Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9814/2005-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: BANCO
DEVER DE INFORMAR
CONTRATO DE SEGURO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Um banco está obrigada ao dever de informação dos seus clientes em relação aos elementos necessários à formação da vontade na celebração de um contrato de seguro de vida – contrato exigido para a celebração de um contrato de mútuo com hipoteca – quando intervenha na celebração desse contrato de seguro em representação de ambas as partes;
II. Tendo o banco conhecimento que a distribuição da cobertura do seguro pelos membros do casal de clientes que com ele contratou não era distribuída por ambos na mesma proporção estava obrigado a informá-los desse facto;
III. Estando os contratos de seguro de vida e de mútuo com hipoteca, ambos celebrados pelo autor e pela sua falecida esposa, coligados entre si por assentarem na mesma base negocial do contrato de mútuo são oponíveis ao banco os efeitos jurídicos que, numa primeira análise o seriam apenas em relação à seguradora;
IV. Uma vez que o banco só prestou essa informação ao autor e sua esposa cerca de dois anos e meio depois da celebração do contrato de seguro, facultando-lhes então as apólices/certificados de seguro de vida onde constavam as percentagens de cobertura da quantia mutuada em relação a cada um dos mutuários, agiu de forma negligente, incorrendo em responsabilidade civil pelos danos que estes sofreram;
Sendo de presumir que o casal teria querido distribuir a cobertura do seguro de vida em partes iguais por cada um deles, o banco é responsável pelo pagamento da quantia que não lhe foi paga pela seguradora até ao valor correspondente a metade do montante, concernente ao contrato de mútuo, que se encontrava em dívida à data do falecimento da esposa do autor e de que ele era credor.
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
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I – RELATÓRIO

a) A F T, viúvo, residente na Rua (…) em Almancil – Loulé intentou acção declarativa de condenação contra BANCO S P, S A, com sede (…) em Lisboa, visando, na procedência da acção, a sua condenação “no pagamento da totalidade dos empréstimos nº 50.501.209 e 50.501.343, no consequente distrate da hipoteca que a seu favor incide sobre o prédio do autor sito no (…) e na devolução de todas as quantias indevidamente descontadas, após a morte de sua mulher”.
Alega, para tanto, e em síntese, que no dia 8 de Maio de 1998, o autor e a sua esposa celebraram com o banco réu duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca com vista à aquisição de um imóvel para sua habitação própria permanente, através das quais se constituíram devedores da quantia global de 18.527.162$00.
Para garantia do pagamento das quantias mutuadas e para a eventualidade de algum deles falecer antes de findo o prazo para pagamento, cada um dos mutuários celebrou um contrato de seguro de vida de que era beneficiário o banco mutuante com uma companhia seguradora do mesmo grupo económico do banco, assinando os respectivos formulários de adesão fornecidos pelo banco.
Em Setembro de 2000 a esposa do autor foi vítima de uma doença grave que lhe pôs a vida em risco, tendo então o autor constatado que não tinha em seu poder, por nunca lhe terem sido entregues, as apólices dos contratos de seguro de vida aludidos.
No dia 27 de Novembro de 2000 recebeu os certificados de seguro de vida que tinham sido necessários à celebração do contrato de mútuo, tendo então verificado que, sem que nada tivesse sido referido pelo banco réu, os seguros de vida não eram idênticos já que o celebrado com o autor assegurava o pagamento de 95% do montante global da quantia mutuada e o celebrado com a esposa do autor apenas assegurava o pagamento de 5% desse montante.
De imediato solicitou ao banco réu que cada um dos seguros de vida celebrados cobrisse a totalidade das quantias mutuadas, não tendo sido satisfeita tal solicitação, dada doença de que já padecia a esposa.
A esposa do autor veio a falecer em 15 de Dezembro de 2000 em consequência da doença já mencionada, facto de que foi dado conhecimento ao banco réu, tendo a seguradora liquidado ao banco réu quantia correspondente apenas a 5% das quantias mutuadas.
Com a petição inicial juntou o autor diversos documentos.
b) Regularmente citado o Banco réu contestou o pedido formulado pelo autor pedindo a sua absolvição.
