Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11243/14.0T2SNT-C.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
REQUERIMENTO PROBATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Efectuada audiência prévia, destinada apenas aos fins previstos nas als. a) e b) do nº1 do art. 591º, tem de se entender que foi dispensada a sua realização para os demais fins a que se reporta esse preceito.
-Uma vez proferido o despacho referido no nº2 do art. 593º, assiste, assim, às partes o direito de requerer a realização de audiência com a finalidade prevista no nº3 desse artigo - naquela igualmente se lhes facultando a alteração do requerimento probatório, anteriormente apresentado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:       Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. A... e  F... vieram, na acção contra si movida por R..., a correr termos na comarca de Lisboa Oeste - Instância Central de Sintra, requerer a realização de audiência prévia, destinada a apreciar as reclamações que pretendem deduzir contra o despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, bem como a alteração do requerimento probatório por si apresentado.

Proferida decisão, indeferindo o requerido, dela interpuseram os RR. o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões :

-Pelo despacho de 21.5.2015 foi convocada audiência prévia, apenas "com os objectivos previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 691° do CPC".

-No dia 30.6.2015 realizou-se a audiência prévia, somente para os indicados fins, não tendo sido proferido despacho saneador, nem o despacho previsto no n°1 do art. 596° ("despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova"), os quais só vieram a ser proferidos, por escrito, em 7.7.2015.

-Os RR., ora apelantes, pretendendo reclamar do despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, bem como alterar o requerimento probatório ao abrigo do disposto no nº1 do art. 598° do CPC, requereram a realização de audiência prévia destinada a apreciar as reclamações que pretendiam apresentar e, bem assim, a admitir a alteração do requerimento probatório (art. 593°, nº3).

-A Mª Juiz a quo entendeu que a requerida audiência prévia não podia ter lugar porque já fora "realizada audiência prévia, ainda que com outro objecto, não se enquadra na previsão do citado preceito, unicamente aplicável à dispensa de tal diligência".

-Porém, não é aceitável que o direito das partes requererem a realização da audiência prévia esteja limitado aos casos de dispensa total de tal diligência, pois, a prevalecer este entendimento, estaria encontrada a forma de dispensar sistematicamente a audiência prévia, bastando, para tanto, marcá-la com o fim único previsto na al. a) do art. 591° ("realizar tentativa de conciliação"), ficando automaticamente prejudicada a realização de nova audiência prévia para qualquer dos fins previstos nas als. b), c), d), f) e g) do nº1 do art. 591°.

-Mas não é esse o objectivo preconizado no novo Código de Processo Civil, que atribuiu deliberadamente um papel estruturante à audiência prévia, tornando-a, em princípio, obrigatória, como consta expressamente da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 113/XII.

-É certo que o art. 593° permite a dispensa da audiência prévia quando esta se destina apenas a proferir despacho saneador, despacho de adequação formal ou despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

-Mas, neste caso, as partes têm o direito a reclamar dos referidos despachos, prevendo a lei que, para o efeito, requeiram a realização de audiência prévia, nos termos previstos no art. 593°, nº3, como resulta expressamente da lei e ensina José Lebre de Freitas, in Acção Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., pág. 199.

-E não se diga que o direito das partes requerem a realização da audiência prévia só se aplica aos casos de dispensa total dessa diligência, pois esta interpretação não tem qualquer suporte na letra da lei.

-Pelo contrário, em vista à harmonização do sistema, impõe-se equiparar a situação de dispensa da audiência prévia no seu todo à situação dos presentes autos em que ocorreu uma dispensa parcial, posto que tal audiência foi convocada expressamente apenas para os fins previstos nas als. a) e b) do nº1 do art. 591º.

-Na prática, o que se passou foi que a audiência prévia foi dispensada para os fins previstos nas als. c), d), e), f) e g) do citado nº1 do art. 591°, logo assistia aos RR. / reconvintes o direito de requerer, como requereram, a realização da audiência prévia para o efeito de nela apresentarem as suas reclamações, como está previsto precisamente no mesmo artigo que regula a dispensa da audiência prévia.

-E não se diga que os RR. deveriam ter apresentado as reclamações por escrito, nos termos do disposto no art. 596º, nº2, pois, esta hipótese está reservada às situações de não realização da audiência prévia, previstas no art. 592° não se aplicando às de dispensa da audiência prévia (art. 593°).

