Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
590/16.6PSLSB-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-Para efeitos de reconhecimento do autor do crime, determina a lei que sejam chamadas «pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar».
II-Lavrados os respectivos autos de reconhecimento em conformidade com o disposto no art. 147.º, n.º 2, do CPP e resultando dos mesmos, após junção ao respectivo processo, que foram assinados pela ilustre defensora do arguido, que esteve presente na diligência efectuada sem que tenha sido suscitada, na altura, qualquer objecção quanto à regularidade desta, terá de concluir-se que foram observadas as formalidades exigidas no citado normativo.
III-A referência a semelhanças “possíveis”, significa apenas que as pessoas colocadas juntamente com o suspeito devem apresentar algumas semelhanças físicas com este, de molde a garantir que o escolhido ou identificado - se o houver - corresponda ao verdadeiro autor dos factos. Para isso, terá a pessoa que faz o reconhecimento de estar verdadeiramente consciente da responsabilidade do acto, só devendo apontar o dedo quando está de facto convencido, com base nas características que reteve do autor do crime, que este está entre as pessoas a identificar e é a pessoa que concretamente identifica. Caso contrário, terá de dizer claramente que não reconhece o autor dos factos entre os presentes, ou, tendo dúvidas, deverá manifestá-las e tal menção deverá constar do auto respectivo.
IV-Caso no decurso da diligência de reconhecimento seja cometida qualquer irregularidade, ou se for detectada alguma desconformidade no respectivo auto, terá a mesma de ser suscitada de imediato, no próprio acto, sob pena de ficar sanada (art. 123.º, do CPP).
V-Depois de realizada a diligência, toda e qualquer discrepância que seja invocada, entre a exigência legal e o que na realidade aconteceu, terá de ser provada. Não basta alegar que as coisas se passaram de forma diferente do que relata o auto da diligência. É preciso demonstrar o que se alega. Aquele auto deve dar a conhecer o que realmente se passou e, se foi lavrado com determinado conteúdo e assinado pelos intervenientes no acto, é porque estes aceitaram que as coisas se passaram como nele se descreve.
VI-O reconhecimento presencial constitui meio de prova, a valorar com os demais que existam nos autos – pericial, documental, testemunhal -, quer para efeitos de apreciação dos indícios, de dedução da acusação ou em julgamento.
VII-A impugnação da validade daquele meio de prova exige que se produza prova em sentido contrário. O recorrente só conseguirá abalar o reconhecimento efectuado se demonstrar, como alega, que, apesar do conteúdo do auto, não foi cumprida uma formalidade essencial: “as pessoas colocadas ao lado do arguido não apresentavam com este qualquer semelhança”. Todavia, só lhe será possível fazer tal demonstração quando puder exercer o contraditório, seja em instrução, seja em julgamento, nunca na fase de inquérito. Muito menos em sede de recurso, o qual não admite a produção de prova suplementar de quaisquer factos, estando o tribunal de recurso vinculado a decidir em função do que existia nos autos no momento em que foi proferida a decisão recorrida, que aplicou a medida de coacção.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


1.Após primeiro interrogatório judicial de arguido detido (art. 141.º, do CPP) e na sequência de promoção do Ministério Público nesse sentido, a Mm.ª Juíza de Instrução - da 1.ª Secção de Instrução Criminal (J4) da Instância Central e Comarca de Lisboa - determinou que o arguido J. ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.

2.O arguido, inconformado com tal decisão, interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1º-A prisão preventiva aplicada ao recorrente, nos termos do disposto no art. 202, n° 1 alínea a) do C.P.P., é ilegal por inexistência de fortes indícios da prática por este, dos oito crimes de roubo agravado que lhe são imputados. O tribunal aplicou a prisão preventiva sustentando a indiciação em prova proibida, e sem que estivessem reunidos os requisitos do art. 202, n° 1 alínea a) do C.P.P. pois não existem, contrariamente ao afirmado, fortes indícios de que tenha sido o recorrente o autor dos fatos.
2º-O Tribunal recorrido fundamentou a aplicação da medida de coação, por um lado na forte indiciação que refere resulta das imagens de videovigilância conjugadas com os depoimentos dos ofendidos e os autos de reconhecimento pessoal, bem como a apreensão do vestuário usado pelo arguido no dia dos fatos, e nos perigos que se evidenciam do fato de não ter profissão remunerada, ter sido já julgado e condenado pela prática de um crime de idêntica natureza em pena de prisão efetiva, de ter confessado ter comprado um medicamento Tramal retard - (que lhe era também prescrito no E.P.) quando se encontrava em liberdade condicional, sendo a abstinência um dos deveres a que está sujeito no âmbito da sua colocação em Liberdade condicional no processo 6851/10.OTXLSB-A.
3º-Na ausência de indícios diretos de que foi o recorrente o autor dos fatos investigados nos NUIPCS 496/16.9PTLSB, 339/16.3PZLSB, 28/16.9PJLRS, 988/16.OPYLSB, 145/16.5PILRS, 175/16.7PBLRS onde foram visualizadas imagens de videovigilância e inquiridas testemunhas que não identificam e reconhecem qualquer suspeito - não é válido substituir em termos factuais a exigência de fortes indícios art. 202º nº 1 do C.P.P pela suposição de uma situação de toxicodependência motivadora dos ilícitos anteriores e eventualmente atuais e caracterizá-la como de fortes indícios, nos termos e para os efeitos do art. 202, nº 1 do C.P.P. e para suporte da afirmação posterior de que existe perigo em razão da personalidade do arguido de continuação da atividade criminosa, nos termos do art. 204 alínea c) do C.P.P., mormente porque à altura em que foi realizado o interrogatório não existiam nos autos elementos sobre o estado de dependência do recorrente - o que foi ordenado nesse ato, já efetuado com resultados negativos.
4º-Os três autos de reconhecimento pessoal realizados, pelas testemunhas A.S., C.S. e I.C. constantes fls. 195 a 200 dos autos, são nulos nos termos do art. 147, nº 7 do C.P.P porque realizados com preterição das formalidades previstas no nº 2 desse artigo.
5º-Esta norma dispõe que "nas situações em que a identificação não for cabal - entendendo-se cabal aquela que satisfaça o critério probatório da fase processual em tenha lugar, nesta fase a dos indícios suficientes (Paulo Pinto de Albuquerque in Código de Processo Penal Anotado à Luz da CRP e da CEDH 4ª Edição Atualizada, anotação 6ª ao art. 147º, a pag. 423 - que deva ser feita quando chamando-se duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar, esta, colocada ao lado delas deve apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento".
6º-Nesses reconhecimentos o arguido foi colocado ao lado de J. D. e A.F. ambos agentes da PSP com características físicas diferentes, de tom de pele, cor de olhos, idade e fisionomia, e que no momento do reconhecimento envergavam peças de roupa diferentes (inclusive na cor, trajando roupas de cor azul e beje), sendo visível no momento do primeiro interrogatório para o MP, para o defensor e para o Mto. JIC que o arguido se apresentava (detido desde o dia anterior) de camisola vermelha, que usava desde o momento da detenção, sendo que uma das testemunhas (I. C. que reconheceu positivamente o recorrente tinha anteriormente feito um reconhecimento fotográfico atípico, como a própria reconhece no auto de inquirição de testemunha de 21 de abril de 2016, em reconhecimento de fls. 144 dos autos, "posteriormente foi confrontada com imagens recolhidas pelo sistema de vídeo vigilância apresentadas pelo Dr. Bruno onde compararam o indíviduo que atendeu dias antes a comprar o Tramal com o suspeito que efetuou o roubo" que como é sabido influencia necessariamente o reconhecimento pessoal com vista a identificar o autor do ilícito "Commitment effect" na doutrina anglo saxónica.
7º-Na ausência, de prova válida e de indícios diretos de que foi o recorrente o autor dos fatos investigados nos NUIPCS 496/16.9PTI.SB, 339/16.3PZLSB, 28/16.9PJLRS, 988/16.OPYLSB, 145/16.5PILRS, 175/16.7PBLRS onde apenas foram visualizadas imagens de videovigilância e inquiridas testemunhas que não identificam qualquer suspeito - não é válido substituir em termos factuais a exigência de fortes indícios art. 202º nº1 do C.P.P pela suposição de uma situação de toxicodependência motivadora dos ilícitos anteriores e eventualmente atuais e caracterizá-la como de fortes indícios, nos termos e para os efeitos dessa norma bem como para a confirmação posterior de que existe perigo em razão da personalidade do arguido de continuação da atividade criminosa, mormente porque à altura em que foi realizado o interrogatório não existiam nos autos elementos sobre o estado de dependência do recorrente - o que foi ordenado nesse ato, já efetuado e com resultados negativos.
8º-Quanto aos demais meios de prova, como por exemplo a apreensão de vestuário usado pelo arguido no dia dos fatos nenhum elemento foi indicado na descrição dos fatos comunicados, nenhum reconhecimento de objetos foi mencionado, com resultado positivo, para que se possa considerar comunicada nos termos e para os efeitos do art. 194, n° 7, do C.P.P. matéria de fato ilícita deles resultante, ou que os mesmos sirvam de suporte probatório quer para a indiciação da pratica dos crimes de roubo, quer para a existência de perigo de continuação da atividade criminosa, nos termos da alínea c) do art. 204 do C.P.P., como um perigo atual e existente que resulte dos autos, para além das ilações que se retiram da mencionada condenação anterior e da suspeita de toxicodependência motivadora dos roubos.
9º-O que tem de se invocar desde já, é que o recorrente em algumas das datas indicadas nos fatos comunicados encontrava-se a prestar trabalho contratado, para pessoas determinadas que poderão no decurso do inquérito indicar os locais e as horas precisas em que o mesmo trabalhou na construção e reabilitação urbana em Loures e em Cascais. Saiu em liberdade com motivações diferentes para a vida que não a reincidência nos roubos que o levaram à prisão no passado, não obstante ter afirmado espontaneamente ao tribunal recorrido ter consumido por uma vez drogas em momento anterior à sua saída do E.P. em L.C., fê-lo na plena consciência de que não seria por isso que uma vez em liberdade iria reincidir na pratica de crimes de roubo.
10º-Por tudo isso e porque foi ordenada a realização imediata a exame pericial para despiste da toxicodependência nos termos do art. 154, n° 3 do C.P.P. tendo este exame sido já realizado e dado um resultado negativo para drogas das tabelas IA, IB e IC, a sua junção ao apenso de recurso é requerida para que o Tribunal superior afira da inexistência dos fundamentos dos perigos que se julgavam erradamente existir à data da aplicação da medida.
11º-Inexístem motivos de fato e de direito para manter a prisão preventiva aplicada ao recorrente, o despacho recorrido deve ser revogado, nulo na parte que indeferiu a arguição de nulidade dos reconhecimentos, devem os mesmos ser considerados prova proibida e ser imediatamente revogada a prisão preventiva do recorrente.

3.-Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:

1.Nestes autos existem fortes Indícios de que J. praticou oito crimes de roubo (agravado), previstos e punidos pelo artigo 210.°, n° 1 e 2, al. b) do Código Penal com referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2, al. f) do mesmo código.
2.Os fortes indícios resultam da análise conjugada de toda a prova recolhida no inquérito, com base nas regras da experiência, da normalidade, da lógica e da natureza.
3.O arguido invoca a inexistência desses fortes indícios, mas não aponta qualquer vício ao raciocínio efectuado pelo Tribunal Recorrido na apreciação da prova recolhida nem invoca qualquer circunstância que não tenha sido analisada e tomada em consideração por aquele tribunal ou que devesse ter sido por ele valorada em sentido diverso.
4.De entre a prova recolhida encontram-se três reconhecimentos pessoais positivos efectuados pelas ofendidas A.S., C.F. e I.C..
5.Esses reconhecimentos foram realizados com estrita observância do formalismo imposto pelo artigo 147 ° do Código de Processo Penal.
6.A ausência das maiores semelhanças possíveis entre o arguido e os figurantes da linha de reconhecimento que o arguido invoca para concluir pela nulidade ou, em bom rigor, pela ausência de valor dos reconhecimentos pessoais efectuados não se verifica.
7.A exigência da existência das maiores semelhanças possíveis entre os participantes no reconhecimento visa garantir, por um lado, que entre eles não existam assimetrias acentuadas, mormente em razão do género, da raça e mesmo da sua aparência externa, como seja em relação ao vestuário, que viciem esse reconhecimento presencial.
8.E visa garantir, por outro lado, que não sejam criadas ou induzidas circunstâncias, tanto no início como no decurso desse reconhecimento, que possam falsear essa identificação individual.
9.A exigência das "maiores semelhanças possíveis", respeita àqueles traços que permitem uma maior correspondência em razão do género, da raça, da compleição ou do estrutura física, como também do vestuário, e que sejam naturalmente exequíveis."
10.Nos reconhecimentos postos em causa existe a exigida correspondência de género e raça, o que é desde logo admitido pelo arguido.
11.A ausência de semelhanças na fisionomia e na morfologia dos intervenientes, invocadas de modo genérico pelo arguido J. como diferenças de tom de pele, cor de olhos e idade não especificadas, não se encontra concretizada de modo a permitir a formulação de qualquer juízo sobre as mesmas, ademais porque as mesmas também não resultam dos autos.
12.Por um lado, porque não se encontram juntas ao processo quaisquer fotografias dos figurantes, já que os mesmos, em exercício de direito que lhes é atribuído, não consentiram nessa junção.
13.Por outro lado, porque dos autos de reconhecimento lavrados consta que entre todos existiam semelhanças significativas, inclusive de vestuário.
14.De resto, com excepção da idade aparente - que as ofendidas situaram, num intervalo de 10 anos, entre os trinta e os quarenta - nenhuma das demais características apontadas pelo arguido J. COMO diferenças relevantes foi descrita pelas ofendidas ou por estas indicada como distintiva da pessoa do arguido.
15.Com efeito, nos reconhecimentos por descrição efectuados, nenhuma das ofendidas fez menção a um qualquer tom de pele diferenciador de pessoas de raça branca, nem tão pouco à cor dos olhos do suspeito, tendo mesmo uma delas afirmado que aquele usava óculos de sol escuros.
16.Acresce que os autos de reconhecimento lavrados importa foram assinados, sem ressalva, pela Ilustre defensora do arguido J., que tendo assistido aos reconhecimentos, neles após a sua assinatura, concordando com o seu teor.
17.E, de resto, pese embora o arguido J. não tenha assinado tais autos, importa sublinhar que o mesmo não colaborou por qualquer modo com a investigação, tendo­-se recusado também a realizar teste de despiste da toxicodependência, pelo que, da sua recusa em assinar os autos de reconhecimento não resulta qualquer desacordo expresso ou tácito com o seu teor.
18.As alegadas diferenças de vestuário entre o arguido e os figurantes - respeitantes à sua cor - também não inquina os reconhecimentos pessoais efectuados de qualquer vício já que, em nenhum dos ilícitos registados nas imagens de videovigilância das farmácias, o arguido J. surge vestido de vermelho, como invoca ter estado no acto de reconhecimento pessoal, mal se compreendendo por isso, que a cor do vestuário fosse susceptível de condicionar ou determinar os reconhecimentos efectuados.
19.Verifica-se, pois, que nos reconhecimentos pessoais realizados foram respeitadas todas as formalidades exigidas, designadamente no que respeita à existência das "maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário" entre o arguido e os figurantes.
20.No que respeita especificamente ao reconhecimento do arguido J. efectuado pela ofendida I.C. importa ainda ter presente que logo após os factos, ao visualizar as imagens do sistema de videovigilância da farmácia onde trabalha, a referida ofendida reconheceu o ali retratado autor crime como sendo a mesma pessoa que lá estivera dias antes a efectuar a compra do medicamento Tramal, o que também ficou registado naquele sistema.
21.Ora, o que sucedeu concretamente com a ofendida I.C. foi que o estabelecimento daquela identidade se deu pela mera visualização de imagens do suspeito, de modo espontâneo e sem qualquer predeterminação ou condicionamento externo.
22.Acresce que a forte indiciação existente contra o arguido não resulta apenas de tais reconhecimentos pessoais mas de toda a prova recolhida na sua globalidade, mediante um juízo de normalidade das coisas e deduzindo dos factos conhecidos os factos desconhecidos que não são ou não podem ser objecto de prova directa, mas que nem por isso se deverão considerar sem mais como não indiciados.
23.Os crimes fortemente indiciados são geradores de uma elevada intranquilidade social por força da frequência com que ocorrem, da violência dos meios empregues pelos seus autores e da escolha aleatória de vítimas, com as quais os agentes não possuem quaisquer ligações anteriores.
24.Acresce que, sabendo antecipadamente que as vítimas não oferecem qualquer tipo de resistência, pois que são surpreendidas e confrontadas pela sua superioridade física e pela supremacia das suas armas, os autores deste tipo de crimes tendam a persistir na sua prática, já que conseguem, através deles, obter proveitos financeiros que lhes permitem manter o seu estilo de vida.
25.O arguido J. possui um extenso passado criminal pela prática de crimes de furto, consumo de estupefaciente, detenção de arma proibida, furto qualificado e roubo, incluindo roubo em farmácias, tendo sido já condenado em penas de prisão efectiva (cfr. certificado do registo criminal de fls. 47 a 56).
26.À data da prática dos factos, o arguido J. encontrava-se em liberdade condicional, que lhe foi concedida em 26 de Fevereiro de 2016, no âmbito do processo 6851 /10.OTXLSB-A, com termo previsto em 15 de Março de 2020 (cfr. fls. 56).
27.Apesar disso, o arguido J. não se coibiu de, apenas três dias depois da sua libertação ter dado inicio à prática da sequência dos oito crimes de roubo fortemente indiciados, no lapso temporal de um mês e meio.
28.O comportamento do arguido J. é grave, violento e reiterado e as condenações anteriormente sofridas não foram suficientes para o afastar da prática de novos ilícitos criminais de natureza especialmente violenta.
29.Verifica-se, assim, em concreto um elevado perigo de continuação da actividade criminosa.
30.A medida de coacção de prisão preventiva é a única que se mostra suficiente, sendo também necessária e proporcional a acautelar tal perigo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, e consequentemente, ser mantida, na íntegra, a douta decisão que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido J..

4.-Subidos os autos, neste Tribunal o Sr. Procurador-Geral Adjunto pugna igualmente «pela improcedência do recurso e a subsequente manutenção do decidido», acompanhando os fundamentos da resposta do MP em primeira instância.

5.-Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais disse o recorrente.

6.-Efectuado o exame preliminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
***

II.FUNDAMENTAÇÃO:

1–Perante as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação - as quais, segundo o entendimento unânime nos nossos Tribunais Superiores, delimitam e fixam o objecto do recurso -, aquele questiona que estejam verificados os requisitos previstos no art. 202.º, n.º 1 al. a), do CPP, porquanto, do seu ponto de vista, inexistem nos autos fortes indícios de que tenha cometido os oito crimes de roubo agravados, que lhe são imputados, sendo que, os três reconhecimentos pessoais, cujos autos constam de fls. 195 a 200, são nulos, por não terem sido observadas as respectivas formalidades, conforme prescreve o art. 147.º, n.ºs 2 e 7, do CPP, sendo, por isso, proibida a respectiva valoração, como meio de prova.

2–A factualidade imputada, relativamente à qual se considerou haver “fortes indícios” de ter sido levada a cabo pelo arguido, é a seguinte (transcrição do conteúdo do respectivo despacho):

«Os factos são os sequintes:

NUIPC 145116.5PILRS.
No dia 29 de Fevereiro de 2016, por volta das 19h00, o suspeito J. acompanhado por um indivíduo ainda não concretamente identificado, dirigiu-se á Farmácia A.E. , sita na Rua AIV, n° 1, Loja C, em Santa Iria da Azóia, com o propósito previamente formulado de, por meio de actuação conjunta, se apropriarem das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançarem o seu objectivo.
Lá chegados, dirigiram-se à ofendida M.C., funcionária que ali se encontrava em serviço e disseram-lhe "Isto é um assalto. Queremos o dinheiro'', ao mesmo tempo que lhe exibiram, cada um deles, um canivete de características não concretamente apuradas, forçando-a, por essa via, a entregar-lhes as quantias monetárias guardadas em caixa, com o valor total de € 991,00.
Depois abandonaram o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 175/16.7PBLRS.
No dia 1 de Março de 2016, por volta das 17h58, o suspeito J. acompanhado por um indivíduo que ainda não foi possível identificar, dirigiu-se à Farmácia F, sita na Avenida das D. , em Loures, com o propósito previamente formulado de, por meio de actuação conjunta, se apropriarem das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançarem o seu objectivo.
Lá chegados, dirigiram-se às caixas de pagamento ali existentes e, exibindo, cada um deles, um canivete de características não concretamente apuradas, forçaram os funcionários que lá se encontravam, a entregarem-lhes as quantias monetárias que nelas estavam guardadas, com o valor total aproximado de € 1.000,00.
Depois abandonaram o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 596/16.6PSLSB.
No dia 7 de Abril de 2016, por volta das 13h15, o suspeito J. dirigiu-se à Farmácia V., sita na Rua T , em Lisboa, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se á funcionária P.C. que ali estava em serviço, exibiu-lhe uma faca, com o cabo de cor castanha e uma lâmina com aproximada 20 cm de comprimento e disse-lhe "Quero o dinheiro todo, se não..."
Temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida P.C. abriu as caixas registadoras e do seu interior, o suspeito retirou as quantias monetárias que lá estavam guardadas, com o valor total aproximado de € 250,00.
Depois abandonou o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 496/16.9PTLSB.
No dia 9 de Abril de 2016, por volta das 14h00, o suspeito J. dirigiu-se à Farmácia M., sita na Av. R,  em Lisboa, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se á funcionária J.V. que ali estava em serviço, exibiu-lhe uma faca, de características não concretamente apuradas e forçou-a a entregar-lhe as quantias monetárias que se encontravam guardadas na caixa, com o valor total aproximado de € 200,00.
Depois abandonou o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 272/16.9PILRS.
No dia 12 de Abril de 2016, por volta das 13h25, o suspeito J. dirigiu-se à Farmácia S., sita na Rua de G. , em Santa Iria da Azóia, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se à funcionária A.S. que ali estava em serviço, exibiu-lhe uma faca de serrilha com uma lâmina com cerca de 30 cm de comprimento que trazia consigo escondida dentro de um saco de papel da perfumaria "Douglas" e forçou-a a entregar-lhe as quantias monetárias que se encontravam guardadas na caixa, com o valor total aproximado de € 100,00.
Depois abandonou o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 339/16.3PZLSB.
No dia 12 de Abril de 2016, por volta das 14h35, o suspeito J. dirigiu-se à Farmácia do L., sita na Av. S., em Lisboa, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se à funcionária I.A. que ali estava em serviço, exibiu-lhe uma faca cozinha que trazia consigo previamente preparada para o efeito e disse-lhe o dinheiro da caixa já.
Temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida entregou as quantias monetárias que se encontravam guardadas na caixa ao arguido, com o valor total aproximado de € 185,00.
Depois abandonou o local, levando consigo a referida quantia.

NUIPC 28/16.9PJLRS.
No dia 14 de Abril de 2016, por volta das 13h10, o suspeito J. dirigiu-se á Farmácia do A., sita na Rua B., em Odivelas, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se a N.V., uma das funcionárias que ali estava em serviço, exibiu-lhe uma faca cozinha que trazia consigo previamente preparada para o efeito e disse-lhe "não lhes vou fazer mal, quero o dinheiro todo e da outra caixa também".
Temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida obedeceu ao que lhe foi exigido e entregou ao arguido as quantias monetárias que se encontravam guardadas nas caixas, num valor global ainda não concretamente apurado, que este levou consigo num saco da própria farmácia com as inscrições "Dormidina".

NUIPC 988/16.OPYLSB.
No dia 14 de Abril de 2016, por volta das 13h55, o suspeito J. dirigiu-se á Farmácia J. R. em Lisboa, com o propósito previamente formulado de se apropriar das quantias monetárias ali existentes em caixa, com utilização de violência para evitar qualquer oposição e, desse modo, mais facilmente alcançar o seu objectivo.
Lá chegado dirigiu-se à funcionária M.A. estava em serviço, exibiu-lhe uma faca cozinha que trazia consigo previamente preparada para o efeito e disse-lhe "O dinheiro todo. Rápido Rápido".
Temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida entregou-lhe as quantias monetárias que se encontravam guardadas na caixa, num valor total aproximado de € 200,00.
Depois, o arguido abandonou o local, levando consigo a referida quantia.
*

Ao actuar do modo descrito, o arguido quis e conseguiu surpreender e intimidar as ofendidas mediante a utilização de uma faca, fazendo-as temer pela sua vida e integridade física e deixando-as na impossibilidade de resistir à sua actuação para, desse modo, fazer suas, como fez, as quantias monetárias supra descritas, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam nem lhe eram devidas a qualquer título.

O arguido agiu sempre em execução de plano previamente traçado e, nas duas primeiras situações, em comunhão de esforços com um indivíduo ainda não identificado, com o qual dividiu as tarefas de execução do plano para mais facilmente alcançar os seus intentos.

O arguido agiu, em todos os momentos, de modo livre, voluntário e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*

A matéria indiciariamente apurada resulta dos seguintes elementos de prova:
(…)

Perante aquela factualidade, concluiu o tribunal recorrido:
«Indiciam assim, fortemente os autos a prática pelo arguido J. de oito crimes de roubo (agravado), previstos e punidos pelo artigo 210.°, n° 1 e 2, al. b) do Código Penal com referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2, aI. f) do mesmo código.»

Findo o interrogatório do arguido, o MP usou da palavra, tendo promovido nos seguintes termos:

«Apesar de o arguido ter negado a prática dos factos que lhe são imputados, dos elementos probatórios já recolhidos nos autos resulta fortemente indiciada toda a factualidade melhor descrita na nossa anterior promoção e que é susceptível de configurar a prática pelo arguido J. de oito crimes de roubo (agravado), previstos e punidos pelo artigo 210.°, n° 1 e 2, al. b) do Código Penal com referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2, al. f) do mesmo código.

Com efeito, a actuação do arguido no que concerne aos factos participados nos autos principais e nos apensos com os NUIPC 145/16.5PILRS, 175/16.7PBLRS, 496/16.9PTLSB, 339/16.3PZLSB, 28/16.9PJLRS e 988/16.OPYLSB encontra-se registada e documentada nas imagens captadas pelo sistema de videovigilância das farmácias onde os factos ocorreram e foi descrita pelos ofendidos e testemunhas já ouvidos, de modo coerente e coincidente com essas imagens.

Por outro lado, no âmbito das buscas realizadas, procedeu-se à apreensão das diversas roupas usadas pelo arguido em cada um desses ilícitos, como resulta dos autos de análises comparativas constantes nos autos.

Acresce que, apesar de ainda não ter sido possível efectuar o reconhecimento pessoal do arguido por todas as ofendidas e testemunhas conhecidas, o arguido foi já reconhecido positivamente pelos ofendidos e testemunhas dos factos participados nos NUIPC 145/16.5PILRS e NUIPC 339/16.3PZLSB, como o autor dos factos ali participados, o que veio a acontecer também em relação aos factos participados no NUIPC 272/16.9PILRS.

De resto, existem também fortes indícios de que o arguido terá reincidido no consumo de estupefacientes e/ou substâncias aditivas o que foi por ele mesmo considerado, em processos anteriores, como a causa do seu comportamento delituoso.

Nesta sede importa sublinhar que o arguido não se coibiu de mentir para adquirir um medicamento designado "Tramal Retard" capaz de produzir efeitos semelhantes ao de alguns produtos estupefacientes ilegalmente vendidos para consumo recreativo, dizendo que o mesmo se destinava à sua falecida mãe, o qual veio posteriormente a ser apreendido na sua posse, no interior da sua carteira.

Além disso, das vigilâncias efectuadas ao arguido pelo OPC, resulta que, pelo menos numa ocasião, o mesmo se terá deslocado a um local conhecido pela venda ilegal de estupefacientes e terá feito a aquisição de produto estupefaciente de natureza não concretamente apurada.

Assim, pese embora o inquérito ainda se encontre numa fase inicial, a análise de todos estes elementos probatórios, no seu conjunto, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, indicia fortemente a prática pelo arguido dos factos que lhe foram imputados e que são susceptíveis de configurar a prática de oito crimes de roubo (agravado), previstos e punidos pelo artigo 210º, n°s 1 e 2, al. b) do Código Penal com referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2, al. f) do mesmo código.

O crime de roubo (agravado) é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos e integra-se, por isso, no conceito de criminalidade especialmente violenta (artigo 1.°, al. l) do Código de Processo Penal).

Trata-se de um crime gerador de urna elevada intranquilidade social por força da frequência com que ocorre, da violência dos meios empregues pelos seus autores e da escolha aleatória de vitimas, com as quais os agentes não possuem quaisquer ligações anteriores.

Sublinhe-se que as vitimas foram abordadas pelo arguido no decurso do seu dia normal de trabalho, enquanto exerciam a sua actividade profissional, merecedora de grande respeito e prestígio social.

A imprevisibilidade destes ilícitos gera no cidadão comum um sentimento de insegurança acrescido pois que demonstra, de modo flagrante, que a circunstancia de se ser um bom cidadão, cumpridor das regras da vida em sociedade, não basta para o manter a salvo da cobiça e dos actos criminosos de perfeitos desconhecidos.

Acresce que, sabendo antecipadamente que as vitimas não oferecem qualquer tipo de resistência, pois que são surpreendidas e confrontadas pela sua superioridade física e pela supremacia das suas armas, os autores deste tipo de crimes tendam a persistir na sua prática, já que conseguem, através deles, obter proveitos financeiros que lhes permitem manter o seu estilo de vida:

Com efeito, neste caso concreto, os ilícitos indiciados permitiram ao arguido, em poucos minutos, sem grande esforço e sem grandes exigências de planeamento, apropriar-se de significativas quantias monetárias.

Verifica-se, pois, que além do mencionado perigo de perturbação da ordem pública existe, em concreto, um perigo de continuação da actividade criminosa, que só poderão ser devidamente acautelados, mediante a aplicação ao arguido de uma medida de coacção mais gravosa que o termo de identidade e residência a que já foi sujeito (cfr. artigo 204.° do Código de Processo Penal).

Essa medida de coacção deverá, por um lado, garantir a segurança do cidadão comum no seu dia-a-dia e restabelecer a sua confiança na capacidade da instituição policial e judicial para o fazer e deverá, por outro lado, impedir o arguido de voltar a praticar crimes.