Alega, em síntese, que se as percentagens de cobertura do seguro eram diferentes tal aconteceu para beneficiar o autor, dado que este no momento da concessão do crédito mostrou alguma preocupação quanto ao montante da prestação mensal a pagar, pretendendo pagar o menos possível. Daí que, devendo a cobertura dos seguros de vida ser de montante correspondente a 100% do capital mutuado, tenha sido estabelecida uma prestação que teve em conta os rendimentos do autor distribuindo-se a cobertura do seguro por ambos os mutuários, de acordo com o que a seguradora determinasse.
Mais alega que foi comunicado ao autor que a cobertura do seguro seria de 95% em relação a si e 5% para a mulher, o que este aceitou ser reservas.
c) Os autos prosseguiram para a fase de julgamento, sendo elaborada a Base Instrutória.
Teve oportunamente lugar a audiência de julgamento.
Decidida que foi a matéria de facto controvertida viria a ser proferida douta sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo autor.
Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso o autor, recurso que foi admitido como de apelação e com efeito devolutivo.
d) O autor apelante remata as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. O apelante e a sua esposa celebraram com o apelado dois contratos de empréstimo com hipoteca para aquisição de habitação.
2. Tais empréstimos pressupõem a assunção por parte dos mutuários de determinadas garantias, entre elas a constituição de hipoteca a favor do credor;
3. E ainda nos termos da cláusula décima terceira ponto dois é obrigatória a subscrição de apólices de seguros de vida pelos mutuários;
4. Para realização dos contratos de mútuo e inerentes garantias o apelante sempre se dirigiu às instalações do apelado;
5. Sempre foi o apelado através dos seus funcionários que prestaram todas as informações quer relativamente aos contratos de mútuo, quer relativamente às garantias necessárias à celebração dos mesmos;
6. O apelante e a sua esposa assinaram as propostas de adesão dos seguros, nas instalações e perante funcionários do apelado sem que nas mesmas contivessem quaisquer dizeres manuscritos;
7. Foi o apelado quem preencheu as propostas de adesão dos seguros;
8. As apólices de seguros não foram facultadas ao apelante nem à sua esposa;
9. Em Setembro de 2000 a esposa do apelante adoeceu;
10. Em Novembro de 2000 finalmente foram as apólices facultadas ao apelante, que vem a constatar a existência de divergência nas percentagens de cobertura dos seguros no que ao capital garantido se refere;
11. O seguro de vida em nome do apelante garantia 95% do capital em dívida;
12. O seguro em nome da esposa do apelante garantia 5% do capital em dívida;
13. Foram exigidas ao apelante a subscrição de duas apólices de seguro em nome de cada um dos mutuários, tal como o exige o próprio documento complementar anexo às escrituras.
14. O apelante não conhecia sequer a possibilidade de haver divergências entre as percentagens garantidas através das apólices.
15. O apelado nunca informou o apelante de tal possibilidade;
16. Em Novembro de 2000, quando o apelante se apercebeu da diferença das percentagens de cobertura, voltou às instalações do apelado, onde aliás todas as negociações foram desenvolvidas e solicitou alteração às coberturas das apólices, o que fez perante documento fornecido pelo apelado, junto aos autos como documento nº 8 da petição inicial.
17. Tendo tal pedido sido aceite pelo apelado, no entanto teriam que subscrever-se novas apólices e dada a doença da esposa do apelante não foi possível subscrevê-las.
18. Em Dezembro de 2000 a esposa do apelante faleceu.
19. A seguradora apenas liquidou 5% dos capitais em dívida nos empréstimos.
20. O apelado agiu em nome e representação da seguradora, tendo celebrado as apólices objecto do litígio, entregando-as ao apelante para este e a sua esposa assinarem e preencheu os respectivos campos de preenchimento manualmente.
21. O apelado não prestou as informações necessárias e correctas no que aos termos de subscrição dos seguros se refere.
22. O apelado constituiu-se no dever de indemnizar, nos termos do disposto nos artigos 485º e 573º do Código Civil.”

e) Por sua vez o Banco apelado, apresentou as suas contra – alegações que concluiu pela forma seguinte:
“1. A apelada concedeu um crédito ao Apelante e sua mulher, Maria (...) para aquisição de um imóvel e realização de obras no valor global de Esc. 18.627.536$00.
2. Para garantia do crédito concedido foi contratado entre as partes que o Apelante e sua mulher fizessem um seguro de vida para garantia integral da quantia mutuada.
