Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3989/13.6TBCSC.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Mesmo admitindo a redução de um dos pedidos formulados pela A., tais pedidos encontram-se interligados entre si e os de condenação da R. pressupõem os anteriores, apresentando-se estes como dependentes daqueles.
II - A sentença a proferir nestas autos, não estando presentes os demais interessados na definição da situação a eles trazida – restantes proprietários e condóminos dos lotes – não seria susceptível de regular definitivamente aquela situação, estando em causa a viabilidade concreta da decisão que seria proferida no confronto com a dita situação no seu conjunto e os demais interessados na sua definição.
III – Estaremos perante um caso em que há lugar a litisconsórcio necessário, visto o interesse da A. aqui em causa não permitir uma definição parcelar – a intervenção de todos os interessados é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

                                                           *

I - PES intentou acção declarativa com processo ordinário contra «Quinta da M. - OD, SA».

Alegou a A., em resumo:

          A A. é proprietária do imóvel sito na Rua do Pinhal Bravo, Casas do Pinhal, lote 6, Casa “O”, Quinta da Marinha, 2750-004 Cascais, que constitui a fracção autónoma identificada pela letra “O” do prédio denominado “Casas do Pinhal”, sito no lote 6 do loteamento autorizado pela Câmara Municipal de Cascais pelo alvará de autorização de loteamento n.º 872/88, lote 6 esse descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha genérica n.º 3418.

            Em peças constantes do processo elaborado pela antecessora da R. com vista à obtenção do alvará de loteamento o espaço a lotear foi designado por “condomínio”, bem como foram identificados os arruamentos interiores do loteamento como “arruamentos dos condóminos”. Do texto do alvará de loteamento consta que do loteamento faz parte a área ali referida destinada a “arruamentos do empreendimento”, referência que também consta da alteração ao alvará que veio a ser aprovada.

  Destes documentos resulta que os arruamentos interiores do loteamento integram o loteamento, como áreas comuns deste - áreas pertencentes a todos os proprietários dos Lotes - não constituindo propriedade privada da entidade promotora do loteamento ou proprietária do imóvel de onde foi destacada a área loteada.

    Aliás, a legislação que regula as operações urbanísticas de loteamento impõe que todos os lotes criados disponham, livremente e sem quaisquer constrangimentos, de acesso à via pública e entre si, o que implica que os arruamentos interiores das áreas loteadas, ou passem a ser do domínio público, ou, pelo menos, pertençam ao conjunto de proprietários dos lotes.

Quando do registo predial do loteamento na descrição do imóvel destacado para o loteamento (que passou a constituir a ficha n.º 6344 da freguesia e concelho de Cascais da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais) foi omitido que do loteamento faz parte também a área destinada a arruamentos do empreendimento.

A entidade promotora e as sucessivas proprietárias do imóvel, incluindo a R., aproveitaram esta omissão para se arrogarem, sucessivamente, proprietárias dos terrenos onde estão implantados os arruamentos, conseguindo outorgar contratos de constituição de servidões de passagem, mediante remunerações mensais.

A A. tem legitimidade e interesse em que seja corrigida a deficiência do registo da descrição do prédio n.º 6344, de forma a que nele fique consignado que fazem parte do loteamento os arruamentos de acesso aos lotes, incluídos, em comum, nos direitos de propriedade dos proprietários dos lotes e consequentemente, sejam canceladas, por inexistência, todas as inscrições de servidões prediais.

            Terminou a A. o seu articulado do seguinte modo:

«… Termos em que deve a presente ação ser considerada procedente por provada e:

1) Declarar que o alvará de loteamento n.º 872/88, emitido pela Câmara Municipal de Cascais determina que fazem parte do loteamento que deu origem à descrição predial n.º 6344 da freguesia e concelho de Cascais da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais os arruamentos de acesso aos lotes, com a área total de 60.828 m2, assim incluídos, em comum, nos direitos de propriedade dos proprietários dos lotes.

2) Ordenar a correção da descrição predial n.º 6344 da freguesia e concelho de Cascais da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, no sentido de nela passar a figurar a menção de que fazem parte do loteamento os arruamentos de acesso aos lotes, com a área total de 60.828 m2), assim incluídos, em comum, nos direitos de propriedade dos proprietários dos lotes, ou similar expressão

3) Consequentemente, ordenar o cancelamento, por inutilidade e inexistência, dada a

integração dos arruamentos no loteamento, em benefício comum de todos os proprietários de todos os lotes, de todas as inscrições existentes de servidões de passagem a favor de lotes do loteamento.

