Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15/11.3PEALM-B.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: RECUSA DE JUÍZ
MEDIDAS DE COACÇÃO
PERIGOSIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECUSA DE JUIZ
Decisão: INFEFERIDA
Sumário: I - Os Juízes julgam a vida.
II - Sobre a eventual perigosidade do arguido é a própria lei que a estabelece em função do tipo de crime e a personalidade evidenciada nesse tipo de ilícito — vd art.° 204 alínea c) do C.P.Penal.
III- É revelador de uma "personalidade perigosa", que o arguido sem "provocação" da filha, a tivesse atingido com uma arma de fogo a curta distância e que fez com que ficasse paraplégica, podendo ter morrido, só porque esta última apenas decidira ter uma relação amorosa com que o progenitor não concordava, nomeadamente por ser de "uma extracção social mais baixa"
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

- No proc.° n.° 15/11.3PEALM-B do 1.º Juízo de Competência Criminal de Almada, foi suscitado o "Incidente de Suspeição de Juiz" titular do processo pelo arguido A..., nos seguintes termos:

"1° No douto despacho proferido no dia 10 de abril de 2013, foi determinado que a competência para um novo julgamento continua a pertencer ao 1° Juízo Criminal da Comarca de Almada, sendo o juiz titular deste juízo quem continuará a tramitar este processo.
2° Mais foi determinado que só quando for efetuado um novo julgamento, estará o referido magistrado impedido de nele participar.
3° Na génese do presente processo existe uma decisão proferida pelo 1° Juízo Criminal de Almada, que condenou o Arguido na pena de 17 anos de prisão efetiva.
4° Dessa decisão foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

5° Tal decisão veio a ser anulada e a ser ordenada a repetição do julgamento.

6° A Mma juiz titular do 1° Juízo Criminal fez parte do coletivo cuja decisão foi anulada.
7° Até aqui não se suscitariam dúvidas de maior na manutenção da referida magistrada na gestão processual até novo julgamento.
8° Sendo certo que não se questiona a competência nem a idoneidade da referida magistrada, merecendo esta todo o respeito e consideração por parte do Arguido e do se Mandatário.
9° No entanto, a matéria que esteve em discussão no processo prende-se com a diferença substancial na interpretação dos factos.

10° Pois o coletivo que efetuou o julgamento que veio a ser anulado deu como provado que o Arguido agiu com frieza, crueldade e possui uma personalidade com sinais de perigosidade entre outros fatores de índole psicológica.

11° Contrariamente ao defendido pelo Arguido que juntou aos autos relatórios médicos da psiquiatra e da psicóloga do Estabelecimento Prisional que comprovam que o Arguido tinha à data dos factos a sua capacidade decisória substancialmente reduzida.

12° Sofrendo de uma depressão major que em bom entendimento destas Clínicas lhe diminuía a culpa.

13° O coletivo do qual fazia parte a meritíssima juiz entendeu por bem passar por cima de tais relatórios médicos e determinar que o Arguido seria a tal pessoa perigosa, fria, calculista ou invés de unia pessoa que há data se encontrava doente e com a capacidade e consequente culpa substancialmente diminuída.

14° O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que existia contradição insanável no acórdão em recurso, pois o Tribunal "A Quo" não tinha sequer analisado a questão dos exames médicos e ordenou a repetição do julgamento.

15° À partida a meritíssima juiz do processo tomou posição nesse acórdão pela culpabilidade do Arguido e contribuiu para a condenação do mesmo para uma pena de 17 anos de prisão efetiva.

16° Ainda até aqui poderia não merecer reparo do Arguido a manutenção da meritíssima juiz titular do processo.

17° Porém por despacho datado de 11 de abril de 2013, a meritíssima juiz determinou a medida de coação a aplicar ao Arguido.

18° De facto o Ministério Público havia requerido que após o terminus do período máximo de prisão preventiva o Arguido fosse submetido à medida de apresentação diária no posto policial.

19° Insurgindo-se contra essa medida o Arguido, veio requerer a aplicação do termo de identidade e residência ou no máximo a apresentação semanal no posto policial.

20° Aqui sim começa a tomar forma a impossibilidade de manutenção da meritíssima juiz titular na condução do processo.

21° Pois no despacho que aplicou a medida de coação veio transcrever para o mesmo, a tese da perigosidade do Arguido.

22° Senão vejamos o supra referido despacho no qual é transcrito o seguinte:

a) "...só porque não concordava que a filha namorasse com determinada pessoa, tenha tentado resolver a situação a tiro, atentando contra a vida da própria filha, só não a matando por mero acaso e porque foi socorrida atempadamente por uns vizinhos."

b) "...personalidade com sinais de perigosidade..."

c) "O arguido considerou que os seus caprichos (não querer que a filha namorasse com determinada pessoa) estavam muito acima da vida de uma jovem. E, sobre ela, disparou."
23° Sendo tais factos o suporte da decisão proferida quanto à aplicação da medida de coacção de apresentação do arguido no posto policial (3) três vezes por semana e ainda a obrigatoriedade de não permanecer nos concelhos de Almada e Montijo.
24° Medida excessivamente gravosa para uma pessoa que se encontra doente e que necessitará mais de apoio em consultas médicas do que apresentações no posto policial.
25° O acima exposto mais não é do que a extração de juízos de valor vertido no acórdão revogado.

26° Pelo que tendo a meritíssima juiz intervindo na mesma e encontrando-se na qualidade de titular do processo, a lavrar um despacho do qual, resulta o acima exposto, ou seja a tese defendida no acórdão revogado, demonstra não reunir no presente caso as condições de isenção, imparcialidade exigidas a um julgador.
27° Não quer de forma alguma o Arguido dizer que a meritíssima juiz não tenha essa capacidade, que a tem por provas já dadas noutros processos.

28° No caso vertente, porém face ao envolvimento que teve no julgamento e na prolação do despacho anulado, e atendendo aos indícios resultantes ao primeiro despacho transcritos para o presente despacho, indicia, se não comprova a inexistência dessa isenção e imparcialidade exigida para o caso vertente.

29° Por outro lado tendo aparecido uma denúncia anónima no processo cuja finalidade vingativa foi demonstrada pelo Arguido no requerimento que fez aos autos, tal não constitui por si só um sinal de perigo.
30° Pois tal denúncia é tão inverosímil porquanto o Arguido se havia antes prontificado a permanecer em prisão domiciliária para além do prazo de prisão preventiva.

31.° Ora se alguém se prontifica voluntariamente para uma medida desta natureza, nunca poderá ter em mente a prática dos factos constantes da denúncia anónima que refere que o Arguido terá dito "Iria acertar contas com a Diana e com a mãe, acabar o que começou."

32° Tal denúncia face ao que anteriormente ficou dito sobre o Arguido se ter prontificado a permanecer sob medida de coação de prisão domiciliária é ridícula.
33° Por tal motivo nunca esse fundamento podia constituir motivo para a aplicação da medida de coação fixada.
34° No entanto o que está aqui em discussão não é a medida de coação que terá o seu tratamento autonomamente, mas as motivações que levaram à sua fixação e que indiciam a inexistência no caso vertente das condições de isenção e imparcialidade exigidas ao juiz titular do processo.

35° Atenta à proximidade da mesma com a tese que teve vencimento no acórdão revogado.
36° Sendo certo que o Arguido terá no caso vertente até à realização do Julgamento que ver os Requerimentos que apresentar no processo despachados por quem já tem uma ideia preconcebida a seu respeito.

37° De o Arguido é detentor de uma personalidade com sinais de perigosidade e perfilhando em bom rigor a tese vertida no acórdão anulado.

38° Conforme resulta claramente do despacho acima referido.

NESTES TERMOS

E nos demais de direito requer-se a V. Exa se digne, após ter dado observância ao disposto no art° 129, n° 1 do CPC, aplicável ao processo penal, receber o presente incidente, julgando-o procedente por provado, sendo consequentemente nomeado novo juiz para tramitar o processo até julgamento, escolhendo-se de entre os meritíssimos juízes que não fizeram parte do coletivo, cuja decisão foi revogada.

Considerando-se Nulos todos os actos que vierem a ser praticados entretanto pela Mma Juiz titular do processo.

II— Despachos do Senhor Juiz visado.

Despacho de 19-04-2013
De acordo com o disposto no artigo 45.°, n°3 do CPP, cumpre ao signatário, na qualidade de juiz visado, pronunciar-se, o que faz nos seguintes termos:

Afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que os motivos invocados pelo arguido não constituem fundamento legal para a recusa do ora signatário, tendo em conta o disposto no art. 43.° do Cód. Proc. Penal.
Com efeito, no âmbito da jurisdição penal, o legislador constitucional consagrou o princípio do "juiz natural" corno garantia dos direitos dos arguidos (artigo 32.°, n.° 9, da Constituição da República). Assim, deve intervir no processo o juiz determinado pelas regras de competência legalmente pré-estabelecidas sem possibilidade de manipulação casuística.

No entanto, as consequências de tal princípio podem ser afastadas quando entrem em conflito com um outro princípio, o princípio da imparcialidade do juiz, também considerado um direito fundamental à luz do artigo 8.°, §12, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Na apreciação do risco de imparcialidade do juiz, há que considerar que esta se reveste de uma vertente subjectiva (relativa à convicção íntima do juiz), mas também de uma vertente objectiva (relativa à aparência externa e à consequente confiança nessa imparcialidade por parte da comunidade em geral).
Ora, é o próprio arguido quem diz que não questiona a idoneidade do Magistrado visado e titular deste juízo.
O desacordo do arguido é apenas quanto às medidas de coacção que lhe foram aplicadas, bem como da respectiva fundamentação.
Afigura-se-nos que o incidente de recusa não serve para tal. Para tal, servem os recursos. E não pode, salvo o devido respeito, alegar-se a falta de imparcialidade e isenção do juiz pelo facto de não ter sido seguida uma determinada posição sustentada pelo arguido.
Assim, parece-nos que estamos perante meras discordâncias jurídicas e, como tal, também só poderão ser resolvida através dos meios de impugnação previstos na lei. E não, obviamente, através do incidente da recusa. Este não serve, nem pode ser utilizado, para fins diferentes daqueles para que foi criado. De outra forma, estar-se-ia a subverter o princípio do juiz natural, ao sabor das conveniências ou das "simpatias" dos sujeitos processuais com todos os riscos e consequências nefastas que daí inevitavelmente adviriam para a boa administração da justiça.
Na aplicação das medidas de coacção, e como não podia deixar de ser, decidimos com toda a imparcialidade e isenção.
Ponderamos, antes de decidir, e porque integramos o Colectivo, se a situação se poderia enquadrar em alguma das alíneas do art. 40.° do Cód. Proc. Penal.
Porém, decidimos na convicção de inexistir qualquer impedimento legal, por se nos afigurar que a situação não se enquadra no citado art. 40.°, e também por inexistir qualquer motivo para gerar a desconfiança sobre a imparcialidade do signatário, que nem sequer conhece o arguido.
Concluindo, como o arguido reconhece não questiona a idoneidade do juiz visado e, do seu requerimento de incidente de recusa retira-se que a sua discordância é apenas relativamente às medidas de coacção que lhe foram aplicadas e respectiva fundamentação. Por outro lado, o juiz visado entendeu, após estudo do caso concreto, que pelo facto de ter integrado o anterior colectivo, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa reenviado o processo para novo julgamento, não estava impedido de aplicar ao arguido a medida de coacção prevista no art. 200Y do Cód. Proc. Penal, por a situação, salvo melhor entendimento, não se enquadrar em nenhuma das situações taxativamente previstas no art. 40.° do CPP.

Concluindo, como o arguido reconhece não questiona a idoneidade do juiz visado e, do seu requerimento de incidente de recusa retira-se que a sua discordância é apenas relativamente às medidas de coacção que lhe foram aplicadas e respectiva fundamentação. Por outro lado, o juiz visado entendeu, após estudo do caso concreto, que pelo facto de ter integrado o anterior colectivo, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa reenviado o processo para novo julgamento, não estava impedido de aplicar ao arguido a medida de coacção prevista no art. 200.° do Cód. Proc. Penal, por a situação, salvo melhor entendimento, não se enquadrar em nenhuma das situações taxativamente previstas no art. 40.° do CPP.

Na verdade, não se desconhece que a estrutura acusatória do processo penal - ne procedat iudex ex officio - do mesmo passo que significa o reconhecimento do arguido como sujeito processual a quem é garantida efectiva liberdade de actuação para exercer a sua defesa (através do processo justo/processo devido: due process...) face à acusação que fixa o objecto do processo (princípio da vinculação temática), postula também, por força da separação dela decorrente entre as funções de acusação e julgamento, uma garantia da independência e da imparcialidade do julgador.
Dando corpo ao justificado receio de que a objectividade do julgamento possa ser posta em causa tendo o juiz intervindo em fase anterior do processo, plasmou o legislador os casos-limite de impedimento por participação em processo no já referido artigo 40.° da lei penal adjectiva, onde não se prevê que o juiz que tenha participado em anterior julgamento, que tenha sido mandado repetir pelo Tribunal superior, fica depois impedido de aplicar ao arguido nesse processo a medida de coacção prevista no art. 200.° do CPP.

Despacho judicial de 10-04-2013
Seguindo aqui o entendimento perfilhado nos Acs. da RL de 27/06/2008, processo n.° 4089/2.08-5, cujo relator foi o Dr. Pulido Garcia e RP de 22/04/2009, processo ri.° 106/05.0 PGPRT.P1, cujo relator foi o Dr. Baião Papão, estes autos deverão continuar a ser tramitados pelo 1.° Juízo Criminal deste Tribunal onde foram inicialmente distribuídos, o qual mantém, por isso, a sua competência.

Com efeito, quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo de disposto no artigo 40.°, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida. Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição - art. 426.°-A, do Cód. Proc. Penal.
Da leitura deste texto e daquela na versão anterior à que foi introduzida pela Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto retira-se, desde logo, que, enquanto o n.° 2 se manteve inalterado na sua redacção, o n.° 1 sofreu profunda modificação. Ali, onde a competência para o novo julgamento passava a pertencer a tribunal diferente daquele que realizara o anterior julgamento, estipula-se agora, como regra, que o novo julgamento é da competência do tribunal que tiver efectuado o anterior sem prejuízo dos juízes que tenham participado neste estarem para isso impedidos. Só no caso disso não ser possível, o tribunal competente passará a ser o que «[...] se encontra mais próximo, da categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão.»
Como se explica e consta da respectiva exposição de motivos, no atinente à nova redacção: «Nos casos de reenvio do processo admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426.°-A). Apenas se exige o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação.»

No caso dos autos, e face à anterior redacção, não haveria dúvidas de que, da conjugação do disposto nos n.° 1 e 2, do normativo em apreço, seria o competente para o novo julgamento o Tribunal que resultasse da distribuição. E isso, porque, seria o tribunal, encontrado nos termos do disposto nos termos conjugados dos n.°s 1 e 2 da norma referida. O n.° 2 era a aplicação da regra contida no n.° 1, para se encontrar o tribunal diferente, que seria competente para realizar o novo julgamento, para as hipóteses de na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o que é o caso dos juízos criminais de Almada.

E hoje, sabendo da profunda alteração do n.° 1, como conjugar o disposto nos dois números do art.° 426.°-A, do C.P.P., tendo em vista o caso dos autos?

Ora, o que está em causa nestes autos é uma questão de substituição de juízes e não de impossibilidade de o processo ser julgado no mesmo Tribunal (que deve aqui entender-se como o 1.° Juízo Criminal do Tribunal de Almada), ainda que pelos devidos juízes substitutos nos termos e para os efeitos do Art.° 426.°-A/1 do Cód. Processo Penal - cuja correcta interpretação impõe, e a salvo melhor opinião, que ainda que se verifiquem os impedimentos decorrentes do Art. 40.° do Cód. Processo penal, a competência para o novo julgamento é do Tribunal que efectuou o anterior, sendo que tais impedimentos se verificarem ( como é o caso ), essa é questão a resolver de acordo com as regras da substituição de juízes, e não com a atribuição de competência a Tribunal diverso.»

No fundo, pois o que está em causa é saber quando se deve entender para efeitos da segunda parte do n.° 1 e n.° 2, do actual art.° 426.°-A, do C.P.P., não ser possível ao tribunal que fez o anterior julgamento proceder ao novo julgamento. É que, só nesse caso o tribunal competente para a realização do novo julgamento não será o que fez o julgamento anterior. Reconhecendo-se certo grau de dificuldade interpretativa, o certo é que, tendo em conta o princípio geral de que o novo julgamento é da competência do tribunal que fez o anterior, e que, havendo impedimento dos respectivos juízes, nos termos do art.° 40.°, do C.P.P., a aplicação das normas sobre a substituição de juízes, constantes do art.° 68.°, da Lei n.° 3/99, de 13/1(Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais), sempre permitirá a constituição e funcionamento do tribunal inicialmente competente, tudo parece, pois, indicar que deve ser feita urna interpretação restritiva da expressão "...no caso de não ser possível..". A essa mesma conclusão se chegou em reunião informal realizada no Tribunal da Relação de Lisboa ( conforme dito no Ac. da Relação de Lisboa acima citado ) (transcreve-se): «Entendeu-se, sem unanimidade dos, presentes, que o segmento do n.° 1" No caso de não ser possível" só deve funcionar quando tiver desaparecido o Tribunal que procedeu ao primeiro julgamento. Exemplificando: Se um, Acórdão proferido, por exemplo pela 9.' Vara Criminal, por decisão da Relação proferida em recurso, for reenviado para novo julgamento, este é também de competência da 9.a Vara, salvo o caso de, entretanto, esta haver sido extinta: Só neste caso funciona o regime subsidiário em causa. Propendeu-se, pois, para uma interpretação restritiva daquele segmento normativo: se não é possível o julgamento pelo mesmo Tribunal, designadamente pelas regras de substituição dos Juízes eventualmente impedidos, quando se tiver extinto o órgão que procedeu ao primeiro julgamento.»

Deste modo, e salvo melhor entendimento, a competência para o novo julgamento continua a pertencer ao 1.° Juízo criminal deste Tribunal, sendo o juiz titular deste Juízo quem continuará a tramitar o processo.
Quando for efectuado o julgamento, e caso o Magistrado titular do mesmo ainda esteja neste juízo, então, como participou no julgamento anterior, estará impedido de participar no novo julgamento, por força do disposto no art. 40.°, al. c), do Cód. Proc. Penal.

No entanto, esse impedimento deverá ser ultrapassado por aplicação das normas sobre a substituição de juízes, constantes do art.° 68.°, da Lei n.° 3/99, de 13/1 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais), ou seja, o Magistrado titular deste juízo será então substituído nesse novo julgamento por quem for na altura o Magistrado titular do 2.° juízo criminal ( art. 68.°, n.° 2 ).

Assim sendo, o Magistrado titular deste 1.° Juízo criminal continua a ser competente para tramitar estes autos, apenas estando impedido de participar no novo julgamento.

Notifique e, atento o teor da decisão de fls. 991, remeta os autos ao Círculo para efeitos de agendamento, não podendo os mesmos ser remetidos a nenhum dos Exmos. Magistrados de Círculo que integraram o colectivo anterior.

Dê conhecimento do teor do presente despacho à Exma. Magistrada titular do 2.° Juízo Criminal.

III. Decidindo.

O Código de Processo Penal regula as situações em que é levantado o incidente de suspeição de juiz, a saber, no seu art.° 43.° .:

Artigo 43.° (Recusas e escusas):

1A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

2 — Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n. ° 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores cio mesmo processo fora dos casos do artigo 40.0

3 — A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.
4 — O juiz não pode declarar -se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nos 1 e 2

5 — Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao
momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça cla decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

Por seu lado estabelece-se o processo respectivo no Artigo 45.° (Processo e decisão):
1O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:

a) O tribunal imediatamente superior;
b) A secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, tratando -se de juiz a ele pertencente, decidindo aquela sem a participação do visado.
2 — Depois de apresentados o requerimento ou o pedido previstos no número anterior, o juiz visado pratica apenas os actos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência.
3 — O juiz visado pronuncia -se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.
4 — O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.
5 — O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respectivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa

6 — A decisão prevista no número anterior é irrecorrível.
7 — Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infimdado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.

Desde logo não existe causa legal de impedimento de participação em processo nos termos definidos no despacho de 10 de Abril de 2013.

Como dispõe o Artigo 40.° (Impedimento por participação em processo):

Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200. ° a 202. In Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão

anteriores;

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a firma sumaríssima por discordar da sanção proposta.
Foi proferida decisão a 10 de Julho de 2012 pelo 1° Juízo Criminal de Almada, que condenou o Arguido na pena de 17 anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, tendo integrado o colectivo o titular do processo 1° Juízo Criminal.
Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por decisão de 5 de Fevereiro de 2013, anulou aquela decisão e ordenou a repetição do julgamento, por "contradição insanável da fundamentação".

Ora, baixados os autos, o Senhor Juiz do 1° Juízo de Almada lavrou despacho em que entendeu ser competente para a tramitação dos autos mas não para a realização do julgamento, tendo disso dado conhecimento à sua Colega titular do 2° Juízo. Este despacho foi oportunamente notificado ao arguido que dele não recorreu.
O arguido levantou, agora, a questão da isenção do Senhor Juiz do 1° Juiz, com base em despacho em que aplicou ao arguido uma medida de coacção que entendeu ser severa e influenciado pelo julgamento que fez dos factos na audiência de julgamento em que participou.

Entende o arguido que "a matéria que esteve em discussão no processo prende-se com a diferença substancial na interpretação dos factos já que o colectivo em que participou e cuja decisão veio a ser anulada deu como provado que o Arguido agiu com frieza, crueldade e possui uma personalidade com sinais de perigosidade entre outros factores de índole psicológica".

Assim, e considerando que " não se questiona a competência nem a idoneidade do referido magistrado, merecendo esta todo o respeito e consideração por parte do Arguido e do seu Mandatário, o mesmo juiz não se encontra em condições de efectuar uma ponderação adequada e isenta das medidas de coacção a aplicar ao arguido".

Vejamos.
Não se verifica, como se disse acima, causa legal de impedimento para que o senhor Juiz possa despachar o processo e ainda arbitrar medida de coacção ao arguido, nos termos da alínea c) do art° 40.° do CPP.
O arguido está actualmente em liberdade por efeito do esgotamento do tempo de duração da medida de coacção de prisão preventiva a que esteve sujeito, sendo que a aplicação daquela medida indica bem da avaliação dos factos em sede de inquérito.
Quando o arguido diz que o magistrado judicial que arbitrou a medida de coacção tem uma ideia pré-concebida acerca da sua perigosidade resultante do julgamento em que participou e que fez que tivesse um juízo de perigosidade do mesmo, sempre diremos que os factos de que vem acusado falam por si.
Aí consta que o arguido disparou 4 tiros de arma de fogo a curta distância (cerca de um metro) da sua filha, atingido-a 3, tendo por base a discordância da escolha afectiva desta última, tendo resultado que tivesse ficado paraplégica.
O arguido diz que os considerandos a seguir indicados pelo Juiz revelam falta de distanciamento e isenção:

a) "...só porque não concordava que a filha namorasse com determinada pessoa, tenha tentado resolver a situação a tiro, atentando contra a vida da própria ,filha, só não a matando por mero acaso e porque foi socorrida atempadamente por uns vizinhos."

h) "...personalidade com sinais de perigosidade..."
c) "O arguido considerou que os seus caprichos (não querer que a filha namorasse com determinada pessoa) estavam muito acima da vida de unia jovem. E, sobre ela, disparou."

Sobre a eventual perigosidade do arguido é a própria lei que a estabelece em função do tipo de crime e a personalidade evidenciada nesse tipo de ilícito — vd art.° 204 alínea c) do C.P.Penal.

Os Juízes julgam a vida.

Será que alguém pode duvidar que não é revelador de uma "personalidade perigosa", que o arguido sem "provocação" da filha, a tivesse atingido com uma arma de fogo a curta distância e que fez com que ficasse paraplégica, podendo ter morrido, só porque esta última apenas decidira ter uma relação amorosa com que o progenitor não concordava, nomeadamente por ser de "uma extracção social mais baixa"?

Não só não existe qualquer impedimento legal que o Sr. Juiz do Processo continue a despachar o processo em termos da sua tramitação normal bem como de fixar / alterar medida de coacção, com excepção da intervenção no julgamento, nada existindo no sentido de que se possa suspeitar da sua imparcialidade.
Não se olvide que consta no primeiro despacho judicial que arbitrou a medida de prisão preventiva do arguido que este "atentou contra a vida da sua própria filha e após disparar sobre a mesma, não lhe prestou assistência, deixando-a esvair-se em sangue".
Sempre diremos ainda que, discordando o arguido da medida de coacção fixada, poderá sempre dela recorrer nos termos legais.

IV — Pelo exposto, indefere-se a requerida suspeição do Senhor Juiz do 1.0 Juízo de Competência Criminal de Almada.

Custas do incidente pelo arguido, sendo de 4UC a taxa de justiça.

(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.° 94 n.º 2 do C. P. Penal)

Lisboa, 23 de Maio de 2013 

 (Fernando Estrela)

(Guilherme Castanheira)