A aplicação das medidas de coacção obedece a princípios de legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. artigo 27.°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa e artigos 191.° e 193.° do Código de Processo Penal).

Neste sentido, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção e, nesse caso, devem ser dadas preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares (cfr. artigo 193.º, n°s 2 e 3 do Código de Processo Penal).

O arguido possui um extenso passado criminal pela prática de crimes de furto, consumo de estupefaciente, detenção de arma proibida, furto qualificado e roubo, incluindo roubo em farmácias, tendo sido já condenado em penas de prisão efectiva (cfr. certificado do registo criminal de fls. 47 a 56).

Actualmente, o arguido J. encontra-se em liberdade condicional, que lhe foi concedida em 26 de Fevereiro de 2016, no âmbito do processo 6851/10.0TXLSB-A, com termo previsto em 15 de Março de 2020 (cfr. fls. 56).

Apesar disso, o arguido não se coibiu de, apenas três dias depois da sua libertação ter dado inicio à prática da sequência dos oito crimes de roubo fortemente indiciados, no lapso temporal de um mês e meio.

Afigura-se-nos, pois, em face do exposto que apenas uma medida de coacção privativa da liberdade será suficiente e adequada a satisfazer as exigências cautelares que se fazem sentir, pois que em liberdade, sempre teria oportunidade de continuar a praticar ilícitos como os descritos o que, de resto, seria mal compreendido pelo cidadão comum e fonte de desconfiança na capacidade do sistema judicial para lhe assegurar a protecção devida.

O comportamento do arguido é grave, violento e reiterado e as condenações anteriormente sofridas não foram suficientes para o afastar da prática de novos ilícitos criminais de natureza especialmente violenta.

O arguido evidencia uma personalidade avessa e até desafiadora das regras do direito e da sociedade, não manifesta qualquer auto-censura pelo desvalor da acção e do resultado dos seus comportamentos e persiste em manter um estilo de vida marginal.

O juízo de prognose favorável efectuado aquando da concessão da liberdade condicional no passado mês de Fevereiro de 2016, mostra-se agora infirmado pelo comportamento do arguido que conseguiu, no âmbito desse processo, apresentar uma imagem ajustada de si, sem qualquer correspondência com aquela que veio a revelar logo que colocado em liberdade.

Assim, não sendo de prever que o arguido, pela sua personalidade, viesse a cumprir qualquer obrigação ou proibição que lhe fosse imposta, designadamente a de permanecer na habitação e considerando ainda a previsível revogação da liberdade condicional que lhe foi concedida no processo 6851/10.OTXLSB-A e a sua previsível condenação futura nestes autos, afigura-se-nos que apenas a prisão preventiva será suficiente, adequada e proporcional à gravidade dos factos e às exigências cautelares que se fazem sentir.

Atenta a moldura penal que cabe aos crimes de roubo fortemente indiciados nestes autos, é admissível a aplicação de tal medida de coacção (cfr. artigo 202 °, n° 1, al. a) e b) do Código de Processo Penal).

Nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.°, n° 1, 193.°, 195.º, 196°, n° 4, 202.°, n° 1, al. a) e b), com referência ao disposto no artigo 1.°, al. l) e 204.°, al. c) do Código de Processo Penal, promovo se determine a aplicação ao arguido J. da medida de coacção de prisão preventiva.»

De seguida, pela Ilustre defensora do Arguido foi dito:

«Vir arguir nos termos do artigo 147 n.° 7 do CPP a nulidade dos 3 reconhecimentos pessoais constantes de fls. 195 a 200 dos autos, efectuados ao arguido no dia 21 de Abril, porquanto nos termos do disposto no n ° 2 desse mesmo artigo e nas situações em que a identificação deva ser feita quando se chamem duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis inclusive de vestuário com a pessoa a identificar, prevê-se que esta seja colocada ao lado delas devendo apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa procede ao reconhecimento.
Nos reconhecimentos em que a defensora do arguido esteve presente em que foram intervenientes I.C, .a A.C., C.F.e A.S., o arguido identificado (sempre a sua opção como o numero 1) foi colocado ao lado dos figurantes J. D.e A.F. que alternaram com os números 2 e 3 sendo que estes de todo têm as mesmas características físicas do ora arguido, o J. D.é pessoa de olhos claros de pele muito mais clara, seguramente 5 a 10 centímetros mais baixo, e envergava um blusão de cor bege e uma camisa azul por seu lado, o A.F, que alternou entre os números 2 e numero 3 nos reconhecimentos de fls. 197 e 199 ainda é pessoa de características mais distintas do arguido. Para além da sua fisionomia ser totalmente distinta do arguido uma vez que têm olhos azuis, menos 10 centímetros de altura, não têm a mesma idade aparente.
Tais características de fisionomia foram de imediato invocadas a fim de que os figurantes pudessem ser alterados procedendo-se nos reconhecimentos conforme dispõe o artigo 147.° do CPP o que não foi atendido pelo OPC tendo inclusivamente sido pedido pela defesa do arguido que do auto de reconhecimento ficasse a constar as razões desse pedido, da discordância dos figurantes em  serem fotógrafos, o que também não ficou a constar, razão pela qual também se entende que os autos não reproduzem o que na realidade se passou.
O papel do defensor convocado para assistir ao reconhecimento pessoal de um arguido detido não deve, na nossa perspectiva, limitar a que seja um papel de conformidade de legalidade do próprio auto, mas sim também e é esse o seu papel que as normas do CPP sejam inteiramente cumpridas não se devendo a sua presença servir apenas para uma aparente legalidade do próprio auto.
Os reconhecimentos que não obedeceram ao disposto no artigo 147 n.° 1 e 2 do Código de Processo Penal, não têm valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrerem, ocorrendo em fase de inquérito e porque sabemos o valor que nesta fase como prova indiciária a par de outras que possam existir, este meio de prova tem, cabe à defesa invocar a sua nulidade por desconformidade ao disposto no n.° 2 tendo em conta que as testemunhas A.S., C.F.e I.C. reconheceram o arguido com total preterição das formalidades a que deve obedecer o tal reconhecimento pessoal, de salientar que a defensora do arguido assinou os autos de reconhecimento porque esteve presente, porque assistiu e invocou de imediato esta desconformidade nada tendo ficado a constar para além da sua assinatura no dito auto também se considera que o próprio auto, nos termos do artigo 99 do CPP, não faz inteiramente fé dos termos em que o acto se desenrolou.
Termos em que se requer que seja considerado nulo e de nenhum valor probatório qualquer um dos autos de reconhecimento jà indicados.
Quanto aos indícios considera a defesa que para além daquilo que já se disse dos reconhecimentos pessoais, a demais prova, nomeadamente as imagens de videovigilância existentes nos diversos NUIPCs que compõe os presentes autos não demonstram que foi o ora arguido autor ou co-autor dos crimes de roubo agravado pelos quais está indiciado, em todas as imagens recolhidas e visionadas o sujeito(s) apresentam-se de rosto coberto não sendo possível fazer uma identificação do agente. Demais prova por ora não existe, razão pela qual estando todos os inquéritos numa fase inicial, se considera com o devido respeito, que a medida de prisão preventiva é, a ser aplicada neste momento, prematura, excessiva e desproporcional face à indiciação existente.
Os invocados receios de perigo de perturbação do decurso de inquérito, continuação da actividade criminosa que possam sustentar a aplicação de uma qualquer medida de coacção não estão também evidenciados nem por vigilâncias das quais possa decorrer que o arguido não obstante estar em liberdade condicional e frequentando um local conotado com tráfico e consumo de estupefacientes e ou pelo facto de assumidamente ter ido adquirir uma embalagem de Tramal, demonstre só por si que esteja em situação de adição ao estupefaciente incumprindo condições da sua liberdade condicional o que também só por si não é fundamento para a aplicação de uma medida de coacção privativa da liberdade.
A defesa admite a aplicação do TIR já prestado e perante a indiciação nenhuma outra, Suficiente e proporcional ao que os autos por ora indiciam.»

Dada de novo a palavra à Digna Procuradora para se pronunciar sobre a questão acabada de suscitar, referente à validade dos reconhecimentos, aquela disse o seguinte:

«O Ministério Público não presidiu às diligências de reconhecimento pessoal efectuadas ontem na esquadra da PSP. Da análise do teor dos autos de reconhecimento resulta além do mais que o arguido se recusou a assiná-los e não concedeu autorização para ser fotografado e para que a sua fotografia fosse junta aos autos. Os referidos autos de reconhecimentos estão assinados pela sua ilustre defensora, que veio agora além do mais invocar que o teor dos mesmos não relata o que efectivamente aconteceu nestas diligências efectuadas, porém e considerando a posição tomada pelo próprio arguido, mal se compreende que a ilustre defensora tenha assinado os referidos autos que terminam com a indicação de "Por ser verdade e para constar, elaborei o presente auto, que depois de lido e achado conforme, foi por mim integralmente revisto nos termos do artigo 94.° n.° 2 do C.P.P. e vai ser assinado por todos quantos nele tomaram parte".

A desconformidade do conteúdo do auto podia e devia ter sido invocada pela ilustre defensora na própria diligência e podia ter ficado documentado pela eventual recusa em assinar à semelhança do que sucedeu com o arguido, desse modo afigura-se que não tendo sido arguida essa desconformidade no próprio acto, é agora a mesma insusceptível de ser sindicada porquanto o Tribunal não esteve presente na referida diligência, devendo dar por bom o conteúdo do auto. No que concerne às formalidades do reconhecimento propriamente dito a ilustre defensora do arguido referiu que um dos figurantes tinha os olhos e a pele mais clara que o arguido, que era mais baixo cerca de 5 centímetros e que vestia um blusão bege e uma camisa azul. Referiu ainda que o outro interveniente para além de ter uma fisionomia totalmente distinta do arguido, tinha os olhos azuis, menos 10 centimetros de altura e não tinha a mesma idade aparente.
Como depõe o artigo 147 n.° 2 do Código de Processo Penal, os figurantes deverão ter as maior semelhanças possíveis com o arguido. Assim, no que concerne à altura importa sublinhar que das descrições das testemunhas que procederam ao reconhecimento, resultou uma altura mínima de um metro e setenta (confirmar fls. 197) e uma altura máxima de um metro e oitenta e cinco (fls. 195 e 199). Assim, não se vislumbra que em circunstância do arguido e dos figurantes não possuírem exactamente a mesma altura seja uma diferença susceptível de invalidar o reconhecimento efectuado.
Por outro lado no que concerne à questão do vestuário, nada foi invocado quanto à roupa usada pelo próprio arguido ou pelo outro figurante pelo que a referência feita unicamente à roupa de J. D. não permite aquilatar de qualquer desconformidade significativa.
No que concerne à questão dos olhos e da pele mais clara e da idade aparente, por serem apreciações conclusivas e na falta de documentação que o permita verificar também não podem os mesmos ser considerados diferenças significativas no que respeita à semelhança entre o arguido e os figurantes, afigura-se-nos pois que os reconhecimentos efectuados não estão feridos de qualquer invalidade que os transforme em prova proibida nos termos do disposto no artigo 147.°n°7 do CPP.»

Quanto à aludida questão da invalidade dos reconhecimentos, o tribunal tomou a seguinte decisão:

«A defensora do arguido veio arguir a nulidade dos reconhecimentos pessoais constantes de fls. 195 a 200 por a identificação do mesmo não ter sido efectuada de forma cabal.
No entanto, nos termos do 147 n.° 7 do CPP o reconhecimento que não obedecer aos requisitos aí indicados não valerá como meio de prova.
Nos termos dos referidos autos de reconhecimentos, as duas pessoas colocadas ao lado do arguido apresentam com ele semelhanças significativas inclusive de vestuário.
Obriga a Lei nos termos do 147.° n.° 2 do CPP que os figurantes "apresentem as maiores semelhanças possíveis inclusive de vestuário".
A defensora referiu que o figurante Joaquim seria mais baixo que o arguido e usaria um blusão bege e uma camisa azul, porém não refere como é que o arguido e o outro figurante A.F. estavam vestidos.
Refere ainda a defensora do arguido que o figurante Felizardo não teria a mesma idade que o arguido não indicando porém a idade que este terá. Não se vislumbra pois que o reconhecimento do arguido não tivesse obedecido às formalidades legais até porque a mesma como bem referiu a senhora procuradora, assinou todos os autos não tendo arguido na altura qualquer irregularidade nos reconhecimentos.
Pelo exposto não se verifica a nulidade arguida.»

E, após fixar a matéria de facto que considerou fortemente indiciada, fundamentou do seguinte modo a escolha da medida coactiva a aplicar:

« …
O arguido negou os factos que lhe são imputados, porém é da análise que fazemos da prova constante dos autos que concluímos pela forte indiciação da prática pelo arguido dos crimes de que vem indiciado.
Na verdade as imagens de videovigilâncias conjugadas com os depoimentos dos ofendidos, e os autos de reconhecimento pessoal bem como a apreensão do vestuário usado pelo arguido no dia dos factos leva-nos a concluir pelos fortes indícios.
Há que ter em conta o depoimento da testemunha I.C.que identifica o arguido através das imagens recolhidas do sistema de videovigilãncia como a pessoa que se dirigiu à farmácia a comprar o medicamente Tramal uma vez que apresentava a mesma estrutura física a e forma de andar não tendo duvidas que se trata da mesma pessoa.
O crime indiciado é de elevada gravidade pelo sentimento de intranquilidade e insegurança que gera não só naqueles que dele são vítimas, como em geral nas pessoas que dele têm conhecimento.
O arguido não tem profissão certa renumerada.
O arguido já foi julgado e condenado pela prática de um crime de idêntica natureza em pena de prisão efectiva.
Tendo em conta a gravidade do crime indiciado e a forma do cometimento do mesmo, verifica-se a existência do perigo de continuação da actividade criminosa.
Tal perigo acima evidenciado, leva-nos a concluir que a aplicação ao arguido de uma medida não privativa da liberdade seria, não só desadequada como perfeitamente inócua.
Em concreto, só a medida de prisão preventiva se mostra adequada, e sendo necessária é também proporcional aos crimes indiciados e à pena que previsivelmente virá a ser aplicada ao arguido.
O arguido confessou ter comprado um medicamento Tramal Retard quando já se encontrava em liberdade condicional sendo que a abstinência seria um dos deveres a que o arguido estaria sujeito no âmbito da liberdade condicional concedida no âmbito do processo 6851 /10.OTXLSB-A.
Pelo exposto, se decide ordenar a prisão preventiva do arguido, tudo nos termos do disposto nos art°s 191°, 193°, 202°, n° 1, al. a) e b) e 204° al. c) todos do C.P.P.
Determino que o arguido seja sujeito de imediato e com carácter de urqência a exame pericial para despiste da sua toxicodependência por meio da recolha de amostras de cabelo e urina a realizar de imediato pelo INML, IP – artigo 154 n.° 3 do Código de Processo Penal.
Passe os competentes mandados de condução ao Estabelecimento Prisional.
Junte aos mandados cópia do auto de interrogatório para efeitos de sujeição do arguido ao exame pericial acima indicado.
Notifique nos termos do art.°. 194°, n°. 10 do CPP.
… »


3.-Apreciando:

