesso visava, única e exclusivamente, o exercício da sua actividade laboral.
a.5. Na casa de (A) residiam, para além do próprio, a sua empregada, (I), e o marido desta, (JP).
a.6. Por vezes também o neto de (I), com cerca de 6 a 7 anos, ficava a pernoitar com a mesma na casa de (A).
a.7. Assim, em data não concretamente determinada, mas anterior a 8 de Julho de 2006, (J), sabendo que durante o período compreendido entre 08 e 15 de Julho de 2006 (A) estaria ausente de casa, em gozo de férias, planeou subtrair diversos livros da sua colecção, de entre os mas valiosos, com o objectivo de posteriormente os vender e fazer seu o dinheiro que assim conseguisse obter.
a.8. Assim, em execução de tais intenções, em data anterior a 8 de Julho de 2006, (J), aproveitando-se de momentos em que se encontrava sozinho na casa de (A), retirou da mesma cerca de 6 livros da sua colecção.
a.9. Posteriormente, durante o período em que (A) se encontrou de férias (8 e 15 de Julho de 2006), e aproveitando ainda o facto da empregada deste, (I), ter estado também ausente em gozo de férias no período compreendido entre 4 e 11 de Julho de 2006, retirou da casa do mesmo cerca de 90 livros, dos mais valiosos da sua colecção, bem como diversas gravuras/imagens, que se encontravam guardados no seu escritório e noutra sala perto daquele, os quais transportou para sua casa, deles se apropriando.
a.10. O último carregamento de livros que fez da casa de (A) para a sua ocorreu no dia 14 de Julho de 2006, pelas 16h30, tendo entrado na casa de (A) sem que a sua empregada, (I), o visse, em virtude do elevado numero de divisões que constituíam tal casa.
a.11. Assim, durante o período de tempo supra referido, (J) retirou da casa de (A) os livros e gravuras constantes da listagem que a seguir se enuncia, aos quais foram avaliados nos valores que respectivamente lhes seguem.
1.“Crónica do Condestável” / Coronica do Condeestabre d`Portugall dom Nuno alurez Pereyra (...) / Germão Galhade, 1554.
€ 35.000,00
2. “Regras da Ordem de Santiago - 1548” / Reegra & statutos da ordem de Santiago. / Germão Galhade, 1548.
€ 12.500,00
3. “Jornada de António Albuquerque” / Jornada que Antonio de Albuquerque Coelho, Governador e Capitão General da Cidade do Nome de Deos de Macao (...) / Lisboa Occidental : na Off. da Musica, 1732
€ 1.000,00
4. “Itinerário da Índia Por Terra” / Itinerario da India por terra ate este Reino de Portugal com a discripcam de Hierusalem (...) / Composto por Frei Gaspar de Saõ Bernardino. Lisboa : na officina de Vicente Alvares, 1611
€ 3.000,00
5.“Descobrimentos Guerras e Conquistas dos Portugueses” / Descobrimentos, guerras e conquistas dos portugueses em terras do ultramar nos séculos XV e XVI / Lisboa: Matta, 1881-1882
€ 200,00
6.“Atlas Universal Português” / Novo atlas universal portuguez que compreende todas as cartas geographicas dos impérios (...) Lisboa : [s.n.], 1814
€ 2.000,00
7. “Collecção de Opustulos Históricos e Ultramarinos” / Collecção de opusculos reimpressos relativos à historia das navegações, viagens e conquistas dos portuguezes / Lisboa: na Typ. da mesma Academia, 1844-1858
€ 750,00
8.“Exame de Bombeiros” / Exame de Bombeiros que comprehende dez tratados (…) / por Joze Fernandes Pinto Alpoim. Madrid: of. de Francisco Martinez 1748
€ 4.500,00
9.“Relação da Expugnação da Praça de Barcelona” / Relaçam da expugnaçam da Praça de Barcelona,... publicado em 11 de Dezembro de 1705 / Lisboa : Na officina de Antonio Pedroso Galram, 1705
€ 450,00
10.“Informação das Terras do Preste João” / Verdadeira informação das terras do Preste João das Indias. / Lisboa: Imp. Nacional, 1889
€ 125,00
11.Um livro com o título, “Sucessos Militares dos Portugueses” / Successos militares das armas portuguesas em suas fronteiras depois da real acclamação contra Castella (...) / Em Lisboa: por Paulo Craesbeeck, 1644 / Encadernação assinada Emile Rousselle, inteira de marroquim azul profusamente decorada a ouro.
€ 2.000,00
12. “As Obras do Dr. Francisco de Sá de Miranda” / As obras do doutor Francisco de Saa de Miranda. / Lisboa: A custa de Antonio Leite, 1677
€ 900,00
13. “O 2.º Visconde de Santarém e os Seus Atlas Geográficos” / O 2o Visconde de Santarém e os seus atlas geograficos, por Jordão A. de Freitas / Lisboa : Officina Typographica, 1909
€ 50,00
14. “Livro de Lisuarte de Abreu” / Livro de Lisuarte de Abreu / [introduçäo de Luís de Albuquerque]; [leitura do manuscrito por Maria Luísa Esteves] / Lisboa: Comissäo Nacional para as Comemoraçöes dos Descobrimentos Portugueses, 1992
€ 125,00
15.“Obras Várias, João Pinto Ribeiro” / Obras varias (...) compostas pelo Doutor João Pinto Ribeyro (...) / Em Coimbra: na Officina de Joseph Antunes da Sylva, 1729
€ 1.000,00
16.“História da Vida e Martírio” / Historea da vida e martyrio do glorioso sancto Thomas arcebispo, senhor de Cantuaria, primas de Inglaterra, legado perpetuo da sancta fee apostolica / treladada nouamente de latim em lingoage[m] portugues [por Diego Afonso] (...) / Coimbra : per Ioão Aluarez, 1554
€ 3.500,00
17.“Regimento da Forma” / Regimento da forma porque se ha de fazer a receyta, e despeza do cabedal (...) / Lisboa Occidental : Por Antonio Manescal, 1722
€ 450,00
18.“Relação das Exequias” / Relação das exequias d'el Rey Dom Filippe nosso senhor, primeiro deste nome dos reys de Portugal com algu[n]s sermões que neste Reyno se fizerão / Em Lisboa : por Pedro Crasbeeck, 1600
€ 1.100,00
19.“Flores de Espanha” / Flores de España, excelencias de Portugal, (...) por Antonio de Sousa de Macedo (...) / En Lisboa: impressas por Jorge Rodriguez, 1631
€ 2.000,00
20.“Noticias de Portugal” / Notícias de Portugal escritas por Manoel Severim de Faria (...) / Lisboa Occidental : na Off. de Antonio Isidoro da Fonseca, 1740
€ 750,00
21.“Jornada de Vasco da Gama” / Journal du voyage de Vasco da Gama en MCCCCXCVII. / Lyon : Imp. de Louis Perrin, 1864
€ 175,00
22.“Definições e Estatutos dos Cavaleiros e Freires” / Definições e estatutos dos cavalleiros e freires da Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, com a historia da origem e principio della (...) / Lisboa: Na Off. de Miguel Manescal da Costa, 1746
€ 900,00
23. “Gaticanea” / Gaticanea ou cruellissima guerra entre os cães, e os gatos, dedicada em huma sanguinolenta batalha na grande Praça da Real Villa de Mafra (...) por João Jorge de Carvalho/ Lisboa: Na Impressão de João Nunes Esteves, 1828 (3.ª edição)
€ 250,00
24.“Várias Antiguidades de Portugal” / Varias antiguidades de Portugal Autor Gaspar Estaço / Lisboa: Pedro Crasreeck, 1625
€ 3.000,00
25.“Crónica da Companhia de Jesus” / Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos n'esta parte do Novo Mundo em que se trata da entrada da Companhia de Jesu nas partes do Brasil (...) / Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1865
€ 450,00
26.“Comédias Portuguesas” / Comedias portvguesas feitas pello excellente Poeta, Symão Machado (...) / Em Lisboa: por Antonio Alvarez, 1631
€ 2.500,00
27.“Descrição da Jornada e Embaixada Extraordinária-1644” / Descripcam da jornada, e embaixada extraodinaria que fez a Franca Dom Alvaro Pirez de Castro (...) no anno de 1644 (...) Ordenada pello Padre Frei Manoel Homem (..) / Impressa em Pariz : por Joam de la Caille, 1644
€ 1.000,00
28.“A Vida de D. Frei de Bartolomeu” / Vida de Dom Frei Bertolameu dos Martyres... Repartida em seis livros com a solenidade de sua tresladação por Frei Luis Cacegas (...) / Impressa na notavel Villa de Vianna : a custa da mesma Villa por Niculao Carvalho, 1619
€ 2.500,00
29.“Exame de Artilheiros” / Exame de Artilheiros que comprehende Arithmetica, Geometria, e Artilharia, com quatro appendices (. . .) Por Jozé Fernandes Pinto Alpoym (...) / Lisboa : José Antonio Plates, 1744
€ 9.000,00
30.“Espingarda Perfeita” / Espingarda perfeyta, (...) pelos dous irmãos Cesar Fiosconi, e Jordam Guserio (...) / Lisboa Occidental : na Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1718 (exemplar com falta do frontispício)
€ 4.000,00
31.Um livro com o titulo, “Trofeus Lusitanos” / Tropheos lusitanos por Antonio Soares Albergaria / Em Lisboa: impresso por Jorge Rodriguez, 1632
€ 6.000,00
50. “Jornada das Ilhas dos Açores”, datado de 1596 / Comentario en breve compendio de disciplina militar, en que se escriue la jornada de las islas de los Açores (...) por Christoual Mosquera de Figueroa / En Madrid: por Luiz Sanchez, 1596
€ 12.500,00
51. “Regras e definições da ordem do Melftrado do Noffo Senhor ” Regra & diffinçoões da ordem do mestrado de nosso senhor Ih[e]su Xpo / [Lisboa : Valentim Fernandes, 1504]
€ 50.000,00
52. “Espingarda Perfeita” / Espingarda perfeyta, (...) pelos dous irmãos Cesar Fiosconi, e Jordam Guserio (...) / Lisboa Occidental : na Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1718
€ 5.000,00
53. “Epanafhoras de várias Histórias Portuguesas”, datado de 1660 / Epanaphoras de varia historia portugueza (...) em cinco relaçoens de sucessos pertencentes a este reyno (...) por Dom Francisco Manuel / Lisboa: na Off. de Henrique Valente de Oliveira, 1660
€ 2.000,00
54. “Livro das Obras de Garcia de Resende”, datado de 1554 / Liuro das obras de Garcia de Reesende [sic] que tracta da vida & grandissimas virtudes & bõdades, magnanimo esforço, excelentes costumes & manhas & muy craros feitos do christianissimo... el rey dom Ioam ho segundo deste nome..., vay mais acresce[n]tado nouamente a este liuro hu[m]a Miscellanea ê trouas do mesmo auctor... / Euora : em casa de Andree de Burgos, 1554
€ 18.000,00
55. “Liber Chronicarum”, de Hartmann Schedell, datado de 1493 / Liber chronicarum / Hartmann Schedel / Nürnberg : Anton Koberger, 12 Julho 1493
€ 100.000,00
56. “Constituições do Bispado de Évora, 1534” / Constituições do Bispado Deuora / Lixboa : por Germam Galharde, 1534
€ 25.000,00
57. “Nobiliario”, de Fernando mexia, datado de 1492 / Nobiliario / Sevilla : Pedro Brun y Juan Gentil, 30 junio, 1492
€ 22.500,00
58. “Rerum Per Octennium in Brasiliae”, de Caspar Barlaeus, datado de 1647 / Rerum per octennium in Brasília et alibi nuper gestarum (...) / Amstelodami : ex typographeio Joannis Blaeu, 1647
€ 35.000,00
59. “De Crespusculis liber uns”, de Pedro Nunes Salaciesis, datado de 1542 / Petri Nonii Salacie[n]sis, de Crepusculis liber unus, nu[n]c rece[n]s & natus et editus. Item Allacen Arabis uetustissimi, de causis Crepusculorum (...) / Olyssippone : Ludouicus Rodericus, 1542
€ 45.000,00
60. “De Arte Atque Ratione Navigandi libri II”, de Pedro Nunes, datado de 1573 / Petri Nonii Salaciensis De Arte Atque Ratione Nauigandi Libri Duo. Eiusdem in theoricas Planetarum Georgij Purbachiij annotationes, & in Problema mechanicum Aristotelis demotu nauigij ex remis annotatio vna. Eiusdem De erratis Orontij Finoei Liber vnus. Eiusdem de Crepusculis lib. I. Cum libello Allacen de causis Crepusculorum (...) Conimbricae : in aedibus Antonij à Marijs, 1573
€ 20.000,00
61. “Peregrinação de Fernam Mendez Pinto”, datado de 1614 / Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouuio no reyno da China, no da Tartaria , no do Sornau, que vulgarmente se chama Sião, no do Calaminhan, no de Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhu[m]a noticia. E tambem da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras pessoas (...) escrita pelo mesmo Fernão Mendez Pinto / Em Lisboa : por Pedro Crasbeeck : a custa de Belchior de Faria, 1614
€ 45.000,00
62. “Brasiliance” de Johan Nieuhofs, datado de 1582 / Gedenkwaerdige zee en lantreize door de voornaemste landschappen van West en Oostindien (...) Joan Nieuhofs / T'Amsterdam : Voor de Weduwe van Jacob van Meurs, 1682 (e não 1582).
