Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
270/13.4TBALQ-B.L1-5
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
REABERTURA DE AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE
Decisão: DEFERIDA
Sumário: I - A decisão do tribunal da Relação que determinou a remessa à 1.a instância, não ordenou que se extraísse a certidão, como foi feito, apenas que se procedesse à reabertura da audiência de julgamento com a comunicação aos sujeitos processuais da alteração substancial dos factos, seguindo-se, em conformidade, os ulteriores termos do processo.

II - Não estamos por este modo perante despacho de mero expediente, como refere o Meritíssimo Juiz, pois que efectivamente o mesmo não se limita a regular o andamento normal do processo, antes pode determinar a afectação dos direitos e interesses do arguido.

III - Desta forma, não sendo o despacho em causa de mero expediente, não poderia o Meritíssimo Juiz não admitir o recurso com base nesse pressuposto.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Reclamação n.° 270/013 5.° Secção

1.

No processo n.° 270/13 do 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Alenquer, foi deduzida reclamação pelo arguido, M... , relativamente ao despacho do Meritíssimo Juiz que indeferiu o recurso por si interposto do seguinte despacho:

«Face à oposição dos arguidos à continuação do julgamento pelos novos factos agora comunicados, extraia certidão integral dos autos e remeta ao Ministério Público para os fins previstos no art.° 359.°, n.° 2 do Código de Processo Penal.

Notifique.»

O Meritíssimo Juiz não admitiu tal recurso com fundamento no facto do despacho recorrido ser um despacho de mero expediente.

Aquele despacho foi proferido em audiência de julgamento aberta na sequência do acórdão desta Relação de Lisboa que determinou:

1- Julgar verificada a nulidade do acórdão nos termos do art.° 379.°, n.° 1, al b) do Código de Processo Penal e determinar a remessa dos autos à i. a instância com vista à respectiva sanação, no caso através da reabertura da audiência de julgamento com a comunicação aos sujeitos processuais da alteração substancial dos factos, seguindo-se, em conformidade, os ulteriores termos do processo, culminando, se for o caso, com a prolação de novo acórdão (restrito ao crime de homicídio qualificado na forma tentada e consequente reformulação das penas únicas ora cominada).

Defende o reclamante, no que à essência do não recebimento do recurso respeita, que o despacho em causa não é de mero expediente pelo que deveria o recurso ter sido admitido.

2.

A questão que se mostra aqui em apreciação é pois a de saber se o despacho de que o ora reclamante pretende recorrer é de mero expediente ou tem outra natureza, que permita que do mesmo se possa recorrer.

Afigura-se-me assistir razão ao reclamante e, como tal, ser o despacho passível de recurso.

Vejamos.

O art.° 400.°, n.° 1, al. a) do Código de Processo Penal, refere não ser admissível o recurso de despachos de mero expediente.

Para integrarmos esse conceito de "mero expediente", teremos de nos socorrer do que a tal propósito é referido no Código de Processo Civil, atento o disposto no art.° 4.°, do Código de Processo Penal.

Ora, nos termos do artigo 156.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, despachos de mero expediente são aqueles que se destinam "a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes".

Na definição de Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. V, 240), despachos de mero expediente são "aqueles que se destinam a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo, e que assim não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros". São os que "dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes".

A ser assim, como se entende que é, o despacho de que o ora Reclamante

pretende recorrer não pode ser classificado como sendo de mero expediente pois que não se trata de um mero ordenamento do processo, antes houve uma decisão ­face a oposição dos arguidos em aceitar a alteração substancial dos factos descritos na acusação como autonomizáveis — ditando que a extracção de certidão integral dos autos e remessa da mesma ao Ministério Público, sendo certo que essa é uma das posições possíveis, mas não a única defensável, pois que como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 14-10-2009 (418/08.0GAMLD.C1, em que foi Relator, o Juiz Desembargador, Dr. Paulo Valério, disponível em www.dqsi.pt ) « ...a solução adequada era a de fazer julgar o arguido pelos factos e crimes constantes da acusação ou da pronúncia, ignorando, seja que para que efeitos forem, os factos novos.»

A decisão do tribunal da Relação que determinou a remessa à 1.a instância, não ordenou que se extraísse a certidão, como foi feito, apenas que se procedesse à reabertura da audiência de julgamento com a comunicação aos sujeitos processuais da alteração substancial dos factos, seguindo-se, em conformidade, os ulteriores termos do processo.

Não estamos por este modo perante despacho de mero expediente, como refere o Meritíssimo Juiz, pois que efectivamente o mesmo não se limita a regular o andamento normal do processo, antes pode determinar a afectação dos direitos e interesses do arguido.

Desta forma, não sendo o despacho em causa de mero expediente, não poderia o Meritíssimo Juiz não admitir o recurso com base nesse pressuposto.

3.

Assim, face a tudo o que se deixa dito, defere-se a reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso.

Custas por quem ficar vencido no recurso, se por elas puder ser responsabilizado.

Notifique.           

Lisboa, 22 de Maio de 2013

José Maria Sousa Pinto

(vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa)