Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7950/05.6TDLSB.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: BURLA INFORMÁTICA
ABALROAÇÃO
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-O crime de burla informática e nas comunicações, previsto no artº 221º do Código Penal, apenas reveste natureza semi-pública quando cometido na sua forma simples, ou seja, nos segmentos tipificados nos seus nºs. 1 e 2, conforme decorre do preceituado no nº 4, não se mantendo essa natureza quando a situação se enquadra no nº 5 da mesmo preceito legal.
II- Trata-se de infracção de execução continuada, que se prolonga no tempo, consumando-se com o primeiro facto praticado, mas persistindo enquanto perdurar o estado de compressão do interesse, objecto jurídico do crime, verificando-se uma voluntária manutenção da situação anti-jurídica, que só termina quando a execução cessa, ficando então o crime exaurido, momento em que a licitude é reposta.
III-O princípio in dubio pro reo tem o seu campo de aplicação limitado às situações em que, no decurso da formação da convicção do julgador, este chegue a um ponto de indecisão inultrapassável quanto à circunstância de o arguido ter ou não praticado um determinado facto. Não basta para tanto que a prova produzida seja contraditória ou não uniforme ou que o arguido negue a prática dos factos ou que se remeta ao silêncio.
(sumário elaborado por Conceição Gonçalves)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – relatório

1. Por acórdão de 28 de Maio de 2013, foi proferida a seguinte decisão:

Condenar o arguido SM... pela prática, em autoria material, de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo art. 221, nºs 1, 2 e 5, al. a), com referência ao art. 202, al. a), do mesmo Código, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14 (catorze) meses;

Julgar o pedido de indemnização civil formulado pela demandante ... - Comunicações Móveis ..., procedente, por provado, e, em consequência condenar o arguido/demandado no pagamento à mesma da quantia de € 12.837,00 (doze mil oitocentos e trinta e sete euros), acrescida dos juros legais, contados desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.

2. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, alegando em súmula o seguinte:

a – A conduta imputada ao arguido reconduz-se a ilícitos de natureza semi-pública, sendo assim crimes que dependem de queixa ou participação, não tendo as mesmas sido apresentadas por quem de direito; ocorreu a caducidade do direito de queixa, impondo-se o arquivamento dos autos (recurso intercalar);

b - Ao não ter considerado de relevância incontornável o depoimento de AOR..., técnico e perito da ... - Comunicações Móveis ... correspondente às transcrições anotadas nos pontos 29, 30 e 31 desta minuta, cometeu a sentença recorrida manifesto erro de julgamento;

c- o arguido foi acusado com base em conclusões sem base e contra as quais não pode evidentemente defender-se, pelo que o tribunal “a quo” infringiu o princípio constitucional de aplicação imediata do FAVOR REI art. 18°, n°1 e art. 32°, n°2 da CRP”.

Termina pedindo a sua absolvição.

3. O recurso foi admitido.

4. O MºPº respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento.

5. Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta apôs visto. 

II – questões a decidir.

A. Natureza pública ou semi-pública do crime.

B. Erro de julgamento.

C. Violação do princípio in dubio pro reo

iii – fundamentação.

A. Natureza pública ou semi-pública do crime.

1. Em 15 de Maio de 2013, no decurso de uma das audiências de julgamento nos presentes autos, o arguido fez o seguinte requerimento:

" No decurso da audiência, constatou-se que a testemunha CM..., afirmou ter dado conhecimento à demandante da fraude que estava a ser vítima em Novembro de 2004. Resulta dos autos (e nomeadamente do documento junto pela "...Comunicações Móveis..." a fls. 15), que o conhecimento dos factos em apreço remonta a 26-10-2004, sendo esta a data da ocorrência e a data em que a ...Comunicações Móveis.. tomou conhecimento dos factos que são agora alvo de discussão em julgamento.

Ora, este ilícito criminal tem natureza semi-pública, dado que o respectivo procedimento criminal depende de queixa, nos termos do art. 221.°, n.° 4, do CP, a apresentar pelo titular de tal direito ou por mandatário munido de poderes necessários para o efeito, nos termos do artigo 113° do CP e art. 49° n.° 1 do CPP, e dentro do prazo estipulado no art. 115°, n.° 1 do CPP. É condição fulcral de procedibilidade, sem a qual o Ministério Público não tem legitimidade para promover o processo penal.

Posto isto, é seguro concluir que o direito de queixa se extingue no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tem conhecimento do facto. O prazo conta-se de forma ininterrupta já que é um prazo de direito penal substantivo. Desta forma, verifica-se que no momento em que manifestou o seu desejo de procedimento criminal contra o arguido, há muito que o direito de o fazer se encontrava extinto por caducidade, o que torna o procedimento criminal por parte do Ministério Público legalmente inadmissível, nos termos do disposto no artigo 277°, n.° 1 do CPP.

Com efeito, como se constata de forma evidente nos autos, a "...Comunicações Móveis..." teve conhecimento dos factos na data em que ocorreram, isto é, 26/10/2004, facto confirmado pela testemunha ouvida e autora do documento, e apenas manifestou o desejo de por eles proceder criminalmente em 26/07/2005, passado o prazo de caducidade de 6 meses que a lei impõe.

Nestes termos, por estar precludido o direito de queixa, a possibilidade, sem a qual o Ministério Público pode promover o processo penal por estar caducado o direito, se requer o arquivamento dos presentes autos."