-A Mª Juiz a quo, ao indeferir a requerida realização da audiência prévia por não se verificar a dispensa em absoluto de tal diligência, fez errada interpretação do disposto no nº3 do art. 593º e errada aplicação do disposto no nº2 do art. 596°.

-Os RR., no seu requerimento de 4.9.2015, também declararam pretender alterar o requerimento probatório, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 598° do CPC - o que a lei admite também quando a audiência prévia tenha lugar a requerimento das partes e venha a realizar-se nos termos e para os efeitos previstos no nº3 do art. 593°, como é o caso dos autos - e, subsidiariamente, requereram que o requerimento probatório apresentado in fine da sua contestação fosse alterado pela forma que indicaram.

-Esta pretensão dos RR. foi indeferida por, segundo o despacho recorrido, inexistir fundamento legal para ser designada nova audiência prévia e também o requerimento feito subsidiariamente veio a ser indeferido atento o seu objecto ("não consiste na alteração ao rol de testemunhas").

-Este último indeferimento veio coroar um procedimento que é, todo ele, contrário é lei, pois os RR. veem-se confrontados com um despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, proferido sem prévio debate das partes em audiência prévia; sem ter sido objecto de reclamação; sem terem sido as reclamações objecto de decisão; sem poder ver alterado o seu requerimento probatório em função justamente dos temas da prova enunciados (sem sua intervenção nem fiscalização).

-Situação que não se aceita por se entender que o despacho recorrido sancionou uma omissão de acto que a lei prescreve, o que constitui irregularidade que pode influir no exame e na decisão da causa, configurando nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195º - vicio que se argui, pode ser objecto de recurso e declarado pelo Tribunal ad quem, como é jurisprudência uniforme dos tribunais superiores (cfr., por todos, ac. Rel. Porto de 29.9.2015, Proc. 128/14.0T8PVZ.P1).

-Foi feita errada interpretação do disposto nos arts. 593°, nº3, e no nº1 do art. 598°, conjugadamente com o disposto no nº1 do art. 591°, normas que deveriam ter sido interpretadas no sentido de ser reconhecido aos RR. / reconvintes o direito de requererem a realização da audiência prévia para reclamar do despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, apesar de já ter sido realizada uma audiência prévia, exclusivamente com os fins previstos nas als. a) e b) do art. 591º; e também o direito de alterarem o requerimento probatório na requerida audiência prévia ou por deferi- mento do requerimento escrito que subsidiariamente fizeram.

-Nestes termos, deverá ser proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso, revogue o despacho recorrido, por manifesta nulidade processual, com a consequente anulação dos termos subsequentes entretanto praticados, e ordene a realização de audiência prévia para os fins previstos no nº3 do art. 593° e no nº1 do art. 598°.

Em contra-alegações, pronunciou-se a apelada pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
 
A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação do despacho que indeferiu a realização da requerida audiência prévia.

Dispõe o art. 593º,  nº1, daquele diploma que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas als. d), e) e f) do nº1 do art. 591º.

Devendo, em tal caso (nº2 cit. art.), nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, proferir : a) despacho saneador, nos termos do nº1 do art. 595º; b) despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no nº1 do art. 6º e no art. 547º; c) o despacho previsto no nº1 do art. 596º; d) despacho destinado a programar os actos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas.

Todavia, nos termos do nº3 do mesmo artigo, se alguma das partes pretender reclamar dos despachos previstos nas als. b) a d)do número anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia - devendo, neste caso, a audiência realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinando-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na al. c) do nº1 do art. 591º.

Sendo que, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 598º, o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no art. 591º ou nos termos do disposto no nº3 do art. 593º.

No caso, tendo embora sido efectuada audiência prévia, destinou-se a mesma apenas aos fins previstos nas als. a) e b) do nº1 do art. 591º - pelo que se tem de entender que foi dispensada a sua realização para os demais fins a que se reporta esse preceito.

Ao invés do decidido, se deve, assim, concluir que, uma vez proferido o despacho referido no nº2 do art. 593º, assiste às partes o direito de requerer a realização de audiência com a finalidade prevista no nº3 desse artigo - naquela igualmente se lhes facultando a alteração do requerimento probatório, anteriormente apresentado.

3.Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que designe data para a realização de audiência prévia, nos termos requeridos.
Custas a fixar a final.


Lisboa,10.3.2016


Ferreira de Almeida
Catarina Manso
Lima Gonçalves
Decisão Texto Integral: