Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO COMERCIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/01/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Sumário: | 1. O contrato de concessão comercial é um “contrato de distribuição comercial” tal como os contratos de agência, comissão, mediação e franquia. 2. O contrato de concessão comercial é o acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável, numa determinada circunscrição. 3. É um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes, as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. 4. Enquanto que o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los ele próprio, mas em nome e por conta do principal, o concessionário actua em seu nome e por conta própria, e, em regra, obriga-se a comprar uma quantidade mínima de produtos durante um certo período de tempo e/ou a revender uma quantia mínima. 5. No contrato de concessão, as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações - além da obrigação de compra para revenda -, sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente, mas não é necessário, por exemplo, que exista uma fiscalização e controlo apertados do concedente sobre o concessionário, e também não é essencial que este se obrigue a adquirir uma “determinada quantia mínima”. 6. Existe um contrato de concessão comercial quando o cessionário exerce uma actividade de compra e venda dos produtos fornecidos pelo cedente em regime de exclusividade em todo o território nacional, durante vários anos, comparticipando o cedente nas despesas de promoção e publicidade dos produtos vendidos e prestando regularmente assistência ao concessionário. 7. Prevendo-se nos artigos 33º e 34º do DL 178/86, na redacção dada pelo DL nº 118/93, de 13.04., a indemnização de clientela, em termos explícitos, para o agente, no regime jurídico do contrato de agência, é entendimento unânime que a função desempenhada pelo concessionário, no contrato de concessão, reclama, em abstracto, tutela semelhante, atento o leque e a amplitude das tarefas assumidas e o nexo funcional que une os sujeitos, pois, prosseguindo o concessionário objectivos relacionados com a distribuição ou venda dos produtos ou com a prestação de serviços, a sua actividade é susceptível de se projectar também positivamente na esfera do concedente. 8. Com efeito, entre os dois contratos existe uma grande analogia nesta parte: tanto o agente como o concessionário promovem os produtos do “principal”, assim contribuindo para a sua divulgação. E, tal como sucede num contrato de agência, o concessionário adquire e fideliza determinada clientela, daqui resultando uma certa afinidade entre o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, não só quanto à actividade desenvolvida pelo agente e pelo concessionário, mas ainda quanto à situação de dependência económica em que ambos se encontram relativamente à outra parte. 9. Portanto, o regime da indemnização por clientela previsto no citado artigo 33º é aplicável por analogia aos contratos de concessão comercial, com as devidas adaptações. 10. Tem-se entendido que não se trata em rigor de uma verdadeira indemnização devida ao agente (não tendo função reparadora) até porque não está dependente de prova, a fazer por este, dos danos sofridos. O que conta são os benefícios que podem ser proporcionados pelo agente ao principal, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram comuns, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas a este. 11. Não é qualquer acréscimo de clientela ou qualquer beneficio que daí resulte para o principal que justifica a atribuição ao agente de uma “indemnização” de clientela; há-de tratar-se de um acréscimo e de um benefício de proporções minimamente relevantes para o efeito: um acréscimo “substancial” do volume de negócios do principal donde resulte para este um beneficio “considerável”. 12. Nos casos em que a respectiva actividade vem sendo exercida pelo concessionário, em regime de total exclusividade, em todo o território nacional, é de presumir que toda a clientela tenha sido angariada durante esse longo período de tempo. E daí que seja mais difícil falar em angariação de novos clientes e/ou no aumento substancial de volume de negócios. 13. Não é necessário que os benefícios para o concedente já tenham ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua em si mesma uma chance para o principal; o mais importante é que o principal fique em condições de continuar a usufruir da actividade desenvolvida pelo ex-concessionário, 14. Sendo a indemnização de clientela uma compensação devida ao agente após a cessação do contrato pelos benefícios de que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou aumentada pelo agente, o que é necessário é apurar se, e em que medida, após a cessação do contrato, o cedente pode ficar a beneficiar da actividade desenvolvida pelo concessionário. 15. É da experiência comum que, em princípio, sendo o concessionário o único vendedor dos produtos do cedente durante vários, após a cessação do contrato esta está em condições de beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida por aquela; a não ser assim entendido, deverá a cedente invocar as razões pelas quais não teria beneficiado dessa actividade e imputáveis à outra parte. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da relação de Lisboa – 7ª secção. R… propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra S.. sociedade anónima de Direito …, pedindo: Que seja a ré condenada a pagar à Autora uma indemnização de clientela, em virtude da cessação do contrato comercial celebrado entre elas, em valor não inferior a €360.167,84, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento; Que seja a ré condenada a recomprar à Autora todos os produtos da marca S.. que esta detêm em stock nas suas instalações, dada a impossibilidade de comercialização dos mesmos após a cessação do contrato de concessão comercial, que se encontram já devidamente verificados, contados e embalados pelos próprios colaboradores da Ré, determinando o preço dessa recompra, nos termos do artigo 883º, nº1, do C.C. segundo juízos de equidade; Que seja a ré condenada a pagar à Autora a quantia de €43.415,80, por incumprimento das suas obrigações contratuais, acrescida de juros de mora às taxas legais que se vencerem desde a data da citação e até integral pagamento; Que seja a ré condenada a pagar à Autora a quantia de €5.132,04 relativa a comissões vencidas e não pagas durante a execução do contrato, acrescida de juros de mora às taxas legais que se vencerem desde a data da citação e até integral pagamento. Alega, em síntese, que, desde 1993 até meados de 2008, a Autora foi a distribuidora exclusiva em todo o território nacional, dos produtos da marca D…, fornecidos pela Ré, relação contratual que já existia há 57 anos através da antecessora da Ré e por ela continuada. A antiguidade e confiança estabelecida entre os responsáveis de ambas as partes explicam que o contrato nunca tenha sido reduzido a escrito. No entanto, existia um contrato de concessão ou representação entre a Autora e a Ré acordado por tempo indeterminado. A Autora adquiria periodicamente à Ré os vários produtos das colecções produzidas por esta, como sejam isqueiros, canetas, esferográficas e recargas para material de escrita porta charutos e corta charutos, porta - chaves, porta charutos clipes para notas, botões de punho, pinças para gravatas, anéis e pulseiras, cinzeiros, artigos de pele, agendas, cintos e relógios, entre outros. Posteriormente, a Autora através de uma cadeia organizativa e comercial próprias, revendia para estabelecimentos que, por seu turno, chegavam ao público. A Autora era, assim, uma entidade grossista que importava e distribuía em Portugal os produtos da Ré, constituindo o ganho da Autora a diferença entre o preço que pagava à ré e o preço pelo qual vendia aos seus clientes. À autora incumbia, ainda, a prestação de serviço de assistência técnica pós-venda, mediante pessoal especializado e meios técnicos adequados. A Autora promoveu durante muitos anos a marca dos produtos S…, através da participação em feiras e exposições. A A. promoveu e divulgou, através dos seus funcionários a marca em todo o país tendo angariado a cadeia dos actuais clientes daquela marca. Gastou em publicidade a quantia de € 653.870,83. Em 29 de Fevereiro de 2008, a Ré enviou à Autora uma carta na qual comunicou a sua decisão de cessação da distribuição dos seus produtos em Portugal através da Autora, com efeitos a 31 de Agosto de 2008, invocando a quebra de vendas dos produtos D… em Portugal. Como a carta não espelhava a verdade dos factos, a Autora comunicou à Ré a sua decisão de resolução, com justa causa, do contrato de distribuição comercial, com a produção de efeitos imediatos, com fundamento no não cumprimento pela Ré das sua obrigações. Desde finais de 2007, a Ré deixou de remeter para a Autora os materiais para proceder à reparação de materiais de escrita ou isqueiros. Face ao exposto, a Ré teve que compensar vários clientes oferecendo-lhes objectos novos em contrapartida dos que não podiam ser reparados por falta de peças. Nestas compensações despendeu cerca de €5.000,00. Em consequência do comportamento da Ré, a Autora deixou de dispor de recargas para os isqueiros D... Até à década de 1990, a Ré, que comparticipava com cerca de 10% das despesas de promoção e publicidade, baixou essa comparticipação nos anos de 2000 a 2007 para 7% e no último ano nem sequer comparticipou nessas despesas. A partir de 2006, a Ré passou a cobrar os artigos necessários para a promoção e divulgação quando, quase durante cinquenta e quatro anos, tinham sido gratuitos. A A. solicitou à Ré a vinda do responsável pelo mercado português, o qual não veio nem estabeleceu qualquer contacto. Pelo que a A resolveu o contrato com justa causa com efeitos a partir de 10 de Abril de 2008. Tentou depois iniciar negociações com vista à retoma de stocks, indemnização de clientela e danos causados pela rescisão contratual. Porém a mercadoria continua nas instalações da Autora a aguardar o levantamento pela Ré, uma vez que ambas não chegaram a acordo quanto aos valores do Stock. A A facultou à Ré, a pedido desta, a lista dos clientes de forma que a Ré está em condições de continuar a usufruir e beneficiar de toda a actividade de angariação, distribuição e promoção desenvolvida pela Autora, ao longo de vários anos em Portugal, a favor da marca, e a Ré deixou de receber, desde 10 de Abril de 2008, após cessação do contrato de distribuição comercial com a Ré, qualquer retribuição pelos contratos negociados directa ou indirectamente por esta com os clientes referidos. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação e reconvenção. Em sede de contestação sustenta, em resumo, que procurou formalizar a relação comercial com a A em 2002 e que esta se recusou a assinar o escrito que junta. Desde 2003 até 2007 o volume de vendas de produtos da marca da Ré em território português foi diminuindo numa percentagem global de cerca de 52,54%. Esta situação não foi pontual mas prolongada sem qualquer inversão da tendência o que a Ré alertou à A em 2003. A A adoptou uma estratégia não pretendida pela Ré. A estratégia comercial da Ré passa pela captação específica do segmento de clientes business executive traveller e não, como adoptou a A., a do consumidor tradicional. Pelo que a manutenção do contrato de distribuição estava a pôr em causa os interesses comerciais da Ré no mercado português, razão pela qual decidiu denunciar o contrato com um pré-aviso de seis meses. Se a Autora efectuou gastos em publicidade fê-lo sem acordo e em contradição com a estratégia da Ré. Reputa de ilícita a alegada resolução pela Ré. No entanto a Autora não menciona que na data das encomendas recusadas, 26/12/2007, devia à Ré a quantia de €23.105,86 pelo pagamento de encomendas realizadas pela Autora tendo as respectivas facturas sido emitidas entre 6/03/2009 e 22/03/2009, e não procedeu ao pagamento das mesmas até agora, o que legitima a recusa de entrega. Refuta ainda que, pela natureza do contrato, a A tenha direito a qualquer indemnização de clientela, uma vez que não beneficiou consideravelmente de actividade por aquela realizada. A A é que prejudicou a reputação da Ré ao enviar aos seus clientes uma carta dando-lhes conta da alegada resolução. Por outro lado não assumiu qualquer obrigação de recompra do material. Admite ser devedora à A das comissões reclamadas e pretende compensá-las com o crédito que tem sobre esta. Em reconvenção pediu a R. que a A. seja condenada a pagar-lhe a quantia de €30.396,57, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, correspondente às facturas não pagas. Entretanto veio a desistir desse pedido. II 1. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento. Por despacho de fls. 871 e ss., o Tribunal fixou a matéria de facto controvertida, a qual foi objecto de reclamação. Seguidamente foi proferida a sentença, com o dispositivo que se transcreve: «Pelo exposto jugo a acção parcialmente procedente, por provada, termos em que condeno a Ré S…- sociedade anónima de Direito … a pagar à Autora, R…, as seguintes quantias: A) A quantia de €360.167,84 (trezentos e sessenta mil cento e sessenta e sete Euros e oitenta e quatro cêntimos), pelo dano de clientela. B) A quantia de €5.132,04 relativa a comissões vencidas e não pagas durante a execução do contrato. C) Condenar a Ré no pagamento dos juros sobre as quantias referidas em A) e B) desde a citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%. D) Condenar a Ré a indemnizar a A no que se vier a liquidar em incidente de liquidação em relação aos produtos em estado de novo que a A teve que entregar por virtude da Ré não lhe ter enviado o material de reparação na vigência do contrato e, bem assim, o seu valor no montante máximo de €5.000,00 acrescido de juros legais após a respectiva liquidação. E) Absolver a Ré dos restantes pedidos contra si formulados.» 2. Inconformada, apela a ré, formulando as conclusões que se transcrevem: 1. A sentença recorrida contém dois erros materiais que deverão ser corrigidos por despacho do Tribunal a quo antes da subida do presente recurso, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 667.º do CPC; caso assim não suceda, então deverá o Tribunal ad quem fazê-lo. 2. Com efeito, a sentença recorrida refere que “Por despacho de fls. 871 e ss., o Tribunal fixou a matéria de facto controvertida, a qual não foi objecto de reclamação”, sendo certo que foi, efectivamente apresentada reclamação em 11 de Março de 2010, tendo a mesma sido objecto de despacho em 7 de Abril do mesmo ano, razão pela qual a sentença deverá a referir que a Ré apresentou reclamação contra a seleção da matéria de facto. 3. Por outro lado deve ser corrigida a redacção da al. ab. da factualidade assente constante da sentença recorrida de modo a que na mesma se leia quanto ficou decidido no despacho através do qual o Tribunal a quo decidiu a matéria de facto: enquanto neste se dizia que “A A. auxiliou na promoção e divulgação da marca D… ...” na sentença lê-se “A A. promoveu e divulgou a marca D… ...”, o que não é a mesma coisa e tem impacto na decisão da causa. 4. Caso se entenda que não se trata de erro material, sempre deverá então considerar-se que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 666.º do Código de Processo Civil ao alterar a redacção da referida alínea, devendo, em conformidade, ser a sentença declarada nula ao abrigo do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. d) do referido Código, e voltando tal alínea a ter a redacção original. 5. O mesmo vale para o erro constatado na al. ad. da sentença recorrida, que também não está conforme à decisão sobre a matéria de facto: enquanto que nesta se dizia “Provado apenas que a Ré acordou verbalmente em comparticipar nas despesas de publicidade e de promoção, num primeiro momento com 10% e depois com 5% e a vender periodicamente produtos à A.”, na sentença pode ler-se o seguinte: “A Ré obrigou-se a comparticipar as despesas de publicidade e de promoção e a vender periodicamente produtos à A.”. 6. No entendimento da Ré, ora Recorrente, o Tribunal a quo errou na determinação da matéria de facto provada e não provada, nomeadamente por ter considerado como assentes factos que a Ré/Recorrente tinha impugnado e por não ter levado à Base Instrutória matéria relevante para a boa decisão da causa, o que mereceu a supra aludida reclamação contra a selecção da matéria de facto por parte desta. 7. Com efeito, o art. 58.º da petição inicial não deveria ter transitado para a alínea S) dos Factos Assentes, porquanto a Ré tinha impugnado expressamente aquele artigo no art. 1.º da petição inicial, estando ainda tal matéria em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, maxime com os artigos 71.º a 75.º e 83.º e 84.º da sua contestação; tal alínea da Matéria Assente sugere a celebração, pela ora Recorrente, após o termo do contrato dos autos, de contratos com clientes angariados pela Recorrida antes do referido termo contratual bem como a existência de uma obrigação de retribuição que não teria sido cumprida pela ora Recorrente, quando é certo que esta jamais reconheceu ter beneficiado, após o termo do contrato, da angariação feita Recorrida antes do termo do mesmo nem qualquer obrigação de retribuição por si incumprida. 8. Do mesmo modo - e pelo mesmo motivo - seria relevante a inclusão na Base Instrutória da matéria alegada nos artigos 83.º e 84.º da contestação. 9. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o Direito aos factos ao condenar a Ré/Recorrente no pagamento de uma indemnização, “por dano de clientela”, no montante de €360.167,84 (trezentos e sessenta mil, cento e sessenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), devendo a mesma ser revogada. 10. Desde logo, o Tribunal recorrido errou ao qualificar o contrato que ligava a Autora/Recorrida à Ré/Recorrente como contrato de concessão comercial por ausência de demonstração de quaisquer obrigações indicativas da integração do concessionário na rede de distribuição do concedente: nos autos nada aponta no sentido de algum controlo da atividade da Autora/Recorrida por parte da Ré/Recorrente. 11. Com efeito, a Recorrida não estava sujeita uma fiscalização e controlo apertados da Recorrente no exercício da sua atividade de revenda; a colaboração das duas partes não era significativa, não se verificando com a intensidade típica dos contratos de concessão comercial, como decorre dos factos provados (designadamente, os constantes das als. d. e z. da sentença recorrida), faltando ainda outro elemento comum a este tipo de contratos, que é o facto de o concessionário estar muitas vezes obrigado a adquirir determinada quota mínima de bens; e sendo que a estratégia comercial da Recorrente passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers (cfr. al. ai. da sentença recorrida) e não, como vinha sendo a prática da Recorrida, do consumidor tradicional (cfr. al. d. da sentença recorrida). 12. Ou seja, faltando-lhe - pelo menos - um dos seus elementos, o contrato em causa não podia ser classificado como contrato de concessão comercial, como fez o Tribunal a quo, no que contrariou a jurisprudência de tribunais superiores, como a do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 06/07/99, devendo ser antes aquele qualificado como contrato de distribuição atípico. 13. Em qualquer caso, a aplicação analógica do regime da agência ao contrato dos autos não poderia ter sido feita nos termos em que o foi pelo Tribunal a quo, em particular no que respeita à atribuição de uma indemnização de clientela à Recorrida. 14. Desde logo, porquanto, como ensina ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, a característica em falta no contrato dos autos - a integração da Autora/Recorrida na rede da Ré/Recorrente – é exactamente a característica que poderia justificar a aplicação analógica do regime do contrato de agência. 15. Ora, não se verificavam in casu as razões justificativas de tal analogia. 16. Com efeito, a ponderação da aplicação analógica do regime da agência a outros contratos de distribuição deve ser feita com grande cautela, só podendo operar quando “no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei” (artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil), preocupação que já ocupava a mente do legislador do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, cujo preâmbulo refere precisamente que só haverá lugar a aplicação analógica deste regime quando e na medida em que se verifique tal analogia e a mesma tenha uma justificação. 17. Em particular, de acordo com a lição de ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, para fundar a atribuição de uma indemnização de clientela por analogia, seria necessário “(...) averiguar, em cada caso concreto, se o distribuidor, pese embora actue por conta própria, desempenhou funções, cumpriu tarefas e prestou serviços semelhantes aos de um agente, em termos de ele próprio dever considerar-se, pela actividade que exerceu, como um factor relevante de atracção da clientela”. 18. Ora, no caso concreto, atendendo aos factos provados, em particular às als. b. e d. da sentença recorrida, à resposta restritiva aos arts. 1.º, 2.º, 3.º e 6.º da Base Instrutória (respectivamente als. z., aa., ab. e ae. da sentença recorrida), bem como à parte do depoimento da testemunha Th… julgado relevante para fundamentar a decisão da matéria de facto e ao facto de que a estratégia comercial da Ré passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers (cfr. al. ai. Da sentença recorrida) e, não, como vinha sendo a prática da Autora, do consumidor tradicional (ourivesarias, relojoarias e papelarias (cfr. al. d. da sentença recorrida), não se detecta na relação que unia Autora/Recorrida e Ré/Recorrente qualquer característica do contrato de agência ou algo que pudesse reconduzir a actividade desempenhada por aquela à de um agente, por um lado; ou a um factor relevante de atracção de clientela, por outro. 19. Sendo que a afirmação do Tribunal a quo de que a “Ré beneficiou do trabalho desenvolvido pela A e da clientela angariada por esta” não tem suporte, nem correspondência, na matéria de facto provada nos autos, estando mesmo em contradição com o que o Tribunal a quo julgou relevante da prova testemunhal produzida para sustentar a resposta que deu à matéria de facto, i.e. a Recorrente praticamente não trabalha, hoje, com clientes angariados pela Recorrida. 20. De resto, o factor de atracção de clientela para os produtos da marca S…. é a própria marca S… que, independentemente do concreto distribuidor, garantirá a atração e a fidelização de clientela. 21. Por outro lado, ainda que se entendesse haver lugar à aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato dos autos - sem conceder -, haveria ainda que analisar se estavam reunidos os requisitos - cumulativos - para a atribuição da indemnização de clientela prevista no n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, o que a sentença recorrida não cuidou de verificar, domínio em que não se pode deixar de ter em consideração que a ratio do instituto da indemnização de clientela é compensar o agente dos proveitos resultantes da sua atividade e que, findo o contrato de agência, se transmitam para o principal. 22. Tal ratio não opera no caso concreto, e não sobrevive ao teste proposto por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, sendo negativa a resposta às seguintes questões: (i) a clientela foi angariada pela Autora/Recorrida ou houve um aumento substancial do volume de negócios?; (ii) em que medida é que a Ré/recorrente irá beneficiar (ou está a beneficiar) dessa clientela ou dessa atividade da Autora/Recorrida? 23. Com efeito, no que toca à primeira questão, cuja resposta negativa implica também a não verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º do regime jurídico da agência e a consequente exclusão de qualquer indemnização de clientela: em face da factualidade provada não podem as tarefas e funções desenvolvidas pela Autora/Recorrida durante a execução do contrato ser consideradas como um fator relevante de atracção de clientela, não bastando que aquela tenha angariado clientes, pois é necessário que a actividade do agente seja relevante, o que não sucedeu, uma vez que (i) dos clientes da Autora/Recorrida, apenas 6 ou 7 joalheiros, continuaram a adquirir produtos da Ré/Recorrente; e (ii) a Autora vinha perdendo a sua carteira de clientes de forma impressiva pelo menos desde o ano de 2003, com quebras acentuadas de vendas. 24. No que toca à segunda questão, cuja resposta negativa implica também a não verificação do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do regime jurídico da agência e igualmente a consequente exclusão de qualquer indemnização de clientela, a Ré/Recorrente não se encontra a beneficiar da actividade desenvolvida pela Autora/Recorrida: a actividade desta apenas contribuiu - não sendo factor determinante ou mesmo relevante - para o prestígio da marca em Portugal e só um número residual de clientes da Recorrida adquire hoje produtos da Ré/Recorrente (cfr. al. ae. da sentença recorrida e depoimento de Th…); a marca S… é indubitavelmente uma marca notória que não necessita de particular esforço de angariação; o segmento de clientes almejado pela Ré/Recorrente não é aquele em que vinha trabalhando a Autora/Recorrida (cfr. als. d. e ai. da sentença recorrida); e esta denegriu a imagem da Ré/Recorrente junto dos clientes por si angariados, com o envio da carta dada como reproduzida na al. v) da sentença recorrida. 25. Ainda que a Ré/Recorrente viesse a beneficiar da atividade desenvolvida pela Autora/Recorrida - sem conceder - nunca se poderia considerar preenchido o requisito legal de que o benefício obtido seja considerável, não se encontrando também por isso preenchido, no ao caso concreto, o requisito constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do regime jurídico da agência, o que determinaria, de novo, a exclusão de qualquer indemnização de clientela. 26. Sendo que, não estando verificadas a alínea a) e b) ou c) do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 (quanto à última, se os clientes com que a Ré/Recorrente trabalha hoje não são os angariados pela Recorrida, dificilmente poderia sequer equacionar-se a questão do pagamento de retribuições à Autora), o Tribunal a quo não podia ter atribuído qualquer indemnização de clientela à Autora, ainda que entendesse que, abstratamente, haveria lugar à mesma, por analogia (no que não se concede). 27. Por outro lado, ao aplicar analogicamente - e de forma indevida - o regime do contrato de agência ao contrato dos autos, o Tribunal a quo descurou também a aplicação do artigo 33.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 178/86, porquanto, como reconheceu o mesmo, “nada há a apontar à denúncia do contrato” pela Recorrente, verificando-se pois o disposto naquele preceito - “[n]ão é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente (...)” -, o que determinaria a inexistência do direito a uma indemnização de clientela. 28. Com efeito, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 07/03/2006, para os efeitos do artigo 33.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 178/86, a lei não distingue a forma de cessação do contrato - resolução ou denúncia -, relevando apenas saber se a extinção teve lugar "por razões imputáveis ao agente", o que acontece quando há lugar a denúncia com justa causa, como sucedeu in casu, ficando aí excluído o direito à indemnização de clientela. 29. Por outro lado, e com referência à resolução do contrato pela Recorrida, posteriormente a ter conhecimento da denúncia pela Recorrente, apenas os fundamentos adiantados na carta de resolução enviada pela Autora podem ser tidos em consideração para efeitos de verificação da licitude da resolução em causa, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19/09/2002. 30. Deste modo, o Tribunal recorrido errou ao situar a resolução operada pela Recorrida no domínio da resolução de fonte legal, fazendo apelo ao artigo 801.º do Código Civil, uma vez que dos factos provados não resulta qualquer vontade da Recorrente de incumprir as obrigações que lhe cabiam ao abrigo do contrato dos autos, nem se provaram quaisquer outros factos que pudessem fundamentar tal resolução, o que determina, evidentemente, a ilicitude de tal resolução, o que o Tribunal a quo - injustificadamente - não reconheceu. 31. A este propósito, importa notar que a referida carta, enviada pela Autora/Recorrida, menciona que os supostos incumprimentos traduzidos numa alteração de comportamento da Ré/Recorrente apenas se teriam verificado a partir de Dezembro de 2007, ou seja, 2 meses antes da denúncia operada pela Ré/Recorrente e numa altura em que esta já havia indicado à Autora/Recorrida a sua vontade de pôr termo à relação contratual, o que demonstra qual era a verdadeira motivação da resolução. 32. Sendo que, quanto ao primeiro incumprimento alegado pela Autora/Recorrida como fundamento da resolução - o não fornecimento de algumas encomendas desde Janeiro de 2008 -, a existir tal incumprimento (no que não se concede), o mesmo não era de tal forma grave ou reiterado que pusesse em causa a subsistência da relação contratual, pois (i) algumas das encomendas forem feitas escassos dias antes da resolução, (ii) a Autora/Recorrida não interpelou a Ré/Recorrente no sentido de saber por que razão não havia ainda fornecido os produtos encomendados, estabelecendo um prazo para o fazer; e (iii) quando a Autora/Recorrida resolveu o contrato ainda tinha em stock produtos da Ré/Recorrente, pelo que a sua actividade não estava posta em crise. 33. No que respeita ao segundo pretenso incumprimento - o não envio de materiais de reparação desde o fim de 2007 -, a situação não era também de tal modo grave ou reiterada que levasse a não ser exigível a manutenção do contrato dos autos, pois resultou provado (cfr. resposta restritiva dada ao artigo 1.º da Base Instrutória, hoje al. z. da sentença recorrida, e fundamentação avançada com base no depoimento da testemunha José….) que (i) a Autora/Recorrida enviava alguns materiais para reparação à Ré/Recorrente, que se encarregava de os reparar, podendo tê-lo feito relativamente a todas as reparações, sendo que (ii) a Autora/Recorrida apenas efectuava reparações porque o queria, não estando a tal obrigada (cfr. depoimento da testemunha Th… referido na fundamentação da decisão da matéria de facto), (iii) não tendo havido também qualquer interpelação admonitória à Ré/Recorrente no sentido de enviar os referidos materiais, ao que, de resto, não estava obrigada. 34. Também o terceiro suposto incumprimento - não participação em despesas de promoção ou publicidade em 2007/2008 -, não poderia nunca fundamentar a resolução pela Autora/Recorrida, pois a diminuição ou ausência de comparticipação em despesas de publicidade pela Ré/Recorrente manifestamente não consubstancia um incumprimento, maxime grave e reiterado, uma vez que (i) não se comprovou que a Ré/Recorrente estivesse obrigada a tal comparticipação (cfr. resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória e depoimento de Th…), não sendo de olvidar que (ii) a Autora/Recorrida agia em seu nome e por conta própria, correndo por si o risco da comercialização, (iii) sendo a comparticipação das despesas de promoção ou publicidade um mero incentivo atribuído a bel-prazer da Ré/Recorrente e, ainda que assim não fosse - sem conceder - também (iv) não foi dado qualquer prazo à Ré/Recorrente para que pusesse termo ao seu putativo incumprimento. 35. Quanto ao quarto suposto incumprimento - o responsável da Ré/Recorrente não se ter deslocado a Portugal como foram discutindo Ré/Recorrente e Autora/Recorrida -, é evidente que tal conduta não consubstancia incumprimento, maxime grave e reiterado, porquanto (i) também não constituía obrigação da Ré/Recorrente deslocar representantes a Portugal; (ii) na altura da deslocação que ocorreria em inícios de 2008 a Ré/Recorrente tinha já proposto à Autora/Recorrida pôr termo à relação contratual; e de qualquer modo, (iii) a Ré/Recorrente estava à distância de um telefonema ou de um e-mail, não tendo com as visitas anteriores da Ré/Recorrente a Autora/Recorrida logrado inverter a tendência decrescente das suas vendas ou cumprir com as orientações da Ré/Recorrente em termos de política de marketing, sendo por tudo quanto antecede absurdo pretender que foi por desde finais de 2007 a Ré não ter vindo a Portugal que o contrato tinha de terminar... 36. Por outro lado, resulta evidente que a prestação não se tornou impossível, nos termos e para os efeitos do artigo 801.º do Código Civil, contrariamente ao que o Tribunal a quo decidiu, pois, se é certo que a Ré/Recorrente não satisfez, até 10 de Abril de 2008 (data de produção dos efeitos da resolução), as encomendas feitas entre 4 de Janeiro e 27 de Março de 2008 identificadas na al. n. da sentença recorrida, não é menos certo que está assente que a Ré/Recorrida, por si, continuava a cumprir o contrato até Agosto de 2008, podendo a Autora/Recorrida ter insistido com a Ré/Recorrente para o envio das mercadorias em causa, até porque esta nunca disse à Autora/Recorrida que não iria enviar as ditas encomendas, ou seja, também não se pode dizer que era “extremamente improvável” o cumprimento pela Autora/Recorrida das suas obrigações. 37. Ao fundar a atribuição à Autora de uma indemnização de clientela numa aplicação analógica do regime da agência, o Tribunal a quo ignorou a aplicação conjugada da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86 aplicável às situações de resolução por incumprimento, como a alegada pela Autora - e do n.º 3 do artigo 33.º do mesmo diploma, que excluiria também a aplicação de qualquer indemnização de clientela, pois daí resulta que, em caso de cessação do contrato por aquele meio, só haverá lugar a indemnização de clientela quando o incumprimento em causa, “pela sua gravidade ou reiteração”, leve a que “não seja exigível a subsistência do vínculo contratual”, o que não se verifica in casu, pois, como já bem se viu, a Ré não violou qualquer obrigação e nenhuma das supostas violações indicadas poderia, em qualquer caso, ser considerada, individualmente ou em conjunto, como suficientemente grave e reiterada de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual. 38. Aliás, se alguém incumpriu o contrato dos autos, foi a Autora/Recorrida, com a sua persistência em não seguir a estratégia gizada pela Ré/Recorrente para a sua marca. 39. Por outro lado, importa referir que o Tribunal a quo decidiu de novo erradamente ao determinar o quantum da indemnização de clientela que - sem fundamento - atribuiu à Autora/Recorrida, por várias razões. 40. Em primeiro lugar, o critério constante do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86 visa estabelecer um valor máximo para a indemnização de clientela, ao qual não tem o agente direito sem qualquer critério, pelo que, ainda que houvesse lugar a indemnização de clientela - no que não se concede - não se vê como poderia a factualidade dada como provada e que tem vindo a ser descrita, justificar a compensação da Autora/Recorrida pelo limite máximo abstractamente aplicável. 41. Em segundo lugar, o Tribunal recorrido não podia ter atribuído uma indemnização de clientela calculada com recurso à margem bruta da Autora, uma vez que (i) no artigo 74.º e 78.º da petição inicial a Autora reclama o cálculo da indemnização de clientela com referência à margem de lucro líquida e (ii) a jurisprudência dos tribunais superiores é no sentido de que a expressão “remuneração”, constante do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, se reporta ao rendimento anual líquido auferido pelo agente (vide, por ex., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2006 ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2007). 42. Em terceiro lugar, não tendo a indemnização de clientela fins sancionatórios (como ensina ANTÓNIO PINTO MONTEIRO), na determinação da indemnização de clientela não podia o Tribunal a quo ter deixado de considerar a quebra acentuada e progressiva nas vendas da Ré que se vinha verificando desde pelo menos 2003 e, bem assim, o tipo de clientela com o qual trabalhava (e que não era a pretendida pela Ré/Recorrente), pelo que deveria antes efetuar uma projeção para o futuro dos resultados da actividade desenvolvida pelo agente na vigência do contrato (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010), e considerá-la no contexto e na dimensão dos negócios que a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente habitualmente representava para o principal (cfr. Acórdão do S.T.J. de 4/6/2009), sendo que, tendo em atenção o diminuto número de clientes da Autora/Recorrida que continuam a adquirir produtos da Ré/Recorrente, nunca poderia o Tribunal recorrido ter atribuído uma indemnização calculada com recurso à totalidade do volume de vendas médio da Autora/Recorrida (e, por consequência, à sua margem bruta média de lucro), nos últimos cinco anos de execução do contrato. 43. Em quarto lugar, considerando que, como ensina MENEZES LEITÃO, a “contribuição da publicidade desenvolvida pelo principal para a actividade do agente pode também levar a uma diminuição da indemnização de clientela, assim como a força atractiva da marca (...) dos produtos comercializados pelo principal, uma vez que se tornam menos relevante o contributo da actuação do agente”, e que está provado que a Recorrente contribuiu, durante vários anos, para as despesas com publicidade e promoção e, por outro lado, que está em causa a marca S…, de renome mundial, que “vende por si” e que não retira a sua fama dos esforços desenvolvidos pela Autora/Recorrida, por melhores que tivessem sido (facto notório, nos termos do artigo 514.º do CPC), não podia a determinação do quantum da indemnização ser alheio a tal contribuição e força da marca, atribuindo à Autora/Recorrida todo o mérito da faturação que alcançou. 44. Em quinto lugar, tendo em conta o exposto, se se entendesse que haveria lugar à aplicação de uma qualquer indemnização de clientela - no que não se concede -, não vê a Ré/Recorrente como poderia uma tal indemnização, já encarada com alguma bonomia a favor da Autora, ser superior a (i) 15% (percentagem de clientes que a Autora tinha em 2008 e que se mantiveram como adquirentes de produtos da S…), (ii) da margem líquida (de acordo com o que tem entendido a jurisprudência), (iii) do último ano de relação contratual entre as partes (ignorando porém que tal relação não poderia senão continuar a deteriorar-se), isto é, nunca mais de €36.549,21 (15% x margem bruta do ano de 2007, sendo que se recorre para efeitos ilustrativos a este último valor por não se dispor do montante da margem líquida da Autora/Recorrida), sendo que, a ser atribuída tal indemnização, a sua liquidação deveria ocorrer em incidente de liquidação de sentença, para que se apurasse então o valor da margem líquida da Autora/Recorrida. 45. Em suma, não podia o Tribunal a quo atribuir uma indemnização que não tem qualquer correspondência nem com o estado da relação contratual tal como ele era no termo da mesma nem, muito menos, com a situação actual. 46. O Tribunal a quo decidiu também condenar a Ré/Recorrente no pagamento de juros sobre o montante da indemnização de clientela atribuída, “desde a citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%”, pagamento que não pode ocorrer, quando não haja lugar ao pagamento pela Ré/Recorrente de qualquer indemnização de clientela, o que não poderá deixar de decorrer dos fundamentos supra expostos, devendo o Tribunal ad quem revogar a condenação em tal pagamento e absolver a Recorrente deste pedido. 47. Sem conceder, nunca poderão tais juros ser computados a partir da citação já que a indemnização de clientela é, por natureza, ilíquida, apenas de tornando líquida quando objecto de decisão transitada em julgado, o que decorre do art. 805.º, n.º 3, do Código Civil e tem sido entendimento de vasta jurisprudência. 48. Também esteve mal o Tribunal recorrido ao condenar a Ré/Recorrente a indemnizar a Autora/Recorrida por não lhe ter enviado material de reparação (por conta de um prejuízo que a Autora/Recorrida alegou ascender a €5.000,00), porque não se verificou in casu qualquer incumprimento definitivo ou sequer mora que pudesse fundamentar a existência de qualquer responsabilidade contratual e correspondente indemnização por prejuízos sofridos, tendo aliás sido a própria Autora/Recorrida quem tornou impossível o cumprimento da prestação pela Ré. 49. Com efeito, o Tribunal recorrido considerou a Ré/Recorrente um “devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação”, nos termos e para os efeitos do artigo 798.º do Código Civil, o que não tem qualquer correspondência com o que se verificou na situação concreta. 50. Desde logo porque, como ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA a respeito do artigo 801.º do Código Civil (aplicável por via do citado artigo 798.º), o devedor terá faltado culposamente ao cumprimento da sua obrigação quando a prestação se torne impossível por culpa sua, sendo que uma prestação se torna impossível (i) quando se torna seguramente inviável ou (ii) “quando a probabilidade da sua realização, por não depender apenas de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torne extremamente improvável”. 51. Na situação concreta, tal como é configurada pela Autora/Recorrida e pelo Tribunal recorrido, a Ré/Recorrente estaria supostamente a incorrer em mora, sendo que a simples mora não corresponde a um incumprimento culposo para os efeitos do artigo 798.º do Código Civil: para esse efeito seria necessário que, nos termos do n.º 1 do artigo 808.º do mesmo código, a Autora/Recorrida ou tivesse perdido o interesse na prestação - perda que deve ser apreciada objetivamente -, ou tivesse recorrido à interpelação admonitória do devedor para cumprir, o que não ocorreu. 52. De facto, não só não releva que se verifique uma diminuição de interesse, que caiba à Autora/Recorrida alegar e provar tal perda de interesse (artigo 342º, nº 1, do Código Civil) e que não baste o decurso de um qualquer período de tempo para que se verifique a mesma (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2003), como não ocorreu no caso concreto qualquer facto suscetível de determinar ou configurar uma perda de interesse na prestação, pois só se comprovou que certas encomendas não foram satisfeitas, a mais antiga delas no prazo de 3 meses, e a mais recente numa semana, não sendo aplicável ao caso a primeira parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil - perda de interesse objetiva. 53. Acresce que a pretensa mora - ou qualquer situação de mora - só daria lugar a uma situação de incumprimento culposo da obrigação em causa se a Autora/Recorrida tivesse usado da faculdade prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil, i.e., conceder à Ré/Recorrente a possibilidade de satisfazer as encomendas em causa num prazo razoável por si fixado, após o decurso do qual se confirmaria o incumprimento definitivo e culposo do contrato, o que Autora/Recorrida não fez. 54. Ainda, também não há lugar à aplicação do n.º 1 do artigo 804.º do Código Civil à presente situação, porquanto não há sequer mora nos termos e para os efeitos dos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, uma vez que não resulta dos autos qualquer elemento sobre o prazo em que as encomendas deviam ser satisfeitas, nem houve qualquer comunicação a fixar um prazo para o cumprimento. 55. Aliás, foi a própria Autora/Recorrida que, sem motivo bastante, optou por resolver o contrato dos autos com efeitos imediatos, tornando aquela, sim, impossível o cumprimento da prestação, por extinção da obrigação, havendo lugar à aplicação do n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil. 56. Inexiste, pois, qualquer fundamento para a atribuição de indemnização por prejuízos sofridos, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo. E termina dizendo que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência: a) Caso o Tribunal a quo não tenha procedido à rectificação dos apontados erros materiais da sentença, seja proferida decisão que rectifique tais erros materiais ou que declare a sentença nula nessa parte, substituindo-a por outra que mantenha o teor exacto dos despachos proferidos em primeira instância; b) Ser alterada a selecção da matéria de facto nos termos requeridos; c) Em qualquer caso, seja revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos de cuja condenação se recorre. 2. A autora interpôs recurso subordinado, juntando as respectivas alegações e contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: a) Assiste razão à Ré na rectificação dos erros materiais da sentença enunciados nas páginas 1 e 2 das suas alegações, pese embora da correcção dos mesmos não resulte qualquer modificação substancial com impacto na matéria decidida. b) A rectificação requerida deverá ter lugar antes da subida dos recursos interpostos, segundo o disposto no artº 667º, nº 1 e 2 do CPC, inexistindo fundamento legal para que se considere verificada a causa de nulidade apontada na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, improcedendo por isso a alegação da Ré no tocante à mesma. c) Quanto à alínea S) dos Factos Assentes [Desde Abril de 2008 a A. deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou à R. (fls. 86-87)], este facto em nada se confunde com outros factos, como sejam a angariação de novos clientes, o aumento substancial do volume de negócios com a clientela existente ou a lista de clientes entregue pela A. à Ré ter pouco ou nenhum valor para esta (afirmados nos artº 71º a 75º da contestação). d) A R. Recorrente não nega a veracidade do facto constante da referida alínea S) dos Factos Assentes, o que defende é que tal facto seria insuficiente para, nos termos legais, constituir a chamada obrigação de clientela, mas tal trata-se de um manifesto juízo de direito, pelo que, se deve manter a citada alínea S) dos Factos Assentes. e) Relativamente à não inclusão na Base Instrutória da matéria alegada nos artºs 83º e 84º da contestação, a mesma era inconsequente e irrelevante para a apreciação dos pedidos formulados pela Autora e uma vez que a Ré desistira do seu pedido reconvencional. f) Resulta à saciedade da fundamentação de facto constante da sentença recorrida, nomeadamente das alíneas a), b), c), d), e), z), aa), ab), ac), ad), e ae) que entre a A e a R foi celebrado e existiu um verdadeiro contrato de concessão comercial, enquanto contrato de cooperação entre partes na actividade de distribuição comercial. g) A concessão comercial constitui um contrato-quadro, no âmbito do qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender a outra (o concessionário) determinada quantidade de bens e este se obriga a adquiri-los para revenda, ao mesmo tempo que se submete a uma certa disciplina de organização, política comercial e assistência pós-venda, controlada e fiscalizada pelo concedente. h) Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente fixados, os bens que este se obriga a distribuir. – Neste sentido, António Pinto Monteiro, em Contrato de Agência, 4ª ed., 2000, p. 49 e Luís Menezes Leitão, em Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 2006, p. 80. i) Os traços caracterizadores do tipo concessão comercial são: a estabilidade do vínculo; o dever de venda dos produtos a cargo do concedente; o dever de aquisição impendente sobre o concessionário; o dever de revenda; a actuação, do concessionário, em nome e por conta própria, a autonomia, a exclusividade e a zona de actuação. – Neste sentido, José Alberto Coelho Vieira, em O Contrato de Concessão Comercial, 1991, pág. 27. j) Estes traços correspondem, por sua vez, aos denominados deveres ou obrigações principais do contrato de concessão comercial, que pode conter ou não outras cláusulas contratuais secundárias atinentes à disciplina dos contratos de compra e venda entre as partes ou disciplinadoras da actividade das partes na comercialização (como sejam, a título exemplificativo, a prestação de assistência técnica e a actividade promocional), correspondente aos chamados deveres ou obrigações acessórias. – neste sentido, José Alberto Coelho Vieira, em obra cita, pp. 46-57. k) Parece curial concluir que a não assunção de outro tipo de obrigações de carácter acessório, através das quais se efectue uma integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, por si só, não é suficiente para afastar a qualificação do contrato como de concessão comercial e qualificá-lo como um contrato de distribuição atípico, tal como pretende a R Recorrente. l) O que ficou provado nos autos foi que “a estratégia comercial da Ré actual também passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers e não de qualquer consumidor tradicional” (cfr. al. ai) da sentença recorrida), o que significa: 1) que não foi sempre essa, no passado, a estratégia comercial da R Recorrente; 2) que essa, nem sequer é a única estratégia comercial actual da R Recorrente. m) Em face dos factos constantes das alíneas b), d), q), s), aa), ab), ac), ae), af) e ag) da sentença recorrida, decorre estarem verificados todos os requisitos legais para que a concessionária A tenha direito, após a cessação do contrato de concessão comercial, a uma indemnização de clientela, de acordo com o disposto no artº 33º, nº 1 do Dec-Lei nº 178/86, de 03 de Julho, aplicável analogicamente. n) A A., desde 1993 e até meados de 2008, foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca “D…” fornecidos pela concedente R., tendo aquela sucedido na posição contratual de concessionária à sociedade “RI Lda., Lda.”, que iniciou a distribuição dos produtos da R. no início da década de 1950 (verificado o requisito da alínea a) do nº 1 do citado artº 33º). o) A A., enquanto concessionária, durante o período de 1993 a 2008, promoveu e divulgou (ou auxiliou na promoção e divulgação) da marca D.. em todo o país directamente junto dos seus clientes tendo angariado em consequência do trabalho desenvolvido os clientes listados a fls. 86 e 87 (entre os quais se encontra o “E…”, em L… e em V…, com quem a R. Recorrente confessa continuar a trabalhar, entre os clientes dessa lista que alega também manter); tendo a A. com a sua actividade contribuído para o prestígio da marca da R. em Portugal (verificados os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do citado artº 33). p) A A., enquanto concessionária, desde Abril de 2008 deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos, directa ou indirectamente, com os clientes constantes da lista que entregou à R. de fls. 86 e 87 (verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do citado artº 33º) q) A indemnização de clientela trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao concessionário, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o concedente continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo concessionário. r) Não se exige que seja o próprio concedente a explorar diretamente o mercado, podendo conseguir esses benefícios através de um outro intermediário (agente, concessionário, franqueado, etc.); o que interessa é que o concedente fique em condições de continuar a usufruir da actividade do seu ex-concessionário, ainda que só indirectamente. - Neste sentido, António Pinto Monteiro, em Contrato de Agência, 3ª Ed., 1998, p. 111 e ss; em Contratos de Distribuição Comercial, 2002, p 165 e ss. s) A posição da doutrina portuguesa apresentasse favorável à extensão analógica do regime da agência à concessão comercial, em particular da atribuição da Indemnização de Clientela, caso esta fique acessível ao concedente no termo do contrato, haja ou não uma expressa obrigação de “transferência” de clientela, por parte do concessionário. - neste sentido, António Pinto Monteiro, ob. cit., pags. 117 e 167; e João Alberto Coelho Vieira, em O Contrato de Concessão Comercial, 1991, pág. 151; Carlos Lacerda Barata, em Anotação ao Novo Regime do Contrato de Agência, 1994, pág. 86; Luís Menezes Leitão, em A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 2006, pág 84; António Menezes Cordeiro, em Manual de Direito Comercial, 2ª ed., 2007, pág. 681. t) Também a jurisprudência se tem mostrado favorável a atribuir ao concessionário a Indemnização de Clientela concedida ao agente, por aplicação analógica do artº 33º do Dec-Lei nº 178/86, de 03/07 – neste sentido, com várias referências, Abílio Neto, em Contratos Comerciais – Legislação, Doutrina e Jurisprudência, 2002, 160-175. u) Quanto ao cálculo da indemnização de clientela, o mesmo encontra-se previsto no artº 34º do citado Dec-Lei nº 178/86, sendo que analogicamente aplicável à concessão comercial, o valor equivalente a uma indemnização anual partirá da margem de lucro média do concessionário nos últimos 5 anos (equivalente à remuneração recebida por este durante esse período de execução de contrato), o que no caso dos autos, pese embora esse valor fosse superior atendendo à prova pericial, se fixou na quantia peticionada de € 360.167,84. v) Cumpre salientar, tal como consta