3. Este seguro constituía uma garantia a favor da Apelada, estabelecida à luz da liberdade contratual das partes e decorrente da própria lei – artigo 23º nº 2 do Dec. Lei nº 349/98 de 11 de Novembro supra citado, prevê que em reforço da hipoteca da habitação adquirida " (.) poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo, ou outras garantias consideradas adequadas ao risco do empréstimo pela instituição de crédito mutuante" (destaque nosso);
4. Do estipulado nos contratos de mútuo com hipoteca, bem como da lei, resulta, apenas e só, que o seguro de vida tem que cobrir o montante total do capital mutuado, independentemente das percentagens de cobertura referentes a cada um dos mutuários.
5. No exclusivo interesse do apelante e sua mulher, o seguro de vida contratado teve uma cobertura de 100%, independentemente da percentagem atribuída a cada um dos mutuários.
6. Encontra-se provado na alínea GG) da fundamentação de facto da douta sentença: “Para que o Autor não fosse mais onerado, a Ré, em relação ao seguro de vida, apenas exigiu que a cobertura fosse de 100%, mas distribuída essa percentagem por ambos os mutuários, de acordo com aquilo que viesse a ser determinado pela seguradora”.
7. Ficou também sobejamente provado que “as percentagens de cobertura dos empréstimos atribuídas ao Autor e sua esposa foram determinados exclusivamente pela seguradora" (cf. alínea HH) da fundamentação de facto da douta sentença)
8. A apelada é, exclusivamente, beneficiária do seguro, não respondendo pelos deveres contratuais que incumbiam à seguradora, nomeadamente, deveres de informação.
9. Todos os deveres de informação, de troca de documentação e condições contratuais que dizem respeito ao contrato de seguro, competiam à seguradora, pelo que era junto dela que o Apelante teria que solicitar todos os esclarecimentos que entendesse por convenientes.
10. Não pode ser a apelada condenada nos termos do artigo 485º nº 2 do Código Civil, porquanto a obrigação de indemnizar só existe, porém, quando quem dá o conselho ou recomendação, /1(. . .) tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível";
11. Não impendia qualquer dever jurídico da Apelada, de aconselhar o Apelante sobre o seguro que o mesmo devia de contratar.
12. “A responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, quando haja dever jurídico de as prestar e se actua com dolo ou negligência (482º nº 2 do Código Civil) verifica-se se esse dever resultar de um contrato (mandato, prestação de serviços, empreitada) ou surgir em resultado de uma dúvida fundada do titular do direito à informação relativamente à respectiva existência ou conteúdo (ou amplitude) e houver quem esteja em especiais condições de prestar as informações necessárias" (cf. Acórdão Relação de Lisboa, 22.05.1992, CJ, 1993, 3°, 188)
13. A apelada, apenas, exigiu que lhe fosse exibido o comprovativo do seguro de vida que cobrisse o montante do empréstimo. (A partir daí as condições do seguro e até a própria seguradora quem contratou foram livremente aceites pelo Apelante).
14. Nunca o Apelante colocou qualquer dúvida sobre o conteúdo do contrato de seguro, nem aliás, o podia fazer, porque sempre teve conhecimento das suas condições e, sobretudo, das percentagens das suas coberturas.
15. Não existia igualmente qualquer fixação convencional que determinasse para a Apelada qualquer dever de informar sobre as condições do seguro.
16. A apelada em obediência ao princípio da boa fé estava apenas obrigado a prestar informações sobre os contratos de mútuo com hipoteca.
17. Não foi feita qualquer prova de que a apelada tivesse actuado com negligência e muito menos dolo em todo este processo.
18. Conclui-se, assim, como na douta sentença recorrida que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à apelada”.
f) Colhidos os vistos legais cumpre agora apreciar e decidir, ao que nada obsta.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
São os seguintes os factos provados, tal como descritos na decisão recorrida:
“1. No dia 8 de Maio de 1998 o autor e sua mulher Maria (…), celebraram com o Réu duas escrituras públicas de empréstimo com hipoteca, destinados à aquisição de um imóvel, sito no (…), freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o nº 5180/240492, para habitação própria permanente, o empréstimo nº 50.501.209 e para realização de obras no mesmo imóvel, o empréstimo nº 50.501.343.
2. Através das respectivas escrituras públicas o autor e a sua mulher constituíram-se devedores do réu, no valor de € 67.473,20 (sessenta e sete mil quatrocentos e setenta e três euros e vinte cêntimos) numa e no valor de € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), noutra, montantes a que devem acrescentar juros remuneratórios a taxa variável anualmente.
