Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | A. AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | SEGREDO PROFISSIONAL SEGREDO MÉDICO QUEBRA DO SIGILO PROFISSIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/22/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1. No âmbito do segredo profissional, o critério adoptado pelo nosso legislador é o de que o tribunal só pode impor a sua quebra, quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis pela lei penal, com especial relevância para o denominado “princípio da prevalência do interesse preponderante”.
2. Embora o segredo profissional não tenha uma natureza absoluta, mas relativa, é fundamental que se mostre justificado que o levantamento do sigilo se torna indispensável para a investigação do crime. 3. A decisão do levantamento do segredo profissional impõe as seguintes condições: a) Imprescindibilidade da informação para o exercício da acção penal; b) A gravidade do crime; e, c) A necessidade de proteção de bens jurídicos, tendo sempre subjacente uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, com vista a determinar se a salvaguarda do sigilo deve ou não ceder perante os interesses ou valores conflituantes. Sumário do Relator | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO No âmbito do processo nº 3110/16.9T9LSB-A, a correr termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que é arguido o Hospital (…) SA, entendeu o Ministério Público, em sede de inquérito, ser necessário e indispensável à investigação criminal em curso, que a testemunha, Dr. (…), Médico, fornecesse determinados elementos abrangidos pelo segredo profissional, referentes à queixa apresentada pelo denunciante, J… G… C…, contra o Hospital (…), SA. u A respectiva testemunha, recusou fornecer tais elementos, invocando para o efeito a sujeição ao sigilo profissional, conforme documento de fls. 16 deste traslado. O Ministério Público, veio requerer ao senhor juiz de instrução criminal, a quebra do sigilo profissional, tendo em conta o interesse da informação solicitada para a investigação em curso, (cfr. fls. 20/24). Apresentados os autos ao Sr. Juiz de Instrução, com a respectiva promoção do Ministério Público, aquele, por despacho liminar, (cfr. fls. 25) considerou legítima a recusa e veio suscitar a intervenção deste Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no 135º, nº 1 e 3, do cód. procº penal. * Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta não emitiu Parecer. * O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.Colhidos os vistos, importa decidir. * FUNDAMENTOSFACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão, importa considerar os seguintes factos descritos no traslado remetido a este Tribunal: - J… G… C…, no dia 04 de Setembro de 2012, sofreu um acidente e consequente lesão nas costas no seu local de trabalho, Aeroporto de Lisboa, tendo-se então dirigido ao Hospital (…). - Após exames e diagnóstico, no dia 14.09.2012 foi submetido a uma 1ª cirurgia à coluna Lombo-sagrada, tendo sido novamente operado em 05.07.2013 com fixações por meio de parafusos. - Foi operado duas vezes por um Ortopedista - Entre a 1ª e a segunda cirurgia, foi submetido a intensos tratamentos de reabilitação por via de fisioterapia, que pioraram o seu estado clínico, por ter um edema no local intervencionado. - Edema que ainda se mantém até aos dias de hoje, tendo como resultado a deterioração do seu estado físico e neurológico. - Foi-lhe concedida “alta” após a 2ª cirurgia com perda de liquor (líquido Céfalo-raquidiano) em casa e durante 6 dias, agindo então de forma vegetativa. - Ficou com grave fistulização da membrana Dura-máter, com contínua perda do liquor cerebral e compressão dos nervos periféricos. - Para suportar as dores, vive à base de medicamentos como Anti-inflamatórios, Analgésicos, Ansiolíticos e Anti-depressivos. - Hoje é Pensionista, com IPA de 100% (Incapacidade Permanente Absoluta), atribuída de forma unanime por Junta médica. - A vítima J… G… P… apresentou queixa contra o Hospital (…), SA, averiguando-se nos autos a responsabilidade do denunciado e dos seus funcionários que executaram as duas cirurgias. - Sendo necessário o depoimento do Dr. A… J… M…, Médico, este recusou prestar esclarecimentos invocando para o efeito o sigilo Profissional que o abrange, (cfr. fls. 18). - Consequentemente o Ministério Público, deduziu a promoção de fls. 20/24, onde suscitou a imprescindibilidade dos esclarecimentos daquela testemunha e promoveu que seja ordenada a quebra do sigilo profissional do Médico em causa. - O Mmº Juiz de instrução considerou legítima a recusa e suscitou a intervenção deste Tribunal, instruindo o traslado com a documentação necessária, (cfr. fls. 25). * DO DIREITOEm causa nos presentes autos, está a quebra do sigilo profissional por parte de um Médico, relativamente a elementos considerados fundamentais para a investigação em curso levada a cabo pelo Ministério Público, em que se pode vir a indiciar eventual crime de violação da leges artis, p. e p. pelo artº 150º do cód. penal. Com efeito, sendo a testemunha A… P… M…, Médico de profissão, o mesmo tem o direito/dever de recusa a prestar depoimento sem para tal estar devidamente autorizado ou verificados que estejam os condicionalismos previstos no artº 32º do Código Deontológico, (Reg. nº 707/2016 de 21.07). No artº 30º daquele diploma consagrou-se o seguinte sobre o âmbito do segredo médico: «1. O segredo médico impõe-se em todas as circunstâncias dado que resulta de um direito inalienável de todos os doentes. 