3.1.As medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento quer quanto à execução das decisões condenatórias[1].
Porque a liberdade é um bem fundamental, constitucionalmente consagrado, as respectivas limitações terão necessariamente caracter excepcional e, por isso, só são admissíveis nos estritos termos definidos na lei.
A prisão preventiva, constituindo uma das suas mais graves restrições, exige uma definição rigorosa e clara dos respectivos pressupostos.
Determina o art. 27.º, da CRP, que «ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença penal condenatória», salvo nos casos definidos nas várias alíneas do seu n.º 3, em que se admite a privação da liberdade, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», aí constando, entre outras situações, as de detenção em flagrante delito e as de «detenção ou prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos» (als. a) e b)).
Realçando-se a natureza excepcional da prisão preventiva, esta não deve ser «decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei» (n.º 2 do art. 28.º, da CRP).
Em concretização de tais princípios, definiu o legislador ordinário, nos arts. 191.º e seguintes do CPP, as condições de aplicação das várias medidas de coacção legalmente admissíveis, bem como os respectivos pressupostos, sujeitando-as aos princípios da legalidade - só podem ser impostas as medidas de coacção previstas na lei -, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade (arts. 191.º e 193.º do CPP) e ainda, quanto à prisão preventiva, o da subsidiariedade, pois esta só deve ser imposta quando se mostrarem inadequadas e insuficientes as demais medidas menos gravosas, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação (arts. 193.º, n.ºs 2 e 3 e 202.º, n.º 1, do mesmo Código).
Por outro lado, a aplicação de qualquer medida de coacção, exceptuado o termo de identidade e residência, depende da verificação, em concreto, no momento da sua aplicação, de algum dos perigos enunciados no art. 204.º, do CPP, estando ainda sujeita aos pressupostos gerais enunciados nos arts. 191 a 195.º, para além dos respectivos requisitos específicos, sendo que os concernentes à prisão preventiva estão previstos no art. 202.º, do mesmo Código.
Formalmente, o despacho recorrido, de cujo teor já demos conta supra, contém todos os requisitos exigidos pelo art. 194.º, n.º 6, do CPP, norma que define o que aquele deve conter em termos de fundamentação, nele se demonstrando a verificação dos pressupostos necessários à aplicação da medida coactiva escolhida.
Assim, contém o aludido despacho os factos considerados indiciados e que são imputados ao ora recorrente, a indicação das provas das quais resultam tais indícios, a qualificação jurídica dos mesmos factos e a referência aos factos e circunstâncias de que decorrem os demais pressupostos da medida, nomeadamente os previstos nos arts. 193.º e 204.º, do CPP.
O recorrente põe em causa alguns desses pressupostos, cumprindo analisar se lhe assiste razão.

3.2.-Desde logo, alega o arguido que os autos não contêm fortes indícios da prática dos crimes que lhe são imputados.

Na verdade, o art. 202.º, n.º 1, do CPP, faz depender a aplicação da prisão preventiva, desde logo, da existência de fortes indícios da prática pelo arguido de algum dos crimes mencionados nas suas várias alíneas, entre eles constando os seguintes:
-crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [alínea a)];
-crime doloso que corresponda a criminalidade violenta [alínea b)], estando esta definida na alínea j) do art. 1.º do Código (crimes contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, ... puníveis com pena de prisão igual ou superior a 5 anos);
-crime doloso de detenção de arma proibida, … ou crime cometido com arma, … puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [alínea e)];

Ao ora recorrente são imputados factos susceptíveis de integrarem, segundo o despacho recorrido, oito crimes de roubo agravado, previstos e punidos pelo artigo 210.°, n° 1 e 2, al. b) do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 204.°, n° 2, al. f) do mesmo Código, tratando-se de crimes de natureza dolosa que se enquadram nas mencionadas alíneas do art, 202.º, n.º 1.
O CPP não define o que sejam “fortes indícios”, dizendo-nos apenas quando considera existirem “indícios suficientes”.

Tal acontecerá sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança - artigo 283.º, n.º 2.

Sobre eles, Germano Marques da Silva[2] entende que os elementos probatórios disponíveis devem ser alvo de uma comprovação objectiva, devendo fazer nascer no julgador a convicção de uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição.

Ou seja, os indícios serão suficientes quando haja uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Transplantado tal conceito para a fase embrionária do processo, como é aquela em que os arguidos são detidos em flagrante delito e apresentados ao juiz para 1.º interrogatório judicial, dir-se-ia que há “fortes indícios” quando, comprovada a prática do crime, existem já no processo elementos de prova que, objectivamente analisados, permitam, não a certeza mas, pelo menos, a formação de uma firme convicção no sentido de que o arguido pode ser criminalmente responsabilizado, havendo fortes probabilidades de contra ele poder vir a ser deduzida acusação pelo verificado crime.

Conforme refere Cavaleiro de Ferreira[3], a existência de “fortes indícios” pressupõe que se encontre comprovada a prática do crime e que se verifiquem indícios suficientes da sua imputação ao arguido.

Por seu turno, Paulo Pinto de Albuquerque[4] escreve que “indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. A diferença entre um e outro reside apenas na variação da base dos elementos conhecidos no momento da decisão interlocutória e no momento da sentença.

Analisados os autos, mais concretamente os inúmeros meios de prova em que o tribunal de primeira instância fez assentar a sua convicção e que foram devidamente discriminados por referência a cada um dos crimes indiciados (cfr. supra, pags. 12 a 14 da presente decisão), não temos quaisquer dúvidas em afirmar que aqueles contêm fortes indícios da prática, pelo arguido J. dos crimes que lhe são imputados, secundando-se, neste ponto, a decisão recorrida.

3.3.-Entre aqueles meios de prova constam os três autos de reconhecimento mencionados pelo recorrente, com relevo para apuramento da matéria de facto dos processos identificados com os nuipc 1451/16, 272/16 e 339/16.

Alega o recorrente que tais reconhecimentos são inválidos, por violação do disposto no art. 147.º, n.º 2, do CPP, não podendo ser valorados como meio de prova, por força do n.º 7 do mesmo artigo.
Para tanto, alega que as pessoas que intervieram no reconhecimento não apresentavam semelhanças com a pessoa a identificar.

Dispõe o art. 147.º, do CPP, sob o título “Reconhecimento de pessoas”:

«1-Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita -se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2-Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3-Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4-As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5-O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6-As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7-O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»

Dos mencionados reconhecimentos foram lavrados os respectivos autos, que constam do processo e que foram assinados pela ilustre defensora do arguido, que esteve presente, não constando que tenha sido suscitada, na altura, qualquer objecção quanto à regularidade da diligência efectuada.

Tendo em consideração o teor desses autos, terá de concluir-se que foram observadas as formalidades exigidas no citado art. 147.º, n.º 2, do CPP.

Alega o recorrente que as duas pessoas que foram chamadas e colocadas ao lado do suspeito não apresentavam semelhanças físicas com este.

Fala a lei em “duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar”.

Desde logo e como já tivemos oportunidade de o afirmar em anterior decisão (de 11/11/2008, no Proc. 9746/2008, in www.dgsi.pt/jtrl) que parcialmente passamos a reproduzir, «no conceito de “semelhante” intervém uma grande componente subjectiva, podendo duas pessoas serem semelhantes para determinado observador e não o serem para outros e vice-versa. A lei fala em semelhanças “possíveis”, e não podia deixar de ser de outra maneira, pois, os órgãos de polícia criminal não têm ali junto deles, a qualquer momento e sempre que necessário, sósias dos arguidos que é necessário reconhecer, sendo certo que, nos casos de extrema semelhança (para não dizer igualdade – gémeos, por exemplo), tornar-se-ia bem mais difícil, se não mesmo impossível, o reconhecimento. O que se pretende é que as pessoas colocadas juntamente com o suspeito apresentem algumas semelhanças com este, de molde a garantir que o escolhido ou identificado - se o houver - corresponda ao verdadeiro autor dos factos. Obviamente que, para isso, terá o ofendido ou testemunha – a pessoa que reconhece – de estar verdadeiramente consciente da responsabilidade do acto, só devendo apontar o dedo quando está de facto convencido, com base nas características que reteve do autor do crime, que este está entre as pessoas a identificar e é a pessoa que concretamente identifica. Caso contrário, terá de dizer claramente que não reconhece o autor dos factos entre os presentes, ou, tendo dúvidas, deverá manifestá-las e tal menção deverá constar do auto respectivo».