3. Para garantia destes mútuos o autor e a sua mulher constituíram uma hipoteca sobre o mencionado imóvel, a favor do Réu.
4. Para garantia do capital mutuado o autor e a sua mulher subscreveram, cada um, um seguro de vida, a favor do Réu, cobrindo o risco de falecimento ou de invalidez total e/ou permanente até ao limite do que no momento de qualquer desses acontecimentos estivesse em dívida ao Réu.
5. O autor e a sua esposa assinaram os boletins de adesão referentes ao seguro de vida que celebraram com a Companhia de Seguros (…) – Grupo (…).
6. Os valores referentes aos seguros eram descontados da conta que o autor e a sua esposa mantinham junto do Réu.
7. O seguro realizado em nome do autor, cobria uma percentagem de 95% dos empréstimos referidos em A) e B) (pontos 1 e 2 supra).
8. O seguro realizado em nome da esposa do autor, cobria uma percentagem de 5% dos mesmos empréstimos.
9. Em Setembro de 2000 a esposa do autor foi vítima de uma doença designada por Hidatidose Hepática Grave.
10. Em 27 de Novembro de 2000 o autor solicitou ao Réu que cada um dos seguros de vida realizados para garantirem os ditos empréstimos os garantisse a 100%.
11. A esposa do autor faleceu em 15 de Dezembro de 2000.
12. Com a data de 6 de Dezembro de 2001 o autor enviou ao Réu a missiva junta a fls. 60 e 61, que este recebeu e cujo teor se dá por reproduzido (No documento em causa o ora autor, através de um advogado, reclama do banco ora réu a restituição das quantias levantadas da conta de que era titular desde o falecimento da esposa do autor e a cessação das cobranças bem como o envio dos documentos necessários ao distrate da hipoteca).
13. Com a data de 21 de Janeiro de 2002 o Réu respondeu ao autor através da missiva junta a fls. 62, cujo teor se dá por reproduzido (No documento em causa o banco réu acusa a recepção de uma reclamação do autor, afirmando que, logo que possível, prestaria os esclarecimentos necessários)
14. Com a data de 22 de Maio de 2002 o Réu enviou ao autor a missiva junta a fls. 63, cujo teor se dá por reproduzido (Cujo teor é o seguinte:
“Exmº Senhor,
Na sequência da carta que nos foi endereçada, e concluída a análise da situação que colocou à nossa consideração, relativa aos seguros de vida, dirigimo-nos a V. Exa. no sentido de prestar os esclarecimentos que são devidos.
Quando da contratação dos empréstimos hipotecários nº 50.501.209 e nº 50.501.343, ficou acordado que a percentagem de cobertura para ambos os empréstimos seria de 95% para V. Exa. e de 5% para a Sra D. Maria (…). Em Novembro de 2000, foi solicitado por V. Exa, a alteração da cobertura do seguro para 100%, o que obrigava ao preenchimento de novas apólices, como a Sra D. Maria (…) já se encontrava doente, não se procedeu a essa alteração.
Após o óbito da Sra D. Maria (…), a Seguradora pagou a indemnização de acordo com a percentagem de seguro que a cliente tinha, tendo sido amortizados, em 22/08/01, o empréstimo nº 50.501.209 pelo valor de 634.074$00, e o empréstimo nº 50.501.343 pelo valor de 234.914$00.
Uma vez que a dívida foi apenas amortizada parcialmente, não houve lugar à emissão do documento de distrate. Assim, os empréstimos mantêm-se em vigor e as prestações têm sido cobradas normalmente, bem como, os prémios dos seguros em nome de V. Exa.
Certos da melhor compreensão e de que poderemos continuar a demonstrar o nosso empenho em encontrar soluções adequadas às expectativas de V. Exa., ficamos ao dispor em qualquer questão que entenda necessário esclarecer.
Com os melhores cumprimentos,”).
15. As quantias referidas no (documento mencionado no) item anterior amortizaram parcialmente os montantes em dívida pelo autor.
16. Foi o Réu que se prontificou a realizar todas as formalidades referentes à realização dos seguros de vida, informando o autor de que o grupo económico a que pertencia tinha uma Companhia de Seguros (…) Grupo (…), bastando, para tanto, que o autor e a sua mulher assinassem os boletins de adesão que o próprio réu lhe forneceu.
17. O Autor e a esposa assinaram os boletins de adesão referidos em E) (ponto nº 5 supra) sem estes conterem quaisquer dizeres manuscritos.