4) Condenar a Ré a reconhecer não ser proprietária exclusiva dos arruamentos de acesso aos lotes, com a área total de 60.828 m2 e a suportar a vigência e legais consequências do determinado em 1), 2) e 3).

5) Condenar a Ré a reconhecer à Autora o direito de, por si, pelos seus familiares, colaboradores e visitantes, circular livremente por todos os arruamentos interiores do

loteamento, de acesso entre as vias públicas e os lotes (designadamente aquele onde detém uma fração autónoma) e entre os lotes (designadamente entre o lote onde detém uma fração autónoma e todos os outros), direito esse que lhe advém da sua qualidade de proprietária de fração autónoma de um lote do loteamento, de que fazem parte os 60.828 m2 de arruamentos, sem que tenha a obrigação de remunerar quem quer que seja, designadamente a Ré, pelo seu direito de circulação nos referidos arruamentos».

            Na contestação apresentada a R. afirmou, designadamente:

         O local onde se encontram implantados os arruamentos em causa não constitui parte comum de qualquer condomínio, de qualquer prédio constituído em propriedade horizontal, não integrando tal parcela de terreno qualquer dos lotes originados pelo alvará de loteamento, integrando o que remanesceu do prédio-mãe por não ter sido cedida nem integrada em qualquer dos lotes originados pelo alvará; os arruamentos não foram cedidos ao Município nem integrados em qualquer lote. Os proprietários dos lotes e das fracções autónomas têm acesso à via pública por força das servidões existentes e constituídas por acordo.

            Em reconvenção alegou que a R., por si e pela sua antecessora, desde pelo menos 22-11-88, é possuidora das parcelas de terreno que constituem os arruamentos de forma pública, pacífica e de boa fé, à vista de todos e sem oposição de ninguém, convicta de não lesar os direitos de terceiro, pelo que teria adquirido por usucapião o direito de propriedade correspondente a tal posse.

     Concluiu a R. pela improcedência da acção e, no que ao pedido reconvencional respeita, pediu que, subsidiariamente, «seja reconhecida e declarada a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade a favor da R. das parcelas de terreno que compõem os arruamentos previstos no alvará de loteamento nº 872/88».

 Na resposta apresentada a A., designadamente, defendeu a inadmissibilidade da reconvenção e invocou a sua ilegitimidade (passiva) conducente à absolvição da instância, para se opor ao pedido reconvencional, desacompanhada dos demais proprietários de lotes e fracções.

    No saneador o Tribunal de 1ª instância decidiu «julga-se verificada a excepção de ilegitimidade activa, absolvendo-se a Ré da instância quanto aos pedidos efectuados». Mais, julgou «extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide».

            Apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1. Nem nos termos da al. a), nem nos da al. c), do n.º 2 do art. 274.º do CPC (redação vigente à data da instauração da ação e dedução do pedido reconvencional) deve ser admitido o pedido reconvencional.

2. Facto jurídico é o ato humano ou o acontecimento natural juridicamente relevante não sendo facto jurídico uma interpretação – de um alvará de loteamento ou do que quer que seja sob pena de, a assim se não entender, os limites materiais à reconvenção, deixarem, pura e simplesmente de existir, pois quem pretender deduzir uma reconvenção sempre poderá invocar uma qualquer interpretação de qualquer coisa que, passando à categoria de facto jurídico, automaticamente viabilizaria toda e qualquer reconvenção...

3. Não é qualquer facto jurídico que se invoque que releva para a admissibilidade – ou não – de reconvenção: é apenas facto jurídico que sirva de fundamento da ação ou da defesa.

4. O facto jurídico que fundamenta a ação é o alvará de loteamento n.º 872/88 (e respetiva alteração), não relevando, para efeitos de admissibilidade da reconvenção, que Autora e Ré interpretem diferentemente tal alvará.

5. Mesmo que se admita que a interpretação de um alvará de loteamento releva como facto jurídico para efeitos de admissibilidade de reconvenção, sempre é necessário que o facto jurídico (no caso, a dita interpretação...) que serve de fundamento à ação ou à defesa ancore o pedido reconvencional, isto é, que integre a causa de pedir do pedido reconvencional, como claramente resulta da formulação legal: “quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa”.

6. O que fundamenta o pedido reconvencional de aquisição por usucapião de um bem, aquilo de que ele emerge, é apenas e tão só a posse desse bem durante x tempo.

7. Não serve de fundamento, nem da ação, nem da defesa, a invocação de posse dos ditos arruamentos, pois a questão da posse é totalmente alheia à interpretação do alvará e sua alteração, que se haverá de fazer em face dos respetivos termos, elementos adjuvantes da interpretação (os elementos documentais do processo de autorização de loteamento) e disposições legais vigentes, independentemente de haver ou não haver posse de quem quer que seja.

8. O efeito jurídico que a Autora se propõe obter é a declaração de que os arruamentos do loteamento fazem parte dele, com consequente reflexo em termos de registo predial, cancelamento de inscrições de nulas e juridicamente inexistentes inscrições de servidões prediais, condenação da ré a suportar a vigência do determinado em função dos pedidos anteriores e a ser-lhe reconhecido, e a seus familiares, colaboradores e visitantes o direito de livre circulação nesses arruamentos, sem restrições ou condições que não as resultantes da lei geral e o efeito jurídico que a ré se propõe obter é a aquisição da propriedade de tais arruamentos – claramente feitos jurídicos diferentes.

9. Efeito jurídico este que nada tem a ver com o efeito jurídico pretendido pelo pedido reconvencional, a aquisição de propriedade por usucapião.

10. A decisão recorrida trata a questão da invocada ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário ativo como se só houvesse um pedido.

11. Porém, a Autora cumulou na presente ação vários pedidos e é em relação a cada um deles que se tem de aferir se existe litisconsórcio necessário ativo e ilegitimidade ativa por preterição do mesmo, não fazendo sentido proferir-se uma absolvição total da instância se apenas em relação a um dos pedidos se colocar eventual questão de

ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário ativo.

12. Mesmo que se entenda que, no seu primeiro pedido, a Autora coloca em causa que os arruamentos interiores da Quinta da Marinha constituam um prédio pertença da Ré, a Autora tem o direito de, sem necessitar de estar acompanhada por quem mais quer que seja, de ver declarado que assim não é, que esse direito de propriedade da Ré não existe – e que ela, Autora, e os seus, não necessitam de qualquer autorização ou tolerância ou gentileza da Ré para ir da estrada municipal até à sua

fração.

13. Todos os proprietários de lotes destacados do imóvel 6344 são alheios ao segundo pedido formulado, que tem apenas um objetivo, que respeita e afeta unicamente a Ré: que fique explicitado no registo predial que os arruamentos interiores fazem parte do loteamento (aliás, conforme impõe imperativamente a Lei – cfr. acórdão desta Relação de Lisboa de 9/10/2014, proferido no processo n.º 6562/10.7TBCSC) e não que integram a propriedade privada da Ré.

14. O quarto pedido formulado repercute-se apenas na esfera jurídica da Ré, na sua relação com a Autora.

15. E também o quinto pedido formulado respeita apenas à relação bilateral entre a Autora e a Ré, em síntese tutelando a pretensão da Autora de poder ir da estrada municipal até sua casa sem depender da autorização, tolerância, boa-vontade ou gentileza da Ré.

16. De qualquer forma, a decisão sobre os primeiro, segundo, quarto e quinto pedidos produz o seu efeito útil normal na regulação definitiva da situação concreta destas duas partes concretas, Autora e Ré, mesmo que os demais proprietários de lotes ou frações não intervenham.

17. Sempre ao abrigo do n.º 3 do art. 34.º do CPC (art. 28.º, n.º 2 da redação anterior do CPC) deve concluir-se não haver preterição de litisconsórcio necessário ativo também em relação a estes pedidos, e, logo, não haver, em relação a eles, ilegitimidade ativa e não se dever produzir decisão de absolvição da instância em relação a eles.

18. Quanto ao terceiro pedido, requer-se se admita a sua redução para apenas o cancelamento da inscrição da servidão de passagem relativamente à fração de que a Autora é titular (descrição predial n.º 3418, fração O).

19. E assim deixando de existir preterição de litisconsórcio necessário ativo, deve também em relação a ele proferir-se decisão de revogação da absolvição da instância.

            Contra alegou a R. nos termos de fls. 414 e seguintes.

                                                                       *

            II - Sendo as conclusões do recurso que delimitam o objecto da apelação, verificamos que as questões que se nos colocam são as referentes à admissibilidade da reconvenção deduzida e à preterição de litisconsórcio necessário activo.

            Por razões de ordem prática começaremos pela questão aludida em segundo lugar.

                                                                       *

          III – 1 - Para concluir pela preterição de litisconsórcio necessário activo o Tribunal de 1ª instância considerou que:

       - «a A. intentou a acção desacompanhada dos demais proprietários dos lotes mas ao mesmo tempo pretende que os mesmos sejam abrangidos por tal decisão, o que não é processualmente possível sem presença destes…»;

            - «o traço característico dos direitos reais é, justamente, o seu carácter absoluto e oponibilidade erga omnes, razão pela qual, não pode admitir-se uma situação em que vigorem em simultâneo dois direitos reais incompatíveis sobre o mesmo prédio (…); Ou, por outra palavras, a Ré não pode ao mesmo tempo ser proprietária exclusiva de um prédio (nas relações havidas com os proprietários dos demais lotes que não questionam essa propriedade exclusiva e as servidões instituídas), e não o ser (nada podendo opor à livre circulação no mesmo) nas relações havidas com um dos proprietários dos lotes»;

            - «a lei e a natureza dos direitos em causa exige a presença dos vários interessados na relação controvertida, e que são os proprietários dos lotes em que se desdobrou a operação de loteamento do prédio onde actualmente estão implantados os arruamentos – art. 28º do C.P.C.».

            Vejamos.

        Dispunha o art. 28 do CPC em vigor na ocasião em que a presente acção foi intentada:

«1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado».

     O actual CPC dispõe de forma idêntica (apenas com desdobramento do anterior nº 2 em nºs 2 e 3).

      Assim, impor-se-á o litisconsórcio quando a lei, o negócio jurídico ou a natureza da relação controvertida exija a intervenção dos vários interessados naquela relação.

            Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([1]) a pedra de toque do litisconsórcio necessário é «a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou, ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando e existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar».

Como vimos, de acordo com a lei, a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

Como esclarecem Antunes Varela, J. Bezerra e S. Nora ([2]) ficam «para áquem da linha divisória traçada na lei entre o litisconsórcio voluntário e o litisconsórcio necessário os casos em que a falta de um ou alguns dos interessados na relação material não impede a decisão de regular definitivamente a situação concreta entre os litigantes, embora possa dar lugar a decisões ilógicas, contraditórias nos seus fundamentos, relativamente a situações nascidas da mesma relação».

Anselmo de Castro ([3]) referia que para a lei é indiferente a coexistência de decisões divergentes e logicamente contraditórias e, portanto, que a situação a evitar pela obrigatoriedade do litisconsórcio é tão só a de decisões, além de divergentes, praticamente inconciliáveis: - interessa mais, neste plano, a viabilidade concreta das decisões, do que a sua rigorosa coerência lógica. Acrescentando mais adiante ([4]) que por maior que possa «vir a ser a contrariedade lógica entre as decisões, desde que sejam susceptíveis de aplicação sem inconciliabilidade prática, a decisão produz o seu efeito útil normal e o litisconsórcio não se impõe pela natureza da relação jurídica».

Já no acórdão do STJ de 1-02-1995 ([5]) foi entendido que «só existe litisconsórcio necessário quando a lei ou a lógica exijam a presença na lide de todos os interessados para que a decisão produza os efeitos "erga omnes" por ela exigidas; quando o ordenamento jurídico aceite que a decisão possa produzir efeitos só contra algumas pessoas, de modo que a relação jurídica subsista, ainda que ineficaz face às não partes, não há lugar a litisconsórcio».

                                                           *

III – 2 - Atentemos ao caso dos autos.

A A., condómina de um dos lotes dos vários que integram o loteamento a que se reportam os autos, face ao teor de elementos do processo de loteamento e ao alvará, sustenta que os arruamentos interiores daquele loteamento (de acesso à via pública e entre os lotes) pertencem em comum aos donos dos lotes e não à R., não havendo necessidade de constituir servidões de passagem a favor daqueles, com a inerente retribuição.

         É neste contexto que são formulados os pedidos acima transcritos e que nos escusamos de repetir.

     Contudo, nas conclusões da alegação de recurso disse a A. requerer que se admita a redução do pedido mencionado sob o nº 3 «para apenas o cancelamento da inscrição da servidão de passagem relativamente à fração de que a Autora é titular (descrição predial n.º 3418, fração O)».

       Nos termos do nº 2 do art. 265 do NCPC o A. pode, em qualquer altura, reduzir o pedido – o que também resultava da lei processual anterior (art. 273, nº 2) – o que significa que o poderá fazer em 1ª instância ou em recurso; como salientava Alberto dos Reis ([6]) «a redução do pedido tem o mesmo efeito que a desistência parcial: extingue o direito que se pretendia fazer valer».

