Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO ADIAMENTO PROVA PRAZO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/16/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Os princípios da continuidade e da concentração do julgamento impõem a leitura imediata da sentença, excepcionando-se apenas os casos de especial complexidade da causa, nos quais, se não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, se concede um prazo de 10 dias para a leitura da mesma. II - A lei distingue as situações de interrupção da audiência e de adiamento da audiência. Enquanto à primeira situação se refere o n.º 2 do citado art. 328.º, os casos de adiamento só são admissíveis nas situações elencadas no n.º 3 da mesma norma e caso a interrupção não seja suficiente para remover o obstáculo. Uma das situações previstas na lei em que é admissível o adiamento é aquela em que é “necessário proceder à elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 1 do artigo 370.º” – alínea d), do n.º 3. III - É totalmente indiferente que o pedido dos relatórios sociais tenha ocorrido em audiência, ou por despacho proferido fora desta. Tal pedido e subsequente junção aos autos de tais relatórios tem subjacente a necessidade de produção de prova suplementar quanto às condições sociais e situação económica dos arguidos, necessidade que foi reconhecida por despacho judicial, tendo tais meios de prova de ser submetidos ao contraditório, como o foram na sessão de 13/4/2012, sem prejuízo do cumprimento do demais estabelecido no art. 371.º, do CPP, na parte aplicável. IV - Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação; tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:
Arguidos:
- H ... - L ...
1. Nos presentes autos de processo comum e sob acusação do Ministério Público, foram aqueles arguidos submetidos a julgamento, perante tribunal singular, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, após o qual foi proferida sentença[1], com o seguinte dispositivo: · Absolver o Arguido H ... da prática de dois crimes de roubo pp pelo art. 210.º n.º 1 do CP que lhe vêm imputados; · Absolver o Arguido H ... do pedido civil contra este formulado pelos Demandantes I ... em seu nome pessoal e em representação do seu filho F ...; · Condenar o Arguido L ... pela prática de três crimes de roubo pp pelo art. 210.º n.º 1 do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão cada; · Condenar o Arguido L ... pela prática de um crime de coação na forma tentada pp pelo art. 154.º n.º 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão; · Em cúmulo e nos termos do art. 77.º do CP condenar o Arguido L ... na pena única de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º n.º 5 do CP, sob condição de pagamento da indemnização que se liquida infra (cfr. art. 51.º n.º 1 al. a) do CP) e a qual deverá ser efectuada no prazo de dois anos a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão; - Condenar o Arguido L ... no pagamento à Demandante I ... da quantia de € 100,00 (cem euros), acrescida de juros legais devidos desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos por esta última; - Condenar o Arguido L ... no pagamento ao Demandante F ... da quantia de € 1000,00 (mil euros), acrescida de juros legais devidos desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por este último; · Condenar, ainda o Arguido L ... nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Custas cíveis pelos Demandantes e Demandado L ... na proporção do respectivo decaimento (cfr. art.446.º n.º 2 do CPC).»