18. Os boletins foram preenchidos nessa parte pelo Réu.
19. Nem o autor nem a sua esposa receberam os certificados dos seguros de vida que tinham contratado.
20. Após tomar conhecimento da doença da esposa o autor solicitou ao Réu o envio das apólices / certificados de seguro.
21. Tendo recebido os mesmos em 27 de Novembro de 2000.
22. E só nessa data em face dos certificados, o autor constatou que as percentagens de cobertura dos empréstimos eram diferentes para ele e para a esposa.
23. Situação de que o Réu nunca lhe dera conhecimento.
24. Estando o autor e a esposa convictos de que cada seguro cobria a totalidade dos valores a garantir até porque o Réu lhes exigiu seguros aos dois.
25. O autor comunicou ao Réu o falecimento da sua esposa.
26. Após o falecimento da esposa do Autor o Réu continuou a descontar as rendas referentes aos empréstimos e aos valores seguros na totalidade.
27. O autor dirigiu-se várias vezes aos balcões da Ré, em Faro, a fim de esclarecer o porquê de continuarem a ser descontados da sua conta bancária, as rendas e os seguros na totalidade.
28. Porém, o Réu continuou sem nada fazer.
29. Porque o autor tivesse manifestado perante o Réu a vontade de pagar mensalmente uma quantia mais pequena possível o Réu estabeleceu uma prestação que tivesse em conta os rendimentos do cliente e o montante do empréstimo.
30. Para que o autor não fosse mais onerado, o Réu em relação ao seguro de vida, apenas exigiu que a cobertura fosse de 100%, mas distribuída essa percentagem por ambos os mutuários de acordo com aquilo que viesse a ser determinado pela seguradora.
31. As percentagens de cobertura dos empréstimos ao autor e sua esposa foram determinados exclusivamente pela seguradora.
32. O autor pretendia alterar as percentagens de cobertura para 100% em relação a cada um dos segurados.
33. O Réu atenta a solicitação do autor e por mera liberalidade diligenciou junto da seguradora (…) a forma como deveria proceder à referida alteração.
34. Para promover a referida alteração era necessário subscrever novas apólices e preencher novos questionários sobre a saúde do autor e da sua mulher.
35. Como a mulher do autor já se encontrava doente, não foi possível junto da seguradora concretizar tal pretensão.
36. Esta impossibilidade foi, de imediato, comunicada pelo Réu ao autor.
B) O DIREITO
As conclusões das alegações apresentadas pelo autor apelante delimitam, como é sabido, o objecto do recurso.
De acordo com tais conclusões as questões colocadas pelo autor neste recurso de apelação centram-se numa única questão para cuja resposta se tornará necessário, porém, colocar e dar solução a outras questões que nela convergem:
O Banco apelado pode ser civilmente responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo apelante decorrentes da falta de informação sobre a forma como foi distribuída a cobertura do seguro de vida pelo apelante e sua falecida esposa no âmbito do contrato celebrado com uma terceira, seguradora?
1) Na douta sentença recorrida considerou-se que o banco apelado não estava vinculado a prestar qualquer informação relativa ao contrato de seguro de que não era parte, apenas devendo fazê-lo em relação ao contrato de mútuo com hipoteca.
E como o pedido feito pelo autor assenta na violação do dever de informação que impenderia sobre o banco réu, foi a acção julgada improcedente.
Sem embargo da aparente correcção formal da solução encontrada, e ressalvando sempre o respeito que é devido a opiniões contrárias afigura-se-nos que a análise feita na douta sentença recorrida não ponderou todos os aspectos necessários à aplicação de uma solução mais de acordo com o Direito e a Justiça.
Referimo-nos em particular à análise e ponderação do contexto em que teve lugar a celebração dos dois contratos invocados pelo autor (contrato de seguro de vida e de mútuo) e do papel que nessa contratação teve o banco ora apelado.
2) Nos termos do artigo 485º nº 1 do Código Civil os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam, em princípio, quem os dá, mesmo ocorrendo negligência da sua parte.
Atente-se, porém, que nos casos excepcionais previstos no artigo 485º nº 2 do Código Civil existe obrigação de indemnizar quando haja o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar.
E, nos termos do artigo 573º do Código Civil “a obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias”.
Havendo o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação é igualmente gerador de responsabilidade civil a respectiva omissão, nos termos do artigo 486º do Código Civil.