       Assim, é de admitir aquela redução pelo que o pedido formulado sob o nº 3 passará a ter o seguinte teor: «3) Consequentemente, ordenar o cancelamento, por inutilidade e inexistência, dada a integração dos arruamentos no loteamento, da servidão de passagem relativamente à fração de que a Autora é titular (descrição predial n.º 3418, fração O)».

                                                                       *

III – 3 - Sucede que a A. continua a pretender ver declarado que o alvará de loteamento n.º 872/88, emitido pela Câmara Municipal de Cascais determina que fazem parte do loteamento que deu origem à descrição predial n.º 6344 da freguesia e concelho de Cascais da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais os arruamentos de acesso aos lotes, com a área total de 60.828 m2, assim incluídos, em comum, nos direitos de propriedade dos proprietários dos lotes (pedido formulado em 1º lugar) – quando os referidos proprietários dos lotes não figuram como partes na presente acção.

Assim como continua a pretender (pedido formulado em 2º lugar) que seja ordenada a correcção da descrição predial n.º 6344 da freguesia e concelho de Cascais da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, no sentido de nela passar a figurar a menção de que fazem parte do loteamento os arruamentos de acesso aos lotes, com a área total de 60.828 m2), assim incluídos, em comum, nos direitos de propriedade dos proprietários dos lotes, ou similar expressão.

            Ou seja, a A. pede que seja corrigida uma descrição predial com consequências que vão para além das que se repercutem no lote de que é condómina (correspondente à descrição predial n.º 3418, sendo a A. condómina da fracção “O”), afectando outras pessoas titulares de direitos reais sobre os demais lotes e que não são partes nesta acção.

            Se eventualmente, por via desta acção, a A. lograsse conseguir a sua pretensão, haveria a possibilidade de que em acção proposta pela R. contra os proprietários dos outros lotes ou por estes contra a R. (não abrangidos pelo caso julgado) ser obtida uma decisão diversa. Estaríamos então perante decisões, além de divergentes, praticamente inconciliáveis e não apenas logicamente contraditórias entre si.

O pedido formulado sob o nº 3, mesmo após a redução, como resulta do seu próprio teor, é uma consequência dos anteriormente formulados: pressupondo a integração dos arruamentos no loteamento a servidão de passagem deixaria de ter qualquer utilidade.

Também o pedido formulado sob o nº 4 é uma extensão/consequência dos anteriores, pedindo-se que a R. seja condenada a suportar as consequências do que fora declarado nos anteriores segmentos do peticionado (“suportar a vigência e legais consequências do determinado em 1), 2) e 3)”).

    Por fim, no pedido formulado sob o nº 5, a A. ao pedir a condenação no reconhecimento do direito a circular pelos arruamentos continua a fazer referência ao «loteamento, de que fazem parte os 60.828 m2 de arruamentos» - estribando-se nos pedidos anteriores que aqui são pressupostos.

    Os pedidos formulados estão interligados entre si e os de condenação da R. pressupõem os anteriores, apresentando-se estes como dependentes daqueles.

            Neste contexto afigura-se-nos que a sentença a proferir nestas autos, não estando presentes os demais interessados na definição da situação a eles trazida – restantes proprietários e condóminos dos lotes – não seria susceptível de regular definitivamente aquela situação. Está em causa a viabilidade concreta da decisão que seria proferida nestes autos no confronto com a situação no seu conjunto e os demais interessados na sua definição.

  Estaremos, assim, perante um caso em que há lugar a litisconsórcio necessário, visto o interesse da A. aqui em causa não permitir uma definição parcelar – a intervenção de todos os interessados é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

            A preterição do litisconsórcio conduz à absolvição da R. da instância nos termos considerados no despacho recorrido.

                                                                       *

        III – 4 - Tendo em consideração o que acabámos de expor, resta prejudicada a outra questão que se colocava – a da admissibilidade da reconvenção.

            O despacho recorrido, no pressuposto da ilegitimidade activa e da absolvição da instância da R. julgou extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide – decisão da qual não foi interposto recurso.

            Deste modo, face à aludida inutilidade superveniente, é irrelevante averiguar da admissibilidade da reconvenção.

                                                                       *

            IV - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.

                                                                       *

Lisboa, 24 de Setembro de 2015

Maria José Mouro

   Teresa Albuquerque

      Sousa Pinto

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[1]              «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 78.
[2]              No «Manual de Processo Civil», Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pag. 168.
[3]              Em «Direito Processual Civil Declaratório», vol. II, Almedina, pag. 204.
[4]              Pag. 205.
[5]              Publicado no BMJ nº 444, pag. 531.
[6]              No «Comentário», vol. III, Coimbra Editora, pag. 96.