Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RIJO FERREIRA | ||
| Descritores: | NEGLIGÊNCIA MÉDICA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/13/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | Não padece de ilicitude a omissão, por parte de equipa médica, de procedimento (cesariana) solicitado pela parturiente. Tal omissão só será ilícita no caso de se alegar e provar a verificação de um quadro clínico que, segundo as legis artis, torne aconselhável tal procedimento. R.F. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – Relatório A… intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Hospital … (tendo sido chamada a intervir, enquanto seguradora do Réu, S…) pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 50.000 a título de danos não patrimoniais, com juros desde a citação, e ainda as despesas com tratamentos e medicamentos que venham a ser necessárias em virtude das lesões que lhe foram causadas no momento do parto que teve lugar nos serviços de obstetrícia do Réu. O R. e chamada contestaram afirmando que as lesões sofridas constituem riscos próprios do parto, não se tendo verificado qualquer ilicitude a que possa ser imputada a sua ocorrência. A final foi proferida sentença que, considerando não estar demonstrada a prática de qualquer conduta ilícita à qual posse ser imputada a ocorrência das lesões ocorridas aquando do parto, julgou a acção improcedente, absolvendo do pedido. Inconformado, apelou o A. concluindo, em síntese, pela ocorrência de negligência da equipa médica ao optar pelo parto vaginal, desconsiderando o pedido de parto por cesariana em virtude de complicações de gravidez efectuado por sua mãe e a anuência ao mesmo por parte do médico que inicialmente a observou. Apenas a chamada contra-alegou, propugnando pela manutenção do decidido. II – Questões a Resolver Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio[1]. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo[2]. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras[3]. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a única questão e decidir é a de saber se ocorreu algum acto ilícito gerador da lesão que sobreveio ao A. no momento do parto, e das suas consequências no aspecto jurídico da causa. III – Fundamentos de Facto Porque não impugnada, a factualidade relevante é a fixada em 1ª instância (fls 260-263), para a qual se remete nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC. IV – Fundamentos de Direito Da matéria de facto apurada apenas resulta que a mãe do A. foi admitida e examinada nos serviços do Réu, tendo a equipa médica optado, na falta de contra-indicações, pelo parto vaginal, durante o qual sobrevieram ao A. as lesões de que padece. Desse complexo factual não resulta, como bem se afirma na sentença recorrida, a prática de qualquer ilicitude por banda da equipa médica que assistiu o nascimento do A. que possa fundamentar a condenação numa indemnização. Na apelação vem o A. argumentar que a ilicitude se traduziria no facto de aquela equipa médica ter desconsiderado o pedido de sua mãe para que o parto ocorresse por cesariana e a anuência a tal pedido do médico que inicialmente a observou. Tivesse sido realizada a cesariana e as lesões não teriam ocorrido. Desde logo haverá de anotar que o recorrente não impugnou a matéria de facto e, consequentemente, haverão de se ter por definitivas as respostas negativas aos quesitos 4, 5 e 8 (referentes ao pedido de cesariana e à anuência a tal pedido), caindo, por base, os pressupostos factuais da sua argumentação. Mas ainda que assim não fosse, o certo é que o A. não alegou sequer factos donde se pudesse retirar qualquer ilicitude da actuação da equipa que a assistiu. Com efeito, segundo a ética médica e as respectivas leges artis, os actos intrusivos só devem ocorrer em caso de necessidade; ou seja, quando se verifiquem as situações para as quais os mesmos são considerados adequados. Não bastava, por isso, para caracterizar um ilícito no facto de se não ter realizado a cesariana a alegação de tal ter sido solicitado pela mãe (e, até, eventual anuência de médico); importava, antes, a alegação de que se verificava uma situação em que é clinicamente indicado que o parto se realize por cesariana. E nesse sentido nada foi alegado. O infortúnio que atingiu o A. não pode, pois, ser imputado a qualquer ilicitude da equipa que assistiu ao seu nascimento, sendo inerente aos riscos próprios do acto de nascer. V – Decisão Termos em que, na improcedência da apelação, se confirma a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 2009JAN13 (Rijo Ferreira) (Afonso Henrique) (Rui Vouga) _________________________________ [1] - Cf. artº 684º, nº 3, e 690º CPC, bem como os acórdãos do STJ de 21OUT93 (CJ-STJ, 3/93, 81) e 23MAI96 (CJ-STJ, 2/96, 86). [2] - Cf. acórdãos do STJ de 15ABR93 (CJ-STJ, 2/93, 62) e da RL de 2NOV95 (CJ, 5/95, 98). Cf., ainda, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, 5ª ed., 2004, pg. 141. [3] - Cfr artigos 713º, nº 2,, 660º, nº 2, e 664º do CPC, acórdão do STJ de 11JAN2000 (BMJ, 493, 385) e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 247. |