2. Sobre tal requerimento, recaiu o seguinte despacho:

Veio o arguido requerer que seja determinado o arquivamento dos presentes autos, alegando, para o efeito, ter caducado o direito de queixa da ofendida. Refere o arguido, encontrar-se junta aos autos a fls. 15, uma carta da autoria da testemunha CM..., na qual a mesma daria conhecimento à ofendida dos factos em discussão nos presentes autos.

Cumpre apreciar e decidir.

Analisando o teor de fls. 15, através dele constata-se que a referida testemunha apenas deu conhecimento à ofendida de uma anomalia detectada no seu cartão “... Comunicações móveis...”. A referida testemunha não deu conhecimento da ocorrência de qualquer ilícito criminal, nem tinha sequer conhecimento da prática de qualquer crime ou pessoa do seu agente.

Constata-se ainda que os factos em discussão nos presentes autos, prolongaram- se no tempo, de acordo com o que consta na acusação pública, estando assim em causa a prática de um crime de natureza continuada.

Face ao exposto, e atendendo ainda à natureza do crime por que o arguido vem acusado, em causa o crime de burla informática p.p. pelo art. 221° n.° 1,2 e 5, al.a) do CP, é de todo manifesto que não se encontrava caducado o direito de queixa da ofendida, não havendo qualquer vício no presente procedimento criminal que determine o seu arquivamento.

Assim sendo, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal.

3. O arguido interpôs recurso intercalar, apresentando as seguintes conclusões:

A. O recorrente pediu com toda a justiça o arquivamento do processo, em virtude de estar caducado o direito de queixa.

B. Nos termos da gravação áudio de 15/03/2003: da testemunha CM... com inicio a 00:26:10seg, quando perguntada quando havia dado conhecimento á operadora, respondeu “dei conhecimento à “... Comunicações Móveis...”, no próprio dia 1.

C. Resulta também nos autos (e nomeadamente do documento junto pela “... Comunicaões Móveis...” a fls.15), que o conhecimento dos factos em apreço remonta a 20-10-2004.

D. A demandante apenas manifestou o desejo de proceder criminalmente em 26/07/2005, passado o prazo de caducidade de 6 meses que a lei impõe.

E. No entanto, apesar da razão que assiste ao recorrente foi indeferido o referido requerimento.

F. Procurará o recorrente responder taco a taco à razão que falta ao despacho recorrido:

G. O arguido é acusado, de em 26/10/2004 ter provocado a inacessibilidade de um telemóvel bem como de ter pedido uma segunda via do cartão desse aparelho que também nunca chegou a ser utilizado, por não estar acessível em 11/11/2004.

H. Crime cujo procedimento criminal depende de queixa nos termos do art. 221°, n°4 do CP.

I. Justifica-se o despacho, que os factos em discussão nos autos se prolongaram no tempo, estando assim em causa a prática de um crime de natureza continuada.

J) Sendo um dos motivos de indeferimento, que erra totalmente o alvo: o arguido é acusado precisamente de motivar o cancelamento do cartão de CS... no dia 26/10/2004, e que este se encontrava inacessível ainda em 11/11/2004.

K) Isto é o único crime concreto de que o arguido é acusado alegadamente ocorreu na primeira data, assim tendo permanecido até CS... inutilizar aquele cartão.

L) Não é portanto crime continuado, e mesmo se fosse teria tido o seu términos em 11/11/2004, ou seja mesmo nesta segunda data, a demandante estava igualmente fora de prazo na queixa.

M) E nem sequer pode ser convocado o argumento da continuidade do crime, por alegadamente o arguido ter prejudicado MC..., porque neste caso concreto a transferência de 7,5€ realizada mereceu um redondo despacho de arquivamento exactamente pelos motivos que aqui se aduzem.

N) São dois pesos e duas medidas!

O) Com efeito, a fls. 681 e 690, está explicado o despacho de arquivamento pelo MP neste concreto exactamente com os mesmos argumentos que o recorrente apresenta agora ao Tribunal:

P) Está ferido o princípio da igualdade de tratamento constitucionalmente consagrado: no mesmo processo chamam-se à colação os mesmos argumentos contraditórios para acusar e para arquivar:

Q) é discriminação pura, ilegal e inconstitucional.

R) Depois, convoca o despacho recorrido o argumento da natureza do crime, mas não tem razão.

S) O art. 221°, n°4 do CP cor sagra expressamente que o procedimento criminal deponde de queixa e como tal é um crime semi-publico, sem sombras de qualquer dúvida ou hesitação.

T) E não se faça confusão, com ser ou não de valor elevado o assunto em discussão.

U) O arguido é acusado de ter solicitado uma segunda via de um cartão telefónico e a acusação nem sequer diz qual é o valor do prejuízo, não sendo com certeza de valor elevado,

V) Talvez tenha um valor de 7,5€, mas a acusação nem sequer o diz.

Ao não arquivar o processo conforme requerido o despacho recorrido violou o art. 221°, n°4 do CP, o art. 1 ;3o do CP, e art. 49°, n°l, e art.l 15°, n°l, ambos do CPP, bem como o art. 277°, n°l do mesmo diploma.

4. Apreciando.

Ponto prévio.

No recurso que interpôs da decisão final, o arguido vem novamente suscitar a questão da caducidade do direito de queixa, fazendo-o com fundamentos algo diversos dos que apresenta no seu recurso intercalar – vide conclusões A) a F) (A. A acusação e a sentença recorrida consideraram na actividade imputada ao recorrente, a dimensão de um prejuízo global que só de 2º grau é da suposta ofendida “... Comunicações móveis...”. B. Com efeito, se se trata da duplicação de cartões SIM, para desviar bónus do contrato (que mais não é uma atenção ou desconto) os ofendidos de 1º grau, isto é directos e só eles ofendidos verdadeiramente são os clientes “... Comunicações móveis...” e a empresa de telecomunicações se cobriu esse prejuízo dos seus clientes, não estava juridicamente vinculada a faze-lo, e apenas o fez por razões comerciais e de quota de mercado. C. Assim, a burla informática quer da acusação, quer da sentença recorrida tem que ser segmentada e encarada a partir do prejuízo causado a cada um dos clientes “... Comunicações móveis...” individualmente. D. Deste modo trata-se de crimes que dependem de queixa ou participações que não foram apresentadas por quem de direito. E. Ou, se se aceitar ter a “...Comunicações Móveis...” agido no interesse e por conta dos clientes a quem se subrogou de qualquer modo, apresentou a queixa muito para além dos 6 meses de data do último cometimento imputado ao arguido. F. Nestas circunstâncias, ocorreu a caducidade do direito de queixa e impõe-se o arquivamento dos autos, como melhor se alega no recurso já interposto e alegado nos autos, do Douto despacho ditado para a acta na audiência de 15-03-13, que indeferiu o pedido de arquivamento do processado, que o recorrente expressamente mantém o interesse em vê-lo apreciado, dado a centralidade do tema.).

Sucede, todavia, que tal corresponde a uma duplicação recursiva, que a nossa lei não permite. Assim, apreciaremos a questão em sede de recurso intercalar, nos termos aí propostos.

5. Prosseguindo.

A questão é simples e manifesta a sem razão do recorrente.

i. O arguido vinha acusado e foi condenado pela prática de um crime de burla informática, na forma agravada.

Ora, como decorre vertido no artº 221 do C. Penal, este tipo de ilícito só tem natureza semi-pública quando cometido na sua forma simples – é o que decorre da mera leitura do preceito (nºs 1 a 4), correspondendo a técnica legislativa comum neste código e que, há já várias décadas, não suscita quaisquer dúvidas interpretativas.

Neste sentido, aliás, e no que se refere a este tipo específico de crime, se pronunciou já, entre outros, o Ac. do STJ de 3.7.2003, proc. nº 122/03-5ª, SASTJ, nº73, 142: “Do artº 221 nºs 1, 4 e 5 do C. Penal, resulta que o ilícito nele tipificado apenas reveste a natureza semi-pública nos segmentos consignados nos seus nºs 1 e 2, o que o mesmo é dizer que essa natureza não subsiste quando a situação se enquadra no nº5 daquela disposição legal”.

ii. Para além do mais, e ao inverso do que o recorrente pugna, não está aqui em questão o prejuízo de uma, duas ou três pessoas mas, isso sim, o prejuízo que o seu logro causou a uma única entidade – a “...Comunicações móveis...” – pois foi sobre esta que recaíram todos os danos que a actuação do arguido causou (já que a si lhe competia, por virtude dos contratos que celebrava, assegurar que os saldos e as bonificações que prometia poderiam ser gozadas pelas pessoas que consigo contratavam, com base em tal expectativa), bem como foi sobre os programas informáticos por si utilizados que a actuação do arguido fez recair uma sombra quanto à sua fiabilidade e segurança.

iii. Na verdade, no crime de burla informática “o bem protegido é não só o património, mais concretamente a integridade patrimonial, mas também os programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança” (vide Ac. SRJ de 6.10.2005, proc. nº 2253/05-5ª, CJ, Acs. STJ, Ano XIII, tomo 3, 179), o que ainda mais acentua a questão de quem foi aqui o principal prejudicado – a “... Comunicações Móveis...”.

iv. Assim, pese embora a dilação temporal com que actuou, a conduta do arguido tem de ser entendida e julgada como única, por estarmos perante um crime de execução continuada, que se prolonga no tempo.

v. Neste tipo de ilícitos, a infracção verifica-se assim que o facto é praticado, mas persiste até que o estado e o interesse que a norma protege tenham cessado; ou seja, a execução mantém-se enquanto perdurar o estado de compressão do interesse, objecto jurídico do crime.

Assim, a sua consumação inicia-se com o primeiro facto praticado contra a vítima, mas só termina com a execução do último. Há uma voluntária manutenção da situação anti-jurídica, que só termina quando a execução cessa, ficando então o crime exaurido, momento em que a licitude é reposta.

vi. Daqui decorre que a conduta do arguido preenche os elementos constitutivos do tipo de crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi condenado, sendo que o faz na sua forma agravada, dado o montante total do prejuízo sofrido pelo ofendido (a “... Comunicações Móveis...”).

6. Atento o que se deixa dito, fácil é concluir que estamos perante um crime de natureza pública e, como tal, a caducidade do direito de queixa é questão que não tem qualquer repercussão neste tipo de ilícito, pelo que improcede o recurso interposto pelo arguido, quanto a tal matéria.

B. Erro de julgamento.

1. O tribunal “a quo” deu como assentes os seguintes factos:

1. A ofendida “... Comunicações Móveis ...”, é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviço telefónico móvel.

2. No âmbito dessa actividade comercial, a ofendida faculta aos seus clientes o serviço KARGA, que consiste na possibilidade de um cliente “... Comunicações Móveis...” efectuar a transferência de um saldo associado ao seu cartão, no valor máximo de € 25,00, para um outro cartão recarregável, igualmente afecto à rede “...Comunicações Móveis...”.

3. A ofendida disponibiliza ainda o serviço KARGA MESADA, que permite a realização de uma transferência mensal de um valor entre € 5,00 e € 25,00 de um cartão de um cliente “...Comunicações Móveis...” para um outro cartão recarregável da mesma operadora.

4. A ofendida atribui aos equipamentos/telemóveis bloqueados à rede “...Comunicações móveis...”, colocados à venda em estado de novos juntamente com o respectivo cartão, designados por Produto Único, bónus em dinheiro, em valores situados entre os € 25,00 e os € 45,00, consoante o equipamento adquirido.

5. Este bónus é atribuído uma única vez ao equipamento e o cartão do cliente apenas pode beneficiar desse bónus anualmente, ou seja, após o cartão ter sido utilizado associado a um equipamento novo para obter o bónus, apenas ao fim de um ano, pode novamente ser usado em outro equipamento novo para obter novo bónus.

6. Para entrar na posse desse bónus, basta que o cliente, através do novo equipamento adquirido, associado ao cartão que o cliente já possui, efectue uma chamada telefónica para o sistema de atendimento automático disponibilizado pela ofendida, o qual valida a atribuição desse bónus e o credita no cartão respectivo.

7. No período compreendido entre os anos de 1998 e 2006, o arguido, de modo não concretamente apurado, logrou tomar conhecimento de referências multibanco e/ou outros elementos relativos a cartões de telemóvel emitidos pela ofendida “...Comunicações Móveis...” a favor de diversos clientes e que funcionavam associados aos aparelhos de telemóvel que a mesma transaccionava.

8. Na posse de tais elementos, o arguido solicitou segundas vias desses cartões de telemóvel e bem assim a alteração da morada do respectivo titular para uma outra de sua disponibilidade, onde os recebia e ficava com os mesmos na sua posse.

9. Para o efeito, chegou a deslocar-se a estabelecimentos comerciais, entre eles o estabelecimento comercial “Corrente-Auto”, sito na R..., em Vila Franca de Xira.

10. O arguido, também por diversas vezes, ao solicitar segundas vias dos cartões de telemóveis de clientes da “...Comunicações Móveis...”, solicitou a alteração da identidade do seu titular, indicando para o efeito o nome da sua esposa MM....

11. Entre os anos de 1998 e 2005, o arguido solicitou diversos cartões de telemóvel em nome de MM..., ficando com os mesmos na sua posse.

12. De modo não concretamente apurado, o arguido teve acesso aos IMEI’s de equipamentos/telemóveis novos, efectuou chamadas para a linha automática de atribuição de crédito e solicitou à “... Comunicações móveis...” que lhe fossem concedidos os bónus respeitantes a cada um desses equipamentos/telemóveis, o que logrou conseguir, bónus esses de valor não apurado.

13. Em consequência da conduta praticada pelo arguido, quando os clientes “...Comunicações Móveis...” adquiriam equipamentos/telemóveis novos e pretendiam aceder ao bónus que lhe estava inerente, eram informados pela linha automática de atribuição de créditos que o bónus já tinha sido atribuído a esse equipamento/telemóvel, obrigando, assim, a ofendida a ressarcir os clientes no valor das quantias que lhe eram devidas a título de bónus.

14. Igualmente na posse das segundas vias dos cartões de telemóvel de diversos clientes “,...Comunicações Móveis...”, o arguido inseriu-as num qualquer equipamento/telemóvel, efectuou chamadas telefónicas para o serviço Karga da ofendida, acedeu ao saldo associado a esses cartões, pertencente aos respectivos titulares e transferiu saldos, em valores situados entre € 1,00 e € 25,00, para outros cartões que estavam na sua posse, em nome de MM... ou mesmo das segundas vias que manteve em nome dos clientes originais, apoderando-se, desse modo, da quantia global de €12.837,00 que a ofendida teve de suportar, mediante o seu reembolso aos titulares dos cartões.

15. Devido a tais expedientes, os titulares dos cartões originais ficaram sem a totalidade ou parte do saldo que tinham associado aos seus cartões e, neste último caso, sem a possibilidade de efectuarem chamadas telefónicas, por falta de saldo.

16. Ainda em consequência da actuação do arguido, no momento em que este solicitava a emissão de segundas vias de cartões pertencentes aos clientes “...Comunicações Móveis...”, os cartões originais eram cancelados e os seus titulares ficavam privados do acesso à rede “...Comunicações Móveis...” e sem possibilidade de usar o equipamento/telemóvel a que estavam associados.

17. Para que estes clientes pudessem novamente utilizar o seu equipamento/telemóvel, necessitavam de solicitar uma outra via do respectivo cartão, levando, assim, ao cancelamento da segunda via solicitada pelo arguido.

18. Em algumas situações, o arguido voltou novamente a solicitar outra via desse cartão, o que determinou novo cancelamento do cartão do cliente.

19. Assim sucedeu com a cliente “... Comunicações Móveis...” CS..., que, ao pretender efectuar uma chamada telefónica, no dia 26.10.2004, recebeu a informação de que o seu cartão, com o nº ..., não se encontrava acessível, tendo sido cancelado, em virtude de ter sido solicitada uma segunda via.

20. Nessa sequência, solicitou uma outra via do seu cartão e quando o recebeu, verificou que o cartão se encontrava sem saldo, uma vez que o arguido o tinha transferido para outro cartão.

21. Procedeu então a um carregamento, mas no dia 11.11.2004, foi novamente informada de que o cartão não se encontrava acessível, pois o arguido tinha solicitado uma nova via do cartão, tendo esta, mais uma vez, solicitado uma outra via do cartão.

22. Contudo, quando o recebeu, já se encontrava inacessível, pelo que CS... desistiu de utilizar aquele cartão.

23. Efectuada busca à residência do arguido, sita em ..., Vila Franca de Xira, foram efectuadas, entre outras, as seguintes apreensões:

uma caixa de plástico contendo 620 cartões SIM da TMN, 84 cartões SIM da Vodafone, 9 cartões SIM da Yorn, 137 cartões SIM da Vodafone, 13 cartões Vita Light Vodafone, 15 cartões recarregáveis Optimus Home, 10 cartões SIM  Vodafone  casa e 23 cartões SIM da Optimus;

duas caixas de cartão, contendo 148 envelopes de cartões Vodafone Directo, endereçadas à morada alvo da busca ou à morada sita na Rua ..., nº..., Vila Franca de Xira;

uma caixa de plástico amarela transparente, contendo 20 telemóveis da marca Nokia, 1 telemóvel da marca Panasonic, 4 telemóveis da marca Ericsson, 3 telemóveis da marca Siemens, 5 telemóveis da marca Sony, 1 telemóvel de marca Motorola e 1 telemóvel de marca Alcatel;

um saco de cor azul com a indicação “...”, contendo os seguintes cartões SIM: 106 da TMN, 6 da UZO, 94 da Vodafone, 9 da Optimus, 4 Vodafone Vita Light, 2 Yorn Light. 56 da TMN, 1 Telecel, 63 da Optimus;

um saco de plástico da “W...”, contendo diversos cartões de visitas e os seguintes cartões SIM: 69 da Vodafone, 10 da UZO, 15 da Optimus, 5 da Yorn e 160 da TMNM

um saco de plástico da “Vodafone”, contendo 148 cartões SIM da referida operadora;

uma caixa de cartão, contendo 76 cartões SIM da Yorn;

uma caixa de plástico de cor amarela, contendo 55 cartões SIM da Vodafone;

uma caixa de plástico de cor amarela, contendo os seguintes cartões SIM: 160 da Optimus, 16 da Yorn, 65 da Vodafone, 136 da TMN e 26 cartões de segurança da TMN;

24. Na arrecadação contígua à aludida habitação, foram apreendidos, entre outros:

34 catálogos de pontos TMN dirigidos a diversos destinatários, mas com endereço para a morada alvo da busca;

303 caixas da Optimus;

7 embalagens da Vodafone Vita Light;

20 embalagens Yorn;

40 embalagens da Vodafone;

44 cartões da Vodafone sem “SIM Card”;

2 cartões da Yorn sem “SIM Card”;

2 cartões SIM da Yorn;

32 cartões SIM da Vodafone;

2 cartões SIM da Yorn;

3 cartões SIM da TMN;

10 envelopes da Vodafone dirigidos a diversos destinatários, mas com endereço para a morada sita em Rua Miguel Bombarda, 93, Vila Franca de Xira;

20 envelopes da Vodafone dirigidos a diversos destinatários, mas com endereço para a morada da busca;

5 talões multibanco de carregamento de telemóveis;

46 cartões sem “SIM Card”;

140 cartões GSM da Yorn;

121 caixas da Optimus;

12 caixas da Vodafone Directo;

41 cartões da Optimus sem “SIM Card”;

77 cartões da TMN sem “SIM Card”;

6 cartões da Vodafone sem “SIM Card”;

 25 caixas da Vodafone Casa;

15 cartões GSM Yorn;

-503 cartões GSM da Vodafone.

25. O arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, ao actuar da forma descrita, solicitando segundas vias dos cartões de clientes da “...Comunicações Móveis...” e deles fazendo uso, com o intuito concretizado de se apoderar dos saldos existentes nos cartões dos clientes através do serviço KARGA, e dos bónus associados ao Produto Único, e de causar um desvirtuamento do sistema informático utilizado pela ofendida e perturbação na actividade e exploração do serviços de telecomunicações que esta prestava aos seus clientes, porquanto sabia que interferia e impedia os titulares dos cartões de acederem à rede “...Comunicações Móveis...”, devido ao cancelamento dos cartões originais e à falta de saldo e bem assim que, ao apoderar-se das referidas quantias monetárias, causava um desfalque patrimonial à ofendida correspondente ao valor dessa quantias, com as quais se locupletou injustificadamente.

26. O arguido sabia que tais condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se inibiu de as realizar.

27. Como consequência da conduta acima descrita do arguido, a “...Comunicações Móveis...” teve de suportar o pagamento da quantia global de € 12.837,00, mediante o reembolso de tal quantia aos legítimos titulares dos cartões.

28. Exerce a actividade de feirante, auferindo a remuneração mensal estimada de € 600,00.

29. Vive em casa de um irmão.

30. Tem a 3ª classe.

31. Tem os seguintes antecedentes criminais:

Por sentença proferida 1.3.2002, no âmbito do processo n.o 529/00.0PAVFX, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 90 dias de multa, pela prática, em 18/10/2000, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.o, n.o 2, do DL n.o 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 19.3.2003, no âmbito do processo n.o 989/01.2JDLSB, que correu termos no 1.o Juízo Criminal de Oeiras, foi condenado na pena de 60 dias de multa, pela prática, em 15/09/2000, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11º, nº 1, do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro;

Por sentença proferida 30.10.2003, no âmbito do processo n.o 557/03.4PAVFX, que correu termos no 2.o Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 100 dias de multa, pela prática, em 16/10/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 17.12.2003, no âmbito do processo n.o 31/03.9PCLRS, que correu termos no 4.o Juízo Criminal de Loures, foi condenado na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 08/10/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 15.3.2004, no âmbito do processo n.o 11748/01.2TDLSB, que correu termos no 1.o Juízo, 3.a Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, foi condenado na pena de 90 dias de multa, pela prática, em 27/11/2000, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal;

Por sentença proferida 30.3.2004, no âmbito do processo n.º 427/02.3GTALQ, que correu termos no 1º Juízo de Alenquer, foi condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática, em 24/10/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 19.5.2004, no âmbito do processo n.º 553/02.9PAVFX, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática, em 04/11/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.o 2/98, de 3 de Janeiro;

 Por sentença proferida 3.12.2004, no âmbito do processo n.º 515/03.9PAVFX, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pela prática, em 24/09/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.“ 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 31.1.2005, no âmbito do processo n.º 1032/02.0SILSB, que correu termos na 2.ª Secção do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, foi condenado na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 25/06/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

Por sentença proferida 16.06.2006, no âmbito do processo n.º 950/04.5TAVFX, que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática, em 25/10/2006, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal;

Por sentença proferida 11.07.2008, no âmbito do processo n.º 1706/03.8TAVFX, que correu termos no 2.“ Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 12/05/2003, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, nºs 1 e 2, do Código Penal;

Por sentença proferida 27.09.2012, no âmbito do processo n.º 743/07.8PAVFX, que correu termos no 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 19/12/2007, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n“s 1 e 2, do Código Penal.

 Por sentença proferida em 24.5.2007, no âmbito do processo n.º 473/00.1TAVFX, que correu termos no 1.“ Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática, em 15/09/2004, de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221.º do Código Penal.

2. E fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise, crítica e global, da prova produzida em audiência, bem como da que consta dos autos e que infra se discriminará, com recurso a juízos de experiência comum, o que fez atendendo ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Uma vez que o arguido exerceu o seu direito ao silêncio quanto à factualidade que lhe era imputada nos autos, os factos dados por provados resultaram exclusivamente de prova testemunhal e documental produzida, nos termos que se passará a explicar.

Desde logo, os produtos e serviços comercializados pela “...Comunicações Móveis...”, e, em particular, os produtos Karga e Karga Mesada, bem como os bónus associados ao Produto Único, foram todos explicados de forma precisa e detalhada pelas testemunhas AR... e AF..., razão pela qual o Tribunal deu por provada a factualidade constante dos pontos 1a 6 dos Factos Provados.

Tais testemunhas confirmaram ainda que alguém, que presumiam ser o arguido, actuou nos termos descritos em 7 a 18 dos Factos Provados, tendo explicado de forma lógica, coerente e objectiva, a forma como a “... Comunicações Móveis...” e os seus clientes foram afectados, dando conta dos prejuízos de imagem e materiais suportados pela mesma.

Quanto à testemunha CS..., cliente da “...Comunicações Móveis...”, confirmou os factos dados por provados em 19 a 22 dos Factos Provados, sendo que não conhecia o arguido e/ou sabia se o mesmo praticou os factos dos autos.

A testemunha FC... limitou-se a afirmar não ter nunca solicitado a reactivação do seu cartão telefónico com o n.º...., nem ter alguma vez residido na morada indicada na carta de fls. 6 do Apenso A dos autos.

Ora, conjugando tal prova com a restante que veio a ser produzida, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em imputar ao arguido os factos relatados na acusação.

Desde logo, porque MM..., que esteve casada com o arguido de 2000 a 2003, esclareceu que durante o casamento o arguido não exercia qualquer actividade profissional, dedicando-se apenas “aos telemóveis”.

Esta testemunha disse que, a certa altura, e na sequência de um contacto com a “...Comunicações Móveis...”, veio a apurar que tinha cerca de quinhentos números de telemóvel em seu nome, os quais não havia nunca pedido, por apenas utilizar um único telemóvel. Não teve dúvidas em afirmar que o arguido tinha acesso aos seus documentos pessoais, nomeadamente ao seu cartão de contribuinte, que utilizava para solicitar em seu nome segundas vias de cartões de telemóvel, para além de celebrar contratos em seu nome.

O depoimento desta testemunha corroborou o teor de fls. 86 a 149 dos autos, de onde decorre que em nome da mesma foram detectadas centenas de cartões da ..., através dos quais eram efectuadas transferências indevidas de saldos.

Ainda que se tivesse equacionado a possibilidade de a testemunha MM... ter participado nas operações supra descritas, o que é certo é que a prova produzida permite imputar (com toda a certeza) a prática dos factos ao arguido, afigurando-se antes, e a final, que este utilizava tão somente o nome daquela, à semelhança do que sucedia com o nome de diversos clientes ..., como CS..., para solicitar a emissão de segundas vias dos cartões telefónicos da operadora dos autos.

Diga-se que VF..., representante legal do estabelecimento “Corrente-Auto”, à data dos factos agente autorizado da “...Comunicações Móveis...”, permitiu que se confirmasse tal facto já que esclareceu que se recordava perfeitamente do arguido porque se deslocava àquele estabelecimento com uma frequência anormal, muito superior à de qualquer outro cliente, comprando telemóveis e fazendo carregamentos de cartões.

Acrescentou que o arguido chegou a utilizar o seu nome em diversas lojas de telecomunicações para a realização de operações relacionadas com os telemóveis, fazendo-o de forma abusiva, porque não autorizada pelo próprio.

Acresce que também RS..., com quem o arguido teve um relacionamento amoroso entre 2006 e 2008, afirmou que o mesmo se dedicava à venda de cartões de telemóveis “por conta própria”, não exercendo qualquer outra actividade profissional. Não obstante, esta testemunha confirmou que o arguido não trabalhava por conta de qualquer operadora de telecomunicações e que constantemente encomendava telemóveis, vendendo cartões em lojas de indivíduos de etnia indiana.

O Tribunal louvou-se ainda na reportagem fotográfica de fls. 189 a 194, realizada na sequência de uma busca domiciliária à residência do arguido, na qual foram encontradas centenas de cartões telefónicos, entre os quais da “...Comunicações Móveis..., e ainda diversos telemóveis, conforme se constata do auto de busca e apreensão de fls. 197 a 199.

Tais documentos confirmaram o teor dos pontos 23 e 24 dos Factos Provados, sendo que os mesmos foram confirmados, de forma genérica, por GA..., inspector da Polícia Judiciária que levou a cabo a referida busca domiciliária.

Esta última testemunha, que acompanhou a investigação feita, descreveu ainda a forma de actuação do arguido, confirmando o já relatado pelas testemunhas AR... e AF...

Note-se que na residência do arguido foram ainda encontradas inúmeras cartas, na sua maioria destinadas ao envio de segundas vias de cartões pré-pagos por parte das operadoras aos seus clientes mas dirigidas às moradas “..., em Vila Franca de Xira” e “Rua ..., n.º ..., em Vila Franca de Xira”, moradas estas correspondentes à morada do arguido e à da testemunha MM..., morada esta a que o arguido, conforme a mesma testemunha disse, tinha acesso.

 Para prova dos factos provados o Tribunal louvou-se ainda, para além dos documentos já citados, nos documentos juntos aos autos a fls. 5 a 13, 15 a 19, 35, 101 a 148, 153 a 157, 169, 170, 447 a 448, 518 a 521, 557 e ainda a constante dos apensos 1 e 2.

No que tange aos factos vertidos nos pontos 25 e 26, o Tribunal atendeu ainda às regras da experiência comum, sendo do conhecimento de todos a ilicitude de condutas como as praticadas pelo arguido.

Relativamente às circunstâncias de vida do arguido, valeu o declarado pelo próprio, por não ter sido contrariado por qualquer outro o meio de prova.

Quanto aos antecedentes criminais do arguido, relevou o CRC de fls. 797 a 813.

Finalmente, a convicção negativa da autoria de factos por que o arguido vinha acusado resultou da total ausência de uma prova clara, objectiva e inequívoca quanto à sua ocorrência, que tivesse sido prestada em audiência de julgamento.

3. O recorrente apresenta, a este propósito, as seguintes conclusões:

K. Entretanto ao não ter considerado de relevância incontornável o depoimento de AR..., técnico e perito “...Comunicações Móveis...” correspondente às transcrições anotadas nos pontos 29, 30 e 31 desta minuta, cometeu a sentença recorrida manifesto erro de julgamento.

L. Nunca poderia ter dado como provado que o arguido manipulou o sistema informático e informacional da “...Comunicações Móveis... quando não ficou estabelecida contra ele qualquer fonte privilegiada de dados ou qualquer prática sofisticada de os obter no que diz respeito por exemplo aos números IMEI.

M. Dados estes, absolutamente necessários à introdução do sistema dos ruídos informáticos que permitiram o desvio dos bónus ou mesmo dos saldos de particulares, constituído por ingressos dos clientes nas contas respectivas.

N. A absolvição do recorrente é por conseguinte, por mais este motivo, inevitável e de toda a justiça.

O. Por fim, é duvidoso que um sistema de bónus, isto é, de redução dos preços de um mercado, por política comercial de empresa, corresponda a um prejuízo relevante para efeitos da incriminação porque o recorrente foi condenado.

P. A “... Comunicações Móveis...” apenas reduz o lucro por simples decisão sua, o que não é uma perda.

Q. Sim, uma mera perda de vantagem concorrencial, unilateralmente decidida.

R. Em consequência, no cálculo patrimonial e financeiro da empresa ter ocorrido aos clientes com o bónus significou apenas resistir em boa ordem aos concorrentes: tratou-se de um investimento, não de uma despesa.         

S. Nestes termos, a sentença recorrida infringiu não só o direito probatório, afastando contra a lei, como acima se disse o FAVOR REI, como aplicou erradamente o art. 221° do CP.

4. Apreciando.

i. Como se constata pela leitura do texto acima transcrito, verifica-se a existência de uma deficiência grave, que compromete – de forma irremediável – o recurso apresentado e que se prende com a reapreciação probatória a que o recorrente alude.

Determina o artº 412 nº3 e 4 do C.P.Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida,

sendo que o deve fazer concretizando tais matérias e fazendo referência às passagens constantes nos suportes técnicos de gravação.

Isto significa, muito simplesmente, que o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento, é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.

ii. Decorre da leitura das conclusões (bem como da consulta da motivação, para a qual aquelas remetem) apresentadas pelo recorrente, que o recurso é inteiramente omisso quanto a quais os segmentos da decisão em matéria de facto que pretende impugnar e ver modificados, bem como em que sentido. Com efeito, não existe uma única menção em concreto, a quais os factos que foram dados como assentes pelo tribunal “a quo” que o recorrente pretende ver alterados (não provados? modificados?), nem sequer por remissão para as alíneas da matéria fáctica provada.

iii. De igual modo, a exigência de concretização das provas que impõem decisão diversa, com materialização das passagens da prova gravada em que se funda a impugnação, foi desrespeitada, inexistindo no corpo da motivação, que remete, singelamente, para minúsculos excertos de um depoimento testemunhal prestado em audiência (cinco extractos de frases, sem conexão ou sentido), bem como para um depoimento prestado em sede de inquérito (inadmissível nesta fase processual).

iv. Em momento algum do recurso - seja na motivação, seja nas conclusões - vêm indicados os pontos de facto incorrectamente julgados bem como a pretensão da sua modificação.

Assim, a reivindicação de ver apreciada a prova, sem que a mesma se mostre acompanhada da indicação dos concretos pontos de facto que o arguido considera incorrectamente julgados, bem como a formulação do correspondente pedido da sua modificação, escapa aos poderes de cognição deste tribunal, em sede de recurso em matéria de facto em processo penal, com a consequência do recurso não poder ser conhecido nessa parte (vide, no sentido da conformidade constitucional deste regime, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, de 20/06/2012, em www.tribunalconstitucional.pt).

 C. Violação do princípio in dubio pro reo.

1. Alega o recorrente o seguinte, a este propósito, em sede conclusiva:

 G. Porém, se for entendido que a actuação imputada ao arguido é global e deve ser globalmente considerada para efeitos de censura/crime. Certo é também que a circunstância de não ter sido encarada a fragmentação da conduta imputada ao arguido, deu origem à completa ausência de prova do recorte num acontecimento relevante, para efeitos de acusação e defesa criminal.

H. Em boa verdade, o arguido foi acusado com base em conclusões sem base e contra as quais não pode evidentemente defender-se.

 I. Conclusões, que não podem ser dadas como provadas com o recurso à experiência comum e por não haver qualquer pilar para a presunção judicial da ocorrência dos factos para além do limite de uma dúvida razoável.

J. Por conseguinte, a sentença recorrida ao ter dado como provados os factos da acusação apresentados a juízo nos termos e figura acima ditos, infringiu o princípio constitucional de aplicação imediata do FAVOR REI “art. 18°, n° 1 e art. 32°, n°2 da CRP”.

2. Apreciando.

i. Como se vê, este segmento do recurso padece, à semelhança do imediatamente anterior, de deficiências que tornam a tarefa deste tribunal particularmente espinhosa.

ii. Alega, em síntese, o recorrente, que foi condenado com base em meras conclusões e que as mesmas não podem ser dadas como provadas com recurso à experiência comum.

Que conclusões são essas, ignora-se.

iii. Na verdade, e ao inverso do que o arguido afirma, o tribunal “a quo” deu como provados factos – não conclusões – pois descreveu a actuação do arguido, ao longo dos anos em que operou, detalhando o que fez e de que forma o fez, bem como os danos que acabou por causar a quem tinha a responsabilidade contratual, face aos seus clientes, de cumprir com o que tinha acordado (“os contratos devem ser pontualmente cumpridos” – artº 406 nº1 do C. Civil). 

Teve assim o arguido ampla oportunidade – caso a tivesse querido aproveitar – para poder contraditar, uma a uma, as acções que lhe eram discriminadamente imputadas.

iv. Para além do mais, e em sede de fundamentação da decisão de facto, o tribunal “a quo” expôs os diversos elementos probatórios em que fundou a sua convicção, explicitando em termos de raciocínio lógico a forma como os conjugou, sendo certo que não resulta do texto qualquer patente ou manifesto “salto lógico” ou arbitrariedade, que mereçam a censura que o arguido lhe dirige e, diga-se, também não explicita qual seja.

v. Ora, para que haja violação do princípio “in dubio pro reo”, não basta alegar generalidades ou invocar desacordo genérico entre a convicção do tribunal e a do próprio arguido.

Este princípio tem o seu campo de aplicação limitado, precisamente, às situações em que, no decurso da formação da convicção do julgador, este chegue a um ponto de indecisão inultrapassável quanto à circunstância de o arguido ter ou não praticado um determinado facto. Não basta para tanto que a prova produzida seja contraditória ou não uniforme ou que o arguido negue a prática dos factos ou que se remeta ao silêncio (se assim fosse, salvo nos casos de confissão, qualquer acusação estaria inevitavelmente votada ao insucesso).

vi. Como se disse, apenas nos casos de dúvida inultrapassável, deverá o tribunal fazer a aplicação de tal princípio.

Mas, no caso vertente, não vemos, francamente (nem o recorrente o explica), qualquer situação em que, face a uma dúvida insuperável, o tribunal “a quo” tenha decidido dar um determinado facto como assente.

E se assim é, daqui decorre que, também nesta parte, não assiste razão ao recorrente.

v – decisão.

Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo arguido SM..., mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

              Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014

                                                               Maria Margarida Almeida

                                                               Ana Paramés