2. OS FACTOS e respectiva fundamentação (transcrição, na parte relevante, da decisão recorrida): «Factos Provados: No dia 12 de Março de 2010, pelas 13.45 horas, os ofendidos F ... e C ..., ambos de 14 anos de idade dirigiram-se a pé para o Terminal Rodoviário, caminhando pela Rua Dr. Aurélio Ricardo Belo, entre o Centro Hospitalar e a Escola Francisco Soares, área desta comarca. Nesse momento, o Arguido L ..., decidiu abordar os ofendidos, com o intuito de subtrair a estes objectos de valor que os ofendidos traziam consigo, apesar de saber que actuava contra a vontade do mesmo. De seguida, o Arguido L ... abordou os ofendidos e ordenou-lhes, em tom alto e de forma intimidatória, que estes se encostassem à parede e lhes entregassem os telemóveis e o dinheiro que trouxessem consigo. Temendo pela lesão da sua integridade física, de imediato o ofendido F ... entregou o seu telemóvel de marca Nokia, modelo 5300, de cor branca, no valor de € 90,00 e ainda a quantia de € 10,00 em notas do BCE, enquanto o ofendido C ... entregou a quantia de € 5,00 e o seu telemóvel de marca Nokia, modelo Xpress Music, de cor vermelha e preta, de valor não inferior a € 120,00. Em seguida, o Arguido L ... abandonou o local, levando os telemóveis e as quantias monetárias, fazendo-o contra a vontade dos ofendidos. O Arguido L ... quis fazer seus os objectos em causa, os quais subtraiu do modo acima descrito aos ofendidos, de modo violento e de forma intimidatória, no cumprimento de um plano nesse instante traçado por ele, obrigando os ofendidos à prática dos factos supra descritos, por estes recearem pela sua integridade física, o que efectivamente fizeram, bem sabendo que os objectos não lhe pertenciam, antes a terceira pessoa, contra cuja vontade agiu. O Arguido L ... agiu de forma livre, voluntária e ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Por sua vez, no dia 07 de Julho de 2010, pelas 23.30 horas, junto à Azenha em santa Cruz, perto dos bares “Kais” e “Dali”, área desta comarca, o Arguido L ..., quando viu o ofendido D ..., dirigiu-se-lhe com o intuito de se apoderar de objectos de valor que o mesmo tivesse na sua posse. Aproximou-se e disse-lhe “e se eu agora te roubasse …” De imediato, agarrou-o e atirou-o ao chão. Após arrastou-o, em direcção a um local ermo, por trás da Azenha, ao mesmo tempo que proferiu o seguinte: “tens cinco segundos para me dares € 5,00 …”, desferindo-lhe dois murros no braço direito e retirando-lhe € 10,00, que o ofendido D ... tinha na sua posse, fazendo-os seus. Na posse do dinheiro, o Arguido fugiu, dizendo-lhe “Se te chibas à bófia vais papá-las, mato-te”. O Arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o intuito de se apoderar do dinheiro que o ofendido tinha em sua posse, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do legítimo dono. Para o efeito, agiu da forma descrita – recorrendo a murros e puxões – por forma a colocar o ofendido em posição de não se poder defender e assim levar a bom termo os seus intentos. Como consequência das actuações descritas, o D ... ficou seriamente perturbado nos seus sentimentos de liberdade, de segurança e na sua integridade física, vendo-se privado do dinheiro que trazia consigo contra a sua vontade e conforme lhe foi imposto. Agiu ainda o Arguido de forma livre e com o propósito, não alcançado por motivos alheios à sua vontade, ao proferir as referidas expressões evitar que D ... denunciasse às autoridades os factos que havia cometido, assim procurando limitar a sua liberdade de determinação pessoal, o que representou. Mais sabia o Arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Factos não provados: Para além da factualidade referida supra, nada mais se logrou provar com relevo para a decisão da causa, a saber: Que o Arguido H ..., em comunhão de vontades e conjugação de esforços e no cumprimento de um plano nesse instante traçado com o outro Arguido e de execução conjunta, tenha decidido abordar os ofendidos, com o intuito de subtrair a estes objectos de valor. Que o Arguido H ... tenha rodeado os ofendidos impedindo-os de fugirem do local e tenha vigiado se passava alguém. Que o Arguido L ... tenha dito aos ofendidos que se contassem o sucedido a alguém, os esfaqueava. Que o Arguido H ... tenha abandonado o local, levando os telemóveis e as quantias monetárias, fazendo-os seus contra vontade dos ofendidos. Que o Arguido H ... queria fazer seus os objectos em causa, em comunhão de vontades e conjugação de esforços e no cumprimento de um plano nesse instante traçado por eles e de execução conjunta, agindo de forma livre, voluntária e ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Que o Arguido L ... tenha dito ao ofendido D ... que matava os seus pais. O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente, nas declarações do Arguido L ... o qual confessou parcialmente a factualidade que lhe foi imputada, assim como pelos depoimentos das testemunhas ouvidas naquela sede, e pela análise da documentação junta aos autos. Assim, é de referir que o Arguido H ... recusou-se, de forma legítima, em prestar declarações. Por outro lado, é de salientar que o Arguido L ... confessou, de forma parcial, a factualidade que lhe foi imputada nos autos. Reconheceu que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos autos, praticou os actos melhor descritos supra, muito embora tenha focado as suas declarações na inocência do outro co-Arguido. Referiu que o mesmo não teve qualquer intervenção no roubo, estando apenas presente por mera casualidade. Por sua vez, as testemunhas inquiridas nos autos, revelaram um conhecimento directo e imediato dos factos pelos quais foram chamadas a depor, tendo deposto com credibilidade e isenção. Todos os ofendidos contextualizaram a factualidade considerada como provada supra, confirmando-a nos seus precisos termos. Porém, e no que diz respeito à conduta do Arguido H ... é que tais depoimentos surgem parcialmente contraditórios, ou seja, é ponto assente pelas testemunhas, e ainda pelas declarações do Arguido L ..., que o Arguido H ... estava presente aquando do roubo ocorrido no dia 12 de Março de 2010. Porém, qual a sua posição em concreto face às vitimas do dito roubo, assim como qual o patamar da sua intervenção é que não foi possível apurar com a certeza que as decisões em processo penal merecem. Estar simplesmente próximo do local onde está a ocorrer um assalto, e muito embora seja certo que o Arguido H ... estava, na realidade, a acompanhar o Arguido L ..., não significa que se consiga retirar que este também roubou os ofendidos. O mesmo limitou-se a estar presente no local enquanto o roubo ocorria. Mas tal não nos permite concluir que tenha sido sua intenção intimidar pela sua presença os ofendidos. E mais, nada se provou quanto à apropriação por este de qualquer bem da titularidade dos ofendidos. Apesar do supra exposto há que dizer que a conduta do Arguido H ... é merecedora de desconfiança. Porém, uma desconfiança, por muito forte que seja, não releva sem provas objectiváveis e discutíveis em Tribunal, os quais não existem no caso concreto, prevalecendo uma dúvida. Dúvida essa cuja resolução releva, de forma indispensável, para a solução do presente caso. Porém, não se afiguram quais os mecanismos adequados a decidir, para além daqueles que já foram efectivamente realizados durante a audiência de julgamento, e de forma segura, sobre a prática dos factos em análise. De referir ainda que a livre apreciação da prova ou livre convicção do Tribunal, pressupõe-se hoje necessariamente objectivável e motivável, pois o sistema da íntima e pura convicção, em que a culpa estava apenas na cabeça do juiz, está felizmente ultrapassado sendo incompatível com o figurino que a nossa Constituição (cfr. art. 32.º n.º 2 da CRP) desenhou ao processo penal. O princípio in dubio pro reo (Vide Cristina Líbano Monteiro in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 165 e ss.), como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa, nomeadamente, (i) a necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável, (ii) a inadmissibilidade da pena de suspeição, (iii) a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável (iv) a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo, (v) a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes e (vi) a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os Tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção. Em suma, não se afigura, em moldes adequados, a possibilidade de o Tribunal fundamentar, de forma objectivável, um juízo que presida à prática dos factos em análise, pelo Arguido H ..., e tudo considerando a ausência de provas que figuram nos autos. Por estas razões, há lugar à aplicação do princípio do in dubio pro reo, enquanto regra de valoração da prova, e em conformidade com a proibição do non liquet que vigora no nosso ordenamento jurídico (cfr. art. 20.º da CRP e art. 8.º do CC), devendo neste caso, a prova obtida ser valorada a favor do Arguido em questão. No mais, o Tribunal teve em consideração o teor dos documentos juntos com o pedido de indemnização civil, assim como o teor dos relatórios sociais juntos aos autos e por fim, o teor do certificado de registo criminal dos Arguidos. Quanto à restante matéria de facto considerada como não provada, resultou a mesma da ausência de qualquer prova testemunhal ou documental passível de a lograr provar.»
*** 3. O RECURSO: 3.1. Inconformado com aquela decisão, dela recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
3.2. Respondeu apenas o arguido H ..., invocando a intempestividade do recurso. Caso assim não seja entendido, pugna pela manutenção da decisão absolutória recorrida. 3.3. Admitido aquele e subidos os autos, neste Tribunal a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs “visto”. *** No presente caso, o recorrente (MP), para além de invocar a existência de nulidades da sentença e violação do princípio do contraditório, insurge-se contra a absolvição do arguido H ... - pretendendo, a final, que seja proferida decisão condenatória quanto ao mesmo arguido - e ainda contra a condenação imposta ao arguido L ... na parte respeitante à condição da suspensão da execução da pena de prisão em que este foi condenado. *** 2.1. O MP começa por invocar que a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 2 al. d), do CPP, em consequência da inobservância do disposto no art. 328.º, n.º 6, do CPP. Misturam-se em tal alegação três realidades distintas, que nada têm a ver umas com as outras. As nulidades de sentença são apenas as enunciadas no art. 379.º, n.º 1, do CPP, aí não cabendo a invocada. Em matéria de nulidades, rege o princípio da legalidade, por força do qual “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”. Nenhuma disposição legal comina com a nulidade a inobservância de qualquer das regras constantes dos diversos números do art. 328.º, do CPP, nomeadamente o n.º 6 invocado pelo recorrente. A sanção para o adiamento da audiência superior a 30 dias não é a nulidade, mas a perda de eficácia da prova que havia sido anteriormente produzida. A nulidade do art. 120.º, n.º 2 al. d), do CPP - nulidade dependente de arguição, como expressamente o diz a lei, e não insanável, como alega o recorrente - refere-se à omissão, em fase de julgamento, “de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”. Quais as diligências de prova que no presente caso foram omitidas e são, segundo o recorrente, essenciais à descoberta da verdade? Nenhuma foi indicada, nem nenhuma foi requerida e que tenha sido indeferida. Também a não vislumbramos. Pelo que, essa nulidade não se verifica. Associada a esta questão, suscita o MP uma outra, que é a de omissão de pronúncia quanto à nulidade invocada pelo arguido L ... em sede de audiência – na sessão que teve lugar no dia 13/4/2012, em que se procedeu à leitura da sentença. É certo que após tal leitura, o defensor do arguido L ... pediu a palavra e no uso dela disse: “O arguido L ..., não se conformando com a douta decisão proferida pelo Tribunal, vem dela imediatamente interpor recurso directamente para a acta, nos termos do arto 4110, nos. 2 e 3 do CPP., e bem assim, nos termos do arfo 1200 do CPP, vem arguir expressamente a nulidade da decisão, por preterição do disposto do arto 3280, do CPP”
Acontece, porém, que essa mesma questão, na perspectiva da nulidade do art. 120.º, do CPP, tinha sido suscitada pelo MP antes daquela sessão da audiência, mais concretamente por requerimento junto aos autos em 23/3/2012, sobre a qual foi proferido despacho, ditado para a acta da mesma sessão de audiência do dia 13/4/2012, imediatamente antes da leitura da sentença. O que aquele arguido fez foi repristinar uma questão que tinha sido decidida uns minutos antes. Daquele despacho que indeferiu a nulidade invocada pelo MP ninguém interpôs recurso, nem o MP nem a defesa. Pelo que, a aludida questão, na perspectiva da nulidade invocada, está decidida por despacho transitado em julgado. Porém, a tratar-se de nulidade de sentença - como tal a definindo o mencionado arguido, apesar da incorrecta referência ao art. 120.º - deve a mesma ser invocada em recurso, como o foi (art. 379.º, n.º 2, do CPP). Todavia, o recurso não chegou a ser admitido, porque o recorrente não apresentou a respectiva motivação. Não houve, por isso, qualquer omissão de pronúncia. Questão totalmente diversa é a de saber se, ao abrigo do disposto no art. 328.º, n.º 6, do CPP, a prova produzida em julgamento perdeu a sua eficácia, não podendo ser valorada. Dispõe o mencionado art. 328.º, com a epígrafe “continuidade da audiência”: “1 — A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento. 2 — São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes. Se a audiência não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado, é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior. 3 — O adiamento da audiência só é admissível, sem prejuízo dos demais casos previstos neste Código, quando, não sendo a simples interrupção bastante para remover o obstáculo: a) Faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por força da lei ou de despacho do tribunal, excepto se estiverem presentes outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º; b) For absolutamente necessário proceder à produção de qualquer meio de prova superveniente e indisponível no momento em que a audiência estiver a decorrer; c) Surgir qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental, cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne altamente inconveniente a continuação da audiência; ou d) For necessário proceder à elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 1 do artigo 370.º 4 — Em caso de interrupção da audiência ou do seu adiamento, a audiência retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada. 5 — A interrupção e o adiamento dependem sempre de despacho fundamentado do presidente que é notificado a todos os sujeitos processuais. 6 — O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada. 7 — O anúncio público em audiência do dia e da hora para continuação ou recomeço daquela vale como notificação das pessoas que devam considerar-se presentes.
A audiência iniciou-se em 16/2/2012, sessão na qual teve lugar a produção da prova, que foi encerrada, seguindo-se as alegações finais, após as quais foi designado o dia 16/3/2012 para leitura da sentença. Não podemos deixar de manifestar, desde logo, a nossa estranheza pelo facto de, num caso tão simples como este, se designar a leitura da decisão para um mês após o encerramento da discussão da causa, em manifesta violação do art. 373.º, do CPP - quando os princípios da continuidade e da concentração impõem a leitura imediata, excepcionando-se apenas os casos de especial complexidade da causa, nos quais, se não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, se concede um prazo de 10 dias para a leitura da mesma - , sem que se fundamente ou dê qualquer explicação (em despacho ditado para a acta) para tal dilação. Todavia, apesar da anomalia apontada, se a leitura da sentença tivesse ocorrido na data indicada (16/3/2012), nenhuma nulidade ou consequência de outra natureza teria ocorrido, já que a lei não comina com tal vício o incumprimento do aludido art. 373.º, cometendo-se mera irregularidade que se sanaria com a leitura. Todavia, tal leitura não ocorreu nesse dia 16/3/2012, pois, antes da hora da diligência marcada foi esta dada sem efeito por despacho judicial, determinando-se a elaboração de relatório social quanto a ambos os arguidos e designando-se o dia 13/4/2012 para a dita leitura da sentença. Foram entretanto juntos os relatórios sociais e, no dia designado (13/4/2012), reaberta a audiência, foi ditado para a acta (fls. 198 a 201) o seguinte despacho, que se debruçou sobre anterior requerimento do MP: Na ocasião foram os intervenientes processuais notificados da junção dos relatórios sociais (nada tendo requerido) e procedeu-se, de seguida, à leitura da sentença. Quid juris? A lei distingue as situações de interrupção da audiência e de adiamento da audiência. Enquanto à primeira situação se refere o n.º 2 do citado art. 328.º, os casos de adiamento só são admissíveis nas situações elencadas no n.º 3 da mesma norma e caso a interrupção não seja suficiente para remover o obstáculo. Uma das situações previstas na lei em que é admissível o adiamento é aquela em que é “necessário proceder à elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 1 do artigo 370.º” – alínea d), do n.º 3. No presente caso, o tribunal entendeu que era necessário proceder à elaboração de relatório social e solicitou-o aos serviços do IRS. Todavia, esse pedido foi formulado apenas um mês depois de encerrada a discussão da causa e, consequentemente, os relatórios foram juntos aos autos muito depois de decorridos os 30 dias a que se refere o art. 328.º, n.º 6 do CPP, tendo a leitura da sentença ocorrido quase dois meses após aquele encerramento. É totalmente indiferente que o pedido dos relatórios sociais tenha ocorrido em audiência, ou por despacho proferido fora desta. Tal pedido e subsequente junção aos autos de tais relatórios tem subjacente a necessidade de produção de prova suplementar quanto às condições sociais e situação económica dos arguidos, necessidade que foi reconhecida por despacho judicial, tendo tais meios de prova de ser submetidos ao contraditório, como o foram na sessão de 13/4/2012, sem prejuízo do cumprimento do demais estabelecido no art. 371.º, do CPP, na parte aplicável. Consequentemente, e em contrário do que se afirma no despacho que atrás se transcreveu, não está em causa apenas o prazo para leitura da sentença após encerramento da discussão da causa. Do que se trata aqui é de um verdadeiro adiamento da audiência para obtenção dos relatórios sociais dos arguidos, ou seja, para obtenção de novos meios de prova, cuja junção aos autos implicou a reabertura da audiência para discussão dessa nova prova em momento anterior à mencionada leitura. Nesta perspectiva, inexistem dúvidas de que a audiência foi adiada por período muito superior a 30 dias, para a junção de novos meios de prova (os relatórios sociais). «Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação; Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma.»
Na fundamentação do mesmo aresto pode ler-se: “… II - Como refere Figueiredo Dias, é na audiência de discussão e julgamento que o princípio da concentração ganha o seu maior relevo, ligando-se aí aos princípios da forma, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da imediação. Salienta, ainda o mesmo autor que «[a] oralidade e a imediação exigem uma audiência unitária, e continuada, em que tenha lugar a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo. Daqui a concentração espacial — a propósito da qual se fala também por vezes de um princípio de localização —, exigindo que a audiência se desenvolva por inteiro em um mesmo local, apropriado ao fim que com ela se pretende obter e aonde devem ser trazidos todos os participantes processuais (a sala de audiência); e a concentração temporal exigindo que, uma vez iniciada a audiência, ela decorra sem solução de continuidade até final. O artigo 328.º consagra claramente o princípio da concentração no que toca à sua manifestação temporal de continuidade da audiência: ‘a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento’. [...] Os intervalos limitativos da continuidade da audiência podem ter lugar sob a forma de simples interrupções, ou de verdadeiros adiamentos, se a simples interrupção não for bastante para remover o obstáculo (artigo 328.º, n.os 2 e 3) à interrupção ou ao adiamento por período não superior a 5 dias, o CPP liga o efeito da continuação da audiência — esta retoma -se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada: ao adiamento por tempo superior a 5 dias, e até 30, corresponde uma decisão do tribunal, oficiosa ou a requerimento, no sentido da repetição ou não de alguns dos actos já realizados; ao adiamento superior a 30 dias, em regra não admissível, liga o CPP o efeito do recomeço da audiência — a prova já realizada perde toda a eficácia (artigo 328.º, n.ºs 4, 5 e 6).» Mais refere que o CPP, ao diminuir a rigidez das legislações que ligam a distinção entre interrupção e adiamento, para efeito de a audiência continuar no primeiro caso e de recomeçar no segundo, ponderou daquele modo as ligações estreitas entre este princípio da concentração e o princípio da imediação (4) (5). … III — Ao prescrever a inadmissibilidade de um adiamento por tempo superior a 30 dias, o legislador revê-se nos princípios da imediação e da oralidade e no seu significado mais profundo em termos de compreensão global da sua função no processo e, nomeadamente, na fase de audiência. Na verdade, e como bem refere Paulo Pinto Albuquerque (12), a imediação e a descoberta da verdade são prejudicados pela interrupção da produção da prova repetidas vezes, ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação da uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado de toda a prova. Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve -se o princípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos actos processuais para que o juiz possa valer-se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos. Consequentemente, para que a oralidade seja efectiva e traga todos os benefícios inerentes à sua aplicação, torna-se necessária a produção de um mínimo de sessões de audiência ou, idealmente, a produção de apenas uma audiência. A proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu, por sua observação pessoal, e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, fruto de sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo. No que respeita à concentração, Juan Montero Aroca, enfatizando a questão de os actos processuais desenvolverem-se apenas em uma audiência ou quando muito em poucas audiências próximas no tempo entre si, afirma: «[...] la concentración supone que llos actos procesales deben desarrollarse en una sola audiência, o en todo caso en unas pocas audiencias próximas temporalmente entre si, con el objetivo evidente de que las manifestaciones realizadas de palavra por partes ante el juez y las pruebas permanezcan fielmente en la memória de éste a la hora de dictar la sentencia». Na verdade, todo o processo aquisitivo da informação em que se consubstancia a produção de prova como relação directa e imediata entre o meio de prova e o julgador perde definição e esbate-se com o distanciamento temporal. Deixa de ter sentido a afirmação de uma imediação no plano jurídico quando tal imediação é negada pela neurofisiologia e pelos mecanismos da memória. … O legislador ao fixar o prazo de 30 dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova. Saliente-se aqui que o prazo referido — 30 dias — é assumido como realidade directamente conexionada com as aquisições científicas sobre a memória o que permite a inferência que o legislador pretendeu tal prazo como realidade científica e natural e não uma mera criação processual, ligando a sua contagem a itens que nada tem a ver com tal realidade. … IV - Entende-se, assim, que, decorrido o referido prazo de 30 dias cominado no referido n.º 6 do artigo 328.º, perde eficácia a produção de prova já realizada, o que acontece independentemente do facto de a mesma estar documentada. Porém, tal perda de eficácia apenas se deve conjugar no que toca à prova produzida em relação à qual constituam o eixo essencial os referidos princípios da imediação e da oralidade, o que nos conduz, na esteira da opinião de Paulo Pinto Albuquerque e Maia Gonçalves (18), à conclusão de que a razão de ser do preceito não exige a perda de eficácia e a repetição dos meios de prova e de obtenção de prova, que não colidem com o princípio da imediação, como tal se configurando v. g. a discussão e o exame dos documentos em audiência e a leitura dos autos e declarações relativas a actos processuais realizados antes do julgamento. Por exclusão de partes, a aplicação da norma em apreço seria circunscrita a todos aqueles meios de prova em relação aos quais a imediação surge em toda a sua plenitude, como é o caso da prova testemunhal e das declarações do arguido, assistente, partes civis, perito e consultor técnico, mas já não seria aplicável aos meios de prova e de obtenção da prova onde o mesmo princípio surge em conjugação com a fixação em documento da respectiva prova. Uma outra reserva que importa efectuar é a de que a consequência da violação da norma é a perda de eficácia. Tal prova produzida tem na sua génese um correcto caminho procedimental e está imaculada em relação a qualquer patologia genética, ou seja, embora produzida de forma válida, viu a sua eficácia afectada por um acontecimento posterior, que foi o do não prosseguimento da audiência no prazo de 30 dias. Sublinha-se que não existe aqui um vício processual de qualquer tipo genético em relação à prova produzida, mas tão-somente uma perda de eficácia que tem por consequência a necessidade da sua repetição. A mesma prova produzida deixa de ter qualquer virtualidade para fundamentar a convicção do julgador ou para produzir qualquer efeito processual. A não repetição nos termos expostos é que, essa sim, configura uma omissão susceptível de configurar o vício a que alude o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do diploma citado.”
Ora, tendo em conta a interpretação da norma em causa que resulta da jurisprudência fixada e porque a audiência de julgamento destes autos esteve suspensa, em consequência do seu adiamento, desde 16/2/2012 e até 13/4/2012, não podemos deixar de reconhecer razão ao recorrente, quando defende que perdeu eficácia a prova oralmente produzida em julgamento, obrigando à sua repetição. Em consequência, é procedente o recurso do MP, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas. ***
Em conformidade com o exposto, julga-se procedente o recurso do Ministério Público, declarando-se ineficaz a prova oralmente produzida em audiência de julgamento e revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida. Sem custas. Notifique. Lisboa, 16/04/2013 (Elaborado em computador e revisto pelo relator, o 1.º signatário)
José Adriano
Vieira Lamim _______________________________________________________
|