€ 30.000,00
63. Um livro com o titulo, “Vida D. João de Castro” datado de 1651 / Vida de Dom João de Castro quarto Viso-Rey da India escrita por Jacinto Freyre de Andrada. / Lisboa: na Officina Craesbeeckiana, 1651
€ 3.000,00
64. “Crónicas dos reis de Portugal” datado de 1600 / Primeira parte das Chronicas dos reis de Portvgal / reformadas pelo licenciado Dvarte Nvnez do Lião... / Em Lisboa: por Pedro Crasbeeck, 1600
€ 2.500,00
65. “Constituições do Arcebispado de Lisboa” / Constituicoens do arcebispado de Lixboa / Lisboa: per Germam Galharde, Frances, 22 Março 1537
€ 30.000,00
66. “La entrada Que En El Reino de Portugal” / La entrada que en el Reino de Portugal hizo la S. C. R. M. de Don Philippe inuictissimo Rey de las Espan[h]as segundo deste nombre, primero de Portugal, (...) / [Lisboa?] : por Manuel de Lyra : a costa de Symon Lopez, librero, 1583
€ 7.500,00
67. “As Cronicas do Dr. Francisco Sá de Miranda”, datado de 1595 / As Obras do celebrado Lusitano o doutor Frãcisco de Sá de Mirãda. Collegidas por Manoel de Lyra . (...) [Lisboa]: Manoel de Lyra, 1595 (Encadernação do séc. XIX, de interesse artístico, assinada “SANGORSKI, London “)
€ 12.500,00
68. “Rimas de Luis de Camões”, datado de 1598 / Rimas de Lvis de Camões / Em Lisboa: por Pedro Crasbeeck : a custa de Esteuão Lopez, mercador de livros, 1598 (Encadernação do séc. XIX, de interesse artístico, assinada SANGORSKI, London)
€ 12,500,00
69. “Espelho de Perfeyçan”, datado de 1533 / Espelho de perfeycam : em lingoa portugues. / Coimbra: moesteyro de sancta Cruz, 1533 (Encadernação de interesse artístico, assinada Emile Rousselle )
€ 20.000,00
70. “Summario de Lisboa”, datado de 1554 / Sumario e[m] que breuemente se contem alguas cousas assi ecclesiasticas como seculares que ha na cidade de Lisboa. / Em Lixboa : em casa de Germão Galharde : acharssea em casa de Gil Marinho, liureiro do infante dom Luis no terreiro do Paço onde sua A. mora, depois de 1554 (Encadernação de interesse artístico, assinada ZAEHNDORF)
€ 35.000,00
71. “Dissertação Histórica”, datado de 1731, da autoria de D. Diogo Fernandes de Almeida /
€ 300,00
72. “História do Ensino Médico na Índia Portuguesa”, da autoria de Alberto Germano da silva Correia, datado 1917 /
€ 250,00
74. “Chrónica do Condestábre de Portugal”, datado de 1848 / Chronica do Condestabre de Portugal Dom Nunalvrez Pereyra principiador da Casa de Bragança / Porto: Typographia Constitucional, 1848
€ 120,00
75. “Director Funebre de Ceremónias”, por Frey Verissimo dos Martires, datado de 1749 / Director funebre de ceremonias na administração do sagrado viativo, extrema-unção aos enfermos, enterro, officio dos defuntos, (...) Lisboa: Off. Joseph da Costa Coimbra 1749
€ 200,00
76. “Gramática da Língua Concani”, datado de 1859 / Grammatica da lingua concani escripta em portuguez / Nova-Goa : Imp. Nacional, 1859
€ 150,00
77. “Conquista de Goa”, datado de 1759 / A conquista de Goa por Afonso de Albuquerque: poema épico que á Magestade do (...) / Coimbra: no Real Collegio das Artes da Comp. de Jesus, 1759
€ 450,00
78. “Portugueses no Oriente” da autoria de Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão / Os portuguezes no Oriente: feitos gloriosos praticados pelos portuguezes no Oriente / Nova Goa: Imprensa Nacional, 1882
€ 150,00
79. “Narração da Inquisição de Goa”, autoria de Mr. Dellon, datado de 1866
€ 300,00
80. “Reflexões sobre a Metaphysica do Cálculo Infinitesimal”, da autoria de Carnot, datado de 1798
€ 750,00
81. “Catastrophe de Portugal”, autor Leandro Borea Caceres e Faria, datado de 1649 / Catastrophe de Portugal na deposição d'el-rei D. Affonso o Sexto e subrogação do principe D. Pedro o Unico, (...) / Em Lisboa: A custa de Miguel Manescal, 1669
€ 900,00
82. “Do sítio de Lisboa”, datado de 1608 / Do sitio de Lisboa. Dialogo de Luys Mendez de Vasconcelos / Lisboa: na officina de Luys Estupiñan, 1608
€ 2.000,00
83. 1 mapa da cidade de “Harderwiick” (gravura)
€ 600,00
84. 1 mapa com o título “Plan et Siege D´Arras” (gravura)
€ 250,00
85. 1 gravura com o título “Grolla Obessa et Capta ab Ordinibus Foederatis”;
€ 150,00
86. 1 gravura com o título “Grolla Obessa et Expugnata”;
€ 150,00
87. 1 gravura da autoria de Fran Harewyn, baseada numa pintura de Francisco Vieira Lusitano, representando várias figuras mitológicas e o escudo de Portugal;
€ 150,00
88. 1 gravura representando quatro cidades “Orchiesa, Lannoy, Comines, La Bassee”;
€ 200,00
89. 1 gravura com o título “Carte Particuliére de L´Isle D`Amboine”
€ 180,00
90. 1 gravura com o título “Plan de Pondidechery a la Côte de Coromandel”
€ 200,00
91. 1 gravura da “Villa de Mossámedes em 1865” da autoria do Coronel Fernando da Costa Leal;
€ 400,00
92. 1 gravura com o título “Tabula Portugalliae et Algarbia” da autoria de F. De Wit;
€ 800,00
93. 1 gravura com o título “Parte Meridional do Reyno de Portugal” por N. Sanson d`Abbeville
€ 750,00
94. 1 gravura com o título “Portugallia et Algarbia” da autoria de Vernando Alvero Secco.
€ 1.200,00
a.12. Os livros e as gravuras supra elencados foram avaliados num total de € 644.775,00 (seiscentos e quarenta e quatro mil, setecentos e setenta e cinco euros).
a.13. Os livros elencados sob os n.ºs 1 a 31 e 69 e 70 (no ponto a.12.) e foram vendidos por (J) a (AG), em dois lotes, respectivamente pelos montantes de € 11.000,00 (onze mil euros) e € 13.000,00 (treze mil euros), perfazendo o total dos livros vendidos a quantia de 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), que recebeu e fez sua, dela se apropriando.
a.14. Os livros e gravuras elencados sob os n.ºs 71 e 72 e 74 a 94 (no ponto a.12.) foram vendidos por (J) a (P), pela quantia total de 1.300,00 (mil e trezentos euros), que recebeu e fez sua, dela se apropriando.
a.15. Os restantes livros foram encontrados em casa de (J), e apreendidos à ordem dos presentes autos.
a.16. (J) apoderou-se dos supra referidos livros, levando-os para sua casa e fazendo-os seus, designadamente procedendo à sua venda a terceiros e fazendo seu o dinheiro assim obtido, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono.
a.17. No dia 14 de Julho de 2006, pelas 16h30, após ter retirado do interior da casa de (A) o ultimo carregamento de livros que lhe interessava, e a fim de evitar que aquele desse pela falta dos livros subtraídos, (J) decidiu provocar um incêndio no edifício, de forma a que muitos dos livros sobrantes ficassem destruídos, e assim não fosse possível detectar-se a falta dos que se tinha apoderado.
a.18. Assim, utilizando para o efeito uma espécie de gel normalmente utilizado nos churrascos para atear o fogo, (J) entrou na fracção autónoma correspondente ao segundo andar do prédio onde morava (A), cuja porta se encontrava aberta, e lançou fogo à mesma, ateando um incêndio.
a.19. Posteriormente, já no interior da casa de (A), (J), utilizando o mesmo gel supra referido, ateou fogo a uma estante situada no escritório e aos livros que se encontravam na base da mesma.
a.20. E, utilizando o mesmo método, igualmente lançou fogo a uma estante com livros que se encontrava noutra sala, situada perto do escritório.
a.21. Por força da acção das chamas ficou totalmente queimado um (1) metro quadrado da fracção autónoma correspondente ao segundo andar do prédio correspondente ao n.º..., da Avenida ..., bem como, ficaram chamuscadas as paredes, sobrado e tectos da mesma.
a.22. De igual forma ficaram chamuscados o chão, paredes, estantes e livros do escritório e sala contendo estantes com livros da residência de (A), tendo ficado completamente destruídos 5 livros.
a.23. Alguns dos 5 livros que ficaram completamente destruídos faziam parte de colecções que, por falta de alguns dos volumes, ficaram inutilizadas.
a.24. Os livros destruídos e as colecções inutilizadas possuíam o valor global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
a.25. O prédio e consequentemente, as fracções autónomas onde (J) ateou os três focos de incêndio, é já muito antigo, com escadas e chão em madeira, o segundo andar encontra-se desocupado e cheio de lixo e o terceiro andar, local de residência de (A), encontra-se a abarrotar de livros.
a.26. Tal incêndio só não se propagou a uma maior área, nem por mais tempo, devido à pronta intervenção das pessoas que se encontravam na escola de condução instalada na cave do edifício e de (I) que, ao sentirem o cheiro de fumo imediatamente diligenciaram por detectar a sua origem e encetaram esforços no sentido de extingui-lo, tendo ainda chamado os bombeiros que imediatamente ocorreram ao local.
a.27. A não ocorrer tal intervenção, as chamas poderiam facilmente ter-se propagado a todo o edifício, já antigo e com estrutura de madeira, destruindo-o por completo, bem como a todos os bens existentes no seu interior, designadamente todos os objectos e colecção completa de Livros de (A), bem como poderia ter provocado a morte de (I) e do seu neto que se encontravam na fracção autónoma que constituía a residência de (A).
a.28. Em consequência da sua atitude (J) colocou em perigo todo o prédio correspondente ao nº ..., da Avenida ..., bem como a vida e a integridade vida das pessoas que se encontravam naquele edifício e, em particular, de (I) e seu neto, que se encontravam no interior da casa de (A).
a.29. O prédio correspondente ao n.º ... da Avenida da ... possui o valor de trinta milhões de euros.
a.30. Bem sabia (J) que tal fracção autónoma e edifício onde ateou o incêndio não lhe pertencia e que agia contra a vontade e em prejuízo dos respectivos dono e locatário, mas mesmo assim quis actuar da forma como actuou.
a.31. Igualmente previu que, nas circunstâncias de lugar em que actuou, lançando um incêndio num edifício antigo, com estrutura de madeira, parcialmente desabitado, e criando três focos de incêndio, criava perigo, como efectivamente criou, para bens patrimoniais de elevado valor e para a vida e integridade física das pessoas que ali se encontravam aquela hora, e, não obstante, não deixou de persistir na sua conduta, por lhe ser indiferente o resultado previsto, com o qual se conformou.
a.32. Ainda de forma a afastar de si as suspeitas da prática dos factos supra descritos, no dia, no dia 17 de Julho de 2006, cerca das 17H31, (J) dirigiu-se à 17ª esquadra da PSP, 3ª divisão, em Lisboa, onde apresentou denúncia pelo alegado roubo de uma mochila contendo diversos objectos entre os quais as chaves da casa de (A).
a.33. Aí, nas suas declarações, afirmou que no dia 13.07.2006, cerca das 19H45, na Av. ..., em Lisboa, tinha sido abordada por um individuo de etnia negra, com cerca de 21 a 30 anos, que mediante ameaça com uma faca lhe tinha cortado a alça da mochila que transportava consigo contendo no seu interior diversos objectos, que descreveu, e ainda as chaves da casa de (A).
a.34. Em tais declarações afirmou ainda que nessa mochila tinha escrita em papel a morada de (A), e era possível que tal subtracção estivesse relacionada com a subtracção e incêndio ocorridos naquela casa no dia 14.07.2006.
a.35. Tal denúncia deu origem ao NUIPC 720/06.6PRLSB, o qual foi alvo de despacho de arquivamento, por não se ter apurado a identidade do autor da subtracção.
a.36. (J) procedeu à denúncia perante autoridades competentes para a sua recepção, de factos que sabia consubstanciarem a prática de um crime, bem sabendo que ele não se tinha verificado, e que nada do que dizia era verdade, de modo a afastar de si as suspeitas da subtracção dos supra referidos livros e do incêndio que lançou.
a.37. Bem sabia que dessa forma fazia as autoridades competentes para a investigação de tais ilícitos criminais disponibilizarem tempo e meios para a investigação de um crime que não tinha ocorrido, em manifesto prejuízo da administração da justiça.
a.38. O arguido (J) agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
a.39. Os livros e gravuras indicados em a.11. e a.12. têm no mercado dos livros antigos um valor variável, sendo que o assistente, na sua opinião, lhes deu o valor global de cerca de € 500.000,00 (quinhentos mil euros).
a.40. Entre Maio de 2005 e Julho de 2006, o arguido exerceu as suas funções na residência do assistente (A), pessoa de reconhecida idoneidade, competência, saber e honestidade.
a.41. As funções do arguido eram exercidas na residência do mesmo assistente, acima identificada, onde o mesmo guardava a sua colecção de livros e gravuras cujo número se situava próximo dos 7.000 exemplares.
a.42. O fogo posto ao chão, estantes e parede das salas acarretou ao assistente despesas no valor de € 677,00 (seiscentos e setenta e sete euros) de reparação.
a.43. O assistente é um antiquário-livreiro conhecido que passou a sua via a procurar e reunir um espólio considerado valioso, com intuito de preservar o espólio livreiro nacional.
a.44. Movendo-o, sobretudo, a recolha de obras notáveis pelo seu conteúdo e antiguidade.
a.45. O que motivou a realização de inúmeras viagens ao estrangeiro, mesmo a destinos distantes, para contacto e recolha de informação e, sempre que possível, aquisição das obras.
a.46. Sendo que a sua biblioteca era para si motivo de orgulho e satisfação profundos.
a.47. Os acontecimentos relatados de a.7. a a.37. causaram ao assistente um desgosto considerado tremendo, não só porque tinha depositado confiança no arguido, mas também pelos danos que lhe foram provocados, com o desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos.
a.48. O que agravou o estado de saúde do mesmo assistente, com a idade de setenta e cinco anos, tendo o mesmo começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização.
b) Mais se tendo provado:
b.1. O arguido não tem antecedentes criminais, e dedica-se actualmente à investigação histórica.
b.2. Encontra-se integrado socialmente, com vida social e familiar com alguma estabilidade.
2. Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
a) O incêndio pretendido pelo arguido, tal como aludido em a.17., visasse destruir todos os livros sobrantes;
b) O arguido soubesse que na altura mencionada em a.31. a referida (I) se encontrava no interior da fracção autónoma correspondente ao 3.º andar do nº ..., da Avenida ..., em Lisboa, mas mesmo assim quis actuar da forma como actuou;
c) Os livros danificados e indicados de a.22. a a.24. tivessem sido: a) dois volumes dos Lusíadas de 1639, b) História dos Jesuítas de 1675, c) Biblioteca Selecta de 1627 e d) Epanaphoras de 1750;
d) O fogo posto ao chão, estantes e parede das salas do andar do lesado, causaram danos que para reparar e restaurar necessitam a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros); e que
e) O assistente seja um perito muito procurado nacional e internacionalmente.
3. Em sede de fundamentação da decisão de facto consta do acórdão o seguinte:
“Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada foram determinantes as declarações parcialmente confessórias do arguido,(J), que confessou os factos, apenas com a excepção do valor dos livros furtados e danificados, que entende como uma apreciação muito variável e veio ter consagração no despacho acusatório de uma forma algo exagerada. Mais declarou, o mesmo arguido, que não sabe dizer qual o grau de extensão dos livros danificados, que nunca teve como intenção queimar a casa e apenas circunscrever as chamas aquela prateleira para dar a entender que tinha sido um terceiro a proceder ao desaparecimento dos livros. Depois, o mesmo arguido, defendeu que estava convicto que a identificada (I) não se encontrava em casa naquela altura em que acendeu os dois focos de chamas com a utilização de acendalha em gel, e que veio a formalizar a ocorrência por lhe ter sido pedido pela assistente e companheira do assistente, de nome (ER). Concluiu, o mesmo arguido, que os factos ocorreram num altura crítica da sua vida, aquando da sua separação e divórcio, com dificuldades financeiras e transtornado do ponto de vista psicológico, e que se encontra profundamente envergonhado, pedindo desculpas ao assistente e às pessoas envolvidas.