2. O segredo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende especialmente: - a) Os factos revelados diretamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela; b) Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros; c) Os factos resultantes do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica referentes ao doente; d) Os factos comunicados por outro médico ou profissional de saúde, obrigado, quanto aos mesmos, a segredo. 3. A obrigação de segredo médico existe, quer o serviço solicitado tenha ou não sido prestado e quer seja ou não remunerado. 4. O segredo médico mantém-se após a morte do doente. 5. É expressamente proibido ao médico enviar doentes para fins de diagnóstico ou terapêutica a qualquer entidade não vinculada ao segredo médico». Estamos portanto perante uma norma fortemente restritiva no que respeita a eventuais declarações de um médico sobre actos que se reportem ou resultem do exercício da sua profissão, relativamente a qualquer cidadão que tiver tratado, observado ou medicado. O segredo profissional é a proibição de revelar ou a obrigação de não revelar factos ou acontecimentos confiados através de relação profissional ou acedidos no exercício da profissão. Prossegue a tutela da confiança indispensável ao exercício de determinadas profissões e a protecção de dados pessoais ou privados, cfr. Pareceres da PGR, Vol. VI, Os Segredos e a sua Tutela, p. 241 e ss. No entanto, o sigilo profissional, nesta, como noutras profissões igualmente a ele vinculadas por força de lei ou regulamento, admite excepções. O sigilo profissional deve ser aferido casuisticamente em função directa da matéria sobre a qual incide o depoimento, uma vez que o relato de factos de conhecimento pessoal, alheios à qualidade do depoente e próprios de qualquer pessoa comum, não se podem conter dentro da previsão inibitiva de prestação de depoimento decorrente da verificação do sigilo profissional[1 Este direito ao sigilo reconhecido pela lei adjectiva é complementado por um dever de sigilo tutelado pelo direito penal (art. 195º do CP). “A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente, valores ou interesses de índole supra-individual ou institucional” - Cfr. Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 1992, p. 53. O segredo profissional deve reportar-se apenas a factos que as testemunhas percepcionaram e conheceram no exercício das suas funções e exclusivamente por causa dele, ou seja, de factos que vieram ao conhecimento de quem está obrigado ao segredo, em virtude da profissão. O Código Deontológico dos Médicos contempla e regula não só o segredo profissional resultante do exercício individual da medicina como também o que é praticado em unidades de saúde públicas, sociais, cooperativas ou privadas. Nos termos do artº 31º nº 1 «os médicos que trabalhem em unidades de saúde estão obrigados, singular e coletivamente, a guardar segredo médico quanto às informações que constem do processo individual do doente». As excepções ao segredo profissional estão previstas no artº 32º onde sob a epígrafe de “escusa do segredo médico”, se refere expressamente o seguinte: - «Excluem o dever de segredo médico: a) O consentimento do doente ou, em caso de impedimento, do seu representante legal, quando a revelação não prejudique terceiras pessoas com interesse na manutenção do segredo médico; b) O que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do médico, do doente ou de terceiros, não podendo em qualquer destes casos o médico revelar mais do que o necessário, nem o podendo fazer sem prévia autorização do Bastonário; c) O que revele um nascimento ou um óbito; d) As doenças de declaração obrigatória». Esta norma não deve interpretar-se como dando uma faculdade ou o direito de escolha ao Médico de se escusar a depor sobre factos abrangidos pelo segredo, antes cabendo ao tribunal tal apreciação. No caso presente, temos de reconhecer que o depoimento em causa se mostra relevante para o apurar de factos essenciais para a justa decisão da causa, em face do circunstancialismo denunciado, o qual poderá vir a consubstanciar matéria criminal. No entanto, há que concluir também, em face das normas deontológicas referidas, que a recusa da testemunha A… P... M… foi legítima, por estarem em causa factos abrangidos pelo segredo profissional a que está vinculado. Concluindo-se pela legitimidade da escusa, cabe a este Tribunal decidir pela quebra do respectivo sigilo. * DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, ordenam a quebra do sigilo profissional médico ao Dr. A… J… P… M…, relativamente à ocorrência objecto de queixa criminal por parte de J… G… C… P… * Sem custas.* Lisboa 22 de Março de 2017___________________ (A. Augusto Lourenço) _______________________ (João Lee Ferreira) _______________________________________________________
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