Vejamos então se impendia sobre o Banco apelado o dever jurídico de prestar ao autor e sua falecida esposa informação sobre as condições em que foi celebrado o contrato de seguro entre o autor e a esposa, como segurados e a seguradora “(…)” entidade assumidamente integrante do mesmo grupo económico do banco, como seguradora, sendo beneficiário dos seguros o banco ora apelado.
3) É um facto que estamos perante dois contratos formalmente autónomos: o contrato de mútuo celebrado entre o banco apelado e os seus clientes – o autor e sua falecida esposa – por um lado e o contrato de seguro de vida celebrado entre os mesmos clientes do banco e a seguradora, por outro.
Mas também é uma realidade demonstrada nos autos que o banco apelado, entidade beneficiária do seguro, teve intervenção directa na celebração do contrato de seguro e, ao menos aparentemente, como representante de ambas as partes.
a) O banco agiu nesse contexto como representante dos seus clientes ao proceder ao preenchimento dos elementos manuscritos (Anota-se que no Boletim de Adesão não se mostra preenchido o campo referente à “percentagem do valor do empréstimo a segurar pelo Segurado”) no “Boletim de Adesão” ao “Seguro de Vida Grupo Crédito à Habitação” que lhes forneceu e que eles se limitaram a assinar, inclusive quanto aos elementos referentes ao seu estado de saúde e ao proceder ao desconto dos prémios dos seguros directamente na conta de que eles eram titulares para pagamento da seguradora;
E se dúvida houvesse quanto ao facto de o banco apelado não ser um simples terceiro estranho a toda a contratação a simples análise do mencionado “Boletim de Adesão” se encarregaria de as desfazer: dele constam inequivocamente obrigações para o banco perante a seguradora (nomeadamente a obrigação de comunicação mensal da evolução do valor do saldo em dívida) e, uma zona reservada ao banco onde consta a assinatura do seu funcionário que procedeu ao preenchimento do boletim de adesão.
b) Mas o banco também teve intervenção na celebração do contrato de seguro como representante da seguradora como resulta claramente do facto de ter proposto a contratação do seguro com aquela específica seguradora que fazia parte do mesmo grupo económico e de se prontificar a realizar todas as formalidades inerentes à contratação dos seguros de vida, propondo (cf. ponto nº 16 dos factos assentes).
4) Intervindo o banco apelado como representante da seguradora junto do autor e esposa, seus clientes e também como representante destes junto daquela, sobre ele também impendia a obrigação de prestar todas as informações necessárias à formação da vontade na celebração do contrato de acordo com o princípio geral da boa fé (cf. artigo 227º nº 1 do Código Civil).
No caso dos autos, aliás, tal obrigação parece especialmente reforçada se atentarmos na circunstância de se tratar de uma relação estabelecida entre uma instituição de crédito e um cidadão aparentemente leigo em assuntos jurídicos e que depositará fundadamente naquela instituição uma especial confiança de regularidade dos procedimentos.
5) O banco apelado tinha conhecimento de que a cobertura do seguro de vida estabelecido pela seguradora correspondia a 95% do montante da quantia mutuada que estivesse em dívida em relação ao autor e de 5% em relação à sua falecida esposa. Alega-o na contestação.
Alegou também, mas não provou, como lhe competia, que comunicou esse facto ao autor e que ele tinha aceite tal repartição da cobertura do seguro de vida sem qualquer reserva.
O banco apelado não logrou provar que tivesse procedido a tal comunicação nem que o autor tenha aceite a repartição que veio a ser estabelecida (cf. resposta ao artigo 17º da Base Instrutória que continha a matéria do artigo 25º da contestação).
6) Era exigível ao autor e sua esposa que previssem, mesmo face ao possível acordo quanto ao menor valor da prestação mensal a pagar ao banco, que a repartição da cobertura do seguro seria aquela que foi, aparentemente sem qualquer razão plausível, fixada pela seguradora?
Teriam eles contratado caso fossem informados de que era essa a repartição do seguro que a seguradora viria a fazer sem os auscultar?
Tratando-se de condições essenciais à decisão de contratar, impendia sobre o banco apelado a obrigação de informar o autor e a sua falecida esposa acerca dos exactos termos do contrato de seguro de vida celebrado por seu intermédio e de que tinha conhecimento, nomeadamente, sobre qual a quantia que estava efectivamente garantida em caso de falecimento de cada um deles.