Depois, foi ouvido em declarações o assistente (A), que avaliou o valor global dos livros furtados em cerca de € 500.000,00, isto numa estimativa por alto, e em cerca de € 25.000,00 / € 30.000,00 os livros destruídos, sendo que para reparar o soalho, o tecto e as estantes destruídos pelo incêndio teve de despender o valor de € 677,00. Nas suas declarações o mesmo assistente deu conta da forma como o arguido veio a ser contratado para o auxiliar na catalogação e informatização dos seus livros antigos, tendo sido indicado por uma amiga da família e que se demonstrou muito consternado com o acontecido, tanto patrimonial como moralmente, sendo que este episódio abriu um período algo complicado a nível da saúde. Fez também alusão aos elementos informativos, tanto ao nível dos computadores como ao nível dos livros recuperados, que vieram a ser perdidos e que agora necessitam de ser recompostos (indicações bibliográficas e ex libris).
Foram também ouvidas as declarações das testemunhas arroladas pela acusação, designadamente de (I), a qual deu conta do modo como constatou o incêndio, e do modo como se tinha cruzado com o arguido dias antes que lhe tinha indicado que(EN) se encontrava de férias no Algarve, e também do modo como foram chamados os bombeiros, o fumo intenso provocado e os danos no escritório e nos livros. E também de (AG), livreiro de Lisboa, que deu conta da forma como veio a ser contactado pelo arguido para ficar com os livros que agora sabe serem furtados, e do modo como colaborou com as entidades policiais, dando também conta do valor que atribui aos livros em causa, alguns em cerca de 1/5 do valor que a perícia lhe atribui.
E, ainda, das declarações apresentadas pelo assistente, (E), (R) e (ER), que deram conta da forma como esta situação lesiva veio a afectar pessoal e patrimonialmente o assistente, que se dedicou de alma e coração aos livros antigos, à sua aquisição, estudo, catalogação e comércio internacional. Mais fizeram alusão à repercussão muito negativa que estes episódios trouxeram para saúde do assistente e o modo como isto o afectou moralmente.
Foram também ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa do arguido, designadamente de (F),(D) e de (O), a primeira antiga mulher do arguido, e as outras amigas do arguido e da sua família, que deram conta do contexto pessoal, social e familiar do arguido e das condições contemporâneas dos factos aludidos na acusação em que o arguido se encontrava.
Conjugou-se, também assim, o teor dos autos de fls. 51-56 (fotos respeitantes aos locais onde ocorreram os focos de incêndio), 69 (lista elaborada pelo próprio arguido quando era suspeito (SM), 72-73 (auto de apreensão de livros ocorrido no alfarrabista (AG), depois de este ter contactado voluntariamente a Polícia Judiciária dando conta de ter comprado uns livros que poderiam fazer parte do lote dos furtados, sendo já aí identificado o arguido, no processo, como o vendedor daqueles livros), 81-83 (auto de busca e apreensão na residência do arguido, com referência a outros livros), 84-85 (fotos dos locais onde se encontravam os livros apreendidos na residência do arguido, ilustrando o aludido auto), 86-107 (fotos que ilustram todos os livros apreendidos), 123-125 (auto de reconhecimento dos livros realizado pelo assistente, relativamente aos livros apreendidos, com exclusão de alguns exemplares de livros mais recentes que não eram efectivamente seus), 133 e 137 (cópia do cheques entregues pelo alfarrabista/livreiro (AG) ao arguido), 138-139 (auto de apreensão de dois livros e foto dos mesmos), 162-173 (auto de apreensão de mais livros e gravuras, com as respectivas fotos ilustrativas), 177-179 (cópia de cheque entregue por (P) ao aqui arguido, e lista de livros por aquele comprados), 225-226 (outro auto de reconhecimento dos livros realizado pelo assistente), 263-267 (auto de denúncia realizado pelo próprio arguido contra desconhecidos, seguido de despacho de arquivamento) e 485 (recibo/factura emitido por um marceneiro de restauros, no valor de € 677,00).
Deu-se relevo crítico, também assim, à avaliação de um conjunto de livros realizada no processo, a título de perícia, por (LG), livreiro antiquário, tal como inserto nos autos a fls. 235-243.
Do cotejo crítico dos autos deve-se relevar a assumida confissão parcial do arguido quanto aos factos de que é acusado, e, bem assim, ao valor da avaliação dos livros realizada no decurso do inquérito, com o próprio juízo avaliativo e objectivo do próprio assistente, e também dos depoimentos testemunhais isentos e credíveis, quando aferidos a situações objectivas e não valorativas, quando ao circunstancialismo em que o arguido actuou e às consequências nefastas da sua conduta criminal.
Verifica-se que a maior da parte do objecto da acusação e do pedido indemnizatório cível, pelos meios de prova produzidos, veio a ter efectiva comprovação na sua quase integralidade.
Tais foram os meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do tribunal, assumido como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação crítica das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum (sobre este tema, consultem-se os Acs. do STJ de 7/7/1993, CJ STJ t3, pp. 196; de 29/6/1995, CJ STJ t2, pp. 256; de 9/11/1995, CJ STJ t3, pp. 238; de 29/6/1995, CJ STJ, t2, pp. 254, e de 9/1/1997, CJ STJ t1, pp. 178).
Tudo isto, tendo em conta as máximas indiciárias (tanto as de conteúdo de conteúdo determinístico-natural como as de conteúdo estatístico), fez relevar, repita-se, o tipo de testemunhos alvitrados que juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões alvitradas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança (sobre este conteúdos, vd. Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, FCG, 2ª edição, 367 e ss.; e Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais - À Luz do Código Revisto”, 1996, 160/161) que se impõe – “para além de toda a dúvida razoável” -, que suplantam a presunção de inocência dos arguidos, deram ao tribunal, na sua compreensão global, a verdade material dos factos dados como comprovados em julgamento”.
4. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, como vem sendo reafirmado, constante e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores (cfr., por todos, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª Ed., Editorial Verbo, pág. 335; e Ac. do STJ de 24-03-99, in CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247), sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
E de acordo com as conclusões as questões a decidir são as seguintes:
- Contradição insanável da fundamentação;
- Impugnação da matéria de facto;
- Montante indemnizatório;
- Momento temporal a partir do qual são devidos os juros de mora.
Vejamos, então, as questões suscitadas pelo recorrente.
4.1. Contradição insanável da fundamentação.
Arguiu o recorrente o vício da contradição insanável da fundamentação (conclusões 10 a 15).
Como reiteradamente vimos decidindo, e é jurisprudência pacífica, a contradição insanável da fundamentação só se verifica “quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”- Acs do STJ de 6-10-99 e 13-10-99, in “A Tramitação Processual Penal”, pág. 1058- Tolda Pinto.
Também em Ac. do mesmo STJ, de 2-12-99, Proc. nº 1046/99, 5ª Secção, se conclui que “existe contradição insanável da fundamentação quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. Este vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum”.