No caso presente o suspeito foi colocado numa fila, juntamente com duas outras pessoas, “que com ele apresentam semelhanças significativas, inclusive de vestuário”, como diz o auto de reconhecimento, não tendo na altura o arguido e a sua ilustre defensora, que interveio no acto, suscitado qualquer irregularidade ou alertado para a agora alegada falta de semelhança entre as pessoas a reconhecer, sendo certo que, a existir qualquer irregularidade ou desconformidade do auto, teria ela de ser suscitada no próprio acto, sob pena de ficar sanada (art. 123.º, do CPP).

A posteriori, é sempre fácil suscitar os mais variados problemas sobre todas e quaisquer diligências sujeitas a múltiplas formalidades. Todavia, depois de realizada a diligência, toda e qualquer discrepância, que seja invocada, entre a exigência legal e o que na realidade aconteceu terá de ser provada. Não basta alegar que as coisas se passaram de forma diferente do que relata o auto da diligência. É preciso demonstrar o que se alega. Aquele auto deve dar a conhecer o que realmente se passou e, se foi lavrado com determinado conteúdo e assinado pelos intervenientes no acto, é porque estes aceitaram que as coisas se passaram como nele se descreve.

Por outro lado, o reconhecimento foi levado a cabo na fase de inquérito, fase durante a qual não é admitido contraditório.

O reconhecimento presencial constitui meio de prova, a valorar com os demais que existam nos autos – pericial, documental, testemunhal -, quer para efeitos de apreciação dos indícios, de dedução da acusação ou em julgamento. A impugnação da validade de determinado meio de prova exige, na maioria das vezes, que se produza prova em sentido contrário. É o caso do reconhecimento efectuado nos autos. O recorrente só conseguirá abalar o reconhecimento efectuado se demonstrar, como alega, que, apesar do conteúdo do auto, não foi cumprida uma formalidade essencial: “as pessoas colocadas ao lado do arguido não apresentavam com este qualquer semelhança”. Todavia, tal demonstração só lhe será possível quando puder exercer o contraditório, seja em instrução, seja em julgamento, nunca na fase de inquérito. Muito menos em sede de recurso, o qual não admite a produção de prova suplementar de quaisquer factos, estando o tribunal de recurso vinculado a decidir em função do que já existia nos autos no momento em que foi proferida a decisão recorrida.

Enquanto aquela demonstração não for feita, o que o tribunal tem de apreciar é a validade da diligência em função do que consta no respectivo auto, o qual demonstra que foram observadas as correspondentes exigências legais, nada obstando, pois, a que, nesta fase processual, o reconhecimento feito seja valorado como meio de prova contra o arguido.

Nessa conformidade, perante os meios de prova que constam dos autos – que estão longe de se limitar aos aludidos reconhecimentos -, é de concluir pela existência de “fortes indícios” da prática, pelo arguido Jeremias, dos oito crimes de roubo imputados.

3.4.-Face a tais indícios e dada a natureza dolosa e a moldura correspondente aos crimes indiciados, mostram-se desde já preenchidos os requisitos específicos para aplicação da prisão preventiva, definidos no n.º 1 do art. 202.º, do CPP, bem como, por maioria de razão, os previstos na parte final do n.º 1 do art. 201.º, quanto à obrigação de permanência na habitação.

Porém, a prisão preventiva só é de aplicar quando as demais medidas coactivas se mostrarem inadequadas ou insuficientes.

Isso mesmo resulta do próprio art. 202.º, n.º 1, bem como do art. 193.º, n.º 2, do CPP, neste se determinando que “a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”.

Por outro lado, “as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas” – n.º 1 do mesmo art. 193.º.

Acresce que, nenhuma medida de coacção, para além da prevista no art. 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar algum dos perigos mencionados nas várias alíneas do art. 204.º, do mesmo Código, tais como, perigo de fuga, de perturbação do inquérito, para aquisição ou conservação da prova, de continuação da actividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

Segundo os factos indiciados, o arguido cometeu oito crimes de roubo agravados.

O arguido já tinha sido condenado anteriormente por crime idêntico, em pena de prisão efectiva, o que é bem demonstrativo de que o arguido não nutre qualquer respeito pelo património e pela integridade física de terceiros, não tendo tido qualquer efeito dissuasor a aludida condenação.

A tudo isso acresce que o arguido não exerce qualquer actividade remunerada.

Estamos perante crimes graves, que geram grande alarme social, quer pela respectiva gravidade traduzida pela violência que lhe está associada e pela moldura penal correspondente, quer, sobretudo, pela sua repetição constante, em especial nas maiores cidades, nomeadamente em Lisboa.

Razão pela qual não podemos deixar de reconhecer que as exigências de prevenção, geral e especial, estão num patamar bastante elevado.

Daí que, o perigo de continuação da actividade criminosa é uma realidade bem evidenciada no presente caso.

Por outro lado, o tribunal recorrido concluiu que a prisão preventiva seria a única adequada e necessária para acautelar o aludido perigo, afastando a aplicação de qualquer outra menos gravosa, a qual seria «não só desadequada como perfeitamente inócua».

Também nós entendemos que, perante o quadro atrás traçado, é evidente a necessidade de sujeitar o arguido a uma medida privativa da liberdade, apresentando-se aquela medida coactiva mais grave como necessária - porquanto, nenhuma outra se mostra suficiente e adequada a afastar aqueles perigos - e proporcional à gravidade dos crimes indiciados, tendo em conta as respectivas molduras penais e o número de crimes imputados.

Na verdade, entendemos que, no presente caso, a obrigação de permanência na habitação, ainda que com vigilância electrónica, não se revela adequada e suficiente. Se é certo que esta medida (prevista no art. 201.º, do CPP) prossegue um fim concorrente com o da prisão preventiva, coincidindo até em alguns dos seus pressupostos e tratamento adjectivo, tal não pode fazer esconder as diferenças significativas que existem entre ambas, em especial ao nível da sua eficácia, pois, como temos vindo a afirmar, “a barreira física decorrente do confinamento de alguém a um domicílio não assenta exclusivamente na valia dos meios técnicos postos na detecção de eventuais ausências”[5]. Estes têm essencialmente por função dar a conhecer as “violações” da obrigação de permanência na habitação.

Tendo em conta aqueles antecedentes e as actuais condições pessoais do arguido, não cremos que a aplicação de qualquer medida coactiva não privativa da liberdade, ou mesmo a obrigação de permanência na habitação, ainda que com recurso a meios técnicos de controle, sejam suficientes para afastar o mesmo da prática de novos crimes da natureza dos ora indiciados, tornando-se, por isso, necessária a prisão preventiva, sendo a única medida adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir.

Pelo que, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, sendo improcedente o recurso interposto.

III.DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o recurso do arguido J., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em três UC.
Notifique.



Lisboa, 13/09/2016



(José Adriano)
(José Lamim)



[1]Germano Marques da Silva, “Curso de processo Penal”, vol. II, pág. 254.
[2]“Curso de Processo Penal”, vol. II, pág., 208.
[3]In C.J., XIV, IV, pág. 26.
[4]In “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição, pág. 331, ponto 8.
[5]Cfr. entre outros, acórdão proferido no Processo n.º 991/12.9PCSNT.A.L1, desta mesma 5.ª Secção Criminal, do qual foi relator o Exmº Des. Luís Gominho.