Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1001/07.3TYLSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: MARCAS
IMITAÇÃO
CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A imitação pressupõe a existência de semelhança entre os sinais em confronto e que a situação seja susceptível de induzir em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou de confronto; o consumidor em causa é o consumidor de atenção média, importando ter em conta para o efeito o público a que os produtos e serviços em questão são destinados.
II - Ao lado do conceito de confusão em sentido estrito, para as situações típicas em que haja o risco do público consumidor confundir a origem dos produtos ou serviços, temos o conceito de confusão em sentido amplo para as situações atípicas em que o público consumidor, reconhecendo a diferente origem dos produtos ou serviços, incorra no risco de pensar existir uma qualquer relação de tipo jurídico, económico ou comercial entre as diferentes origens.
III – No que à referida semelhança concerne existe um conjunto de critérios de apreciação, consensuais na doutrina, o primeiro dos quais – entre outros - é o de se dever apreciar as marcas no seu conjunto, só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade; o segundo é o da irrelevância, no conjunto da apreciação das marcas das suas componentes genérica ou descritiva; o terceiro é o de nas marcas complexas, se dever privilegiar, sempre que possível o elemento dominante.
IV - O consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento, pelo que a comparação que entre eles feita não será simultânea mas sucessiva; nesta circunstância é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece pelo que são as semelhanças que ressaltam, devendo a imitação ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados e separadamente.
V – Vistas na sua globalidade a marca da recorrente e as marcas da recorrida, não haverá semelhança entre elas indutora dos aludidos erro ou confusão quando
a marca da recorrida contém um elemento figurativo – uma flor estilizada – seguida da palavra "tele…”, escrita em letras minúsculas enquanto a marca da recorrente é composta, apenas, pela palavra "TEL…", escrita em letras maiúsculas, o que conduz a uma aparência visual das marcas muito diversa.
VI - Em ambas as marcas se evidencia o prefixo «tele», que tem habitualmente o significado de “á distância” e é descritivo de produtos ou serviços com aquela conotação, sendo – em si mesmo - factor de (in)diferenciação de reduzido valor, uma vez que dotado de fraca eficácia distintiva.
VII – No seu todo trata-se de expressões correspondentes a designações de fantasia, sendo a diferença quanto ao som da última sílaba daquelas palavras relevante quando conjugado com o reduzido valor distintivo das duas primeiras sílabas.
VIII – Nos chamados actos de confusão o que qualificará o acto como desleal é a sua aptidão ou idoneidade para criar o risco de confusão consistindo este em apresentar os produtos ou serviços de maneira que leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente.
IX - Para haver um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado, sendo necessário, ainda, que á usurpação de marca se junte, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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            I - «“A” S.A» veio, ao abrigo do disposto nos arts. 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso dos despachos proferidos pelo Senhor Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial concedendo protecção às marcas de registo internacional nºs 896.... e 896.... a favor de «“B”».
Alegou, em resumo:
- as decisões recorridas enfermam de nulidade visto delas não constar um elemento essencial, a assinatura do autor do acto;
-  ser titular de marca obstativa à concessão das referidas marcas, verificando-se os requisitos de imitação e, ainda, a possibilidade de serem praticados actos de concorrência desleal.
Pediu que se declare a nulidade ou a anulação dos despachos recorridos e se decida pela recusa de protecção àquelas marcas.
Cumprido que foi o disposto no art. 43º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu os processos administrativos.
A parte contrária deduziu oposição.
O processo prosseguiu, vindo a ser proferida sentença que negou provimento ao recurso e manteve os despachos recorridos.
Desta sentença apelou a recorrente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. O Tribunal a quo não fez uma correcta fixação da matéria de facto, pois os factos 1 e 4 que deu como provados não o poderiam ser, nos termos em que o foram, quando não existe nenhuma evidência nos autos (para além da “informação” prestada pelo I.N.P.I., a posteriori, mas sem nenhum apoio probatório) de que os despachos de concessão dos registos das marcas internacionais n.ºs 896.... e 896.... tenham sido assinados pelo alegado autor dos mesmos, o Sr. Director da Direcção de Marcas e Patentes, do I.N.P.I.
2. Os despachos de concessão dos registos das marcas internacionais n.ºs 896 ... e 896 ..., enfermam de nulidade, por lhes faltar a assinatura do alegado autor dos mesmos.
3. Nos referidos despachos apenas constam referências dactilográficas aos supostos intervenientes na decisão, mas nenhum deles apôs pessoalmente a sua assinatura – nem a autografa nem a electrónica com certificação digital – no local que lhe foi predestinado.
4. Deve, assim, ser alterada a matéria de facto, dando-se a redacção seguinte aos factos 4 e 5:
«4 – Por despacho não assinado pelo Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial foi concedida protecção ao pedido de registo da marca internacional nº 896 ... "Telenor" pedido pela recorrida “B”., com data de registo reportada a 13.02.2006 e de despacho a 04.07.2007».
«5 - Por despacho não assinado pelo Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial foi concedida protecção ao pedido de registo da marca internacional nº 896 ... "Telenor" pedido pela recorrida “B”., com data de registo reportada a 13.02.2006 e de despacho a 04.07.2007» - os sublinhados são as alterações pretendidas.
5. A douta sentença recorrida deve ser revogada e declarar-se a nulidade dos despachos recorridos, nos termos dos art.ºs 123.º, n.º 1, g) e 2 e 133.º, n.º 1 do C.P.A.
6. Supletivamente, pede-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída pela recusa total da protecção em Portugal às marcas do registo internacional n.ºs 896.... e 896...., “TELENOR”, com fundamento em imitação da marca nacional n.º 343...., “TELECOR”, da Recorrente, e por o uso daquelas marcas possibilitar à Recorrida, independentemente da sua intenção, fazer concorrência desleal.
7. Duvidas não se suscitaram na sentença recorrida de que o registo de marca nacional n.º 343...., “TELECOR”, goza de prioridade em face dos pedidos de protecção em Portugal para as marcas do registo internacional n.ºs 896.... e 896...., nem de que existe identidade ou afinidade entre os produtos e serviços a que se destinam as marcas.
8. E, contrariamente ao que se considerou na sentença recorrida, também se verifica in casu o requisito de imitação de marca previsto no art.º 245.º, n.º 1, al. c) do C.P.I., pois as marcas que a Recorrida pretende registar em Portugal apresentam tais semelhanças gráficas e fonéticas e de conjunto com a marca da Recorrente, que as tornam susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão.
9. Diversamente do que se considerou na sentença recorrida – certamente por erro – entre as expressões que caracterizam as marcas em confronto, a semelhança não é, apenas, entre as 4 (quatro) letras iniciais – TELE –, pois também as 2 (duas) últimas são iguais – OR.
10. Do ponto de vista gráfico, a diferença entre os elementos nominativos das marcas em confronto é numa única letra (entre “n” e “c”):
TELENOR TELECOR
11. E, do ponto de vista fonético, a semelhança entre essas expressões é ainda mais patente:
TÉ_LÉ_NÓR TÉ_LÉ_CÓR
12. A semelhança de conjunto entre as referidas expressões, tanto do ponto de vista gráfico como fonético, é manifesta, pois apenas existe uma dissemelhança: numa única letra, entre 7 (sete).
13. E essa única letra não tem, sequer, o condão de alterar o acento tónico da terceira sílaba em que se localiza, que em ambas as expressões é no fonema “Ó” - _NÓR vs _CÓR.
14. A utilização das marcas é feita no comércio, tantas vezes, de forma verbal ou oral, sendo por isso mais frequente que os consumidores refiram as marcas apenas pelos seus elementos nominativos – in casu, TELENOR e TELECOR.
15. Conclui-se que na sentença recorrida se faz uma errada aplicação ao caso do requisito de imitação de marca da alínea c), do n.º 1, do art.º 245.º do C.P.I., pois as semelhanças gráficas, fonéticas e de conjunto que existem entre os elementos característicos e distintivos das marcas – no caso, os respectivos elementos nominativos “TELECOR” e “TELENOR” – são claramente susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão.
16. Em consequência dessa errada aplicação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 245.º do C.P.I., a sentença recorrida viola o disposto nos art.ºs 239.º, al. m) e 254.º do C.P.I.
17. Acresce que, existe a possibilidade de serem praticados actos de concorrência desleal, pois o consumidor dos produtos/serviços “TELENOR” será induzido em confusão com os produtos/serviços “TELECOR” da Recorrente.
18.Sendo as marcas “TELENOR” confundíveis com a marca “TELECOR”, o uso daquelas possibilitaria à Recorrido praticar actos susceptíveis de criar confusão com os produtos/serviços da Recorrente, nos termos da al. a) do art.º 317.º do C.P.I.
19. Constitui motivo de recusa do registo de marca o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível, mesmo independentemente da sua intenção – art.º 24.º, n.º 1, alínea d) do C.P.I.
20. Conclui-se que a sentença recorrida, para além de enfermar de nulidade, também viola o disposto nos art.ºs 24.º, n.º 1, al. d), 239.º, n.º 1, al. m) e 254.º do C.P.I., na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março.
A recorrida contra alegou nos termos de fls. 179 e seguintes.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 – Por despacho o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial concedeu protecção ao pedido de registo da marca internacional nº 896 ... "telenor" pedido pela recorrida “B”., com data de registo reportada a 13.02.2006 e de despacho a 04.07.2007.
2 – A mencionada marca destina-se a assinalar, nas classes 9, 16, 35, 36, 37, 38, 41 e 42, os produtos e serviços descritos a fls. 29 a 32, do documento nº 1 junto com o requerimento de recurso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3 - A referida marca é constituída pela palavra "telenor" e pelo elemento figurativo da parte superior de uma "flor" estilizada.
4 - Por despacho o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial concedeu protecção ao pedido de registo da marca internacional nº 896 ... "telenor" pedido pela recorrida “B”., com data de registo reportada a 13.02.2006 e de despacho a 04.07.2007.
5 – A mencionada marca destina-se a assinalar, nas classes 9, 16, 35, 36, 37, 38, 41 e 42, os produtos e serviços descritos a fls. 33 a 36, do documento nº 2 junto com o requerimento de recurso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6 - A mencionada marca é constituída pela palavra "telenor" e pelo elemento figurativo da parte superior de uma "flor" estilizada.
7 - A citada marca reivindica as cores azul e preto.
8 - A recorrente “A” S.A é titular da marca nacional nº 343..., pedida em 11.02.2000 e concedida em 15.02.2001.
9 - A mencionada marca destina-se assinalar produtos e serviços nas classes 11,16, 35,36, 39 e 41. descritos no documento nº 7 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10 - A referida marca é constituída pela palavra "TELECOR".
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III – São as conclusões da apelação interposta que definem o objecto da mesma, consoante resulta do art. 684, nº 3, do CPC.
Ora, nas conclusões da respectiva alegação de recurso, a apelante colocou, antes de mais, a questão de os despachos que concederam protecção ao pedido de registo das marcas de registo internacional nºs 896.... e 896.... «telenor» serem nulos por carência de assinatura.
Essa questão já se encontra resolvida, atento o teor do acórdão proferido a fls. 211 e seguintes e das assinaturas que foram apostas nos referidos despachos.
Neste contexto, as questões que subsistem para resolução - conclusões 6) e seguintes da apelação - são as seguintes: se estamos perante uma imitação da marca da recorrente, marca nacional nº 343.... «TELECOR», ocorrendo semelhanças susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão - o que seria fundamento de recusa do registo das marcas de registo internacional nºs 896.... e 896...., «telenor»; se existem elementos que nos reconduzam à concorrência desleal, como fundamento de recusa do registo.
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IV – 1 - Poderemos considerar a marca como sendo o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor. Efectivamente, a marca tem uma função essencial, a função distintiva ([1]) de um produto ou serviço, que, todavia, não é a única, tendo também uma função de sugestão – sendo angariadora de clientela – e uma função de garantia.
Através da marca o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece; a marca visa, aliás, estabelecer uma relação entre um produto ou serviço e um certo agente económico.
A lei estabelece vários limites à liberdade na composição da marca, limites intrínsecos – que dizem respeito aos próprios sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca - e extrínsecos – que dizem respeito aos sinais confrontados com situações anteriores. Estes últimos não têm, pois, em vista o sinal em si mesmo considerado, mas sim a existência de direitos anteriores – e é nesse concreto âmbito que nos situamos no caso que nos ocupa.
Consignando os chamados princípios da novidade e especialidade da marca é determinado na alínea m) do art. 239 do CPI dever ser recusado o registo de marcas que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos: «Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada».
Contempla-se aqui quer a contrafacção quer a imitação da marca. Verificar-se-á o primeiro caso quando a marca posterior reproduza totalmente a marca anterior. Já o conceito de imitação ou de usurpação consta do art. 245 do CPI cujo nº 1 declara:
«1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto».
Aos elementos reproduzidos podem ser aditados outros, sejam figurativos sejam nominativos, o que não afasta a existência da usurpação. Em marcas complexas – compostas por uma pluralidade de elementos, sejam nominativos, figurativos ou mistos – a situação poderá ter uma abordagem mais difícil.
A imitação pressupõe a existência de semelhança entre os sinais em confronto e que a situação seja susceptível de induzir em erro ou confusão o consumidor - para que a semelhança entre as marcas constitua imitação é ainda necessário que a mesma induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou de confronto. O consumidor em causa é o consumidor de atenção média, importando ter em conta para o efeito o público a que os produtos e serviços em questão são destinados.
Devem «ser considerados confundíveis todos aqueles sinais que dêem azo a que um consumidor médio só com especial vigilância possa distinguir a proveniência empresarial dos produtos ou serviços que lhe são propostos» ([2]).
É de referir que na protecção do direito à marca o que está em causa evitar não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas sim a que possa ocorrer entre a origem empresarial dos produtos ou serviços. Quando se verifique, do ponto de vista do consumidor médio, possibilidade de indução em erro ou confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, a função identificadora da marca fica esvaziada de conteúdo ([3]).
«Há também risco de erro ou confusão sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam ou que existe uma relação, que não há, entre a proveniência desses produtos ou serviços» ([4]).
Ao lado do conceito de confusão em sentido estrito, para as situações típicas em que haja o risco do público consumidor confundir a origem dos produtos ou serviços, temos o conceito de confusão em sentido amplo para as situações atípicas em que o público consumidor, reconhecendo a diferente origem dos produtos ou serviços, incorra no risco de pensar existir uma qualquer relação de tipo jurídico, económico ou comercial entre as diferentes origens; deste modo, o risco de associação é recortado como uma modalidade do risco de confusão ([5]).
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IV – 2 - Vejamos.
Não está em dúvida nestes autos que a marca da recorrente beneficia de prioridade do registo nem que ambas as marcas se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins.
A divergência é, tão só, sobre terem as marcas em confronto «tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão» - a questão do risco de associação não chega a ser colocada pela apelante.
No que á referida semelhança concerne existe um conjunto de critérios de apreciação, consensuais na doutrina, o primeiro dos quais – entre outros - é o de se dever apreciar as marcas no seu conjunto, só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade. «A razão de ser deste critério está no facto de ser a imagem de conjunto aquela que, normalmente, sensibiliza mais o consumidor não se devendo pressupor que este tenha condições de efectuar um exame comparativo e contextual dos sinais entre si». O segundo é o «da irrelevância, no conjunto da apreciação das marcas das suas componentes genérica ou descritiva»; o terceiro é o de «nas marcas complexas, se dever privilegiar, sempre que possível o elemento dominante» ([6]).
O consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento, pelo que a comparação que entre eles é feita não será simultânea mas sucessiva. Ora, quando dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam; já quando os dois são vistos sucessivamente é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece pelo que são as semelhanças que ressaltam.
«A imitação deve, pois, ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados e separadamente.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas» ([7]).
Consoante decorre da factualidade provada a marca da recorrente é meramente nominativa enquanto as marcas da recorrida são compostas por elementos nominativos e figurativos.
Efectivamente, a recorrente ““A” S.A.” é titular da marca constituída pela palavra "TELECOR".
À recorrida «“B”» foi concedida protecção ao pedido de registo:
- da marca internacional nº 896 ... constituída pela palavra "telenor" e pelo elemento figurativo da parte superior de uma "flor" estilizada;
- da marca internacional nº 896 ... constituída pela palavra "telenor" e pelo elemento figurativo da parte superior de uma "flor" estilizada.
Sendo que a citada marca reivindica as cores azul e preto.
            As marcas deverão ser contempladas numa visão de conjunto. Ora, vistas na sua globalidade a marca da recorrente e as marcas da recorrida, afigura-se-nos não haver semelhança entre elas indutora dos acima aludidos erro ou confusão.
            Desde logo a marca da recorrida contém o já referido elemento figurativo – uma flor estilizada – seguida da palavra "telenor”, escrita em letras minúsculas; já a marca da recorrente é composta, apenas, pela palavra "TELECOR", escrita em letras maiúsculas, o que conduz a uma aparência visual das marcas muito diversa.
            Não se porá em causa a maior relevância do elemento nominativo.
            Quer na marca "TELECOR" quer no segmento nominativo das marcas da recorrida - na palavra "telenor” - evidencia-se o prefixo «tele», que tem habitualmente o significado de “á distância” e é descritivo de produtos ou serviços com aquela conotação, sendo – em si mesmo - factor de (in)diferenciação de reduzido valor, uma vez que dotado de fraca eficácia distintiva.
            Trata-se, todavia, no seu todo, de expressões correspondentes a designações de fantasia – no caso da marca da recorrente parecendo que ao mencionado prefixo “tele” foi junta a primeira sílaba da palavra “Corte” (do nome da sociedade ““A””) ([8]); no caso das marcas da recorrida com correspondência com o nome da sociedade “Telenor”.
            De qualquer modo, a diferença quanto ao som da última sílaba daquelas palavras é relevante, designadamente quando conjugado com o reduzido valor distintivo das duas primeiras sílabas. Isso, aliado à já referida diferente aparência gráfica, incluindo o tipo de letra utilizado e o elemento figurativo existente nas marcas da recorrida justificam o afastamento, em nosso entender, da indução do consumidor em erro ou confusão.
            Pelo que não ocorrerá a pretendida imitação.
                                                                       *
IV – 3 - O art. 24, nº 1-d) do CPI indica como sendo fundamento geral de recusa do registo «o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível, independentemente da sua intenção».
E o art. 317 do CPI dispõe que «constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente: a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue».
Carlos Olavo ([9]) dizia constituírem concorrência desleal «os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela». Assentaria em duas ideias fundamentais: a criação e expansão, directa ou indirectamente, de uma clientela própria e a idoneidade para reduzir ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possível.
Para, mais adiante ([10]) acentuar que o «acto de concorrência desleal é, antes de mais, um acto de concorrência, ou seja, um acto destinado à obtenção ou desenvolvimento de uma clientela própria em prejuízo de uma clientela alheia, efectiva ou potencial     ».
Pressuposto do acto de concorrência desleal será uma situação de concorrência “próxima” não se negando essa “proximidade” entre actividades económicas idênticas ou afins.
A ilicitude residirá não na finalidade do acto mas no meio utilizado – a deslealdade. No que concerne especificamente à deslealdade estarão em causa fundamentalmente princípios de correcção profissional no exercício de determinada actividade económica, sendo concorrência desleal a actuação que fira a consciência ética do empresário médio.
            Aquela alínea a) do art. 317 reporta-se aos chamados actos de confusão, sendo que neste caso aquilo que qualificará o acto como desleal é a sua aptidão ou idoneidade para a criar o risco de confusão consistindo este em apresentar os produtos ou serviços de maneira que leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente.
            Trata-se de um tipo de actuação que tem como fim provocar no espírito do consumidor a confusão entre um determinado empresário e os seus produtos (ou serviços) e outro empresário, exigindo a lei apenas a susceptibilidade de confusão e não a efectiva confusão. O critério para aferir o risco de confusão funda-se na reacção normal do consumidor médio, que não na dos peritos na especialidade nem na dos consumidores especialmente desatentos ou descuidados.
            Como salientava Carlos Olavo ([11]) «os critérios para apreciar o risco de confusão, para efeitos de concorrência desleal, não diferem dos estabelecidos para efeitos de violação do direito à marca, máxime de imitação de marca».
            Explicando, porém, Couto Gonçalves ([12]) no que concerne ao acto de confusão com um produto identificado com uma marca registada:
            «E preciso distinguir os dois planos: uma coisa é a confusão entre as marcas dos dois produtos e a relevância da propriedade industrial; outra é a confusão entre os dois produtos e a repressão da concorrência desleal.
            No primeiro caso, a apreciação limita-se ao quadro legal do direito de marcas e à verificação dos requisitos, e só esses, previstos no art. 245º nº 1 (prioridade da marca registada; identidade ou afinidade dos produtos; semelhança entre os sinais). Nada mais.
            No segundo caso, a apreciação tem de ser mais ampla: para haver um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário, ainda, que á usurpação de marca registada (o que implica um uso típico dos sinais) se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal)».
            Neste contexto, tendo em conta o que supra foi referido, teremos de concluir não estar caracterizada nos autos uma situação de concorrência desleal com uma actuação da recorrida apta ou idónea para criar o aludido risco de confusão.
            Pelo que, também nos termos do art. 24, nº 1-d) do CPI, não se impunha a recusa do registo.
                                                                       *
            V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida.
            Custas pelo apelante.
                                                                       *
           
Lisboa, 31 de Janeiro de 2013

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
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[1]              Couto Gonçalves em «Manual de Direito Industrial» desenvolve uma noção mais ampla da função distintiva da marca que redefine nos seguintes termos: «A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso de transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso».
[2]              Carlos Olavo, obra citada, pag. 108.
[3]              Carlos Olavo, «Propriedade Industrial», vol. I, pag. 104.
[4]              Carlos Olavo, obra e local citados.
[5]              Couto Gonçalves, obra citada, pag. 234.
[6]              Couto Gonçalves, obra citada, pag. 233.
[7]              Carlos Olavo, obra citada, pag. 102.
[8]              Em paralelo com o que sucede com as designações “Supercor”e “Hipercor”.
[9]              «Propriedade Industrial», pag. 252.
[10]             Pag. 259.
[11]             Obra citada, pag. 274.
[12]             Obra citada, pags. 250-251.