Argumenta o recorrente que existe contradição na matéria dada como provada, quanto aos livros danificados, porquanto dá-se como não provado que tenham ficado danificados os livros a esse título reclamados mas, ao mesmo tempo, dá-se como provado o valor reclamado dos mesmos.
Os factos em questão são os seguintes.
Pontos a.22, a.23 e a.24 dos factos provados:
“a.22. De igual forma ficaram chamuscados o chão, paredes, estantes e livros do escritório e sala contendo estantes com livros da residência de (A), tendo ficado completamente destruídos 5 livros.
a.23. Alguns dos 5 livros que ficaram completamente destruídos faziam parte de colecções que, por falta de alguns dos volumes, ficaram inutilizadas.
a.24. Os livros destruídos e as colecções inutilizadas possuíam o valor global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros)”.
Ponto c) dos factos não provados:
“c) Os livros danificados e indicados de a.22. a a.24. tivessem sido: a) dois volumes dos Lusíadas de 1639, b) História dos Jesuítas de 1675, c) Biblioteca Selecta de 1627 e d) Epanaphoras de 1750”.
Da leitura atenta dos pontos de facto acabados de referir, não se depara, contrariamente ao referido pelo recorrente, qualquer contradição entre os mesmos.
Com efeito, muito embora não tivesse sido dado como provado a identificação concreta dos livros, deu-se como provado que os 5 livros completamente destruídos faziam parte de colecções e que os mesmos tinham o valor de € 25.000,00.
Não se detecta, pois, qualquer contradição.
4.2. Impugnação da matéria de facto.
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, por meio de gravação.
Lendo a motivação apresentada pelo arguido/recorrente, verifica-se que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando incorrectamente julgados apenas os concretos factos que identifica constantes dos dados como provados nos pontos a.22, a.23, a.24, a.42, a.47 e a.48, os quais, no seu entender, devem passar a figurar nos factos dados como não provados.
No texto da motivação, o recorrente especifica as concretas provas que, no seu entender, impunham decisão diversa, tendo para esse efeito referido alguns excertos dos depoimentos prestados por testemunhas que identifica (fazendo referência aos respectivos CDs), mencionando, no que respeita à parte impugnada daquela decisão, que a mesma não é suportada por qualquer prova, fazendo a sua própria análise e interpretação dessa prova produzida em julgamento, manifestando a sua discordância quanto aos factos dados como provados nos assinalados pontos.
Consideramos, pois, que o recorrente, naqueles concretos aspectos em que questiona a decisão sobre a matéria de facto que impugnou, cumpriu os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no artº 412º, nºs 3, als. a) e b) e 4 do CPP.
Atentos os poderes de cognição das Relações (artº 428º do CPP), uma vez que a prova produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, constando dos autos os respectivos suportes técnicos (artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP), pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Mas, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.” (cfr. Acs. do STJ de 15-12-05, Proc. nº 05P2951 e de 9-03-06, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj).
Ou seja, a gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto (cfr. Ac. do STJ de 21-01-03, Proc. nº 02A4324, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
Os elementos de que esta Relação dispõe, no caso em apreço, são apenas a gravação da prova produzida oralmente em audiência na 1ª instância e a prova documental junta aos autos.
Assim, não obstante os seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
É que, a credibilidade das provas (o seu mérito ou desmérito) e a convicção criada pelo julgador da 1ª instância (neste caso pelo Tribunal Colectivo) “tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores” (cit. Ac. do STJ de 21-01-03), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento, “onde para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam” (cfr. Ac. do STJ de 9-07-03, Proc. nº 02P3100, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
Posto isto, não esquecendo que o princípio da livre apreciação da prova (artº 127º do CPP) também se aplica ao tribunal da 2ª instância, importa saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta.
Avançando para a análise da prova oral produzida em julgamento, vejamos então se foi ou não produzida prova bastante que sustente a matéria de facto dada como provada, na parte aqui impugnada (seus pontos a.22, a.23, a.24, a.42, a.47 e a.48).
Pontos a.22, a.23, a.24 e a.42, dos factos provados:
“a.22. De igual forma ficaram chamuscados o chão, paredes, estantes e livros do escritório e sala contendo estantes com livros da residência de (A), tendo ficado completamente destruídos 5 livros.
a.23. Alguns dos 5 livros que ficaram completamente destruídos faziam parte de colecções que, por falta de alguns dos volumes, ficaram inutilizadas.
a.24. Os livros destruídos e as colecções inutilizadas possuíam o valor global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
a.42. O fogo posto ao chão, estantes e parede das salas acarretou ao assistente despesas no valor de € 677,00 (seiscentos e setenta e sete euros) de reparação”.
Argumenta o recorrente que não podem resultar provados estes pontos, uma vez que nenhuma prova de valores foi trazida aos autos ou apresentada em julgamento, pelo que as declarações do assistente, sem qualquer sustentação, são manifestamente insuficientes para se poderem admitir como valores correctos e aceitáveis; e a comprová-lo está o depoimento da testemunha (AG), especialista em livros antigos, que não tem dúvidas em afirmar que não é real o valor dado aos livros; por outro lado, o fogo nenhuma despesa acarretou para o assistente, pois alegou no pedido cível possuir um orçamento de valor não inferior a € 5.000,00, acabando por apresentar um orçamento datado de 26-05-08, no valor de € 677,00. Ou seja, o assistente nenhuma despesa fez, tratando-se de simples e mero orçamento, o que evidencia a escassez de dano e a ausência de necessidade de reparação, não sendo o orçamento apresentado prova bastante dessa necessidade, muito menos de despesa.
O tribunal recorrido fundamentou nos seguintes termos:
“ foi ouvido em declarações o assistente (A), que avaliou o valor global dos livros furtados em cerca de € 500.000,00, isto numa estimativa por alto, e em cerca de € 25.000,00 / € 30.000,00 os livros destruídos, sendo que para reparar o soalho, o tecto e as estantes destruídos pelo incêndio teve de despender o valor de € 677,00. Nas suas declarações o mesmo assistente deu conta da forma como o arguido veio a ser contratado para o auxiliar na catalogação e informatização dos seus livros antigos, tendo sido indicado por uma amiga da família e que se demonstrou muito consternado com o acontecido, tanto patrimonial como moralmente, sendo que este episódio abriu um período algo complicado a nível da saúde. Fez também alusão aos elementos informativos, tanto ao nível dos computadores como ao nível dos livros recuperados, que vieram a ser perdidos e que agora necessitam de ser recompostos (indicações bibliográficas e ex libris).
Foram também ouvidas as declarações das testemunhas arroladas pela acusação, designadamente de (I) , a qual deu conta do modo como constatou o incêndio, e do modo como se tinha cruzado com o arguido dias antes que lhe tinha indicado que (EN) se encontrava de férias no Algarve, e também do modo como foram chamados os bombeiros, o fumo intenso provocado e os danos no escritório e nos livros. E também de (AG), livreiro de Lisboa, que deu conta da forma como veio a ser contactado pelo arguido para ficar com os livros que agora sabe serem furtados, e do modo como colaborou com as entidades policiais, dando também conta do valor que atribui aos livros em causa, alguns em cerca de 1/5 do valor que a perícia lhe atribui.
E, ainda, das declarações apresentadas pelo assistente, (E), (R) e (ER), que deram conta da forma como esta situação lesiva veio a afectar pessoal e patrimonialmente o assistente, que se dedicou de alma e coração aos livros antigos, à sua aquisição, estudo, catalogação e comércio internacional. Mais fizeram alusão à repercussão muito negativa que estes episódios trouxeram para saúde do assistente e o modo como isto o afectou moralmente.
Deu-se relevo crítico, também assim, à avaliação de um conjunto de livros realizada no processo, a título de perícia, por (LG), livreiro antiquário, tal como inserto nos autos a fls. 235-243”.
Ora, ouvidos os depoimentos do assistente e das testemunhas (I) e (ER), são os mesmos coincidentes com o vertido na transcrita fundamentação.
Com efeito, o assistente quando perguntado pelo Exmo. Procurador da República acerca do montante total dos prejuízos declara que o valor se situará entre os € 25.000,00 a € 30.000,00, incluindo as obras destruídas (livros) e os prejuízos no soalho, paredes e tecto.
Por sua vez, as testemunhas (I) e (ER) referiram os danos nas estantes, paredes, soalho e livros.
Relativamente aos prejuízos causados pelo fogo no chão, estantes e parede das salas, o tribunal assentou a sua convicção no documento de fls. 485.
Falece, quanto a este ponto, a argumentação do recorrente.
Pontos a.47 e a.48 dos factos provados:
“a.47. Os acontecimentos relatados de a.7. a a.37. causaram ao assistente um desgosto considerado tremendo, não só porque tinha depositado confiança no arguido, mas também pelos danos que lhe foram provocados, com o desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos.
a.48. O que agravou o estado de saúde do mesmo assistente, com a idade de setenta e cinco anos, tendo o mesmo começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização”.
Argumenta o recorrente que a prova produzida não permite dar como provados os referidos factos.
O tribunal recorrido fundamentou nos seguintes termos:
“Nas suas declarações o mesmo assistente deu conta da forma como o arguido veio a ser contratado para o auxiliar na catalogação e informatização dos seus livros antigos, tendo sido indicado por uma amiga da família e que se demonstrou muito consternado com o acontecido, tanto patrimonial como moralmente, sendo que este episódio abriu um período algo complicado a nível da saúde.
E, ainda, das declarações apresentadas pelo assistente, (E), (R) e (ER), que deram conta da forma como esta situação lesiva veio a afectar pessoal e patrimonialmente o assistente, que se dedicou de alma e coração aos livros antigos, à sua aquisição, estudo, catalogação e comércio internacional. Mais fizeram alusão à repercussão muito negativa que estes episódios trouxeram para saúde do assistente e o modo como isto o afectou moralmente”.
Mais uma vez, ouvidos os depoimentos do assistente e das testemunhas (I), (ER), (E) e (R) são os mesmos coincidentes com o vertido na transcrita fundamentação.
Com efeito, a testemunha (I) refere nas suas declarações que o assistente após a ocorrência dos factos estava muito em baixo porque “os livros são os filhos dele”; A testemunha (E), médico cardiologista e amigo do assistente, referiu que o assistente não era hipertenso e passou a ser hipertenso após a ocorrência dos factos; referiu que passado um ano e meio (no Natal de 2007) o assistente teve um enfarte de miocárdio, o qual na sua opinião foi consequência flagrante de toda a perturbação provocada pelo fogo; referiu, por outro lado, que os livros são a razão de viver do assistente; A testemunha (R) referiu que o assistente ficou bastante perturbado com toda a situação uma vez que, na sua opinião, o assistente sofre com os livros e vive para os livros.
Não assiste, pois, razão ao recorrente quando à invocada impugnação da matéria de facto.
O tribunal recorrido, para formar a sua convicção, fez uma análise conjunta e articulada das provas produzidas em julgamento, tendo destacado, na respectiva motivação da decisão sobre a matéria de facto, as razões que considerou serem as mais relevantes para explicar, de forma objectiva, os motivos do seu convencimento no sentido daqueles factos que deu como provados.
Não há, por isso, qualquer erro de julgamento, não merecendo censura a decisão proferida sobre a matéria de facto.
A avaliação da prova que foi feita pelo tribunal “a quo” não contraria as regras da experiência comum.
O tribunal recorrido fez o exame crítico de todas provas produzidas e examinadas em audiência, mostrando-se sustentada a sua decisão, estando explicitado o processo lógico e racional seguido na apreciação da prova, tendo sido observado o disposto no nº 2 do artº 374º, do CPP.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal.
Por isso, não há motivos para modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
4.3. Montante indemnizatório.
Relativamente ao valor indemnizatório fixado no acórdão recorrido, entende o recorrente que não deve prevalecer, porque o relativo aos danos patrimoniais não se provou; e quanto aos danos não patrimoniais do assistente o montante arbitrado de € 15.000,00, já de si exagerado e a reclamar correcção, é manifestamente desajustado, devendo ser consideravelmente diminuído.
Vejamos.
Estatui o artigo 129° do C. Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulado pela lei civil, remetendo-nos, assim, para os arts. 483° e segs. do C. Civil.
Consagra a este propósito o artº 483° do C. Civil que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Da leitura deste artigo resulta que são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante, a verificação do dano e o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder-se afirmar que o dano é resultante da violação.
Trata-se de requisitos cumulativos.
Na responsabilidade pela prática de factos ilícitos, a obrigação de indemnizar depende da verificação de vários pressupostos, entre os quais a imputação do facto ao lesante a culpa – e o nexo causal entre o facto e o dano (arts. 483°, 487°, nº 2, 562° e 563°, todos do C. Civil).
A culpa, em sentido lato, entende-se como imputação do facto ao agente, o estabelecimento de um nexo de ligação do facto ilícito a uma certa pessoa, sendo que a apreciação deste nexo de ligação se exprime através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito (cfr. Antunes Varela e Almeida e Costa in, respectivamente, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª Ed., pág. 586 e segs. e “Direito das Obrigações”, pág. 465 e segs.).
A culpa afere-se pelo critério do nº 2, do artº 487° do C. Civil, seja pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, comparando a conduta do agente com a de um homem prudente, avisado, razoável e sensato, actuando em idênticas circunstâncias.
O nexo causal envolve uma relação entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado “provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artº 563° do C. Civil).
A lei acolheu, assim, a teoria da causalidade adequada: a causa juridicamente relevante de um dano é aquela que, em abstracto, se mostra adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.
Torna-se, pois, necessário que o facto seja condição do dano, nada obstando, porém, que, como acontece com frequência, ele seja apenas uma das condições desse dano (cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 924 e os Acs. do STJ de 10-03-98 e de 1-02-00, respectivamente, BMJ 475º-635 e CJ (Acs. do STJ), Ano VIII, Tomo I, pág. 50).
No que respeita ao pedido cível deduzido pelo assistente, uma vez que o mesmo assenta na responsabilidade civil extracontratual, de acordo com o disposto nos arts. 129°, do C. Penal e 483°, do C. Civil, e, dado que se encontram apurados todos os requisitos, torna-se evidente que o arguido recorrente é responsável pelo pagamento dos montantes correspondentes aos danos patrimoniais e morais.
Ora de acordo com a matéria assente é forçoso concluir que sobre o arguido impende a obrigação de indemnizar o demandante/assistente pelos danos sofridos, os quais pela sua gravidade merecem a tutela do direito – artº 496° do C. Civil.
O dano aparece definido, segundo as palavras do Prof. Vaz Serra (cfr. BMJ 84°-8), como todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de carácter patrimonial ou não. Já na fórmula do Prof. Pereira Coelho, “por dano pode entender-se, por um lado o prejuízo real que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal” (cfr. “O problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, pág. 250).
No que aos danos não patrimoniais diz respeito, pode partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psicosomático experimentado pelo lesado, ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano, de acordo com regras normativas próprias. Os danos não patrimoniais correspondem a lesões que não acarretam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões que redundam em dores físicas e sofrimento psicológico, num injusto turbamento de ânimo na vítima.
No que respeita aos danos não patrimoniais, importa ainda referir que o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar quanto as coisas valem, mas sim que encontrar o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível. O prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano” (Pinto Monteiro, “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, nº 1, 1º ano. APADAC, pág. 20).
Como se diz no Ac. STJ 16-04-91, in BMJ 406º-618, o artº 496°, do C. Civil, fixou “não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado”.
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no artº 496°, nº 3, do C. Civil, o que, evidentemente “importará uma certa dificuldade de cálculo” (Ac. cit., pág. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial.
O montante da indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação, todas as regras da experiência da vida, as que comportam a prudência, o bom senso, a ponderação.
São as circunstâncias singulares do caso particular a pedra de toque da aferição equitativa do dano. O juiz deve ter em conta os elementos particulares da “fattispecie” em causa, de modo a fixar a quantia reconhecidamente adequada e efectivar o ressarcimento. A referência concreta não dispensa a ancoragem à equidade, a valência valorativa que o ordenamento veicula normativamente. O ponto de contacto destas realidades parece ser a temperança do juiz decisor. A uniformidade lógica do critério adoptado é assim um imperativo racional para este, a que deve obedecer (cfr. a propósito, La Responsabilitá Extracontrattuale, Paolo Cendon, Giuffrè Editore, Edição de 1994, págs. 441 a 465).
Em concreto, os danos não patrimoniais sofridos pelo assistente, abrangem o desgosto considerado tremendo, não só porque tinha depositado confiança no arguido, mas também pelos danos que lhe foram provocados, com o desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos, o que agravou o estado de saúde do mesmo assistente, com a idade de setenta e cinco anos, tendo o mesmo começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização.
Quanto à indemnização dos danos não patrimoniais, esta não se destina a repor as coisas no estado anterior ao sinistro, mas tão só a dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica (Vaz Serra, BMJ, 278°-182).
O montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente, tendo em atenção em cada caso o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias cuja influência se faz sentir (cfr. artº 496° nº 3 e artº 494° do C. Civil).
Contudo, é sempre difícil determinar a indemnização justa uma vez que é impossível determinar a dor, o desgosto alheios. Tais dificuldades não permitem que se deixe de arbitrar uma indemnização. O objectivo essencial é proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material, a única possível, que lhe possibilite obter e desfrutar de alguns prazeres ou distracções da vida.
A norma orientadora fornece elementos suficientes, ao julgador.
A apreciação equitativa vem a significar que o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente. Tem a liberdade de subtrair-se a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe parecer mais justa, isto é, o juiz funciona como um árbitro ao qual foi conferido o poder de julgar “ex aequo et bono”.
A equidade funda-se, em suma, em razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, de justiça concreta.
Do circunstancialismo fáctico apurado verifica-se que em consequência directa e necessária da actuação do arguido (factos provados de a.7 a a.37), o assistente, sofreu um desgosto considerado tremendo, não só porque tinha depositado confiança no arguido, mas também pelos danos que lhe foram provocados, com o desaparecimento dos exemplares ardidos e com parte da sua residência e do escritório ardidos, o que agravou o estado de saúde do mesmo assistente, com a idade de setenta e cinco anos, tendo o mesmo começado a sofrer do coração, com dois eventos cardíacos e hospitalização.
Em face do exposto, afigura-se-nos equilibrado, justo, razoável e sensato o montante indemnizatório que foi fixado, a título de danos morais, em € 15.000,00.
No referente aos danos patrimoniais sofridos pelo assistente mostra-se assente que:
- De igual forma ficaram chamuscados o chão, paredes, estantes e livros do escritório e sala contendo estantes com livros da residência de (A), tendo ficado completamente destruídos 5 livros.
- Alguns dos 5 livros que ficaram completamente destruídos faziam parte de colecções que, por falta de alguns dos volumes, ficaram inutilizadas.
- Os livros destruídos e as colecções inutilizadas possuíam o valor global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
- O fogo posto ao chão, estantes e parede das salas acarretou ao assistente despesas no valor de € 677,00 (seiscentos e setenta e sete euros) de reparação.
Face à factualidade provada, temos de convir que a indemnização ao assistente pelos danos patrimoniais e no montante fixado no acórdão recorrido, não sofre contestação devendo ser confirmada.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
4.4. Momento temporal a partir do qual são devidos os juros de mora.
Atentemos, agora, na problemática de saber se deve ou não manter-se o segmento decisório relativo ao início da contagem dos juros de mora, reportados à indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Defende o recorrente que os juros devidos sobre as quantias fixadas para indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, porque entende tratar-se de liquidação desajustada à prova produzida, são devidos apenas a partir do trânsito em julgado da decisão a proferir por este Tribunal da Relação e não, a partir da notificação do arguido/demandado, como resulta do acórdão recorrido (conclusões 25 e 26).
Com efeito, na decisão recorrida quanto à compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais, expressou-se o dever de a contagem dos juros moratórios ocorrer desde a data da notificação do arguido/demandado do respectivo pedido de indemnização civil.
De acordo com o nº 3 do artº 805º, do C. Civil, nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco a regra é a de que o devedor se constitui em mora desde a citação.
Certo é, porém, que não pode perder-se de vista o disposto no nº 2 do artº 566º, do C. Civil que, apontando para uma indemnização integral e actual, reportada à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, cria algumas dificuldades de compatibilização com aqueloutro preceito.
Na verdade, se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.
E é assim porque, de acordo com o critério da diferença assumido no nº 2 do artº 566º, do C. Civil, a obrigação pecuniária em que se converte a dívida de valor do dano determinado, cobre todo o dano efectivamente sofrido – dano emergente e lucro cessante – pelo que a aplicação do nº 3 do artº 805º, do C. Civil, neste caso, resultaria num cúmulo injustificado.
Tudo isto para concluir que, em casos em que, pela via da actualização, seja concedida a reparação integral dos danos até à decisão actualizadora, a aplicação literal do nº 3 do artº 805º, do C. Civil, terá de ser afastada, devendo corrigir-se o termo a quo nele contemplado, relegando-o para a data da decisão actualizadora – recte, do trânsito em julgado desta.
Já nos casos em que a actualização não for possível ou não tiver sido operada na decisão final, nada obsta à aplicação irrestrita deste preceito, impondo-se essa aplicação como forma de permitir a reparação integral do dano e respeitar o crédito de valor (cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 8-05-03, in CJ (Acs. do STJ), Ano XI, Tomo II, pág. 42, e de 25-10-07, Proc. nº 07B3026, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que aqui seguimos de muito perto).
Este entendimento obteve plena consagração no Acórdão Uniformizador, do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. nº 4/2002, de 9-05-02, in DR, I-A Série, de 27-06-02), que fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Ora, lido o acórdão recorrido, em lugar algum se surpreende a mínima alusão a eventual actualização dos montantes indemnizatórios aí arbitrados ao assistente.
Ou seja: a liquidação dos danos, tal como efectuada no acórdão recorrido, não se mostra reportada “à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal”, não foi objecto de cálculo actualizado, pelo que logra plena aplicação ao caso o disposto no nº 3 do artº 805º, do C. Civil, improcedendo o que, ex adversu, vem defendido pelo recorrente.
III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.
Lisboa, 4 de Dezembro 2008
Carlos Benido
João Carrola |