7) Mas o banco réu, desde a celebração dos contratos e até 27 de Novembro de 2000, como vem provado, nunca deu conhecimento ao autor e à esposa que as percentagens de cobertura previstas em cada um dos contratos de seguro de vida eram diferentes para um e outro.
Só nessa data, cerca de dois anos e meio volvidos sobre a celebração dos contratos, e após solicitação dirigida ao réu nesse sentido, foram facultadas ao autor as apólices/certificados de seguro de vida onde constavam as percentagens de cobertura da quantia mutuada em relação a cada um dos mutuários.
A demora em prestar o esclarecimento a que o banco estava obrigado não se mostra justificada.
Em matéria de responsabilidade civil a culpa é apreciada, na ausência de outro critério legal, de acordo com a diligência de um bom pai de família (artigo 487º nº 2 do Código Civil).
O banco apelado podia e devia, pelo acima exposto e de acordo com as circunstâncias concretas que rodearam a celebração dos contratos, ter informado o autor e a sua esposa acerca das condições em que foram celebrados com a seguradora os contratos de seguro de vida, logo que delas teve conhecimento.
Não o fazendo agiu de forma negligente.
8) Admitamos, porém, como mera hipótese, que o banco apelado não interveio na contratação do seguro de vida com o autor e sua esposa em representação da companhia seguradora.
Será, ainda assim, possível afirmar que sobre o banco impendia o dever jurídico de prestar informações ao autor e sua esposa sobre os termos em que foi celebrado o contrato de seguro de vida?
9) O desenvolvimento do comércio jurídico e as condições em que são concretamente celebrados hoje em dia alguns contratos sem prévia e efectiva negociação e envolvendo diversos agentes económicos, tem feito com que alguns autores, no âmbito da tutela dos interesses dos consumidores, defendam o alargamento dos efeitos dos negócios jurídicos para além dos seus limites tradicionais entre as partes contratantes.
E no âmbito da actividade bancária e para-bancária acrescem ainda princípios básicos de actuação como a simplicidade e a eficácia que justificam a adopção de um tal desvio pelas contrapartidas que proporcionam (Cf. Nuno Ribeiro Coelho in “O consumo e a tutela do consumo no âmbito do crédito ao consumo – Algumas questões” publicado na Revista do Ministério Público nº 103 a fls. 79 e ss).
Sob esse impulso tem vindo a ser doutrinalmente desenvolvida a figura da união ou coligação de contratos (Cf. Fernando de Gravato Morais in “União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo – Efeitos para o Financiador do Incumprimento pelo Vendedor” – Almedina 2004) através da qual se justifica que os efeitos jurídicos típicos de um contrato vinculem ou sejam oponíveis a uma parte objectivamente terceira em relação a ele mas que é parte de um contrato conexo desde que tal conexão se funde na mesma base negocial.
Essencial à produção de tais efeitos da união ou coligação de contratos é a existência de uma conexão interna estreita de ambos com a relação negocial subjacente.
10) No caso dos autos estamos perante dois contratos formalmente distintos surgindo em ambos como partes contratantes o autor e a sua falecida esposa.
Entre os dois mencionados contratos (seguro de vida e mútuo) existe um nexo de ligação evidente, uma vez que ambos assentam na mesma base negocial centrada no mútuo contratado com o banco apelado, sendo ainda certo que no caso dos autos o contrato de seguro, não sendo obrigatório, foi tido pelo banco como condição essencial à celebração do contrato de mútuo com o autor e sua esposa.
O dever jurídico de prestar ao autor informações sobre o contrato de seguro celebrado com a seguradora do mesmo grupo económico do banco apelado tem uma conexão interna, estreita e íntima com a relação negocial de mútuo existente entre o banco apelado e o autor e sua esposa.
Tal relação torna oponíveis ao banco os efeitos jurídicos que numa primeira análise o seriam apenas em relação à seguradora.
Daí que, também por esta via, seja de concluir que o banco apelado tinha o dever de prestar tais informações ao autor e sua esposa (Cf. Jorge Ferreira Sinde Monteiro – “Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações” – Almedina – 1989 a página 55 a 57 e referindo um caso com contornos próximos do presente, julgado em França a página 367 nota 95), pelo que a omissão negligente de tal dever jurídico gera obrigação de o indemnizar pelos danos causados por tal omissão.
11) E de que danos estamos a falar?
Dos danos que estejam com a omissão geradora da responsabilidade civil numa relação de causalidade adequada, de acordo com a regra do artigo 563º do Código Civil.
