Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10283/2008-8
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CASO JULGADO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. Na determinação do valor real do prédio expropriado deve atender-se ao valor de mercado que tinha no momento da declaração de utilidade pública, isto é, considerando todos os factores que podem influir no seu valor, excluindo os especulativos.
2. O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (nº1 do artigo 24º do Código das Expropriações/99).
3. Nos termos do disposto no nº1 do artigo 26º do Código das Expropriações, o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº5 do artigo 23º.
4. Nos termos do disposto no artigo 58º do Código das Expropriações/99, no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577º do Código de Processo Civil.
4. O Tribunal de 1ª instância, funcionando como tribunal de recurso, encontra-se impedido de conhecer de questões não impugnadas no requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral e que não sejam de conhecimento oficioso.
5. Havendo diferenças entre laudos, a não ser que essas diferenças resultem de diferentes interpretações legais ou de afastamento de critérios legais, que se revelem sem qualquer justificação ou manifestamente desproporcionados ao bem expropriado, é de considerar a avaliação do laudo maioritário, sobretudo quando neste se incluem os laudos dos peritos nomeados pelo Tribunal, porquanto estes oferecem, em princípio, maiores garantias de imparcialidade e de objectividade.
6. Isto não significa que o Tribunal está vinculado ao laudo desses peritos ou ao laudo maioritário, podendo o Tribunal socorrer-se a outros critérios de forma a alcançar o montante justo para indemnizar o expropriado, designadamente se do processo contarem outros elementos de prova que impliquem solução diversa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
1. Foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela nº371, com a área de 483 m2, sito na freguesia de Olho Marinho, concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob o artº169 da secção E e descrito sob o nº02834/07072000, na Conservatória do Registo Predial de Óbidos.
2. Foi efectuada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo relatório consta de fls.18 a 38 dos autos.
3. Procedeu-se à arbitragem, tendo os árbitros decidido (por unanimidade) atribuir a indemnização de 3.650.114$00 – cfr. fls. 51 a 57.
4. Proferida decisão a adjudicar a propriedade, e notificados da decisão arbitral vieram os expropriados C e M interpuseram recurso desta decisão, requerendo ao mesmo tempo, a “expropriação da área restante do prédio já identificado nos presentes autos, mas tão só na parte considerada como Espaço Urbanizável – Nível 2”, reclamando que se fixe: I - “a indemnização a pagar aos Expropriados devida pela expropriação, e por causa dela, no montante global de Es.15.276.500$00/76.198,86 Euros, mas se tal não se vier a considerar, tendo em conta que a expropriação foi decretada apenas sobre uma área urbanizável de 483 m2, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 3º, e do artigo 55º do Código das Expropriações, II – que seja decretada a expropriação da restante área urbanizável do prédio identificado nos presentes autos, que tem 617 m2, de modo a que a expropriação total seja sobre a área de 1.100 m2, que corresponde a toda a área urbanizável do prédio em apreço. III – Mantendo-se, apesar disso, inalterável o valor da indemnização antes referida, que é de 76.198,86 Euros, IV – quantia esta a actualizar, no final, nos termos do nº1, do artigo 24º do CE”.
5. Admitido o recurso, respondeu a expropriante ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária, presentemente EP – Estradas de Portugal, S.A., concluindo pelo indeferimento do pedido de expropriação total e pela improcedência total do recurso, fixando-se definitivamente a indemnização que lhe é devida em montante não superior a €18.206,70 (ou seja: 3.650.114$00), a que haverá a deduzir a diferença a que alude o artigo 23º, nº4 do Código das Expropriações.
6. Efectuou-se a avaliação, tendo os Srs. Peritos apresentado o seu relatório a fls.151 a 161, e proposto, por unanimidade, como valor global da indemnização de 11.8354.720$00 (€59.036,18).
7. Foi proferida sentença que fixou a indemnização a atribuir aos expropriados em €59.036,18, devendo “proceder-se ao desconto determinado no nº4 do artº23º do Código das Expropriações e à actualização prevista no artº24º desse mesmo Código”.
8. Inconformados com esta decisão, o expropriante e os expropriados (sendo o destes subordinado) interpuseram recurso, sendo o recurso principal recebido como de apelação e com efeito meramente devolutivo, tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:
- O expropriante -
1ª. – A parcela expropriada a que se referem os presentes autos tem a área de 483m2, área essa referida na declaração de utilidade pública, no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam e no auto de posse administrativa.
2ª. - O prédio de que foi destacada essa parcela tinha a área de 5.440m2 de acordo com os títulos existentes.
3ª. - A sentença recorrida acolheu integralmente a posição defendida no laudo pericial, que diz textualmente o seguinte:
... o solo a expropriar deve ser classificado de duas formas:
- solo apto para construção numa área de 1.200m2 e referente à faixa marginal à via pública infra-estruturada;
- solo apto para outros fins numa área de 4.240m2, na parte sobrante.
4ª. - A decisão assim prolatada viola frontalmente o disposto no artigo 29º do Código das Expropriações, uma vez que valida a opinião dos srs peritos que todavia desrespeitaram aquele comando legal que, os obrigava a calcularem, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.
5ª. - A única parte abrangida pela declaração de utilidade pública são os referidos 483m2 e não os 1.200m2 considerados na perícia e na sentença.
6ª. - Se o prédio tinha inicialmente a área de 5.440m2 e a expropriação lhe retirou 483m2, a parte restante fica com 4.957rn2 e não com 4.240m2!
7ª. - A sentença impõe assim à expropriante uma injusta indemnização, porque excessiva e referente a um bem que não foi expropriado, ou seja, uma parcela virtual com a área de 1.200m2, que não foi objecto de posse administrativa nem de adjudicação, com violação das normas deis artigos 2º, 23º e 29º do Código das Exp.
8ª. - A decisão recorrida omitiu totalmente a análise das conclusões 1ª e 2ª das alegações da expropriante e houve por bem preferir o critério do laudo pericial, cuja vinculatividade e força probatória equiparou indevidamente à do acórdão arbitral.
9ª. - É corrente a jurisprudência no sentido de classificar o solo situado em espaço-canal como apto para outros fins, uma vez que a proibição de aí construir não resulta da expropriação mas sim do instrumento de gestão territorial que assim o classifica (PDM).
10ª. - Além disso, confinando o prédio com a via pública, também por isso já uma parte deste estava sujeita a servidão rodoviária, ela própria também cerceadora do direito a construir.
11ª. - Acresce que a decisão arbitral transita em julgado em tudo o que não for objecto de impugnação no recurso, aplicando-se essa extensão do julgado por exemplo ao índice fundiário que constitui antecedente lógico da decisão arbitral.
12ª. - Ora, não constando do auto de vistoria – não reclamado – a existência de estação depuradora nem de rede telefónica, não podiam os srs. peritos introduzir ilegalmente os respectivos factores no índice fundiário, para além de também terem adoptado sem fundamento o índice-base máximo admitido por Lei, afastando-se assim do índice fundiário de 15% adoptado na arbitragem e passando-o para 23% sem que os expropriados tivessem impugnado os índices adoptados na decisão arbitral.
13ª. - O mesmo se diga do factor custo da construção, que os senhores peritos resolveram alterar de 90.500$00 para 110.000$00, sem que este antecedente lógico indispensável do acórdão arbitral tivesse sido questionado...
14ª. - Pela mesma lógica e embora contra o interesse da expropriante, terá de manter-se o valor das benfeitorias fixado no acórdão arbitral, como aquela já referiu na 6ª conclusão das suas alegações para o tribunal de comarca, igualmente sem obter qualquer pronunciamento sobre a matéria.
15ª. - E finalmente o mesmo se diga da depreciação do terreno agrícola, que é matéria não suscitada no recurso da decisão arbitral e portanto vedada a sua alteração na sentença que aprecia tal recurso, pelo que também neste ponto, salientado na 7ª conclusão das alegações anteriores, foi ofendido o caso julgado.
16ª. - Ressalvada a decisão que indeferiu o pedido de expropriação total, não foi produzida prova com força suficiente para abalar o decidido na decisão arbitral, impondo-se portanto a revogação da sentença na parte em que alterou o valor fixado na arbitragem.
17ª. - No máximo a indemnização terá de conter-se no montante de 21.974,53€ admitido pela recorrente nas alegações produzidas nos termos do artigo 64º do Código.
9. Os recorridos/expropriados contra – alegaram, tendo apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. - O prédio de onde foi destacada a parcela expropriada possuía, à data da DUP, a área de 5.440m2, sendo que 1.200m2 eram classificados pelo PDM em vigor para o concelho de Óbidos como “espaço urbanizável de nível 2” (Cfr. resulta dos autos, do auto de vistoria “ad perpetum rei memoriam” e das respostas dos peritos aos quesitos 21º, 25º e 26 a 30.°, dos Expropriados);
2ª. - Esta área considerada urbanizável tinha, em concreto, 24 metros lineares por 50 metros lineares, confinantes com a via pública, com arruamento asfaltado e dotada de todas as infra-estruturas para construção urbana (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 2°, 3°, a 7°, dos Expropriados);
3ª. - A zona em que se localiza é caracterizada por ser residencial, com vários empreendimentos urbanísticos, onde proliferam as moradias unifamiliares, e onde, não fosse a expropriação, o solo do prédio dos expropriados tinha capacidade construtiva para uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2 (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 32.° a 36.° e 41.°, dos Expropriados);
4ª. - Em virtude da expropriação, ficou interdita qualquer construção urbana no prédio dos Expropriados. (Cfr. respostas dos peritos ao quesito 23.°, dos Expropriados);
5ª. - Com a expropriação, o prédio dos expropriados agora com 4.957 m2, ficou absolutamente depreciado no seu valor e comprometida a utilidade prestada pela parte restante, designadamente pela impossibilidade de agora aí se edificar o que quer que seja, e ainda pelo facto de ter passado a ser um prédio encravado. Já não confina com a rua pública (resposta ao quesito 14°, da Expropriante), nem tem infra-estruturas com ele directamente confinantes.
6ª. - Insistindo a Expropriante em ignorar os reais prejuízos sofridos pelos Expropriados - designadamente pela inconsiderabilidade da perda de capacidade edificativa e pela absoluta modificação, em desfavor do prédio, das características envolventes do mesmo, designadamente no tocante ao seu acesso à via publica, e proximidade directa de infra-estruturas.
7ª. - Sendo o valor de € 21.974,53, defendido pela Expropriante absolutamente desajustado. Pois, além dos supra referidos prejuízos, os Expropriados ficaram ainda sem “um armazém, (...) uma conduta de água para rega, (...) uma vedação em vegetação” (Cfr. Relatório Pericial). E a Expropriante, por tudo isto, “oferece” e/ou pretende pagar, € 21.974,53 - pouco mais de quatro mil contos, em moeda antiga (!)
8ª. - A DUP é do ano de 2000. E é essa data a que terá de se atentar na determinação do valor justo. Nessa altura as Expropriados não conseguiam, se quisessem, adquirir um prédio no concelho de Óbidos, com as características do prédio que tinham, por pouco mais de 4 mil contos, isto é, pelos € 21.974,53 que a Expropriante, à força, quer fazer crer ser o valor justo, ao arrepio dos princípios constitucionais imperantes.
9ª. - A indemnização por expropriação deve garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor. Não pode nunca ser inferior ao valor exacto do bem expropriado.
10ª. - Neste caso o valor há-de achar-se, pelo valor da tal parcela dos 483m2, expropriada, ao qual hão-de acrescer além dos demais, os prejuízos, decorrentes da expropriação, sofridos no património dos Expropriadas com a “extinção” da potencialidade edificativa na parcela sobrante. A indemnização deve ser calculada em função dos danos nela provocados por força do princípio constitucionalmente consagrado da justa indemnização.
11ª. - E, no caso sub iudice, é relativamente fácil determinar a depreciação sofrida na parcela sobrante pois, se tivesse integrada no todo de onde se destacou a parcela expropriada, os Expropriados tinham no seu prédio uma área de 1200m2 inserida nos espaços urbanizáveis de nível 2, com capacidade edificativa, onde se poderia edificar uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2.
12ª. - Considerada isoladamente, a parcela sobrante tem uma capacidade construtiva de zero (!). A expropriação veio a comprometer, quase na sua totalidade, o valor de mercado do terreno dos Expropriados, tendo esvaziado o valor que o prédio tinha à data da DUP;
13ª. - O valor da depreciação da parte sobrante há-de pois ser, pelo menos, equivalente ao valor provável da construção que nela seria possível efectuar não fosse a expropriação, pois foi nessa exacta medida que o prédio, e com ele o património dos Expropriados, se desvalorizou.
14ª. - Assim, nenhum reparo merece a consideração, no laudo pericial, dos “1200m2”. Pois, sendo a capacidade edificativa uma característica com significado no mercado, com relevo na definição do preço dos prédios, e tendo a expropriação comprometido a aptidão construtiva antes consagrada para 1200m2 do prédio dos Expropriados há-de considerar-se para cálculo do montante indemnizatório justo, a totalidade dessa área comprometida no seu valor com a expropriação.
15ª. - Veja-se que os peritos, no cálculo do valor da parcela sobrante, atendem apenas à área do prédio sobrante não classificada daquela forma (4.240m2) não considerando, e bem, nos cálculos da depreciação da parcela sobrante, a supra referida impossibilidade de construção decorrente da expropriação, vindo a fundar a depreciação em 50% da parte sobrante com o que “é referido no ponto IV” do Relatório. Neste ponto IV é inquestionável que os factores de desvalorização do prédio aí atendidos são os que se prendem apenas com o isolamento da parte restante do acesso à via pública, e já não a perda de aptidão construtiva.
16ª. - Não tendo sido violado o artigo 29º do CE, questão central da presente apelação.
17ª. - Outra das questões objecto do recurso da Expropriante prende-se com a parte do prédio classificada como “espaço canal” que a Expropriante entende dever ser considerado como solo apto para outros fins.
18ª. - Esta trata-se, salvo o devido respeito, de uma falsa questão, dirimida pelo art.25°, n.°s 2 e 3, do CE. Pois o prédio expropriado está sem sombra para quaisquer dúvidas, nas condições dos da alínea a) do n.° 2 do preceito referido, e assim, só como solo apto para construção poderá ser, para efeitos de expropriação, classificado. A não ser assim, reforça-se, o legislador não teria, nesta nova versão do CE, eliminado, como eliminou, o n.° 5 do Código revogado, pretendendo que se considere apto para construção o solo expropriado que esteja nas condições das alíneas do nº 2, do art.° 25.°, independentemente de não ser considerado para esse fim à luz do plano urbanístico vigente.
19ª. - Por outro lado, os Senhores Peritos, em resposta à reclamação apresentada pela Expropriante a este respeito fundamentaram a razão pela qual consideraram toda a faixa marginal à via pública como urbana, sem dedução da área de 225m2 pretendida pela Expropriante, justificando ainda a adopção deste critério que, “resultou do facto da via publica naquele local ser parte integrante da povoação de Olho Marinho e estar infra-estruturada”.(Cfr. resposta ao quesito 7.° da Expropriante, e resposta à “2.ª questão” colocada pela Expropriante).
20ª. - Ademais, como resulta deste documento supra referido, onde os peritos respondem à reclamação da Expropriante, decorre estar a parcela em causa inserida em núcleo urbano consolidado, com potencialidade urbana, adiantando ainda não verem “razões para indeferir um pedido de construção naquele local” (Respostas aos quesitos 10.°, 11º, 13, da Expropriante).
21ª. - A Expropriante no ponto 10.° das suas conclusões defende que parte do prédio estava onerada com servidão rodoviária, não devendo, por esta razão, ser classificada de solo apto para construção. Questão dirimida pela resposta dada pelos Senhores Peritos ao quesito 4.° da Expropriante, e que se passa a transcrever: “Resposta: Neste caso concreto de aglomerado urbano existente e com alinhamento de construções perfeitamente definido, esta zona non aedificandi não se aplica”.
22ª. - Entendem os Expropriados não assistir razão à Expropriante no que concerne à alegada falta de fundamentação na adopção de diferentes índices relativamente aos propugnados pelos Árbitros. Na realidade, os Senhores Peritos cuidaram de fundamentar a adopção do índice fundiário máximo, no ponto V do relatório pericial, com a existência efectiva na parcela cuja avaliação se lhes impunha - dos factores constantes das alíneas do n.° 7, do art.° 26.° do CE, que permite precisamente a ponderação em cada caso, face aos parâmetros nele consignados, das características particulares envolventes do solo expropriado, a que atenderam como se lhes impõe, na avaliação.
23ª. - Quanto à adopção de diferente custo de construção/m2, também ele se encontra fundamentado pelos Senhores Peritos, por ser o mais aproximado (embora o adoptado seja muito inferior) do real custo de construção/m2 praticado na zona de Óbidos (140.000$00/m 2).
24ª. - Na situação dos autos os Expropriados não se conformaram com a decisão arbitral proferida, tendo por isso recorrido da mesma e pugnada por uma indemnização manifestamente superior à que havia sido definida pelos árbitros. Tendo, no ponto 6 do seu Recurso Arbitral impugnado, de forma geral, é certo, a decisão arbitral que entenderam não ter atendido a toda a factologia expressa no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, na definição dos critérios utilizados para chegar à justo indemnização. (art.° 6, das alegações dos expropriados).
25ª. - Não nos parece pois que os mesmos não obstante tal postura processual, tenham que ficar vinculados aos critérios definidos por aqueles árbitros, pois foi através da aplicação daqueles critérios ou omissão (no caso da desvalorização da parte agrícola), que chegaram a um valor de indemnização manifestamente inferior ao que entendem os Expropriados ser o justo, com o qual não concordaram, e assim discordando das premissas ou critérios que estiveram na base da definição pelos árbitros daquele valor indemnizatório.
26ª. - A indemnização por expropriação deve garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor. Não pode nunca ser inferior ao valor exacto do bem expropriado. E, os Expropriados consideram, por tudo quanto aqui ficou dito e ainda pelas razões expostas no seu Recurso Arbitral, que a quantia de € 76.203,54 é a ajustada a ressarcir o prejuízo sofrido.
Conclui pela improcedência do recurso, devendo a sentença manter-se, salvo na parte em que indeferiu o pedido de expropriação total e que aderiu ao valor de indemnização constante do laudo pericial.
10. Os expropriados, no seu recurso subordinado, apresentaram as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. - Por Despacho n.° 12799-C/2000, de 22 de Maio de 2000, publicado no DR II série de 21 de Junho de 2000, foi declarada a utilidade pública e autorizada a posse administrativa da parcela de terreno com a área de 483m2, destacada do prédio rústico, denominado “Talhos do Olival”, sito no lugar e freguesia de Olho Marinho, concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob o artigo 169 da Secção E, e descrito sob o n.° 2834, na Conservatória do Registo Predial de Óbidos;
2ª. - A parcela expropriada situa-se em zona de aglomerado urbano;
3ª. - O prédio de onde foi destacada essa parcela possuía, à data da DUP, a área de 5.440m2, sendo que 1.100m2 eram classificados pelo PDM em vigor para o concelho de Óbidos como “espaço urbanizável de nível 2” (Cfr. resulta dos autos, do auto de vistoria “ad perpetum rei memoriam” e das respostas dos peritos aos quesitos 21º, 25º e 26 a 30º, dos Expropriados);
4ª. - Esta área considerada urbanizável tinha, em concreto, 24 metros lineares por 50 metros lineares, marginal com a via pública, com arruamento asfaltado e dotada de todas as infra-estrutura para construção urbana (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 2.°, 3.°, a 7 °, dos Expropriados;
5ª. - De facto tal parcela tinha capacidade urbana, possuindo infra-estruturas para o efeito, marginava com arruamento asfaltado, e era servida por redes públicas de abastecimento de água, electricidade e telefone e rede pública de recolha de águas residuais domésticas;
6ª. - A zona em que se localiza é caracterizada por ser residencial, com vários empreendimentos urbanísticos, onde proliferam as moradias unifamiliares, e onde, não fosse a expropriação, o solo do prédio dos Expropriados tinha capacidade construtiva para uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2 (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 32.° a 36.° e 41.°, dos Expropriados);
7ª. - Em virtude da expropriação, ficou interdita qualquer construção urbana no prédio dos Expropriados. (Cfr. respostas dos peritos ao quesito 23º, dos Expropriados); e
8ª. - Com a expropriação, o prédio dos expropriados agora com 4.957 m2, passou a ser um prédio encravado.
9ª. - Já não confina com a rua pública (resposta ao quesito 14.°, da Expropriante), nem tem infra-estruturas que, com a restante área do prédio directamente confinem.
10ª. - Existiam no prédio, e foram inutilizadas em consequência da expropriação, as seguintes benfeitorias:
a. Um armazém com a área de 87 m2, em alvenaria de pedra com 0,45 m de espessura, rebocado e com cobertura a telha, e com 3,20m de pé-direito.
b. Uma conduta de água para rega do terreno de onde é destacada o parcela expropriada;
c. Vedação em vegetação, composta de 7 eucaliptos de grande porte, com DAP variáveis entre 0,90 e 0,45 m e 6 oliveiras de grande porte (Cfr fls 4, do laudo pericial, sob o título “III – Benfeitorias”).
11ª. - Face à depreciação da parcela sobrante, pelo absoluto desvirtuamento das suas antes aptidões urbanas e pelo acesso à mesma que, em consequência da expropriação, passou a ser deveras dificultado, o que, necessariamente, prejudicou a sua exploração económica, vieram pois, os expropriados, em sede de recurso arbitral, requerer, que nos termos do n.° 3, do artigo 3.°, do CE fosse declarada a expropriação da restante área do prédio onde antes seria permitido construir, isto é, 617m2 (a acrescer àqueles 483m2 expropriados), que corresponde à área classificada pelo PDM de Óbidos como “espaço urbanizável de nível 2”.
12ª. - Isto porque, e atentando ao Regulamento do PDM de Óbidos, antes da expropriação os expropriados tinham, naqueles 1.100 m2 (617 + 483 expropriados) do seu prédio, uma parcela urbana onde seria, objectivamente possível, edificar uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2, com uma média de 3 habitantes /fogo (de acordo com valores dos censos 2001).
13ª. - Com a expropriação, o prédio dos expropriados agora com 4.957 m2, ficou absolutamente depreciado no seu valor e comprometida a utilidade prestada pela parte restante, designadamente pela impossibilidade de agora aí se edificar o que quer que seja, e ainda pelo facto de ter passado a ser um prédio encravado. Já não confina com a rua pública (resposta ao quesito 14.°, da Expropriante), nem tem infra-estruturas que, com a restante área do prédio directamente confinem.
Não obstante,
14ª. - Considerou o Tribunal “a quo” na sentença ora posta em crise, e apesar de constatar que a parcela sobrante “passará a ter um acesso dificultado, prejudicando a sua exploração económica” (fls 342), ainda que sofrendo desvalorização não se encontra em condições que possam ser consideradas subsumíveis à previsão do n.° 2, do artigo 3° do CE (fls 343).
De facto,
15ª. - A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, dispõe-se no n° 1 do art. 3° C.E. Embora o proprietário possa requerer a expropriação total (n° 2 do mesmo art.):
a. se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio - al. a);
b. se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente -al. b).
16ª. - Vigora em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para realização do fim público a prosseguir.
17ª. - Este princípio admite excepções, a mais importante das quais é, desde logo, a expropriação total que é instituída em benefício do interessado. Desde que a parte do prédio não necessária à realização do interesse público não ofereça as mesmas vantagens que oferecia o conjunto ou deixe de se revelar economicamente viável, o expropriado pode requerer a expropriação de todo ele.
18ª. - Foi precisamente a perda relevante do interesse económico que motivou o pedido de expropriação total da parcela com 1.100 m2, classificada como “Espaço Urbanizável de Nível 2”.
19ª. - Na verdade, alegaram os expropriados, em seu requerimento de pedido de expropriação total da área assim classificada, que a área sobrante onde se integra a parcela, não só não assegura proporcionalmente os mesmos cómodos - art. 14°-, como inclusive deixa de ter qualquer interesse de exploração económica como vinha a ter, pela perda de capacidade edificativa e por se ter transformado num prédio encravado.
20ª. - Porque o prédio que integrava a parcela expropriada ficou parcialmente afectado economicamente com a expropriação parcial da parcela urbana, levou os expropriados a requerer a sua expropriação total, para assim obstar ou minorar os efeitos negativos dessa expropriação parcial.
21ª. - Face a este quadro e aos factos aduzidos em sede de recurso arbitral - do “esvaziamento” da capacidade edificativa naquela parte sobrante e do facto de ter ficado “encravado” - presumem-se regras da experiência comum, constituindo presunção judicial que, se com a expropriação parte do prédio não abrangido pela DUP perdeu aquela capacidade, e ficou encravado o acesso ao mesmo, o prédio em causa deixou de ter interesse económico e que, tal parte sobrante nunca mais oferecerá os mesmos cómodos oferecidos antes da expropriação.
22ª. - E mais se diga que, mesmo que não se entendam tais factos como presunções judiciais, sempre deveriam ser considerados factos notórios, que não carecem sequer de prova, nos termos dos artigos 514.°, n. °s 1 e 2 do CPC.
23ª. - O artigo 62° da Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu n°2, que “A requisição ou expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização”. Este direito à indemnização está igualmente previsto no artigo 1310° do Código Civil.
24ª. - A expropriação por utilidade pública, como transmissão coactiva que é, tem, assim, subjacentes dois grandes vértices constitucionais: o seu condicionamento a fins de utilidade pública e a exigência da correspondente indemnização.
25ª. - Para se chegar à justa indemnização há que procurar na lei a concretização de tal conceito, designadamente, nos artigos 23° e segs. do CE.
26ª. - Assim dispõe o artigo 23° do CE que, “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes naquela data”.
27ª. - Já na jurisprudência e doutrina anteriores se defendia que, para efeito da fixação da justa indemnização, há que atender ao valor que as parcelas expropriadas têm na livre concorrência, devendo a indemnização justa corresponder ao valor que no mercado atingem as coisas equivalentes (cfr. o Ac. da Relação do Porto de 21.03.85, in CJ, ano X; Tomo II, pág. 233, bem como os pareceres dos Professores Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, in CJ, Ano XV, tomo V a págs., 21 e segs.).
28ª. - Esse valor de mercado, ou corrente, do bem expropriado continua a ser uma referência para conduzir à compensação plena dos prejuízos sofridos pelo expropriado, à justa indemnização constitucionalmente consagrada (cf. Expropriações por Utilidade Pública, Osvaldo Gomes, pág.205 e também Alves Correia in As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra 1982, pág.128).
29ª. - O dano patrimonial suportado pelo expropriado só é ressarcido de forma integral e justa se a indemnização for correspondente ao valor comum do bem expropriado, ou seja, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda.
30ª. - É sabido que tem sido entendimento pacífico que, num processo desta natureza, em que a decisão se baseia em factores de natureza eminentemente técnica, é particularmente relevante, e atendível, o parecer dos peritos. Tal não significa, porém, que o tribunal fique vinculado ao laudo unânime dos peritos, já que pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas, ou seguir laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos que possuir (vd. Alberto dos Reis, CPC anotado, IV, 186 e Ac. da RL de 12.04.1994, CS, 1994, II, 109)”. Em suma, essa preferência pelo laudo unânime só se justifica quando o mesmo seja legal, e não existam no processo elementos que o desaconselhem.
31ª. - Já vimos, e alui repetiremos por uma questão de facilidade de raciocínio que a factualidade provada nos presentes autos, pela via do laudo pericial, que esteve subjacente à sentença ora posta em crise, que veio a fixar como justa indemnização pela expropriação operada a quantia de € 59.036,18, é, no que importa, a seguinte:
a. A parcela expropriada, em si, tem a área de 483m2 referida e foi classificada, e bem, no acórdão arbitral, como solo apto para construção, para efeitos dos critérios do art.° 25.° do CE. Não devendo confundir-se aptidão para a construção com edificabilidade, embora possam coincidir (al. d)). Dada a eliminação da regra constante no n.° 5 do artigo 24.° do Código revogado, o solo continua a ser considerado apto para construção ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo, não esteja destinado a esse fim”..
b. O prédio de onde foi destacada essa parcela possuía, à data da DUP, a área de 5.440m2, sendo que 1.100m2 eram classificados pelo PDM em vigor para o concelho de Óbidos como “espaço urbanizável de nível 2” (Cfr. resulta dos autos, do auto de vistoria “ad perpetum rei memoriam” e das respostas dos peritos aos quesitos 21.°, 25.° e 26 a 30.°, dos Expropriados);
c. Esta área considerada urbanizável tinha, em concreto, 24 metros lineares por 50 metros lineares, confinantes com a via pública, com arruamento asfaltado e dotada de todas as infra-estruturas para construção urbana (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 2.°, 3.° a 7º, dos Expropriados);
d. A zona em que se localiza é caracterizada por ser residencial, com vários empreendimentos urbanísticos, onde proliferam as moradias unifamiliares, e onde, não fosse a expropriação, o solo do prédio dos expropriados tinha capacidade construtiva para uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2 (Cfr. respostas dos peritos aos quesitos 32.° a 36.° e 41.°, dos Expropriados);
e. Em virtude da expropriação, ficou interdita qualquer construção, urbana no prédio dos Expropriados. (Cfr. respostas dos peritos ao quesito 23.°, dos Expropriados), que ficou encravado. Já não confina com a rua pública (resposta ao quesito 14.°, da Expropriante), nem tem infra-estruturas que, com a restante área do prédio directamente confinem.
32ª. - É consabido que a capacidade de construir é o factor determinante do valor dos prédios. Por outro lado, o espaço, actualmente equiparável aos recursos naturais, trata-se de um recurso cuja escassez é, desde há muito uma realidade: assiste-se a uma crescente procura, e não sendo multiplicável, mantendo-se inalterado em quantidade o espaço disponível, à semelhança de todos os outros bens apropriáveis, é inevitável a subida do seu valor. Acepção que, em virtude da actual conjuntura económica mundial, era até muito mais evidente à data da DUP que actualmente.
33ª. - Com a expropriação, o prédio dos expropriados agora com 4.957 m2, ficou absolutamente depreciado no seu valor e comprometida a utilidade prestada pela parte restante, designadamente pela impossibilidade de agora aí se edificar o que quer que seja, e ainda pelo facto de ter passado a ser um prédio encravado. Já não confina com a rua pública (resposta ao quesito 14.°, da Expropriante), nem tem infra-estruturas que, com a restante área do prédio directamente confinantes.
34ª. - O valor arbitrado na Sentença em crise, como justo, ignora os reais prejuízos sofridos pelos Expropriados - designadamente pela inconsiderabilidade da perda de capacidade edificativa e pela absoluta modificação, em desfavor do prédio, das características envolventes de tal prédio, designadamente no tocante ao seu acesso à via publica, e proximidade directa de infra-estruturas.
35ª. - O que é demais evidente pelo valor consignado na sentença, como o adequado a ressarcir os prejuízos dos expropriados: € 59.036,18. Valor este que é absolutamente desajustado. Pois, além dos supra referidos prejuízos, os expropriados ficaram ainda sem “um armazém, (...) uma conduta de água para rega, (…) uma vedação em vegetação” (Cfr. Relatório Pericial). E o Tribunal “A quo”, por tudo isto, considera justa uma indemnização de €59.036,18 - pouco mais de onze mil contos, em moeda antiga (!)
De facto,
36ª. - É pacífico e comum o entendimento de que, os critérios destinados a encontrar a justa indemnização têm de respeitar os princípios materiais da Constituição - igualdade e proporcionalidade - não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado.
37ª. - Ora, a indemnização por expropriação, para merecer o qualitativo de justa, há-de cobrir a totalidade dos prejuízos suportados pelos expropriados, os quais são calculados de acorda com o real valor do bem no momento em que se procede à sua avaliação.
38ª. - Para ser justa, a indemnização, deve garantir aos expropriados uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de os colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor. Conquanto a teoria da substituição funcione apenas “em sentido figurado”, ou “abstractamente”, enquanto critério de apuramento do montante indemnizatório, já que os sujeitos expropriados não podem ser indemnizados do conjunto das despesas reais e concretas que tiverem de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele de que se viram privados, é seguro que a possibilidade de os expropriados adquirirem, se for esse o seu desejo, uma coisa com características semelhantes às daquela que lhe foi retirada, há-de constituir um fim da indemnização, o que implica que esta se traduza na colocação à disposição dos expropriados de montante adequado à satisfação daquele fim.
39ª. - A DUP é do ano de 2000. E é essa data a que terá de se atentar na determinação do valor justo. Não sendo necessários especiais conhecimentos técnicos para se concluir que, nessa altura - mais que agora em virtude da desvalorização dos imóveis em virtude da conjuntura mundial - os expropriados não conseguiam, se quisessem, nem conseguem actualmente, não obstante a baixa de preço dos imóveis, adquirir um prédio no concelho de Óbidos, com as características do prédio que tinham, por pouca mais de onze mil contos, isto é, pelos de € 59.036,18 que a Sentença, fixou como sendo o valor justo, ao arrepio dos princípios constitucionais imperantes. O montante arbitrado põe em causa a garantia económica da propriedade.
40ª. - Os Expropriados consideram, pelas razões expostas no seu Recurso Arbitral, que a quantia de € 76.203,54 é a ajustada a ressarcir o prejuízo sofrido.
41ª. - Não é qualquer indemnização que satisfaz o requisito constitucional, pois se exige que seja justa, o que exclui desde logo que possa ser simbólica ou irrisória. A indemnização por expropriação deve garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor. Não pode nunca ser inferior ao valor exacto do bem expropriado.
42ª. - E neste caso o valor há-de achar-se, pelo valor da tal parcela dos 483m2 que foi adquirida pela expropriante, ao qual hão-de acrescer os prejuízos, decorrentes da expropriação, sofrido no património dos Expropriados com a “extinção” da potencialidade edificativa na parcela sobrante. A indemnização deve ser calculada em função dos danos nela provocados por força do princípio constitucionalmente consagrado da justa indemnização.
43ª. - E, no caso sub iudice, é relativamente fácil determinar a depreciação sofrida na parcela sobrante pois, se tivesse integrada no todo de onde se destacou a parcela expropriada, os Expropriados tinham no seu prédio uma área de 1200m2 inserida nos espaços urbanizáveis de nível 2, com capacidade edificativa, onde se poderia edificar uma moradia bifamiliar ou geminada com 275m2.
44ª. - Considerada isoladamente, a parcela sobrante tem uma capacidade construtiva de zero (!). A parcela sobrante viu assim absolutamente comprometido o seu valor económico. O que, equivale a dizer que apesar de “só” ter expropriado 483m2 do prédio dos expropriados, essa expropriação veio a comprometer, quase na sua totalidade, o valor de mercado do terreno dos Expropriados, tendo esvaziado o valor que o prédio tinha à data da DUP;
45ª. - A capacidade edificativa é uma característica com significado no mercado, com relevo na definição do preço dos prédios, e tendo a expropriação comprometido a aptidão construtiva antes consagrada para 1200m2 do prédio dos Expropriados há-de considerar-se para cálculo do montante indemnizatório justo, a totalidade dessa área comprometida no seu valor com a expropriação.
46ª. - E no caso das autos, a justa indemnização teria sempre ainda de atentar ao valor de mercado praticado na zona de Olho Marinho para parcelas de terreno idênticas, e que à data da DUP, e de acordo com o exaustivamente alegado no Recurso de Arbitragem pelos expropriados, conduziria a um valor global de € 65.486.00. Assim, e só relativamente à nua propriedade da área classificada de urbanizável de nível 2, no PDM de Óbidos, e de acordo com os critérios a aplicar nesta matéria, nunca poderá ser atribuído aos expropriados para que a indemnização pudesse ser considerada — justa, valor inferior a € 65.846.
47ª. - Montante a que devem acrescer os montantes de indemnização devida pela destruição das benfeitorias existentes na parcela expropriada, e que os expropriados aceitaram como justos, os fixados na decisão arbitral, a saber, € 10.357,54.
48ª. - Assim, e pela expropriação em causa, os Expropriados haveriam de receber, para que pudesse merecer a qualificação de “Justa”, indemnização no montante global de €76.203,54 (setenta e seis mil duzentos e três euros e cinquenta e quatro cêntimos).
49ª. - Valor este que ressarcirá os expropriados das benfeitorias aí existentes, e pela desvalorização da área não expropriada mas com aptidão para urbanização nos termos do PDM de Óbidos, e que sempre seria urbanizada não tivesse havido a expropriação da parcela em causa nos autos, desvalorização essa que é total, e que assume a natureza de uma verdadeira expropriação, já que os Expropriados não mais aí poderão construir o que quer que seja.
50ª. - Assim, a Douta Sentença na parte em que aderiu ao laudo dos Senhores peritos quanto ao valor da indemnização, sem consideração de tudo o que acaba de expor-se, e de tudo o mais que havia sido carreado e provado nos autos pelos expropriados, violou antes de mais, o artigo 62.° da CRP, os artigos 23.°, n.° 1 do CE, e demais princípios a ter em conta nesta matéria e que supra se afloraram.
Concluem pela revogação da sentença, “na parte em que julgou improcedente o pedido de expropriação total da parcela classificada pelo Regulamento do PDM de Óbidos como “Espaço Urbanizável de Nível 2”, e substituída por outra que dê provimento a esse pedido, em conformidade com o que ficou dito e com o que preceitua e admite o nº3, do artigo 3º do CE e, por aplicação dos princípios e normas a atender no que toca à justa indemnização, e considerando as características do prédio, supra relatadas, e que determine o pagamento aos expropriados do montante de €76.203,54 (setenta e seis mil duzentos e três euros e cinquenta e quatro cêntimos).
11. O recorrido/expropriante contra – alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
12. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Delimitação do objecto do recurso
Conforme resulta do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões das alegações apresentadas que o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
No que respeita aos recursos de apelação.
Da Apelante Expropriada
- caso julgado;
- da indemnização.
Da Apelante Expropriante
- expropriação total da parcela urbanizável;
- da indemnização.

III. Fundamentação
1. Dos factos provados (indicação omitida na sentença sob recurso).
1.1. Por despacho de 22.05.2000, proferido pelo Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no D.R. nº142, II série, de 21/06/2000, foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela identificada com o nº371;
1.2. A parcela expropriada tem a área de 483m2 e a destacar do prédio rústico denominado “T”, que confronta a Norte com A, a Sul com a parcela nº370”, a Nascente com Estrada e a Poente com o prédio da qual vai ser destacada, o prédio rústico denominado “T”, sito na freguesia de Olho Marinho, concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob o artº169 da secção E, na Conservatória do Registo Predial de Óbidos;
1.3. Eram titulares do prédio C e mulher M;
1.4. O prédio atrás identificado tem a área total de 5.440 m2;
1.5. No Plano Director Municipal, o terreno da parcela estava classificado como espaço canal (225 m2) e espaço urbanizável (258 m2) – nível 2;
1.6. A parcela margina com arruamento asfaltado, provido de rede de águas, rede de esgotos, rede eléctrica e iluminação pública;
1.7. E existe, ainda, canalização privativa oriunda de outra “propriedade” e destinada á rega das estufas situadas no prédio a poente, com a extensão de 34 metros;
1.8. O prédio tem um armazém com a área de 87 m2, em alvenaria de pedra com 0,45 metros de espessura, rebocado e com cobertura a telha e tem o pé direito de 3,20 metros;
1.9. E vedação em vegetação constituída por 7 eucaliptos de grande porte, com DAP variáveis entre 0,90 e 0,45 metros e 6 oliveiras de grande porte.
1.10. Na decisão arbitral, para o cálculo da indemnização devida, consideram “como solo apto para construção” – “toda a Área de 483 m2” – cfr. fls.55.
2. Apreciação do mérito das apelações (Recurso principal e recurso subordinado).
2.1. Considerações preliminares.
O artigo 1º do Código das Expropriações prescreve que “os bens imóveis e direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública, compreendida nas atribuições da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização nos termos do presente Código”.

Nos termos do disposto no nº2 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Assim, o pagamento de justa indemnização é um pressuposto constitucional da expropriação.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Na realidade, não passa de uma expressão particular do princípio geral, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem… Em certo sentido, o direito de propriedade (e os demais direitos reais sobre os bens expropriados) transforma-se, em caso de requisição ou expropriação, no direito ao respectivo valor.
É certo que, determinando a Constituição que a indemnização há-de ser «justa», ela não estabelece, porém, qualquer critério indemnizatório («valor venal», «valor de mercado», «valor real», etc.); mas é evidente que os critérios definidos em lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionais em relação à perda do bem requisitado ou expropriado. Por outro lado, a justa indemnização deve respeitar o princípio da equivalência de valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados, decisivamente perturbadores da «justa medida» que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização. (Maior liberdade parece gozar a lei no caso de «apropriação pública», por via de nacionalização, como decorre do art.83º).
A ideia de justa indemnização comporta, desta forma, duas dimensões importantes: (a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; (b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo a natureza dos solos (aptos para construção ou para outro fim), o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc.; isto é, as circunstâncias e as condições de facto.” (in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 2007, págs.808 e 809)

No sentido de que para ser justa a indemnização tem de “respeitar os princípios materiais da Constituição da igualdade e proporcionalidade”, cfr. Assento do STJ, de 22 de Novembro de 1995.

Assim, pode-se referir que “a indemnização, para ser justa, deve respeitar o princípio da igualdade de encargos, tanto na relação interna como na relação externa da expropriação. A igualdade de encargos, na relação interna, determina que os critérios de indemnização plasmados na lei conduzam, em qualquer tipo de expropriação, a um tratamento igual dos diversos expropriados, não podendo esse variar em consequência do fim ou do objecto da expropriação, ou dos procedimentos a que se encontra sujeita. Na relação externa, o princípio da igualdade impõe que o critério de indemnização oferecido pela lei elimine as desigualdades de tratamento entre o expropriado e o não expropriado. A justiça da indemnização não existiria se o expropriado não fosse integralmente compensado da perda patrimonial sofrida, tendo de suportar um sacrifício a favor da utilidade pública não exigido aos outros cidadãos. (...) Mas a expropriação deve ser justa, também, na perspectiva do interesse público, de tal modo que, na sua fixação, sejam excluídos os elementos de valorização puramente especulativos e, quando a lei o permita, as mais-valias do bem a que o expropriado seja alheio. É ainda em obediência a um princípio de justiça que se deve atender, no cálculo da indemnização, a certas valorizações do restante património do expropriado.
Por outro lado, a circunstância de a expropriação ocorrer mediante o pagamento da justa indemnização arrasta duas ordens de consequências:
Em primeiro lugar, a indemnização não pode ser inferior ao valor exacto do bem expropriado. Mais: como indemnização deve corresponder à reintegração económica do património do expropriado, deverá ainda acrescer ao valor do bem o montante dos danos socialmente relevantes sofridos pelo expropriado em consequência da expropriação.
Em segundo lugar, a indemnização tem de ser prévia ou, pelo menos, contemporânea da perda da propriedade, no sentido de que deve existir uma atribuição imediata do montante indemnizatório.
A indemnização deve seguir-se, com um lapso temporal de curta duração à perda da propriedade” (Luís Perestrelo de Oliveira, in Código das Expropriações, Anotado, 2ª edição, 2000, págs.29 e 30; cfr., no mesmo sentido Prof. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1989, págs.534 a 551).

Procurando concretizar os princípios constitucionais, o artigo 23º do Código das Expropriações/99 (aplicável ao caso presente atenta a data da DUP) prescreve que:
“1. A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes naquela data”.

Assim, na determinação do valor real do prédio expropriado deve atender-se ao valor de mercado que tinha no momento da declaração de utilidade pública, isto é, considerando todos os factores que podem influir no seu valor, excluindo os especulativos.

O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (nº1 do artigo 24º do Código das Expropriações/99).

2.2. O caso julgado (questão suscitada no recurso principal da expropriante)
O Expropriante ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária/ EP – Estradas de Portugal, EPE suscitou, no seu recurso, a questão da verificação do caso julgado, referindo que o Tribunal de 1ª instância só poderia conhecer das questões suscitadas pelos expropriados no seu requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, pelo que não poderiam ser alterados os índices de construção e fundiário, bem como no que respeita a depreciação do terreno agrícola dado que eram questões que os expropriados nada disseram no seu requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral.

Como também refere, o expropriante suscitou essas questões nas alegações apresentadas nos termos do disposto no artigo 64º do Código das Expropriações e sem que na sentença sob recurso haja qualquer referência a tais questões.

Nos termos do disposto no artigo 58º do Código das Expropriações/99, no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artigo 577º do Código de Processo Civil.

Ora, tem sido posição unânime da jurisprudência e da doutrina que o Tribunal de 1ª instância, funcionando como tribunal de recurso, se encontra impedido de conhecer de questões não impugnadas no requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral e que não sejam de conhecimento oficioso.
- cfr., entre muitos outros, o Ac. da Relação de Lisboa, de 22 de Março de 2007, in www.dgsi.pt e os aí citados;
Luís Perestrelo de Oliveira, in Código das Expropriações Anotado, 2ª edição, pág.137;
José Osvaldo Gomes, in Expropriações por Utilidade Pública, pág.385 “no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deverá expor desde logo todas as razões da sua discordância com aquela decisão, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito (…) o objecto do recurso é delimitado pelas razões de discordância invocadas pelo recorrente no respectivo requerimento de interposição.” –

A sentença sob recurso, acompanhando o que já havia sido apontado na avaliação efectuada pelos peritos, em diversos aspectos, pronunciou-se sobre questões que os expropriados não haviam suscitado quando interpuseram recurso da decisão arbitral.

Assim, e relativamente às questões que o expropriante (recorrente principal) neste recurso, agora invoca, não poderia o Tribunal de 1º instância pronunciar-se sobre a depreciação do terreno agrícola – parte do prédio expropriado.

E poderiam os senhores peritos e o Tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre os índices de construção e fundiário?
Analisando o requerimento de interposição de recurso dos expropriados, verifica-se que estes não questionam expressamente esses índices; contudo, os expropriados impugnam em termos gerais a indemnização fixada na decisão arbitral, referindo expressamente que a decisão arbitral não teve “em conta toda a factologia, mesma a claramente expressa no auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” – junto aos autos pelo expropriante, nem, por outro lado atentou, na definição dos critérios utilizados para chegar à Justa Indemnização, em todos os imperativos legais …”, tendo de seguida procedido à análise das questões que conduziriam a um montante indemnizatório superior ao fixado na decisão arbitral.
Desta forma, apesar de os expropriados não se referirem expressamente aos índices de construção e fundiário, o tribunal de 1ª instância não estava impedido de alterar esses índices (apoiando-se no relatório pericial) por se entender que daquela forma genérica, os expropriantes os questionários (pois são factores para se procederem à atribuição de uma justa indemnização).

Pelo exposto, o expropriante tem parcial razão no que concerne à invocação da excepção do caso julgado.

Tendo presente o que atrás se expôs, outras questões suscitadas pelos recorrentes não poderiam ser apreciadas pelo Tribunal de 1ª instância (e por este Tribunal da Relação) e que, no momento próprio, referiremos.

2.3. Da indemnização (recurso principal do expropriante)
O expropriante veio suscitar a questão da justa indemnização, porque excessiva e referente a um bem que não foi expropriado (uma parcela de 1.200m2, quando a parcela expropriada tem uma área de 483m2), bem como não classificou devidamente o espaço-canal (que deve ser classificado como apto para outros fins), bem como alterou sem que nada o justificasse os índices de construção e fundiário.
Em primeiro lugar, importa referir, no que concerne ao espaço-canal, que no acórdão arbitral e para cálculo da indemnização entendeu-se classificar toda a área a expropriar (483m2) como solo apto para construção – cfr, fls.55 e 56.
Da decisão arbitral, o expropriante não recorreu, pelo que não é possível alterar a classificação do solo (no âmbito do cálculo da indemnização), como atrás se referiu.

Insurge-se, também, o expropriante quanto ao montante indemnizatório por entender que a única parte abrangida pela declaração de utilidade pública são os referidos 483m2 e não os 1.200m2 considerados na perícia e na sentença.

Como se referiu, a decisão do Tribunal de 1ª instância, no entendimento de que nada justificava o seu afastamento do laudo dos peritos – laudo unânime -, foi proferido com base nesse laudo.
E nesse laudo refere-se expressamente: “… solo a expropriar deve ser classificado de duas formas:
- solo apto para construção numa área de 1.200m2 e referente à via públicainfra-estruturada;
- solo apto para outros fins numa área de 4.240m2” (cfr. fls.155).
E, posteriormente, veio a proceder ao cálculo, referindo-se expressamente a”valor da parcela a expropriar” que referiu ser de 1.200m2 e ao cálculo da depreciação da parte restante do prédio que refere ter a área de 4.240m2. (cfr. fls.156 e 157).

Ora, desde logo existe um manifesto lapso, porquanto a área expropriada não é de 1.200m2 mas de apenas 483m2.
E este lapso resulta, sem dúvida, da forma como este processo foi conduzido, porquanto:
A área total do prédio era de 5.440 m2;
A área urbanizável desse prédio era de 1.200 m2;
A área expropriada foi de 483 m2.
Considerando, que a parte urbanizável restante (1.200m2 – 483 m2) ficava desvalorizada, os expropriados vieram requerer que essa parte também fosse expropriada.
O Tribunal de 1ª instância, ao contrário do que lhe impõe o Código das Expropriações, não decidiu desde logo essa questão, o que seria relevante para os actos posteriores, e veio a ordenar a avaliação, tendo proferido a decisão sobre essa questão na sentença.
Perante essa forma de proceder os peritos partiram do princípio de que toda essa área (1.200 m2) tinha sido expropriada, o que não corresponde à realidade, porquanto na decisão final, foi indeferida essa pretensão dos expropriados.
Mas, apesar desse indeferimento, o Tribunal de 1ª instância não teve o cuidado de atender à área verdadeiramente expropriada (483 m2).

Desta forma, o expropriante tem razão quando afirma que a área expropriada não é de 1.200 m2 mas sim de 483m2.

Vejamos, então, o valor da parcela expropriada – 483 m2.
Como se referiu atrás, por não impugnada a classificação do solo feita na decisão arbitral, estamos em presença de “solo apto para construção”
Preceitua o nº1 do artigo 25º do Código das Expropriações/99 que:
“Para efeitos de cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) solo apto para construção;
b) solo para outros fins.”

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 26º do Código das Expropriações, o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº5 do artigo 23º.
E o nº6 desse preceito refere que “num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo de construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
E no nº7, refere-se que “a percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostrar justificada”, apresentando-se seguida esses factores.

Por sua vez, nos termos do nº5 do artigo 26º do Código das Expropriações, na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
E no nº8 desse preceito se permite a diminuição ou agravamento dos custos de construção pelas especiais condições do local.

Por outro lado, importa ter presente que, como vem sendo, uniformemente decidido, o laudo dos peritos está sujeito à livre apreciação do julgador, devendo ser objecto de uma leitura crítica perante os demais elementos dos autos.
Assim, e tendo em consideração o princípio da livre apreciação da prova, o juiz não está vinculado ao valor indicado no laudo maioritário.
Mas, a menos que se verifique a aplicação de critérios que infrinjam a lei aplicável, constitui um indicador seguro para a fixação judicial da indemnização.
No processo de expropriação, a decisão assenta em factores de natureza técnica, pelo que o mais adequado tipo de prova à realização do fim legalmente previsto é o pericial, no pressuposto de que os peritos têm na matéria conhecimentos científicos especiais.
Havendo diferenças entre laudos, a não ser que essas diferenças resultem de diferentes interpretações legais ou de afastamento de critérios legais, que se revelem sem qualquer justificação ou manifestamente desproporcionados ao bem expropriado, é de considerar a avaliação do laudo maioritário, sobretudo quando neste se incluem os laudos dos peritos nomeados pelo Tribunal, porquanto estes oferecem, em princípio, maiores garantias de imparcialidade e de objectividade.
Contudo, com esta afirmação não se pretende referir que o Tribunal está vinculado ao laudo desses peritos ou ao laudo maioritário, atento o princípio atrás referido, podendo o Tribunal socorrer-se a outros critérios de forma a alcançar o montante justo para indemnizar o expropriado, designadamente se do processo contarem outros elementos de prova que impliquem solução diversa.
No caso presente, o expropriante questiona os índices de construção e fundiário aplicados no laudo dos peritos, que o Tribunal de 1ª instância seguiu na decisão proferida.
Ora, na decisão arbitral considerou-se, para o cálculo da indemnização, que o custo de construção seria de 90.500$00/m2, nos termos da Portaria nº928/99.
Como se referiu, o custo de construção a atender deve ter como referencial os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (nº5 do artigo 26º do Código das Expropriações).
Mas, não só a disposição legal se refere que deve servir de referencial, como no nº8 dessa disposição legal se admite que esse custo possa ser inferior ou superior.
Os peritos levaram em consideração o valor de 110.000$00/m2, por ser esse o valor do preço de construção (cfr. fls.160), sendo que, em esclarecimento à reclamação do expropriante, afirmaram que “os valores de mercado que hoje se praticam na zona ultrapassam os 140.000$00/m2 de construção, o que corresponde a uma subida de 54,6% em relação aos valores do laudo de arbitragem. E esse valor tende a agravar-se, pelo simples facto da falta de mão de obra no sector ser uma realidade inquestionável, que obriga a deslocações de pessoal de outras áreas, com os consequentes agravamentos de custos” (cfr.fls.209/210)
Assim, sendo o valor fixado administrativamente um referencial e procurando o justo montante indemnizatório, não se pode deixar de concordar com o valor indicado pelos peritos.
No que concerne ao índice fundiário, que tinha sido indicado na arbitragem como sendo de 15% e que os peritos elevaram para 23%.
O expropriante insurge-se contra esta alteração por os peritos terem considerado a existência de estação depuradora e de rede telefónica, o que não consta do auto de vistoria.
Ora, no que respeita a esta questão, o auto de vistoria não faz qualquer referência a estas estruturas, nem sequer a sua existência foi questionado pelos expropriados.
Assim, não podem as mesmas serem atendidas, pelo que, tendo presente o disposto no nº8 do artigo 26º do Código das Expropriações, o índice fundiário deve ser de 20%.
Desta forma, o valor da área expropriada é de 2.656.500$00 (correspondente a €13.250,57) e resultante da aplicação da fórmula – utilizada pelos peritos – de 110.000$00/m2x0,25x0,20x483m2 (V= VcxIcxIfxA).

A esta quantia acresce o valor das benfeitorias constantes da decisão arbitral que o expropriante e expropriados aceitaram e dela não recorreram (apesar dos peritos terem atribuído um valor inferior, no que foram seguidos pela decisão sob recurso), no montante de 2.076.500$00 (correspondente a €10.357,54).
2.4. Da expropriação de outra parcela (Recurso subordinado)
Os expropriados pretendem que a toda a parcela da área urbanizável seja expropriada, invocando para o efeito o disposto no nº3 do artigo 3º do Código das Expropriações.
Esta questão havia sido suscitada pelos expropriantes após a notificação da decisão arbitral, o que só veio a ser decidido na sentença sob recurso, que rejeitou essa pretensão dos expropriados.
Em primeiro lugar, importa referir uma questão referida nas contra-alegações do expropriante, que refere que o recurso está “votado ao fracasso” por o recurso da decisão sobre o pedido de expropriação total dever ser interposto autonomamente, com subida imediata e em separado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença.
Prescreve o artigo 55º do Código das Expropriações que:
“1.Dentro do prazo do recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do nº2 do artigo 3º.
2. A entidade expropriante é notificada para, no prazo de 20 dias, responder ao pedido de expropriação total.
3. O juiz profere decisão sobre o pedido de expropriação total, no prazo de 10 dias, dela cabendo recurso, com subida imediata em separado e com efeito meramente devolutivo”.
Tendo presente esta disposição legal, o expropriante teria razão na sua argumentação, se a questão suscitada pelos expropriados não tivesse sido decidida pelo Tribunal de 1ª instância na sentença (tendo olvidado, mais uma vez, o que dispõe o diploma legal).
Desta forma, não podem os expropriados serem prejudicados por esta atitude do Tribunal de 1ª instância, pelo que tendo a questão sido decidida no âmbito da sentença, o recurso que os expropriados interpuseram da sentença abranger todas as questões nela decididas.
A questão da expropriação total da parcela classificada pelo Regulamento do PDM de Óbidos como “espaço Urbanizável de Nível 2”.
Refere o nº3 do artigo 3º do Código das Expropriações que:
“O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique qualquer dos requisitos fixados no número anterior.”
E nesse referido nº2, preceitua-se que: “Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:
a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.”
Sobre esta questão, refere Luís Perestrelo de Oliveira que “as circunstâncias que determinam a indivisibilidade económica vêm indicadas no nº2 do presente artigo. Em qualquer dos casos aí referidos não está em causa, apenas, o valor da parte não expropriada, mas uma perda grave dos cómodos ou utilidades prestados por esta, em consequência do fraccionamento, em cuja determinação objectiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem nem a circunstâncias particulares atinentes apenas ao respectivo titular” (in obra citada, pág.34).
Ou como refere Osvaldo Gomes, “… a parte restante do prédio sempre tem interesse económico para o expropriado. Neste particular, o que importa é a afectação relevante do interesse económico do expropriado, que deve ser apreciada pelo tribunal”
- in obra citada, págs.210 e 211 -
O prédio dos expropriados tinha uma área total de 5.440 m2, sendo que 1.200 m2, e 1.200 m2 integravam o “Espaço Urbanizável – Nível 2” (PDM).
A área expropriada foi de 483 m2 (a destacar daquele prédio) e que integrava a área urbanizável.
Os expropriados pretendem que a parte restante dessa área urbanizável seja expropriada.
Ora, a parte restante da parcela urbanizável não assegura os mesmos cómodos que anteriormente oferecia, porquanto deixou de ser uma parcela urbanizável, e somente poderá ser utilizado para outros fins que não para construção e esta mudança de fim ocasiona uma significativa modificação dos cómodos que oferecia aos expropriados.

Desta forma, a pretensão dos expropriados deve ser deferida, com a consequente adjudicação da propriedade e posse dessa área ao expropriante (passando a expropriação abranger a área de 1.200 m2).
2.5. Da justa indemnização (Recurso subordinado)
Os expropriados impugnam o montante indemnizatório fixado na decisão sob recurso.
Para resolução desta questão, temos de ter em consideração o que atrás se referiu no recurso principal interposto pelo expropriante quer no que respeita ao cálculo do justo montante indemnizatório quer do caso julgado.
Assim, em primeiro lugar, não é possível determinar o pagamento de qualquer indemnização à parte restante do prédio (4.240 m2), que ficou certamente desvalorizado, mas que os expropriados nada disseram aquando do seu recurso da decisão arbitral, pelo que o Tribunal de 1ª instância não poderia pronunciar-se, nem pode este Tribunal da Relação.
Relativamente às benfeitorias, como anteriormente se referiu, e pelas mesmas razões – caso julgado – se deve repor o montante (que é superior) da decisão arbitral em detrimento do montante indemnizatório encontrado pelos peritos e seguido na decisão sob recurso.
Por fim, importa fixar o montante da parte restante da área urbanizável, que agora se determina a sua expropriação.
E para alcançar o montante indemnizatório, deve atender-se, pelos motivos supra apontados aos critérios também referidos (e que asseguram um compensação da perda suportada pelos expropriados).
Assim, utilizando-se a mesma fórmula utilizada para se alcançar o valor da área, primeiramente expropriada, de 483 m2, encontra-se, para a restante área de 717 m2 (1.200 m2 – 483 m2) um valor de 3.943.500$00 (correspondente a €19.670,10) -110.000$00/m2x0,25x0,20x717m2 (V= VcxIcxIfxA).
Deste modo, deve o montante indemnizatório global ser fixado em 2.656.500$00 (correspondente a €13.250,57), indemnização da expropriação da área de 483 m2, + 3.943.500$00 (correspondente a €19.670,10), indemnização da expropriação da área de 717 m2,+ 2.076.500$00 (correspondente a €10.357,54), indemnização pelas benfeitorias, isto é, 8.676.500$00 (correspondente a €43.295,21)
IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- julgar parcialmente procedente o recurso principal interposto pelo expropriante;
- julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelos expropriados;
- e, consequentemente, deferindo a expropriação parcial do prédio requerida pelos expropriados, adjudica-se a propriedade e a posse da área de 717 m2 que fazia parte do “Espaço Urbanizável – Nível 2” (PDM) a destacar do prédio dos expropriados identificado e fixando a indemnização total a pagar pelo expropriante aos expropriados no montante de €43.295,21 (devendo proceder-se ao desconto determinado no nº4 do artigo 23º do Código das Expropriações e à actualização prevista no artigo 24º do mesmo diploma).
Custas pelos recorrentes, na proporção do decaimento.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009
(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)
(A. P. Lima Gonçalves)
(Ana Luísa de Passos Geraldes)
(António Valente)