da sentença recorrida, que a denúncia do contrato pela R Recorrente só produziria efeitos em 31 de Agosto de 2008, o que significa que até esta data aquela estava obrigada ao cumprimento do contrato. w) Sucede, porém, que ainda na vigência do contrato a R. Recorrente não cumpriu o mesmo, nomeadamente não enviando à A. Recorrida os produtos encomendados entre 04 de Janeiro e 27 de Março de 2008, referidos na fundamentação de facto (cfr. al. n) da sentença recorrida), bem como a R. Recorrente cessou a entrega de material para reparação em 2007, o que obrigou a A. Recorrida a compensar clientes com objectos novos (cfr. al. ah) da sentença recorrida). A R. Recorrente devia, ainda, à A. Recorrida comissões relativas a vendas de artigos D… em lojas francas. (cfr. al. y) da sentença recorrida). x) Perante o incumprimento contratual reiterado por parte da R. Recorrente assistia à A. Recorrida o direito de resolver o contrato com justa causa e efeitos imediatos, nos termos legais. y) Tratando-se a concessão comercial de um contrato atípico, é-lhe aplicável, por analogia, o regime legal da agência, sobretudo em matéria de cessação de contrato, tal como resulta do preâmbulo do Dec-Lei nº 178/86, de 03 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 118/93, de 13 de Abril. z) Neste sentido, dispõe-se na alínea a) do artº 30º daquele diploma legal que o contrato pode ser resolvido por qualquer das partes se a outra faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual. aa) A resolução contratual foi efectuada mediante declaração emitida à outra parte e suficientemente motivada, contendo as razões em que se fundamentava, dentro do prazo legal para o efeito, atendendo a que os factos que justificavam a mesma eram factos “continuados” ou “duradouros”, tudo de acordo com o previsto no artº 31º do regime legal aplicável. ab) A resolução contratual com justa causa exercida pela A. Recorrida não se confunde, assim, com a denúncia contratual prevista no artº 28º do Dec-Lei nº 178/86, de 03 de Julho. ac) Pelo que, tendo o contato cessado por razões imputáveis à concedente R. Recorrente não é aplicável o disposto no artº 33º/3 do citado Dec-Lei nº 178/86, de 03/07, que excluísse a indemnização de clientela devida à concessionária A Recorrida. ad) O teor da carta de 27 de Junho de 2008 da A. Recorrida (fls. 171 dos autos) é lapidar no sentido de se limitar a participar a decisão de rescisão do contrato de distribuição com a R. Recorrente sem a invocação dos motivos, comunicando a impossibilidade de manutenção do serviço de reparações/ assistência, que deveriam ser dirigidos ou enviados à casa-mãe, não colocando em causa qualquer direito de personalidade da R. Recorrente, designadamente crédito comercial, que não o direito à imagem, nem esta concretiza a verificação de quaisquer danos daí decorrentes. af) A condenação da R Recorrente ao pagamento de juros sobre as quantias referidas a propósito do dano de clientela e relativa a comissões vencidas e não pagas durante a execução do contrato, desde a citação até integral pagamento, decorre dos efeitos jurídicos da citação, que serve de interpelação para o cumprimento da obrigação e simultaneamente de constituição do devedor em mora, nos termos do artº 805º/1 do Código Civil. ae) Acresce, que a responsabilidade da R. Recorrente decorre de facto ilícito contatual (não distinguido o artº 805º/3 do Código Civil a ilicitude contratual da extra contratual) e sendo que, tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização correspondente aos juros conta a partir da constituição em mora, segundo o disposto no artº 806º/1 e Código Civil. Pelo que, são devidos os juros moratórios arbitrados na sentença recorrida. ag) Decorrente da resolução do contrato de concessão comercial com justa causa, a concessionária A. tem o direito a ser indemnizada pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da concedente R., segundo o estabelecido no artº 32º do citado Dec-Lei nº 178/86, de 03/07. ah) A este título, a condenação constante da sentença recorrida funda-se no facto constante da al. ah) da sentença recorrida e no montante peticionado pela A. Recorrida a esse propósito, bem como na circunstância de a mesma decorrer do incumprimento contratual da R. Recorrente fixado na sentença recorrida, pelo que, não merece qualquer censura. ai) A A. peticionou que a R fosse condenada a recomprar àquela todos os produtos da marca S… detidos por aquela em stock nas suas instalações, dada a impossibilidade de comercialização dos mesmos após a cessação do contrato de concessão comercial, que se encontravam já devidamente verificados, contados, catalogados e embalados pelos próprios colaboradores da R., determinando o Tribunal o preço dessa recompra, nos termos do artº 883º/1 do Cód. Civil, segundo juízos de equidade. aj) Com efeito, na carta enviada pela R. à A., em 29 de Fevereiro de 2008, aquela afirma textualmente que a A. “será contactada pelo Sr. LM que estará encarregado do processo de transição da distribuição, para discutir assuntos como a recompra do stock, serviços pós-venda, etc.” ak) Acresce, que entre os dias 2 e 5 de Dezembro de 2008, a R. fez deslocar uma equipa de quatro pessoas da S…, que estiveram nas instalações da A. com o objectivo de conferir e embalar toda a mercadoria da marca existente em stock. (fls. 67 a 85 dos autos). Como se extrai dos autos, a única razão pela qual o stock permaneceu nas instalações da A. foi porque esta e a Ré não chegaram a acordo sobre o valor do mesmo. al) O quesito 9º da base instrutória, que perguntava se: “a R. assumiu o compromisso de “recomprar” os “stocks” de produtos da marca “D” que a A. detivesse em armazém?” foi dado como não provado no despacho de resposta à matéria de facto controvertida, proferido em 12/03/2012, mas em manifesta contradição com a respectiva fundamentação com base na prova testemunhal e documental, porquanto: - A testemunha Filipe referiu que: “A D concordou ficar com o stock, mandou cinco pessoas de Espanha, havia artigos de catálogo em bom estado, outros em mau estado e outros sem ser de catálogo em bom estado. Não chegaram acordo por causa do valor que a Ré ofereceu, na perspectiva do depoente inferior ao valor real. Confirmou a listagem da fls. 84/85.” - A testemunha José… referiu que: Eles não chegaram a comprar o stock porque não chegaram a acordo quanto ao valor, na sua opinião a Ré não ofereceu, sequer o valor correspondente ao preço de custo”. - A testemunha Th… referiu que: “Negociaram, avaliaram mas não chegaram a acordo”. - Quanto à prova documental encontra-se nos autos relatório de fls.67 e ss. elaborado pela A. referente à vinda de uma equipa S. T. de Espanha, seguido de grelha com o resumo dos produtos. am) Em face destes meios probatórios, o referido quesito 9º da base instrutória deveria ter sido dado como provado. - Modificação da decisão de facto que desde já se requer ao abrigo do disposto nos artigos 685º - B/1 e 712º/1ª/a) – 1ª parte do Código de Processo Civil. an) A determinação do preço da recompra dos stocks pode ser, na falta de acordo entre as partes, determinado pelo Tribunal, segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no art.º 883º nº 1 do Código Civil, em nada afectando a existência de uma obrigação de recompra dos stocks pela concedente Ré. ao) Independentemente da inexistência de uma obrigação contratual expressa de recompra dos stocks, a mesma resulta, no caso dos autos, segundo os ditames da boa-fé da conduta assumida pela concedente Ré nesse sentido. ap) Uma vez cessado o contrato de concessão comercial, a concessionária Autora deixou de representar a marca “S…”, pelo que a posição desta deverá compreender a obrigação de retoma do stock existente por parte da concedente Ré, ou tais prejuízos serem imputados na indemnização que aquela tem direito pela cessação do contrato de concessão comercial, nos termos gerais (cfr. Art.º 32º do Dec. Lei nº 178/86, de 03/07). aq) A A. peticionou, também, que a R. fosse condenada a pagar àquela a quantia de € 38.415,80, que deixou de ganhar por não ter tido acesso à mercadoria encomendada à R., entre 26/12/2007 e 27/03/2008, sendo esta absolvida pelo Tribunal “a quo”, por considerar que o dano invocado é apenas hipotético. ar) De acordo com os factos constantes das alíneas e); n); o) e ag) da sentença recorrida, parece crucial concluir que a não satisfação das encomendas de produtos por parte da R., desde 26/12/2007 a 27/03/2008, no valor total de € 48.361,91, sobre o qual incidia um factor de marcação de 1,8 (donde resulta um preço de revenda de € 87.051,44) a multiplicar pela margem de lucro média de 41,38%, proporcionaria à A. um lucro cessante de € 36.021,89. as) Segundo o previsto no art.º 564º do Código Civil, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão; sendo que na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, como sucede no caso dos presentes autos, pelo que os lucros cessantes consubstanciaram danos reais e não meramente hipotéticos, que deveriam ter sido arbitrados no caso “sub judice”. E termina dizendo que: - Deve ser considerada procedente a rectificação de erros materiais requerida pela Ré, tendo a mesma lugar antes da subida dos recursos interpostos, com todas as consequências legais; - Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré, quer quanto à impugnação do despacho proferido sobre a reclamação contra a selecção da matéria de facto, quer quanto à impugnação da sentença recorrida; - Deve ser julgado procedente o recurso subordinado interposto pela Autora, com modificação da decisão de facto relativa ao quesito 9º da base instrutória e com as consequências legais. III Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: a. A A. "R… Lda." é uma sociedade comercial que tem por objecto a importação e comércio por grosso de artigos para escritório, artigos para fumadores e tabacaria, relógios e artigos de relojoaria, artigos de ourivesaria e joalharia, artigos de papelaria, artigos de óptica e artigos de joalharia falsa (fls. 32-33) — sendo o seu único gerente Al…. b. Desde 1993 e até meados de 2008 a A. foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca `D', fornecidos pela R. "S… – Sociedade Anónima de Direito …" – e as ora partes nunca celebraram qualquer contrato escrito. c. O início da distribuição de produtos da ora R. deu-se na década de 1950, através da sociedade "Tabacaria… Lda.". d. A A. adquiria periodicamente à R. os vários produtos das colecções produzidas por esta (como isqueiros, canetas, esferográficas e recargas para material de escrita, porta charutos e corta charutos, porta chaves, clipes para notas, botões de punho, pintas para gravatas, anéis e pulseiras, cinzeiros, artigos de pele, agendas, cintos e relógios) - para, posteriormente, a A., através de uma cadeia organizativa e comercial própria, proceder a revenda daqueles produtos a vários estabelecimentos comerciais (nas áreas da ourivesaria, relojoaria e papelaria), que os vendiam ao público e consumidores finais. e. O ganho económico da A. era constituído pela diferença entre o preço que pagava à R. quando lhe comprava os produtos, e o preço pelo qual vendia os mesmos a lojas/estabelecimentos comerciais abertos ao público. f. A R. comparticipava, até à década de 1990, com cerca de 10% das despesas de promoção e publicidade – e baixou essa comparticipação, nos anos de 2000 a 2007, para cerca de 7%, não tendo comparticipado tais despesas no ano 2007/2008. g. Em 23 de Dezembro de 2004 a R. enviou a A. o escrito junto a fls. 154, 155, e 186-187 do qual consta, designadamente um clausulado sob a epígrafe “contrato de distribuição”, bem como um fax dirigido à A no qual se refere a descida de vendas da A em comparação com a restante Europa onde as vendas subiram em que alerta a A. para a necessidade de ter preços mais competitivos, a necessidade de um plano de imprensa a ser enviado à Ré e no qual se solicita uma previsão de vendas para 2005/2006 e um compromisso de compras para 2005/2006. h. A partir de 2006 a R. passou a cobrar a A. os artigos necessários para promoção e divulgação – que foram gratuitos durante 54 anos. i. A última visita que um responsável da R. fez a Portugal para falar com a A. foi em 19 de Março de 2007 – tendo a A. proposto ao representante da R. a visita aos clientes (que não chegou a acontecer) a fim de poder verificar as causas da quebra do volume das vendas. j. Em 16 de Julho de 2007 a R. ficou de enviar um seu representante a L… para visitar o mercado e ser definida uma nova decoração do espaço existente no 'E…' – e não enviou. k. Em 17 de Outubro de 2007 a R. prometeu a vinda a L… para visitar clientes e resolver o problema existente no “E…” de V… e apresentar as novidades 2008/2009 – e não enviou. l. Em 5 de Janeiro de 2008 a R. enviou à A. a “mensagem” junta a fls. 156 a 159, e 188 a 190 da qual consta designadamente “… O mercado Português é o que tem registadas maiores descida em 4 anos… só posso assumir que vamos continuar a descer… neste caso gostaria de lhe propor se não tiver nenhuma solução que parássemos de trabalhar juntos…” m. Em 5 e 9 de Janeiro de 2008 a R. prometeu a vinda a L… de um seu representante – o que não aconteceu. n. A R. não enviou a A. os produtos encomendados em 26/12/2007, no valor de (120,28€), 4-1-08 (31.869,44€), 8-1-08 (688,77€), 15-1-08 (1.003,80€), 16-1-08 (610,33 €) 22-1-2008 (€316,18), 24-1-2008 (719,25€) 31-1-08 (1.746,58€), 6-2-08 (2.595,00€), 13-2-08 (15,10€),13-3-08 (1.331,91€) e 27-3-08 (7345,27€). o. A A. usualmente aplicava um “factor de marcação 1.8” sobre os produtos da R. (pelo que o preço de revenda das coisas supra encomendados aos seus clientes seria de €87.051,44). p. Em 29 de Fevereiro de 2008 a R. enviou a A. a carta junta a fls. 34 a 37, da qual consta, designadamente… “ esta contínua falta de performance da RI Lda. tendo em consideração o seu papel como distribuidor dos nossos produtos levou-nos a reconsiderar a forma de trabalhar os nossos produtos no mercado português e a tomar a decisão de cessar a distribuição dos nossos produtos em Portugal através da RI Lda. …” com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2008. q. Em 7 de Abril de 2008 a A. enviou à R. (que a recebeu em 10-4-08) a carta junta a fls. 38 a 49, donde consta designadamente… “ Assim, lamentamos que ao fim de tantas décadas a STD obrigue a RI, o seu agente em Portugal… a tomar a única atitude possível perante o cenário descrito: a Resolução do contrato, com justa causa e efeitos imediatos”. r. Em 23 de Abril de 2008 a A. enviou a R. a carta junta a fls. 50 a 54 da qual consta designadamente, “a resolução do contrato produzirá e está a produzir os seus efeitos desde 10/04/2008”. s. Desde Abril de 2008 a A. deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou a R. (fls. 86-87). t. Em 27 de Maio de 2008 a A. enviou a R. a carta junta a fls. 55 a 61 donde consta que a A refere querer resolver os assuntos pendentes amigavelmente e enumera a questão dos stocks existentes, indemnização de clientela e os danos provocados pela resolução contratual. u. Em 16 de Junho de 2008 a A. enviou a R. a carta junta a fls. 62 a 66. da qual consta que nenhuma resposta recebeu até então, juntando o anexo de produtos que refere ter em stock/assistência. Pelo que estes pedidos quer respeitem a artigos com garantia ou fora dela devem ser dirigidos ou enviados à casa mãe. v. Em 27 de Junho de 2008 a A. enviou a carta junta a fls. 171 a referir que não poderia manter o serviço de reparações. w. Entre os dias 2 e 5 de Dezembro de 2008 a R. fez deslocar uma equipa de quatro pessoas da "S…" de Espanha, que estiveram nas instalações da A. com o objectivo de conferir e embalar toda a mercadoria da marca existente em 'stock' (fls. 67 a 85) — e não quiseram verificar, contar e embalar as cargas referentes ao material de escrita e isqueiros "D…" na posse da A. x. As coisas supra (fls. 67 a 85) continuam nas instalações da A. – considerando a A. que o 'stock' tem o valor de 278.322,49€, e, a R., que tem o valor de 49.291€. y. A R. deve a A., por comissões relativas a venda de artigos "D…" em lojas francas, o valor total de 5.132,04€ fls. 89 a 92 — que a R. reconheceu por escrito e ainda não pagou. z. A A. prestava serviço de assistência técnica pós-venda aos clientes, com um técnico especializado ao serviço da A. aa. Durante o período de 1993 até 2008 a A promoveu a marca e os produtos da Ré através da participação em feiras e exposições. ab. Através dos seus funcionários/vendedores a A promoveu e divulgou a marca D… em todo o pais directamente junto dos seus clientes tendo angariado e consequência do trabalho desenvolvido, pelo menos desde 1993 até 2008, os clientes listados a fls. 86 e 87. ac. A A efectuava publicidade da marca D… em Jornais e revistas tendo despendido nesta actividade e desde 1998 a 2008 quantia não concretamente apurada. ad. A Ré obrigou-se a comparticipar as despesas de publicidade e de promoção e a vender periodicamente produtos à A. ae. Com a sua actividade, a A contribuiu para o prestígio da marca da Ré em Portugal. af. Os valores das vendas da A dos produtos da marca D… foram: Em 2003 – € 1.206.831,65; Em 2004 – €1036.128,54; Em 2005 – €921.289,29; Em 2006 – €736.399,27; Em 2007 – €565.733,41 ag. Com a venda dos produtos da Ré entre 2003 e 2007 a A. obtinha uma margem de lucro média para os anos de 2003 a 2007 de 41,38%, considerando que a média no ano de 2003 foi de 44,62%, em 2004 de 37,66%, 2005 42,87%, 2006 de 38,05% e 2007 de 43,07% e que em valores absolutos o montante total da margem bruta para o mesmo período foi de €1851.093,31. ah. A cessação de entrega de material para reparação pela R. em 2007 obrigou a A a compensar um número não apurado de clientes com objectos novos que não podiam ser reparados, tendo despendido quantia não apurada. ai. A estratégia comercial da Ré actual também passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers e não de qualquer consumidor tradicional. IV Perante estes factos há que aplicar o direito. Na douta sentença recorrida foi referido serem então as seguintes as questões a decidir: Da qualificação jurídica do contrato; Da denúncia do contrato pela Ré; Da resolução contratual invocada pela A e, consequentemente, se tem ou não direito aos montantes indemnizatórios peticionados. É pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites do recurso (art.ºs 684.º, n.º 3, e 685.º-A, ambos do CPC). Assim, são agora as seguintes as questões que cumpre apreciar e decidir (as requeridas rectificações já foram feitas em 1ª instância): 1. Reclamação sobre a matéria de facto: 2. Caracterização do contrato; 3. Indemnização de clientela; 4. Juros de mora; 5. Indemnização pelo não envio por parte da ré do material de reparação encomendado pela autora; 6. Resolução do contrato pela autora: 7. Recompra pela ré dos produtos vendidos à autora e existentes em stock; 8. Pedido de condenação da R. na quantia de € 38.415,80, que a A diz ter deixado de ganhar por não ter tido acesso à mercadoria encomendada à R., entre 26/12/2007 e 27/03/2008. V Vejamos a questão relativa à reclamação sobre a matéria de facto. 1. A apelante requer a alteração da matéria de facto em duas situações, dizendo: «No artigo 58.º da petição inicial, a Autora, ora Recorrida, alegou o seguinte: “Sendo que a Autora, desde 10 de Abril de 2008, após a cessação do contrato de distribuição comercial celebrado com a Ré, deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente por esta, com os clientes acima referidos”. Esta matéria veio a transitar para a alínea S) dos factos assentes, com uma redação substancialmente idêntica à do citado artigo da petição inicial, sem qualquer fundamento, porquanto a Ré/Recorrente não tinha admitido ou reconhecido aqueles factos. Aliás, a Ré/Recorrente tinha impugnado aquele artigo da petição inicial no artigo 1.º da sua contestação, onde afirmava, depois de elencar os artigos que aceitava (admissão por acordo) (onde o artigo 58.º não se incluía), que impugnava “todos os demais por não corresponderem à verdade ou por ignorar, nos factos que não sejam pessoais e de que a Ré não tenha nem deva ter conhecimento, se correspondem à verdade”. Acresce que a Ré/Recorrente tinha expressamente afirmado nos artigos 71.º a 75.º da sua contestação o seguinte: “não resulta nem alegada nem provada da petição inicial a angariação de novos clientes ou que a Autora tenha aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente”, “sendo que a suposta lista de clientes que a Autora junta como Doc. 9 pouco ou nenhum valor tem para a Ré”, mostrando-se “necessário que a Autora alegue e prove que a Ré veio, efectivamente, a beneficiar consideravelmente da actividade por si desenvolvida, o que, claramente, não sucedeu”. Mais alegou a Ré/Recorrente nos artigos 83.º e 84.º da sua contestação: “Pois a Autora decidiu interromper por completo, de forma súbita e inesperada para a Ré, a venda dos produtos desta em território português” e “A paragem, diga-se, só não foi total, porque a Ré conseguiu colocar os seus produtos à venda em Portugal através do grupo ECI, graças, exclusivamente, à relação comercial privilegiada que o seu distribuidor em Espanha, a O, S.A., mantém com aquele grupo”. Ora, o que resulta do facto S), como ficou redigido, não podia de forma alguma dar-se por provado, já que sugere desde logo que, após o termo do contrato dos autos, foram concluídos contratos com os clientes constantes da lista entregue à Ré, ora Recorrente, bem como a existência de uma obrigação de retribuição que não foi por esta cumprida. Sucede que a Ré/Recorrente nunca reconheceu ter beneficiado, após a cessação do contrato, de contratos concluídos com clientes constantes daquela lista nem tampouco que tinha alguma obrigação de pagar uma retribuição à Autora pela celebração de tais putativos contratos, pelo que não podia afirmar-se, descontextualizadamente, que “a partir de 2008 a Autora deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou à R.”. Tal matéria não deveria, pois, ter sido levada à Matéria Assente». Salvo melhor opinião, não tem razão. É certo que no artigo 1.º da contestação, depois de elencar os artigos que aceitava (onde o artigo 58.º não estava incluído), afirmou que impugnava “todos os demais por não corresponderem à verdade ou por ignorar, nos factos que não sejam pessoais e de que a Ré não tenha nem deva ter conhecimento, se correspondem à verdade”. A verdade é que não é suficiente esta forma de contestação. Estabelece o artigo 490.º: 1. Ao contestar, deve o Réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição. 2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão entre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito. 3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário. Em relação à generalidade dos factos alegados pela autora, a ré tomou posição expressa sobre a sua veracidade ou falsidade. Em relação à matéria em causa, sendo uma questão da maior importância, nada disse. E dos factos supra referidos não se pode concluir, ao contrário do alegado, que se sugere que, “após o termo do contrato dos autos, foram concluídos contratos com os clientes constantes da lista entregue à Ré, ora Recorrente, bem como a existência de uma obrigação de retribuição que não foi por esta cumprida”. Com tal facto apenas se pretende significar que a autora, após a cessação do contrato de distribuição comercial celebrado com a Ré, deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente por esta, com os clientes referidos. E em parte alguma a apelante diz expressa ou tacitamente o contrário, afirmando antes que a A. não recebeu qualquer quantia após a cessação do contrato. Dos restantes factos alegados pela ré não se pode de forma alguma concluir que esta impugnou tal facto. E não existe a mínima contradição entre esse facto e os restantes factos dados como assentes. Bem pelo contrário. Aliás, no despacho em que o Senhor Juiz se pronunciou sobre a reclamação, já tinha esclarecido: «a matéria da alínea S corresponde à alegada no artigo 58º da p.i. e não foi impugnada pela ré (tratando-se de facto pessoal e de que a R. devia ter conhecimento”, nem contraria a defesa no seu conjunto. De algum modo pode mesmo dizer-se que tal facto é confirmado pelos artigos 83 e 84 da contestação supra citados e que a seguir referiremos. 2. Também diz a apelante que seria relevante a inclusão na Base Instrutória da matéria alegada nos artigos 83 e 84 da contestação e atrás citados. É que, segundo a apelante, “tal matéria é relevante para apurar se a Ré/Recorrente continuou ou não a beneficiar, mesmo após a cessão do contrato, da suposta angariação feita pela Autora/Recorrida antes da cessação do mesmo, requisito essencial para a decisão de atribuição de indemnização de clientela, como se demonstrará”, devendo assim, ser tal matéria aditada à Base Instrutória. Antes de mais dir-se-á que, a ser atendida a reclamação, a matéria em causa não poderia ser aditada à BI, devendo antes passar a constar dos factos controvertidos e, consequentemente, haveria que anular o julgamento para ampliação da matéria de facto. Cremos, contudo, que, tendo em consideração a matéria já apurada, tais factos, a serem provados, não teriam relevância para a decisão da causa. Também no aludido despacho proferido em 1ª instância tinha sido entendido que tal matéria era irrelevante. Por outro lado, está assente que a A. declarou resolvido o contrato e que, a partir daí não vendeu mais produtos da ré. Improcede, pois a apelação nesta parte. VI Passemos à caracterização do contrato que vigorou em entre A e R. 1. Foi referido na sentença recorrida: «Vertendo ao caso que nos ocupa, entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de distribuição, com exclusividade de facto, durante um período de tempo considerável, ao abrigo da autonomia contratual plasmada no artº 405º, nºs 1 e 2 do C.C. Com efeito, A A. adquiria periodicamente à R. os vários produtos das colecções produzidas por esta (…) que os vendiam ao público e consumidores finais. O ganho económico da A. era constituído pela diferença entre o preço que pagava a R. quando lhe comprava os produtos, e o preço pelo qual vendia os mesmos as lojas/estabelecimentos comerciais abertos ao público. (…) Pelo que estamos, como referimos perante um contrato não reduzido a escrito, mas baseado numa situação de facto estável e duradoura, em razão de ter sido a A. a única a fazer tal distribuição durante um certo período, nos termos sobreditos. Ou seja e de acordo com a factualidade assente, desde 1993 e até meados de 2008 a A. foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca `D…', fornecidos pela ora R. "S…” – Sociedade Anónima de Direito ….» 2. No entender da apelante, o Tribunal a quo “procedeu erradamente na aplicação do Direito aos factos dados como provados, inexistindo qualquer fundamento para a atribuição de uma indemnização de clientela a favor da Autora/Recorrida”. E isto, por um lado, porque não se trata de um contrato de concessão comercial e, por outro, porque, mesmo que assim fosse, a autora não teria direito à pedida indemnização. Para tanto, começa por dizer que o contrato de concessão comercial tem as seguintes características: (i) assunção pelo concessionário da obrigação de compra para revenda; (ii) actuação do concessionário em nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; e (iii) assunção de outro tipo de obrigações, através das quais se efetua a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente. E foi referido quanto ao terceiro requisito: «No contrato de concessão vinculam-se as partes a outro tipo de obrigações - além da obrigação de compra para revenda -, sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente. São obrigações de índole e intensidade diversa, com as quais se visa, no fundo, definir e executar determinada política comercial. Isto pode implicar, designadamente, o estabelecimento de regras sobre a organização e as instalações do concessionário, os métodos de venda, a publicidade, a assistência a prestar aos clientes, etc; consagra-se, além disso, um certo controlo do primeiro sobre a actividade do segundo” e é “a integração, ainda, que torna mais fácil ao concedente impor a sua política comercial e controlar a fase da distribuição”. Ora, tal terceiro requisito não está preenchido in casu, pois nada do que ficou demonstrado nos autos aponta no sentido de algum controlo da atividade da Autora/Recorrida por parte da Ré/Recorrente. Desde logo, a Autora/Recorrida não estava sujeita a uma fiscalização e controlo apertados da Ré/Recorrente no exercício da sua atividade de revenda; a colaboração das duas partes não era significativa, não se verificando com a intensidade típica dos contratos de concessão comercial; faltando ainda outro elemento comum a este tipo de contratos, que é o facto de o concessionário estar muitas vezes obrigado a adquirir determinada quota mínima de bens. Pelo contrário, a Autora/Recorrida vendia os produtos que periodicamente adquiria à Ré/Recorrente “através de uma cadeia organizativa e comercial própria” (cfr. al d. da sentença recorrida), inexistindo sequer qualquer facto alegado que permita concluir pela existência de regras sobre a organização e as instalações da Autora/Recorrida ou sobre os seus métodos de venda». Vejamos. Há, com efeito, três notas essenciais que devem ser destacadas e que fornecem o recorte da figura da concessão comercial, que se indicam de forma sucinta: 1 – Em primeiro lugar, a concessão é um contrato em que alguém assume a obrigação de compra para revenda, nele se estabelecendo desde logo os termos (ou os principais termos ou regras em que esses negócios serão feitos. Daí que se celebrem periodicamente os contratos de compra e venda pelos quais o concessionário adquire do concedente os bens para revenda, estão ambas partes a cumprir a obrigação anteriormente assumida. A estes últimos poderemos chamar contratos de execução, os quais se inserem no quadro definido pelo primeiro e o complementam. 2 – Em segundo lugar, o concessionário age em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização. 3 – Finalmente, em terceiro lugar, no contrato de concessão vinculam-se as partes a outro tipo de obrigações (além da obrigação de compra para revenda), sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente. São obrigações de índole e intensidade diversa, com as quais se visa, no fundo, definir e executar determinada política comercial. Isso pode implicar, designadamente, o estabelecimento de regras sobre a organização e as instalações do concessionário, os métodos de venda, a publicidade, a assistência a prestar aos clientes, etc.; consagra-se, além disso, um certo controlo do primeiro sobre a actividade do segundo. Numa palavra, trata-se de definir regras de comportamento através das quais se estabelecem laços de colaboração entre as parte e se articula e coordena a actividade de todos no seio da rede de distribuição, regras essas que implicam obrigações várias e se fundam (juntamente com a obrigação de compra para revenda) no contrato de concessão como contrato-quadro que é. Face aos factos apurados parece não haver qualquer dúvida de que se trata de um contrato genericamente designado de “contrato de distribuição comercial”. Sucede, porém, que, dentro desta categoria ampla de contratos, existem diferenças sensíveis entre eles, nomeadamente os contratos de agência, comissão, mediação, franquia e concessão comercial. O contrato de concessão comercial é na verdade um contrato de distribuição comercial, mas com características que o distinguem dos restantes do mesmo género (como sejam a própria agência ou o "franchising", por exemplo). 3. Sobre o contrato de concessão pronunciou-se, por exemplo, o acórdão desta Relação e secção, de 14.02.2006, proferido no recurso n.º 10848/05, relatado pelo também agora relator, do qual se reproduzem as conclusões que se julgam relevantes para a decisão da causa: «1. O contrato de concessão comercial é um “contrato de distribuição comercial” tal como os contratos de agência, comissão, mediação e franquia. 2. O contrato de concessão comercial é o acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável, numa determinada circunscrição. 3. É um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes, as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. 4. O concessionário, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a propriedade da mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização e não recebe qualquer retribuição do concedente, retirando os seus proventos do resultado da compra e venda dos produtos. 5. Enquanto o agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los ele próprio, mas em nome e por conta do principal, o concessionário actua em seu nome e por conta própria. E, em regra, obriga-se a comprar uma quantidade mínima de produtos durante um certo período de tempo e/ou a revender uma quantia mínima. 4. Parece útil recordar aqui os principais factos para a caracterização do cotrato: b. Desde 1993 e até meados de 2008 a A. foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca `D…', fornecidos pela R. "S…; d. A A. adquiria periodicamente à R. os vários produtos das colecções produzidas por esta (…) que os vendiam ao público e consumidores finais. e. O ganho económico da A. era constituído pela diferença entre o preço que pagava à R. quando lhe comprava os produtos, e o preço pelo qual vendia os mesmos a lojas/estabelecimentos comerciais abertos ao público. f. A R. comparticipava, até à década de 1990, com cerca de 10% das despesas de promoção e publicidade – e baixou essa comparticipação, nos anos de 2000 a 2007, para cerca de 7%, não tendo comparticipado tais despesas no ano 2007/2008. h. A partir de 2006 a R. passou a cobrar a A. os artigos necessários para promoção e divulgação – que foram gratuitos durante 54 anos. J. Em 16 de Julho de 2007 a R. ficou de enviar um sou representante a L… para visitar o mercado e ser definida uma nova decoração do espaço existente no 'E…' – e não enviou. k. Em 17 de Outubro de 2007 a R. prometeu a vinda a L… para visitar clientes e resolver o problema existente no 'E..' de V…, e apresentar as novidades 2008/2009 – e não enviou. z. A A. prestava serviço de assistência técnica pós-venda aos clientes, com um técnico especializado ao serviço da A. aa. Durante o período de 1993 até 2008 a A promoveu a marca e os produtos da Ré através da participação em feiras e exposições. ac. A A efectuava publicidade da marca D… em Jornais e revistas tendo despendido nesta actividade e desde 1998 a 2008 quantia não concretamente apurada. ad. A Ré obrigou-se a comparticipar as despesas de publicidade e de promoção e a vender periodicamente produtos à A. ae. Com a sua actividade, a A contribuiu para o prestígio da marca da Ré em Portugal. Perante estes factos parece-nos poder concluir-se que o contrato em causa é um contrato de concessão comercial, ou seja, "um acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável". Ou, como escreve Menezes Cordeiro “Do Contrato de Concessão Comercial”, ROA pág. 600., “é um contrato atípico e inominado e que tem sido definido como aquele no qual uma pessoa - o concedente - reserva a outra – o concessionário – a venda de um seu produto, para revenda, numa determinada circunscrição”. Segundo José Alberto Coelho Vieira, in “O Contrato de Concessão Comercial”, 1991, pág. 27, os traços caracterizadores do tipo concessão comercial são: a estabilidade do vínculo; o dever de venda dos produtos a cargo do concedente; o dever de aquisição impendente sobre o concessionário; o dever de revenda; a actuação, do concessionário, em nome e por conta própria, a autonomia, a exclusividade e a zona de actuação. Ainda segundo o mesmo Autor (ob. loc. cit. págs. 46/57), estes traços correspondem, por sua vez, aos denominados deveres ou obrigações principais do contrato de concessão comercial, que pode conter ou não outras cláusulas contratuais secundárias atinentes à disciplina dos contratos de compra e venda entre as partes ou disciplinadoras da actividade das partes na comercialização (como sejam, a título exemplificativo, a prestação de assistência técnica e a actividade promocional), correspondente aos chamados deveres ou obrigações acessórias. Na concessão, o cedente e o cessionário acordam em que este proceda à distribuição dos produtos daquele (em exclusivo ou não) inserindo-se o concessionário na rede de distribuição do cedente, ao qual adquire o “produto”, obrigando-se a vendê-lo por sua conta e risco. Trata-se, contudo, de um contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, pelo que se lhe aplicam as cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos e ainda as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato Mas é sem dúvida um contrato “socialmente típico”, tal é a sua implantação nos dias de hoje. Desempenha, com efeito, uma função económico-social própria pela organização da comercialização dos produtos, com carácter duradouro, de tal forma que permite ao concedente controlar a distribuição e pôr em prática a sua política comercial, transferindo para o concessionário os riscos da comercialização. É um contrato-quadro, desprovido de um regime jurídico próprio “que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que concerne à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente” Veja-se PINTO MONTEIRO, «Contrato de Agência», 4.ª edição, págs. 49 e «Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial», in RLJ 130, págs. 92. Pode ver-se, ainda MARIA HELENA BRITO, «O Contrato de Concessão Comercial», 1990, págs. 155 e ss. 5. Ao contrário do que defende a apelante, por um lado as relações entre A. e R. não se limitaram à compra e venda dos produtos daquela para revenda, e, por outro, para a existência deste contrato, não é necessária a verificação cumulativa de todas as obrigações supra citadas. Não é necessário, por exemplo, que exista uma fiscalização e controlo apertados do concedente sobre o concessionário. Também não é essencial que este se obrigue a adquirir uma “determinada quantia mínima”. Ora, tratando-se, como se trata, de uma actividade exercida pela autora em regime de exclusividade, em todo o território nacional, desde 1993 até meados de 2008, comparticipando a ré nas despesas de promoção e publicidade dos produtos vendidos, e tendo ficado provado que, em Julho de 2007 a R. ficou de enviar um seu representante a L… para visitar o mercado e ser definida uma nova decoração do espaço existente no “E…” e que em de Outubro de 2007 a R. prometeu a vinda a L… para visitar clientes e resolver o problema existente no “E…” de V…, e apresentar as novidades 2008/2009, parece não haver dúvidas de que não se trata de um simples contrato de compra e venda em regime de exclusividade. Trata-se, pois, de um contrato de concessão comercial. VII Vejamos agora a apelação no que diz respeito à chamada “indemnização de clientela”. 1. O Tribunal recorrido condenou a R. no pagamento de uma indemnização, “por dano de clientela” no montante de €360.167,84 por ter considerado estar-se perante um contrato de concessão comercial, cujo “regime deverá ser obtido através das regras gerais dos contratos e dos contratos que com ele mais se assemelham, o que, conforme entendimento geral da doutrina e da jurisprudência, se consubstancia no contrato de agência”. Está em causa a chamada “indemnização de clientela” prevista nos artigos 33º e 34º do DL 178/86 para o contrato de agência, na redacção dada pelo DL nº 118/93, de 13.04. Com efeito, estabelece o artigo 33º que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização por clientela, desde de que sejam preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). Prevê assim a lei que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, a indemnização de clientela seja concedida, desde que se verifiquem cumulativamente os requisitos a que aludem as alíneas a) a c) do nº 1 do artº 33º. "Trata-se, na sua essência, de uma indemnização destinada a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Verificadas as condições de que depende a indemnização de clientela é devida, seja qual for a forma de cessação do contrato" (conf. preâmbulo do citado DL). Tem-se entendido que esta indemnização também é devida noutros contratos, sempre que a analogia das situações o justifique. No próprio preâmbulo daquele diploma legal diz-se expressamente que, no direito comparado, o contrato de concessão comercial se tem mantido como um contrato atípico, mas que, ao mesmo tempo, vem sendo posta em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique - o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato. Como diz A. PINTO MONTEIRO "Contrato de Agência", pag 60., isto acontece porque a finalidade do contrato de concessão envolve, frequentemente, uma actividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por uma relação de estabilidade e de colaboração... Prevendo-se essa indemnização, em termos explícitos, para o agente, no regime jurídico do contrato de agência, é entendimento unânime que a função desempenhada pelo concessionário, no contrato de concessão, reclama, em abstracto, tutela semelhante, atento o leque e a amplitude das tarefas assumidas e o nexo funcional que une os sujeitos. Afinal, prosseguindo o concessionário objectivos relacionados com a distribuição ou venda dos produtos ou com a prestação de serviços, a sua actividade é susceptível de se projectar também positivamente na esfera do concedente. E, como se vem dizendo, entre os dois contratos existe uma grande analogia nesta parte: tanto o agente como o concessionário promovem os produtos do “principal”, assim contribuindo para a sua divulgação. E tal como sucede num contrato de agência, o concessionário adquire e fideliza determinada clientela. Daqui resulta uma certa afinidade entre o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, não só quanto à actividade desenvolvida pelo agente e pelo concessionário, mas ainda quanto à situação de dependência económica em que ambos se encontram relativamente à outra parte. É que o contrato de concessão envolve, com muita frequência, um conjunto de actividades semelhantes às que se verificam no contrato de agência, estando os contraentes unidos, em ambos os casos, de modo idêntico, por relações de estabilidade e cooperação, com um objectivo comum. E isto, como vimos, sucedeu no caso sub judice. A indemnização de clientela será uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Será como refere Helena Brito, in “Novas Perspectivas do Direito Comercial” um direito à retribuição por serviços prestados; o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito a uma compensação, que terá em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido. Trata-se, assim, de uma compensação pela “mais-valia” que é proporcionada, graças à actividade desenvolvida, na medida em que o principal continua a aproveitar-se dos frutos dessa actividade após o termo do contrato de agência. De resto tem-se entendido que não se trata em rigor de uma verdadeira indemnização devida ao agente (não tendo função reparadora) até porque não está dependente de prova, a fazer por este, dos danos sofridos. O que conta são os benefícios que podem ser proporcionados pelo agente ao principal, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram comuns, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas a este. Trata- se de um direito à retribuição pelos serviços prestados. Mesmo que o agente não sofra danos, haverá um enriquecimento do principal que legitima e justifica uma compensação. Em suma: trata-se de uma remuneração devida ao agente pela clientela angariada e da qual virá a beneficiar o principal; a finalidade desta indemnização é, pois, a de compensar o agente na medida dos benefícios de que o principal continue a auferir após a cessação do contrato, em virtude da actividade por ele desenvolvida. Ou, como refere Maria Helena Brito O Contrato de Concessão Comercial, pág. 100., «o fundamento desta “indemnização” é o incremento da clientela, que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não terminasse» Portanto, o regime da indemnização por clientela previsto no citado artigo 33º é aplicável por analogia aos contratos de concessão comercial, com as devidas adaptações, nomeadamente no que vigorou entre as partes desta acção. 2. Parece-nos que se trata duma questão bastante complexa, não só quanto a saber se é devida a indemnização, mas também, em caso afirmativo, qual o seu montante. Trata-se (como na generalidade dos casos) dum problema que, a priori, não é fácil de resolver, pois, além do mais, está dependente da verificação de pressupostos bastante exigentes. Por isso compete ao eventual titular alegar e provar os factos conducentes à requerida indemnização. A causa de pedir (factos jurídicos de que deriva o direito invocado) deve ser devidamente fundamentada. Além disso, há que ter em consideração os conceitos indeterminados utilizados pelo legislador. Como vimos, é necessária a verificação cumulativa daqueles três requisitos. Diz a apelante que não se verifica qualquer um deles. Todavia, parece não haver grandes dúvidas quanto à verificação do requisito referido em c), pois, além do mais, ficou provado que desde Abril de 2008 a A. deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou à R.. Mas o mesmo não sucede em relação ao referido nas alíneas a) e b). “Naturalmente que não é qualquer acréscimo de clientela ou qualquer beneficio que daí resulte para o principal que justificará a atribuição ao agente de uma “indemnização” de clientela; terá de se tratar de um acréscimo e de um benefício de proporções minimamente relevantes para o efeito: um acréscimo “substancial” do volume de negócios do principal donde resulte para este um beneficio “considerável”- Caberá, aqui, à actividade jurisprudencial a cuidada concretização dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador Carlos Lacerda Barata, in “Anotações ao Novo regime do Contrato de Agência”., pág. 82.”. Em relação ao requisito da alínea a) é necessário que se prove que o concessionário angariou novos clientes para o concedente ou que aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente, embora seja suficiente a verificação de um destes factos. Mas, como é evidente, não basta a angariação de alguns (poucos clientes), pois, só se justificará a indemnização de clientela se for angariado um número significativo de novos clientes. Tal como se torna necessário o aumentado substancial do volume de negócios com a clientela já existente. Quanto à indemnização há que ter sobretudo em consideração os seguintes factos dados como provados: b. Desde 1993 e até meados de 2008 a A. foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca `D…', fornecidos pela R. "S… – Sociedade Anónima de Direito …" – e as ora partes nunca celebraram qualquer contrato escrito. c. O inicio da distribuição de produtos da ora R. deu-se na década de 1950, através da sociedade "T… Lda.". s. Desde Abril de 2008 a A. deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou concluídos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou a R. (fls. 86-87). aa. Durante o período de 1993 até 2008 a A promoveu a marca e os produtos da Ré através da participação em feiras e exposições. ab. Através dos seus funcionários/vendedores a A promoveu e divulgou a marca D… em todo o pais directamente junto dos seus clientes tendo angariado e consequência do trabalho desenvolvido, pelo menos desde 1993 até 2008, os clientes listados a fls. 86 e 87. ac. A A efectuava publicidade da marca D…em Jornais e revistas tendo despendido nesta actividade e desde 1998 a 2008 quantia não concretamente apurada. ae. Com a sua actividade, a A contribuiu para o prestígio da marca da Ré em Portugal. A apelante alega a este propósito: - Ainda que se entendesse haver lugar à aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato dos autos, haveria também que analisar se estavam cumulativamente reunidos os requisitos para a atribuição da indemnização de clientela previstos no n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86: “a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente. c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”. - No que toca à primeira questão: as tarefas e funções desenvolvidas pela Autora/Recorrida durante a execução do contrato não podem, em face da factualidade provada, ser consideradas como um factor relevante de atracção de clientela. É que não basta que tenha angariado clientes: a sua actividade tem de poder considerar-se como relevante, o que não decorre de qualquer elemento dos autos, como se viu. Com efeito, os clientes da Ré/Recorrente não são hoje, na sua grande maioria, os angariados pela Autora/Recorrida durante a vigência do contrato. Por outro lado, como admite a autora, esta vinha perdendo a sua carteira de clientes de forma impressiva pelo menos desde o ano de 2003, o que resulta evidente da quebra acentuada nos volumes de vendas dados como assentes. - Daqui resulta, pois, que a resposta à primeira questão não pode senão ser negativa, o que implica, também, a não verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º do regime jurídico da agência, o que excluiria, desde logo, a atribuição de qualquer indemnização de clientela. - Acresce que a resposta à segunda questão também já se encontra de certa forma dada: a Ré/Recorrente não se encontra a beneficiar da atividade desenvolvida pela Autora/Recorrida: da factualidade que se deu como provada (e, bem assim, da fundamentação avançada para a mesma) resulta que a atividade da Autora/Recorrida apenas contribuiu para o prestígio da marca em Portugal e que tendo a sua atividade levado à angariação dos clientes que constam da lista de fls. 86 e 87 (47 ao todo), a Ré/Recorrente apenas trabalha hoje com 6 ou 7 desses clientes. - Acresce a tanto o facto de o segmento de clientes almejado pela Ré/Recorrente não ser aquele em que vinha trabalhando a Autora/Recorrida (cfr. als. d. e ai. da sentença recorrida). - Ora, como é evidente, ficou demonstrado que a Ré/Recorrente não irá certamente beneficiar da angariação feita pela Autora/Recorrida e que, ainda que venha a beneficiar nunca se poderá considerar preenchida a previsão legal de que tal benefício venha a ser considerável, como exige a alínea b) do n.º 1 do citado artigo 33.º. - Donde resulta a não verificação do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do regime jurídico da agência. - Quanto ao último requisito previsto no n.º 1 do artigo 33.º do citado diploma, previsto na espetiva alínea c), apenas se dirá que se os clientes com que a Ré/Recorrente trabalha hoje não são os angariados pela Autora/Recorrida, dificilmente poderia sequer equacionar-se a questão do pagamento de retribuições a esta. 3. É certo que em relação ao requisito referido em a) (o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente) apenas se apurou concretamente que durante o período de 1993 até 2008 a A promoveu a marca e os produtos da Ré através da participação em feiras e exposições e que através dos seus funcionários/vendedores a A promoveu e divulgou a marca D… em todo o pais directamente junto dos seus clientes tendo angariado em consequência do trabalho desenvolvido, pelo menos desde 1993 até 2008, os clientes listados a fls. 86 e 87. Não vem concretamente apurado se a A. aumentou substancialmene o volume de negócios. Mas ficou provado que, com a sua actividade, a A contribuiu para o prestígio da marca da Ré em Portugal e que angariou, pelo menos, aqueles clientes. Ora, a actividade da A já vinha sendo exercida desde há muitos anos em regime de exclusividade, pelo que é de presumir que toda a clientela tenha sido angariada durante esse longo período de tempo. E daí que seja mais difícil falar em angariação de novos clientes e/ou no aumento substancial de volume de negócios. Mas a ré apenas alega que a partir de 2003 se verificou uma acentuada quebra de vendas. Por isso, é de admitir que, pelo menos até essa data, tenha sido mantido o volume de vendas, o que bem se compreende, pois, caso contrário, não se justificaria que o contrato vigorasse durante tanto tempo em regime de total exclusividade. Não se crê que a clientela tenha sido angariada pela ré ou por alguém que não a autora e a sua antecessora. Assim, com base nos factos agora referidos, e pelos motivos que melhor serão explicitadas no número seguinte, parece-nos dever dar-se como verificado o primeiro dos referidos requisitos, à semelhança do que foi feito em 1ª instância. 4. Vejamos agora o requisito da alínea b): que a ré venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela cessionária (a ora autora). Antes de mais dir-se-á que não é necessário que os benefícios para o concedente já tenham ocorrido, “bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua em si mesma uma chance para o principal” A. Pinto Monteiro, in Contrato de Agência pág. 115. No mesmo sentido Carlos Lacerda Barata, in Anotação ao Novo Regime do Contrato de Agência, pag. 82.. O mais importante é que o principal (neste caso a ré/cedente) fique em condições de continuar a usufruir da actividade desenvolvida pelo ex-concessionário, Ora, como se disse, a indemnização de clientela destina-se essencialmente a compensar o concessionário dos proventos de que, após a cessão do contrato, poderá continuar a beneficiar o concedente, como resultado da actividade por aquele desenvolvida. Ou dito doutro modo: a indemnização de clientela a que se refere o artigo 33º traduz-se numa compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou aumentada pelo agente. Por isso, essencial é apurar se, e em que medida, após a cessação do contrato, o cedente pode ficar a beneficiar da actividade desenvolvida pelo concessionário. Dos factos provados parece não resultar expressamente que o cedente ficou a beneficiar da actividade desenvolvida pelo concessionário. Mas, tendo em consideração os factos que se recordam, parece não haver qualquer dúvida de que a ré está em condições de usufruir e beneficiar de toda a actividade de angariação, distribuição e promoção comercial desenvolvida pela autora ao longo de todos estes anos, em Portugal, a favor da marca D…: desde 1993 e até meados de 2008 a A. foi a distribuidora exclusiva, em todo o território nacional, dos produtos da marca “D…”, fornecidos pela R. "S…”; adquiria periodicamente à R. os vários produtos das colecções produzidas por esta (…) que os vendiam ao público e consumidores finais; durante o período de 1993 até 2008 a A promoveu a marca e os produtos da Ré através da participação em feiras e exposições; a A efectuava publicidade da marca D… em Jornais e revistas; com a sua actividade, a A contribuiu para o prestígio da marca da Ré em Portugal. Mas, por um lado, a apelante alega factos que não estão provados, como, por exemplo: os clientes da Ré/Recorrente não serem hoje, na sua grande maioria, os angariados pela Autora/Recorrida durante a vigência do contrato; tendo a atividade da autora levado à angariação dos clientes que constam da lista de fls. 86 e 87 (47 ao todo), a Ré/Recorrente apenas trabalha hoje com 6 ou 7 desses clientes. Por outro lado, repetindo o que já foi dito, é de presumir que com a actividade desenvolvida pela autora ao longo dos anos, tenha angariado clientes para a ré e que esta pode beneficiar, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida por aquela. Aliás, atendendo à especificidade do caso, pode admitir-se perfeitamente que seja suficiente para efeitos de indemnização a fidelização da clientela. É que toda ela foi angariada pela autora e pela sua antecessora, pelo que não pode a ré deixar estar em condições de beneficiar da actividade desenvolvida pela cessionária. Com efeito, parece não estar em causa saber se houve ou não um aumento substancial do volume de negócios com a clientela já existente, uma vez que a respectiva actividde sempre foi exercida, em regime de exclusividade, desde o início. Assim toda a actividade em prol da divulgação da marca foi exercida ao logo dos anos pela autora e pela sua antecessora. E a tanto não obsta a circunstância de, nos últimos anos, se ter verificado a diminuição do volume de vendas. Até porque nem sequer foi alegado quais as razões para essa diminuição. E para o efeito não tem interesse que o segmento de clientes almejado pela R. não seja aquele em que vinha trabalhando a Autora e que os clientes com que a Ré/Recorrente agora trabalha não sejam os angariados pela Autora/Recorrida. O que conta é a possibilidade que a cedente tinha de beneficiar, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela concessionária. No artigo 11 da BI perguntava-se se “a estratégia comercial da Ré passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers e não, como vinha a ser a prática da A., do “consumidor tradicional” – devendo a marca da R ser promovida no mercado português como uma marca de luxo, e, não como uma marca dirigida a aficionados de isqueiro e canetas. E foi respondido restritivamente ou seja: a estratégia comercial da Ré actual também passa pela captação específica do segmento de clientes business executive travellers e não de qualquer consumidor tradicional. Por isso, não faz sentido a afirmação feita na conclusão 38 da ré: se alguém incumpriu o contrato dos autos, foi a Autora/Recorrida, com a sua persistência em não seguir a estratégia gizada pela Ré/Recorrente para a sua marca. Parece-nos, pois, que é necessário concluir que à R. foi proporcionada a possibilidade de manter a clientela angariada pela A. durante o longo período da concessão, beneficiando, por isso, da possibilidade de retirar proveito dessa actividade. 5. Questão mais delicada é a de saber se a ré beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela autora. Parece-nos que há que ter em consideração não tanto o que a ré veio a beneficiar da actividade desenvolvida pela autora, mas sobretudo se a cedente estava em condições de poder beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pela cessionária. Ou seja, o que é preciso é que se demonstre que a cedente estava em condições de poder beneficiar da actividade desenvolvida pela cessionária. Se a ré decidiu enveredar por uma diferente estratégica, é questão que só a ela diz respeito. O que está na base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça [fixada com recurso à equidade], assente na consideração de que se o concessionário proporcionou, pela sua actividade, um aumento significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando para o futuro, deve ser compensado pelo esforço que fez na vigência do contrato. Em relação a esta problemática, refere PINTO MONTEIRO, in “Contratos de Distribuição Comercial”, págs. 165 e segs., que só faz sentido compensar o concessionário pelo que fez no passado na medida em que se preveja que isso virá a repercutir-se directamente, no futuro, em benefício do concedente, o que importa a formulação de um juízo de probabilidade,[4]bastando, pois, que, no termo do contrato, o concedente tenha efectivo acesso à clientela angariada pelo distribuidor e que lhe sejam proporcionadas condições objectivas para a continuidade de clientela. No mesmo sentido, por exemplo, entre outros, o Ac. do STJ, de 20-10-09, segundo o qual basta que, num juízo de prognose, seja proporcionada à concedente a possibilidade de obter os ganhos, sem necessidade da prova de que os obteve efectivamente. CAROLINA CUNHA aborda a matéria em A Indemnização de Clientela do Agente Comercial. E embora a abordagem da questão seja feita em torno do contrato de agência, conclui que a integração do primeiro requisito se basta com a ponderação de toda e qualquer vantagem com relevo económico, isto é, de todo e qualquer ganho que o aumento da procura suscitado pela actuação do agente seja apto a proporcionar ao principal (pág. 148), exemplificando com futuras transacções, clientes angariados, aumento do grau de exposição dos bens, constatação de benefícios economicamente relevantes ou com o alargamento da quota de mercado (págs. 159 a 155). E quanto ao segundo conceito, depois de assinalar as dificuldades de elaboração de um juízo de prognose, considera que a apreciação dos efeitos causalmente imputados à actuação do agente (ou do concessionário) deve ser feita sob o padrão do empresário médio colocado nas concretas circunstâncias do caso, assinalando que a angariação de novos clientes ou o aumento de negócios na zona de actuação natural e presumivelmente traduzirão “benefício considerável” para o agente (ou para o concedente), sem embargo da contraprova de circunstâncias que indiciem um resultado inverso (págs. 185 a 190). Ora, face ao referido, parece-nos poder dizer que efectivamente a ré estava em condições de poder a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida autora. Tenha-se em atenção que, em Portugal, só a apelada comprava e vendia os produtos da ré. E, como já se disse, a cedente, ao denunciar o contrato (ou mesmo antes – pelo que parece resultar dos autos) não alegou que a cessionária foi negligente no decurso do contrato, a não ser que, nos últimos anos, se verificou uma diminuição acentuada das vendas, sem contudo, mesmo neste caso, sentir necessidade de invocar justa causa para a denúncia, ou, em vez desta, proceder à sua resolução Sobre a distinção entre resolução e denúncia do contrato falaremos mais tarde.. É da experiência da vida que, em princípio, sendo a concessionária a única vendedora dos produtos da cedente durante tanto tempo, após a cessação do contrato esta está em condições de beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida por aquela. A não ser assim, deveria a cedente invocar as razões pelas quais não teria beneficiado dessa actividade e imputáveis à outra parte. Não fora a actividade desenvolvida pela autora e pela sua antecessora, certamente os produtos D… não seriam suficientemente conhecidos em Portugal. Se a ré pretende agora iniciar uma nova estratégica, é evidente que isso fica facilitado pelo conhecimento que existe em Portugal dos produtos que foram comercializados ao longo dos anos pela ora autora. Ao contrário do alegado pela apelante, a carta de 27.06.2008 dirigida pela autora aos seus clientes não pode ter qualquer influência na promoção dos produtos D…, pois nela praticamente apenas se informa que não havia condições para a continuação do contrato com a cedente. E em relação à diminuição das vendas nos últimos anos há que ter em consideração que a ré não atribui especial responsabilidade à autora. 6. A apelante alega que também não é devida a indemnização porque o contrato cessou por razões imputáveis à autora, nos termos do n.º 3 do artigo 33.º, segundo o qual “não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente”. Como resulta do preceituado no artigo 24.º, o contrato de agência pode cessar por: a) Acordo das partes; b) Caducidade; c) Denúncia; d) Resolução. “Se as partes não tiverem convencionado prazo, o contrato presume-se celebrado por tempo indeterminado” (art.º 27.º, n.º 1). É o caso. O contrato cessou porque a ré o denunciou por carta de 29.02.2008 para produzir efeitos a partir de 31 de Agosto do mesmo ano. Nessa carta refere-se essencialmente que, nos últimos anos, as vendas em Portugal tinham vindo a decrescer. Entretanto, em data posterior, a autora declarou resolvido o mesmo contrato com invocação de justa causa. Como estabelece o art.º 432.º, "é admitida a resolução do contrato fundado na lei ou em convenção". Mota Pinto escreve Teoria Geral da Relação Jurídica 66/67, pág. 351.: "a resolução ... tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não dum vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a legítima expectativa duma parte contratante, seja um facto da contraparte (inadimplemento de uma obrigação), seja um outro facto natural ou social...". Antunes Varela considerava que a resolução "é a destruição da relação contratual, operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado” Das Obrigações em Geral, vol. II pág. 242 - 3ªedição.. Portanto, podemos dizer que a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, com fundamento na lei (resolução legal - em que o direito à resolução é conferido por lei a um dos contraentes) - ou convenção das partes (quando, por acordo, se concede a ambas as partes ou apenas a uma delas o direito de resolver o contrato). "A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte" (artº 436.º, n º1). Consiste, assim, numa declaração unilateral receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio, destruindo desse modo a relação contratual. Mas poderá ser necessário o recurso ao tribunal (art.º 1047.º) E torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artº 224º, nº 1). Mas, ao contrário do que sucede com a revogação, que é livre, em princípio, a resolução só é admitida com fundamento na lei ou em convenção das partes. “A revogação do contrato consiste também numa destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato. Mas assenta no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrato, com sinal oposto ao primitivo (no contrarius consensus)” A. Varela – Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 244.. E exprime, em regra, um poder discricionário, não necessitando as partes, no caso da revogação bilateral, ou o revogante, no caso da revogação unilateral, de invocar qualquer justificação para a destruição da relação negocial. «A denúncia analisa-se na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestação duradoura, dirigida à sua não renovação ou continuação. Apresenta, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado» Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª Edição, Almedina, 2005.. A denúncia no contrato de agência está prevista no artigo 28.º, o qual estabelece na parte que aqui importa considerar: a denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima de três meses. A denúncia é, pois, o modo de cessação típico das relações contratuais duradouras, constituídas por tempo indeterminado. É que não se compreenderia que num contrato celebrado por tempo indeterminado não fosse possível a qualquer das partes pôr-lhe termo, embora com sujeição a certas condições. Mas não é necessária a invocação de justa causa, ou seja, não pressupões culpa da parte contrária. Por isso, como bem se decidiu em 1ª instância, a denúncia foi feita em conformidade com a lei. A resolução está prevista no artigo 30.º, segundo o qual o contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exegível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia. Assim, ao contrário do que sucede com a denúncia, na resolução é necessário invocar qualquer dos aludidos fundamentos. Por isso, na alínea a) está previsto o incumprimento das obrigações da outra parte, resultante de facto culposo, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do contrato, embora possa ser feito extrajudicialmente, nos termos grais (art.º 436.º do CC), mediante declaração à outra parte. A A., invocando a falta de cumprimento do contrato, em 7 de Abril de 2008 procedeu à sua resolução, “com invocação de justa causa e efeitos imediatos”. Foi dito na sentença: «Estaremos perante uma situação de incumprimento definitivo quando se verifique a impossibilidade absoluta de cumprir, quando a prestação se torna irrealizável em consequência do comportamento censurável do devedor (artº 801º C.C.) ou, nos termos do art. 808º do mesmo diploma legal, quando, sendo a prestação ainda possível, ocorra a perda do interesse do credor ou, ainda, em consequência da inobservância do prazo razoável, suplementar e peremptório, que o credor tenha fixado ao devedor relapso. Ora ao não ter enviado os produtos encomendados e tendo mantido o silencio mesmo após a carta remetida em 27 de Maio de 2008 e constante dos factos assentes a Ré demonstrou a sua vontade de não cumprir ainda durante o período de vigência do contrato. Desde Abril de 2008 a A. deixou de receber qualquer retribuição pelos contratos negociados ou conclusos directa ou indirectamente com os clientes constantes da lista que entregou a R. não lhe remeteu as encomendas acordadas antes da produção dos efeitos da denúncia. Pelo que em nosso entender esta conduta da Ré traduz o incumprimento que justifica a resolução, ainda durante a vigência do contrato, pela A». A verdade é que apenas foi dado como provado o seguinte, a este respeito: A cessação de entrega de material para reparação pela R. em 2007 obrigou a A a compensar um número não apurado de clientes com objectos novos que não podiam ser reparados, tendo despendido quantia não apurada. Ora, parece não ser suficiente para daí se retirar que a falta da ré tivesse sido de tal maneira grave que justificasse a resolução do contrato. Tal incumprimento poderia justificar, por exemplo, um pedido de indemnização, mas não a resolução do contrato, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário. Seja como for, e para os efeitos em causa, não se pode considerar que o contrato cessou por razões imputáveis à autora. Parece-nos, pois, que é de concluir que a ré deve indemnizar a autora. VIII Vejamos agora o montante da indemnização. 1. A este propósito foi dito na sentença recorrida: «Ora, ficou demonstrado que a Ré através da Autora conquistou clientela que foi conquistada ao longo do período constante dos factos assentes. Os produtos da Ré eram vendidos por outrem nos clientes que a A havia angariado. A Ré beneficiou do trabalho desenvolvido pela A e da clientela angariada por esta. Pelo que a compensação deve ter em consideração não só o esforço da A na angariação de clientela mas também o tempo longo delimitado nos factos assentes em que serviu a Ré o que em nosso entender compensa o prestígio já implantado no mercado da marca da Ré para efeitos de cálculo equitativo. No que se refere ao montante desta compensação, a lei, quanto ao contrato de agência, estipula que deverá ser concedida com base na equidade, mas nunca podendo exceder a remuneração por um ano de actividade. Ponderando todos os factos acima mencionados podemos concluir que as vendas dos produtos da Ré em Portugal, durante aquele período decorreram de uma conjugação do esforço comercial da A. ao longo de todos os anos que constam da factualidade assente e que representa um valor a considerar de fidelização ao produto da Ré, relação de confiança, promoção da marca e dos produtos divulgação perante clientes e angariação de clientes que não sendo de somenos importância e compensam o prestígio e implementação no mercado, em geral, por parte da Ré. Considerando estas vertentes e não existindo elementos que nos permitam valorizar uma componente em detrimento da outra, entenderíamos atribuir uma compensação no montante igual ao valor médio da margem bruta anual*** dos últimos cinco anos, ou seja, apelando mais uma vez, com base precisamente no art. 34.º acima analisado, à equidade, no montante de € 369.722,12 (total da facturação dos últimos 5 anos (€4466321,09 x 41,38% : pela facturação dos cinco últimos anos). Sucede que o Tribunal está limitado pelo montante do pedido, (artº 661º do C.P.C.), pelo que a A tem direito a receber a quantia peticionada de €360.167,84 (trezentos e sessenta mil cento e sessenta e sete Euros e oitenta e quatro cêntimos).» 2. Apreciando. O artigo 34º refere-se à média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos, No contrato de agência existe a retribuição (artº 1º), a qual é determinada essencialmente com base no volume dos negócios conseguidos pelo agente, em regra sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o volume dos negócios por ele conseguidos (ver ainda os artigos 15º e 16º). Pode também ser fixada, pelo menos parcialmente, em quantia determinada. Mas a forma mais corrente de cálculo é a comissão sobre as vendas promovidas pelo agente, o que é facilmente determinável. Portanto, no contrato de agência, a retribuição determina-se fundamentalmente com base no volume de negócios conseguidos pelo agente, normalmente através de uma comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios obtidos. Mas o mesmo não sucede no contrato de concessão comercial, onde não existe uma “retribuição” calculada nestes termos. O concessionário, como vimos, ao contrário do agente, actua em seu nome e por sua conta, adquire a mercadoria, comprando-a ao fabricante ou ao fornecedor, para a vender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, não recebendo, por isso, qualquer outra retribuição do concedente. A apelada diz a este respeito: «Em face dos factos constantes das alíneas b), d), q), s), aa), ab), ac), ae), af) e ag) da sentença recorrida, decorre estarem verificados todos os requisitos legais para que a concessionária tenha direito, após a cessação do contrato de concessão comercial, a uma indemnização de clientela, de acordo com o disposto no artº 33º, nº 1 do Dec-Lei nº 178/86, de 03 de Julho, aplicável analogicamente. Em relação ao seu montante refere apenas: Quanto ao cálculo da indemnização de clientela, o mesmo encontra-se previsto no artº 34º do citado Dec-Lei nº 178/86, sendo que analogicamente aplicável à concessão comercial, o valor equivalente a uma indemnização anual partirá da margem de lucro média do concessionário nos últimos 5 anos (equivalente à remuneração recebida por este durante esse período de execução de contrato), o que no caso dos autos, pese embora esse valor fosse superior atendendo à prova pericial, se fixou na quantia peticionada de € 360.167,84». 3. Como se viu, o montante da indemnização deve ser apurado com recurso à equidade, tendo como limite máximo um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada com base na margem de lucro média do concessionário nos últimos 5 anos. Na sentença recorrida fixou-se a indemnização no limite máximo. Para tanto foi considerado o total da facturação dos últimos 5 anos (€4.466.321,09 x 41,38% dividido pela facturação dos cinco últimos anos), o que perfaria a quantia de 369.722,12 euros; mas como só foi pedida a quantia de €360.167,84, seria esta a indemnização a atribuir (art.º 661.º do CPC). Cremos, porém, que não se justifica o montante atribuído. O citado artigo 34.º prevê o máximo da indemnização. Como é natural, a atribuição desta quantia só se justifica quando o cedente possa efectivamente beneficiar da actividade desenvolvida pelo cessionário de forma muito significativa. É necessário que o concessionário tenha angariado novos clientes em número muito significativo ou aumentado o volume de negócios com a clientela já existente de forma apreciável, muito acima do que seria normal, de forma a que o concedente venha a beneficiar da actividade desenvolvida pelo concessionário, após a cessação do contrato, de forma visível. Ora, como se viu, não foi concretamente apurado que a apelante tenha beneficiado da actividade desenvolvida pela autora de forma clara e consistente. E, como resulta do facto dado como provado em af), ao longo dos últimos anos, a autora vinha diminuindo sitematicamente o montante das vendas. Mas, em contrapartida, há quer em conta o longo período de fidelidade. No entanto, e como se disse, tendo em consideração a especificidade do caso, não temos qualquer dúvida de que impende sobre a ré a obrigação de indemnizar a autora. Assim, parece-nos mais adequado fixar a indemnização em apenas cerca de 1/3 da que foi atribuída ou seja: 120.000,00 euros. VIII Vejamos agora a questão relativa aos juros. Na sentença recorrida, os juros de mora relativamente à indemnização de clientela foram fixados desde a data da citação. No entender da ré, “nunca poderão tais juros ser computados a partir da citação já que a indemnização de clientela é, por natureza, ilíquida, apenas de tornando líquida quando objecto de decisão transitada em julgado, o que decorre do art. 805.º, n.º 3, do Código Civil e tem sido entendimento de vasta jurisprudência”. Conhecendo. Como determina o artigo 804º, nº 1, do CC, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. E estabelece o n.º 1 do artigo 805.º que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”. O nº 3 do artigo 805º tinha a seguinte redacção, na versão original: “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor”. O Decreto-Lei n.º 262/83, de 16.06, acrescentou-lhe o seguinte trecho: “tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número” Pode ler-se no preâmbulo deste Decreto-Lei: “no que concerne, em especial, aos juros, cuida-se, em primeiro lugar, de estabelecer, no tocante apenas à responsabilidade civil extracontratual, um termo inicial específico da mora do lesante devedor”. Portanto, há que ter em consideração que esta alteração teve por escopo fixar o momento da constituição em mora apenas no domínio da responsabilidade extracontratual. In casu estamos no domínio da responsabilidade contratual, pelo que não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Ora, por um lado, o crédito relativo à indemnização de clientela é ilíquido, pois esta é fixada equitativamente pelo tribunal, pelo que, à data da citação, não sabia nem podia saber a R em que montante iria ser condenada e, por outro, a falta de liquidez não lhe é imputável. O crédito só se torna líquido quando a indemnização é fixada pelo juiz na sentença. Consequentemente, os juros serão contados desde a data do trânsito em julgado da sentença. IX A autora pediu também que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €5000,00 pela falta de entrega de material de reparação durante o período de vigência da relação contratual, o que obrigou a A a entregar produtos novos aos seus clientes. Foi dito na sentença recorrida: «Provou-se que a cessação de entrega de material para reparação pela R. em 2007 obrigou a A. a compensar um número não apurado de clientes com objectos novos que não podiam ser reparados, tendo despendido quantia não apurada. Assim apenas podemos concluir que a A teve que compensar clientes por causa da falta de material para reparar os produtos vendidos a estes, em produtos novos, mas não foi possível apurar que produtos, nem o seu valor global, o que determina que deva relegar-se para liquidação de sentença a fixação dos produtos novos que a A teve que entregar por virtude da Ré não lhe ter enviado o material de reparação na vigência do contrato e, bem assim, o seu valor, tendo como limite máximo o valor de €5000,00 acrescido de juros após a sua liquidação…» A R/apelante tem posição contrária, dizendo, em síntese: - Não se verificou qualquer incumprimento definitivo ou sequer mora que pudesse fundamentar a existência de qualquer responsabilidade contratual e correspondente indemnização por prejuízos sofridos, tendo aliás sido a própria Autora/Recorrida quem tornou impossível o cumprimento da prestação pela Ré. - A simples mora não corresponde a um incumprimento culposo para os efeitos do artigo 798.º do Código Civil: para esse efeito seria necessário que, nos termos do n.º 1 do artigo 808.º do mesmo código, a Autora/Recorrida ou tivesse perdido o interesse na prestação - perda que deve ser apreciada objetivamente -, ou tivesse recorrido à interpelação admonitória do devedor para cumprir, o que não ocorreu. - A pretensa mora - ou qualquer situação de mora - só daria lugar a uma situação de incumprimento culposo da obrigação em causa se a Autora/Recorrida tivesse usado da faculdade prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil, i.e., conceder à Ré/Recorrente a possibilidade de satisfazer as encomendas em causa num prazo razoável por si fixado, após o decurso do qual se confirmaria o incumprimento definitivo e culposo do contrato, o que Autora/Recorrida não fez. - Ainda, também não há lugar à aplicação do n.º 1 do artigo 804.º do Código Civil à presente situação, porquanto não há sequer mora nos termos e para os efeitos dos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, uma vez que não resulta dos autos qualquer elemento sobre o prazo em que as encomendas deviam ser satisfeitas, nem houve qualquer comunicação a fixar um prazo para o cumprimento. - Aliás, foi a própria Autora/Recorrida que, sem motivo bastante, optou por resolver o contrato dos autos com efeitos imediatos, tornando aquela, sim, impossível o cumprimento da prestação, por extinção da obrigação, havendo lugar à aplicação do n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil. - Inexiste, pois, qualquer fundamento para a atribuição de indemnização por prejuízos sofridos, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo. Cremos não ter razão a apelante. Nos termos do artigo 798.º do CC, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” E incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799.º). A R sabia muito bem que a A precisava do material que encomendou. E não se argumente que a R não se constituiu em mora ou que se tornava necessário que a A. tivesse perdido interesse na prestação, conforme preceituado no artigo 808.º do CC. Não dispondo a A do material que a R se obrigara a entregar-lhe (não se colocando qualquer problema de cumprimento de prazos, pois a R sabia que devia enviar o material encomendado logo que possível – o que nunca fez) é evidente que aquela teria de fazer o que fez, ou seja, compensar os clientes com objectos novos, quando os anteriormente vendidos não podiam se reparados. E não venha a apelada/R dizer que foi a A que resolveu o contrato, pois a falta de cumprimento por parte da R (nesta parte) remonta a datas anteriores à resolução. Improcede, pois, a apelação nesta parte X 1- A autora pede também que a ré seja condenada a recomprar-lhe todos os produtos da marca S… que detêm em stock nas suas instalações, dada a impossibilidade de comercialização dos mesmos após cessação do contrato de concessão comercial. Em primeira instância foi decidido que, no que respeita ao pedido de recompra não provou a autora, como lhe competia (artº 342º do C.C.) que a R tivesse assumido tal obrigação, mas apenas que as partes encetaram negociações para o efeito e não chegaram a acordo quanto ao valor, devendo, assim, improceder tal pedido. Como vimos, a autora interpôs recurso desta decisão dizendo. - No quesito 9º da base instrutória perguntava-se: «a R. assumiu o compromisso de “recomprar” os “stocks” de produtos da marca “D…” que a A. detivesse em armazém?». E foi dado como não provado, mas em manifesta contradição com a respectiva fundamentação com base na prova testemunhal e documental, porquanto: - A testemunha F… referiu que: “A D… concordou ficar com o stock, mandou cinco pessoas de Espanha, havia artigos de catálogo em bom estado, outros em mau estado e outros sem ser de catálogo em bom estado. Não chegaram a acordo por causa do valor que a Ré ofereceu, na perspectiva do depoente, inferior ao valor real. - A testemunha José referiu: Eles não chegaram a comprar o stock porque não chegaram a acordo quanto ao valor, na sua opinião a Ré não ofereceu, sequer o valor real. - A testemunha Th… referiu: “Negociaram, avaliaram mas não chegaram a acordo”. - Quanto à prova documental encontra-se nos autos relatório de fls.67 e ss. elaborado pela A. referente à vinda de uma equipa S… de E.., seguido de grelha com o resumo dos produtos. E diz que, em face destes meios probatórios, o quesito 9º da base instrutória deveria ter sido dado como provado nos termos dos artigos 685º - B/1 e 712º/1ª/a) – 1ª parte do Código de Processo Civil. Pretende, pois que seja alterada a matéria de facto. Vejamos. O presente processo foi instaurado em Maio de 2009, pelo que é aplicável o CPC na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, em vigor desde 01.01.2008. Sobre a alteração da matéria de facto rege o artigo 712.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “modificação da decisão de facto”: A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. (…)» Estipula o artigo 685º-B, sob a epígrafe «o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto»: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 3. (…) 4. (…) 5.(…)» Por sua vez, o indicado n.º 2 do artigo 522.º-C determina: [q]uando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos. Assim, facilmente se verifica que a autora/apelante não deu cumprimento a estas disposições legais, Com efeito, limitou-se a afirmar, de forma sintética, o que algumas das testemunhas teriam dito, o que é manifestamente insuficiente. Como vimos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. A verdade é que a recorrente nada fez pelo que nos parece que com este fundamento, não poderia conhecer-se do recurso. Por outro lado, tendo em consideração o que as testemunhas indicadas terão dito e o que consta do doc. de fls. 67, salvo melhor opinião entendemos que, mesmo assim, não poderia ser dado como provado o quesito n.º 9. No fundo, o que resulta das transcrições feitas pela recorrente é que as testemunhas disseram que houve negociações no sentido de a autora adquirir os bens em stock, o que, aliás, não vem posto em causa, não chegando contudo a acordo por causa das divergências sobre o seu valor. Era, pois, necessário esse acordo. 2. Diz a autora que, como se extrai dos autos, a única razão pela qual o stock permaneceu nas instalações da A. foi porque esta e a Ré não chegaram a acordo sobre o valor do mesmo. Mas isso não significa que tivesse havido acordo no sentido de a ré se ter obrigado a recomprar os stocks. Foram feitas diligências no sentido de algumas questões existentes entre as pates serem resolvidas por acordo. Mas essas diligências não terão ido além de meras negociações (actos preparatórios ou preliminares). Como determina o artigo 232.º do CC, “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado com todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”. Assim, não faz sentido a afirmação de que a determinação do preço da recompra dos stocks pode ser, na falta de acordo entre as partes, determinado pelo Tribunal, segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no art.º 883º nº 1 do Código Civil, pois não está somente em causa o montante dos danos. Para tanto teria de ser dado como adquirido que a R se obrigou a recomprar o stock existente nas instalações da autora, o que não foi feito. Mas diz a ré que, independentemente da inexistência de uma obrigação contratual expressa de recompra dos stocks, a mesma resulta, no caso dos autos, segundo os ditames da boa-fé da conduta assumida pela concedente Ré nesse sentido. É que, uma vez cessado o contrato de concessão comercial, a concessionária Autora deixou de representar a marca “S…”, pelo que a posição desta deverá compreender a obrigação de retoma do stock existente por parte da concedente Ré, ou tais prejuízos serem imputados na indemnização que aquela tem direito pela cessação do contrato de concessão comercial, nos termos gerais (cfr. art.º 32º). Salvo melhor opinião, não vemos que esta pretensão tenha o mínimo fundamento legal. Por um lado, não se vê que a R tenha agido de má fé e, por outro, que decorra do contrato ou de contratos semelhantes ou dos simples usos que o cedente deve recomprar o material sobrante. Improcede também a apelação da autora nesta parte. XI A autora pede finalmente que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 38.415,80, que deixou de ganhar por não ter tido acesso à mercadoria encomendada à R., entre 26/12/2007 e 27/03/2008, Mas esta foi absolvida deste pedido por Tribunal “a quo”, ter considerado que o dano invocado é apenas hipotético. Para tanto invoca os factos constantes das alíneas e); n); o) e ag) da sentença recorrida. Foi dito na sentença: «Quanto à indemnização peticionada em virtude do incumprimento contratual invocado a A pede as seguintes quantias: A quantia de €38.415,80 pelo que deixou de ganhar por não ter tido acesso ás mercadorias encomendadas no valor total de €48.631,91. Sobre este preço de custo a Ré usualmente aplicava um factor de marcação de 1.8, pelo que o preço de revenda aos seus clientes seria de €87.051,44 (€ 48.361,91x1.8). Ora, o dano invocado é apenas hipotético. Com efeito não provou a A se tais mercadorias seriam todas vendidas, a que clientes (notas de encomenda). Pelo de deve improceder tal pedido». Parece-os que bem se decidiu, pois dos factos apurados não se pode concluir que a autora sofreu os alegados prejuízos ou quaisquer outros, pelo que também não se justificaria relegar o seu apuramento para ulterior liquidação. * Por todo o exposto acorda-se no seguinte: 1. Julgar totalmente improcedente a apelação da autora. 2. Julgar a apelação da ré parcialmente procedente e, em consequência: a) Alterar o montante da indemnização de clientela para 120.000,00 euros. b) Os juros de mora sobre esta quantia serão contados desde a data do trânsito em julgado da sentença. c) No mais confirma-se a decisão recorrida. Custas na proporção do vencido. Lisboa, 01.10.2013. José David Pimentel Marcos Manuel Tomé Gomes Maria do Rosário Morgado. |