Importa, no entanto, quanto a este aspecto, ir um pouco mais fundo.
12) Relevam para o efeito de responder à questão colocada no número anterior os factos 29 e 30 descritos no ponto II – Fundamentação A) Os factos.
Aí se consigna que ficou provado que o autor manifestou perante o réu vontade de pagar a mais baixa quantia mensal possível e que, por isso, para que o autor não fosse mais onerado, o banco apenas exigiu que a cobertura fosse da totalidade da quantia mutuada, e que estivesse em dívida em cada momento, mas distribuída por ambos os mutuários, de acordo com o que viesse a ser determinado pela seguradora.
Porque o banco nunca informou, até 27 de Novembro de 2000, como seria ou como tinha sido feita tal distribuição, a declaração negocial feita pelo banco apelado em representação da companhia seguradora continua a valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do autor e da esposa, possa deduzir do comportamento do declarante, tal como previsto no artigo 236º nº 1 do Código Civil.
Mas não havendo matéria de facto assente que permita, com toda a segurança, afirmar qual o sentido real da declaração negocial haverá que, lançando mão do preceituado no artigo 239º do Código Civil (Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”), integrar a declaração de acordo com a vontade que as partes teriam tido se tivessem previsto o ponto omisso.
Ora extrai-se da matéria dos autos que a base negocial comum aos contratos a que os autos aludem foi a aquisição para o património comum do casal de um imóvel, para sua habitação própria e permanente, constituindo-se o casal devedores solidários perante o banco sacado da quantia mutuada e legais acréscimos.
Assim sendo e porque não se vislumbram razões para uma distribuição da cobertura do seguro entre os mutuários tão desequilibrada quando a sua responsabilidade é de igual medida, parece adequado concluir que a integração da declaração negocial deve ir no sentido de fixar em 50% (cinquenta por cento) a cobertura de cada um dos seguros de vida em relação ao montante da quantia em dívida em cada momento.
13) Com o falecimento da esposa do autor verificou-se a condição prevista no contrato de seguro para produção dos respectivos efeitos jurídicos, nomeadamente o nascimento da obrigação de pagamento de metade da quantia em dívida por parte da entidade seguradora.
Pelo acima exposto, o banco apelado tornou-se responsável pelo pagamento da quantia que não foi paga pela seguradora até ao valor correspondente a metade do montante que se encontrava em dívida à data do falecimento da esposa do autor concernente aos contratos de mútuo celebrados com o autor e sua esposa e de que ele era credor, isto é, por 45% (quarenta e cinco por cento) do valor em dívida nesse momento, uma vez que os restantes 5% (cinco por cento) já foram pagos pela seguradora e deduzidos da quantia em dívida.
14) Também com o falecimento da esposa do autor a obrigação de pagamento mensal das prestações referentes às quantias mutuadas por parte deste ficou reduzida a metade a partir da comunicação ao banco apelado desse facto.
Da conjugação dos factos 25º e 26º não resulta, porém, claro quando foi feita a comunicação ao banco do falecimento da esposa do autor, sendo certo que só a partir da comunicação desse facto é exigível ao banco que o leve em consideração.
Daí que no caso dos autos não haja elementos para concluir pela responsabilidade do banco réu na devolução de quantias que, em verdade, já não seriam devidas.
15) Em conclusão, o recurso de apelação interposto pelos autores deve ser julgado parcialmente procedente, sendo a procedência do recurso limitada à condenação do banco réu no pagamento da quantia necessária a perfazer metade do valor da quantia em dívida à data do falecimento da esposa do autor e de que era credor.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam em:
a) Revogar a douta decisão recorrida;
b) Dar parcial provimento ao recurso interposto pelo autor;
c) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor e, em conformidade:
1. Condenar o banco réu no pagamento da quantia correspondente a quarenta e cinco por cento do valor referente aos contratos de mútuo com hipoteca referenciados com os nº 50.501.209 e 50.501.343 que estava em dívida à data do falecimento da esposa do autor – Maria Manuela Pires de Lima Telo (15 de Dezembro de 2000) – e de que o banco era credor;
2. Absolver o banco réu do restante pedido.
d) Condenar o autor e o banco réu no pagamento das custas da acção, na proporção de dois terços para o autor e de um terço para o banco réu.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006
Manuel José Aguiar Pereira
José Gil de Jesus Roque
Arlindo de Oliveira Rocha