Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/14.1ARLSB-A.L1-3
Relator: NUNO COELHO
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
A TEMPESTIVIDADE E VALIDADE DA APRESENTAÇÃO JUDICIAL DOS AUTOS DE INTERCEPÇÕES TELEFONICAS.
A ILEGALIDADE DA DECISÃO JUDICIAL DA IMEDIATA DESTRUIÇÃO DAS ESCUTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - Não existe desrespeito do prazo máximo de 48 horas previsto pelo n.º 4 do Art.º 188.º do CPPenal, se entre o dia em que ele se iniciou e aquele em que foi feita a apresentação ao juiz para validação das intercepções telefónicas se interpôs um fim-de-semana (mesmo que alargado, com feriado seguido de sábado e domingo).
2 - Mesmo que assim não se entendesse sempre se diria que o desrespeito dos prazos máximos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do Art.º 188.º do CPP não determinaria a proibição de utilização das escutas. Na verdade, a eventual inobservância dos requisitos e condições impostos pelos Art.ºs 187.º, 188.º e 189.º do CPPenal constitui nulidade relativa de prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no Art.º 126.º, n.º 3, do mesmo Código, sanável pelo consentimento e que só pode ser conhecida a requerimento do titular do direito infringido. Pelo que se entenderia que o conhecimento oficioso de tal nulidade constituiria excesso de pronúncia, gerador de nulidade e que deve conduzir à revogação da decisão proferida.

3 - Havendo situações em que a autorização da escuta telefónica de um determinado alvo, peticionada simplesmente por referência ao IMEI, poderá contender com os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, outras situações existirão em que essa incompatibilidade pode não se verificar.

4 - Não estando em causa a intercepção de conversações entre o defensor e o arguido ou suspeito, mas antes de intercepções que têm a particularidade de um dos interlocutores ser um advogado, não é necessário invocar a existência de fundadas razões para crer que as conversações incidiam sobre o objecto ou elemento de crime, como exige o Art.º 187.º, n.º 5, do CPPenal, porquanto não existiam os respectivos pressupostos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

Por decisão de 15/9/2014 o Mm.º Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, para além de outras decisões,

- não validou as intercepções telefónicas realizadas entre 28-08-2014 a 10-09-2014, aos alvos 6... (número telefónico) e 66... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito FERNANDO ... e aos alvos 672... (número telefónico) e 6725... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito ...;

- declarou a nulidade dessas intercepções e determinou a destruição imediata dos respectivos registos e sua efectivação em 16/9/2014;

- não prorrogou a autorização para intercepção do IMEI ...e do IMEI ...; e

- não autorizou a intercepção telefónica ao telemóvel n.º 96... e IMEI associado, utilizados por outro suspeito (...).

Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação:

1. Investigam-se nestes autos um grupo de indivíduos e empresas que estão envolvidos na prática de factos susceptíveis de constituir crime de contrabando qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art°s 92o-1-d) e 97° do RGIT, crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 89° do RGIT e crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368°A do C. Penai.

2. No decurso da investigação, verificados os respectivos pressupostos de facto e de direito, mediante promoção do MP, foi judicialmente autorizada a realização de escutas telefónicas dirigidas ao telemóvel com o n° ... e ao associado IMEI ...de FERNANDO ... que se iniciaram em 26-06-2014 e ao telemóvel com o n° ... e ao associado IMEl  ... de ... que se iniciaram em 24-07-2014,

3. Até 15-09-2014, data em que foi proferido o despacho recorrido, estas intercepções estiveram activas nos precisos termos em que foram inicialmente autorizadas a coberto prorrogações judiciais; e

4. Foram sempre escrupulosamente observadas as formalidades exigidas pelo art. 188° do CPP e, muito em particular, o cumprimento tempestivo do prazo de 48 horas previsto no art. 188° n° 4 do CPP.

5. No dia 12-09-2014 (6a feira), em cumprimento do disposto no art.º 188° n° 3 do CPP, o OPC apresentou tempestivamente os autos ao MP acompanhados dos elementos a que se aquele preceito legal e os respectivos suportes magnéticos atinentes às escutas realizadas no período de 28-08-2014 a 10-09-2014.

6. No mesmo dia, o MP ordenou a apresentação dos autos com os suportes técnicos ao M° Juiz para os efeitos do art.º 188° n° 4 do CPP,

7. Nesse despacho o MP promoveu a validação judicial das intercepções realizadas entre 28-08-2014 a 10-09-2014, aos alvos 6... {número telefónico) e 66...  (IMEI associado) utilizados pelo suspeito FERNANDO ... e aos alvos 672... (número telefónico) e 6725... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito ...,

8. Que fossem prorrogadas essas escutas e

9. Fosse autorizada a intercepção telefónica ao telemóvel n° 96... e IMEl associado, utilizados pelo suspeito ..., que é advogado, ante a existência de indícios do seu envolvimento na actividade criminosa e da utilização daqueles dispositivos na sua prossecução.

10. Os autos foram apresentados ao M° Juiz em 15-09-2014, data em que proferiu o despacho recorrido.

11. Nesse despacho o M° Juiz declarou nulas e ordenou a imediata destruição das intercepções apresentadas para validação por entender não ter sido cumprido o prazo de 48 horas previsto no art. 188° n° 4 do CPP por ter terminado em 14-09­2014 (domingo) e não em 15-09-2014 (2.ª feira).

12. Por força da conjugação dos arts. 103° n° 1 e 104° n° 1 do CPP e 138° n° 2 do CP.Civil, terminando o prazo para a prática do ato em dia em que os tribunais estão encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte, que no caso, foi 15-­09-2014 (2.ª feira).

13. Assim, foi observado o prazo de 48 horas do art. 188° n° 4 do CPP, não existindo suporte legal para recusar a validação e declarar a nulidade das intercepções,

14. Pelo que o M° Juiz ao decidir como decidiu violou o disposto nos art. 188° n° 4, 103° n° 1, 104° n° 1 do CPP e do art. 138° n° 2 do C.P.C.

15. Ademais, ainda que tivesse existido esse vício, por dizer respeito à violação de regras procedimentais de validação de escutas autorizadas e (art. 188° do CPP) e não de regras de admissibilidade das escutas como meio de obtenção de prova - o que constitui uma nulidade absoluta extra-sistémica - o M° Juiz não podia, oficiosamente, declarar essa nulidade sem prévia arguição dos interessados por se tratar de nulidade sanável (art. 120° do CPP) como ensina a doutrina e a jurisprudência mais representativa e dominante {art. 187° do CPP; cfr. ainda arts. 118° n°3e 126° do CPP).

16. Deste modo, ao decidir como decidiu o M° Juiz violou as normas dos arts. 118 n° 3, 119°, 120°, 126°, e 190° do CPP.

17. Tão-pouco podia o M° Juiz ordenar a destruição dessas intercepções e a sua execução imediata dessa ordem, sem que o despacho tivesse transitado em julgado porque a decisão era recorrível (art. 309° do CPP; cfr. art. 400° do CPP), desvalorizando o direito do MP recorrer desse despacho e o direito dos suspeitos, uma vez constituídos arguidos, poderem utilizar essas escutas na sua defesa.

18. Ao decidir como decidiu o M° Juiz violou o disposto nos arts 188° n° 9, 309° e 400° do CPP.

19. Por outro lado, reconhecendo a subsistência dos pressupostos de facto e de direito das intercepções em curso, o M° Juiz prorrogou/autorizou, por 30 dias, as intercepções aos alvos 6... e 672..., ou seja aos cartões telefónicos,

20. Mas recusou igual prorrogação em relação aos IMEI associados - alvos 66... e 6725... - por entender existir a possibilidade de terceiros virem a utilizar os aparelhos de telemóvel dos suspeitos.

21. A intercepção simultânea de cartões telefónicos e aparelhos de telemóvel utilizados pelos suspeitos é indispensável para prevenir substituições dos cartões telefónicos ou dos aparelhos de telefone móvel porque se só um desses dispositivos estiver sob intercepção e for substituído, a intercepção telefónica fica irremediavelmente inviabilizada.

22. A intercepção aos IMEI é essencial para, em caso de substituição dos cartões telefónicos em utilização pelos suspeitos, identificar o novo cartão e promover a sua intercepção e dar continuidade às intercepções até à autorização judicial para o efeito.

23. Na eventualidade de os aparelhos de telemóvel sob intercepção serem utilizados por terceiros, cabe ao M° Juiz usar o mecanismo do art. 188° n° 6 do CPP se se verificarem os demais requisitos de aplicação.

24. Ao decidir como decidiu o Mm.º Juiz violou o disposto no art. 187° n°s 1 e 4 do CPP e desconsiderou a norma contida no art.º 188° n° 6 do CPP.

25. Além disso, apesar de reconhecer a existência de indícios do seu envolvimento nos fatos em investigação, o M° Juiz também não autorizou a intercepção do telemóvel n° 96... e ao IMEI associado utilizados pelo suspeito ....

26. O M° Juiz, sem objectar à indispensabilidade dessas intercepções para a descoberta da verdade e para a prova, considerou que sendo aquele um advogado, existia a forte possibilidade de intercepção de conversações cobertas pelo sigilo profissional alheia à actividade criminosa e a lei exige a verificação de fundadas razões para crer que elas constituem, objecto ou elemento de um crime e não apenas que poderiam ser muito relevantes para a descoberta da verdade ou da prova.

27. Porem, o suspeito ..., não é defensor nos autos - não há procuração nem teve qualquer intervenção em defesa dos suspeitos - e, tão-pouco: não há arguidos constituídos, pelo que não é aplicável o art. 187° n° 5 do CPP

28. Tratando-se de umas "vulgares" intercepções - com a particularidade de visarem um advogado - não são necessárias fundadas razões para crer que as conversações incidem sobre o objecto ou elemento de crime, como exige o art. 187° n° 5 do CPP.

29. Em todo o caso, essas fundadas razões existem e são atestadas por conversações telefónicas entre ... e FERNANDO ... - interceptadas nos alvos 6... e 66... - sobre diligências e esforços no sentido de as autoridades aduaneiras não colocarem entraves aos despachos aduaneiros, em razão da declaração de mercadorias por valores inferiores aos reais.

30. Não havendo fundamento para recusar essas intercepções, o M° Juiz devia ter autorizado a sua realização, em obediência ao art. 187° n° 1 do CPP e

31. Caso fossem interceptadas conversações em que intervenham terceiros e/ou que incidam sobre matérias cobertas pelo segredo profissional do advogado aplicar o disposto no art. 188° n° 6 do CPP

32. Pelo exposto, ao não autorizar a requerida intercepção ao posto móvel do suspeito ..., nos moldes em que o fez, o M° Juiz violou o disposto nos arts. 187° n° 1 e n° 5 e desconsiderou a norma do art 188° n° 6, todos do CPP.

33. Pelo exposto, tendo violado o disposto nos arts. 103° n° 1, 104° n° 1 do CPP e do art 138° n° 2 do C.P.C, e arts. 118° n° n° 3, 119°. 120°, 187° n°s 1. 4 e 5, 188° n° 4, e desconsiderado a norma do art. 188° n°s 6 e 9 e arts. 309° e 400" todos do CPP

A DECISÃO do M° Juiz, na parte recorrida, deve ser REVOGADA E SUSBTITUÍDA POR OUTRA que:

- Declare a validade das intercepções realizadas entre 28-08-2014 a 10-09­2014, aos alvos 6... (número telefónico) e 66... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito FERNANDO ... e aos alvos 672... (número telefónico) e 6725... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito ..., nos moldes promovidos pelo MP

- Que permita a sua recuperação através dos registos mantidos em disco óptico no Departamento de Telecomunicações e Informática da Policia Judiciária,

- Que autorize a continuação das intercepções ao IMEl ...de FERNANDO ... e ao IMEl ... de ..., como promovido pelo MP

- Que autorize a intercepção do telemóvel n.º 96... e ao IMEI associado utilizados pelo suspeito ....

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

Nesta sede o Ex.mo Procurador-geral adjunto apôs o seu visto.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                                                                       ***

II. FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação sendo, por isso estas as questões a apreciar: (1) da tempestividade da apresentação ao juiz dos autos relativos às intercepções telefónicas e da sua validade, por alegada violação das formalidades dispostas no Art.º 188.º do CPPenal; (2) da ilegalidade da decisão que determina a imediata destruição das escutas em apreço; (3) da não verificação dos pressupostos de prorrogação das intercepções aos IMEI’s utilizados pelo suspeito; e (4) da não verificação dos pressupostos de realização de intercepções ao suspeito Alves ….

                                                           ***

Importa antes de mais atentar no teor da decisão recorrida e dos factos que constituem a sua fundamentação.
*

I. CONHECIMENTO DAS INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS.
Fls. 511 a 519 e correspondentes relatórios policiais: Tomei conhecimento considerando a colaboração policial (sem prejuízo do referido no ponto 5 de fls. 514, pelos motivos ali indicados). ---

A ATA deverá passar a constituir 3 cds referentes a cada alvo, um contendo as sessões cuja a transcrição será sugerida ao MºPº e as que exisgem uma decisão ao abrigo do n.º5 do artº 188, outro contendo as sessões que se enquadram no nº6 do artº 188 do CPP (ou seja aquelas que disserem respeito a conversações em que não intervenham o suspeito ou arguido; a pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou a vítima de crime, mediante o respectivo consentimento; que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias) e um terceiro contendo todas as outras sessões, o qual terá o destino que alude o nº 12 do artº 188 do CPP. ---

                Desde já nomeio o órgão de polícia criminal encarregue da investigação para me coadjuvar na tarefa de me inteirar do conteúdo das conversações ou comunicações, devendo este elaborar relatório e apresentar os CDs supra mencionados. ----

II. NULIDADE DE INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS
Estando em causa intercepções telefónicas realizadas no período entre 28 de Agosto de 2014 e 10 de Setembro de 2014, tempestivamente apresentadas ao Ministério Público (que sobre elas se pronunciou no dia 12 de Setembro de 2014), deveriam as mesmas ter sido levadas ao conhecimento do juiz até 14 de Setembro de 2014; uma vez que tal remessa dos autos e consequente conhecimento das intercepções telefónicas apenas ocorreu no dia de hoje (15 de Setembro de 2014), declaro nulas tais intercepções telefónicas (arts. 188.º, n.º4 e 190.º do Código de Processo Penal), pelo que determino a sua destruição.
Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas sobre o aproveitamento ou validade de tais intercepções telefónicas.

III. PRORROGAÇÃO DE INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS.

Mantendo-se os fundamentos de factos e de direito (sem ponderação das intercepções declaradas nulas) que determinaram a intercepção aos alvos em vigor (quadro de fls. 3458), nos termos do disposto nos arts. 187 a 190 do Código de Processo Penal:

a) Prorrogo por 30 dias a intercepção telefónica aos números …. e …. nos termos anteriormente autorizados. ---
b) Caso as operadoras não tomem conhecimento desta renovação antes do termo de cessação da autorização, desde já autorizo nova intercepção telefónica, aos alvos supra referidos, nos termos anteriormente autorizados, pelo período de 30 dias.---
c) Indefiro a prorrogação da intercepção de IMEIs por entender que tal tipo de intercepção se mostra muito ampla e insegura quanto ao seu objecto (art. 187.º, n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal) por ter por referência um telemóvel e não um número, critério verificado também em concreto nestes autos, sem que se verifique uma especial justificação para esse enquadramento. -----
d) Indefiro a intercepção ao n.º 96.... utilizado pelo suspeito Álvaro … ponderando a qualidade dos indícios validamente recolhidos e o facto de o mesmo exercer a advocacia.
Existem efectivamente alguns indícios de que o mesmo, possivelmente no exercício da sua actividade profissional (sendo irrelevante a existência de procuração junta aos autos), colabore de alguma forma na actividade criminosa em investigação; no entanto, a realização de uma intercepção telefónica a quem exerce tal actividade deve ser mais exigente porque implica a forte possibilidade de intercepção de inúmeras comunicações cobertas por sigilo profissional alheias à actividade criminosa em causa nestes autos, o que constitui um contra motivo muito forte para serem evitadas.
Note-se que mesmo nos casos em que as mesmas são admitidas (art. 187.º, n.º5, do Código de Processo Penal) – que neste processo poderiam ser uma pequena parte das efectuadas no número em questão – a lei exige a verificação pelo juiz de fundadas razões para crer que elas constituem, por si, objecto ou elemento de um crime, e não apenas que poderiam ser muito relevantes para a descoberta da verdade ou da prova.
Por isso considerando disposto nos arts. 187.º, n.º1 e n.º5, do Código de Processo Penal, 18.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa, entendo que não se verificam os pressupostos de admissibilidade da referenciada intercepção telefónica.---
DN.---

IV. Sigilo bancário.
De acordo com o disposto no art. 79.º, n.º2, d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não há lugar a sigilo bancário no âmbito de um processo penal sempre que a solicitação seja feita por autoridade judiciária, pelo que não há que determinar o levantamento de sigilo bancário. ---- -


DS

(elaborei e revi)”

                                                           ****

É este circunstancialismo que há-de ser considerado, fundamentalmente, para bem decidir este recurso.

(1) Da tempestividade da apresentação ao juiz dos autos relativos às intercepções telefónicas e da sua validade, por alegada violação das formalidades dispostas no Art.º 188.º do CPPenal.

No despacho ora impugnado o Mm.º juiz de instrução a quo, considerando que estavam em causa intercepções telefónicas realizadas no período entre 28 de Agosto de 2014 e 10 de Setembro de 2014, tempestivamente apresentadas ao Ministério Público (que sobre elas se pronunciou no dia 12 de Setembro de 2014), concluiu que as mesmas lhe deveriam ter sido levadas ao conhecimento até 14 de Setembro de 2014. Percebendo que tal remessa dos autos e consequente conhecimento das intercepções telefónicas apenas ocorreu no dia 15 de Setembro de 2014, declarou nulas tais intercepções telefónicas (cfr. Art.ºs 188.º, n.º 4 e 190.º do Código de Processo Penal), e determinou a sua destruição.

Cumpre apreciar.

A ratio subjacente ao controlo apertado das escutas telefónicas, em matéria que contende com direitos fundamentais, determina a natureza urgente daqueles actos, impondo que os prazos estabelecidos para a sua prática corram em férias.

Tal natureza urgente compagina-se com a realização do acto dentro do período normal de funcionamento dos tribunais, mesmo durante o período de férias.

Pelo que se entende que inexiste desrespeito do prazo máximo de 48 horas previsto pelo n.º 4 do Art.º 188.º do CPPenal se entre o dia em que ele se iniciou e aquele em que foi feita a apresentação ao juiz se interpôs um fim-de-semana (mesmo que alargado, com feriado seguido de sábado e domingo).

Assim, o prazo de 48 horas a que se reporta o n.º 4 do Art.º 188.º do CPPenal - ou seja, o prazo concedido ao MP para apresentação das escutas ao juiz de instrução - está sujeito às regras de contagem decorrentes do Art.º 104.º, n.º 1, do CPPenal e, consequentemente, às normas do processo civil.

Na hipótese daqueles elementos serem fornecidos ao Ministério Público numa sexta-feira, ainda que o respectivo magistrado promova em menos de 24 horas, não é possível a apresentação ao juiz nas 24 horas seguintes, atendendo a que aos domingos não há turnos e, consequentemente, não há a possibilidade de praticar quaisquer actos processuais.

Assim, atendendo a que as 48 horas, a que se reporta o Art.º 188.º, n.º 4, do CPPenal, completaram-se num domingo, a apresentação ao juiz deve, por aplicação do estatuído no Art.º 144.º, n.º 2, do CPCivil, ocorrer no primeiro dia útil seguinte (segunda-feira).

Neste sentido, para além da jurisprudência à frente indicada, José A. H. dos Santos Cabral, em anotação ao Art.º 188.º em Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 816-817.

Mesmo que assim não se entendesse sempre se diria que o desrespeito dos prazos máximos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 do Art.º 188.º do CPP não determinaria a proibição de utilização das escutas.

Na verdade, a eventual inobservância dos requisitos e condições impostos pelos Art.ºs 187.º, 188.º e 189.º do CPPenal constitui nulidade relativa de prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no Art.º 126.º, n.º 3, sanável pelo consentimento e que só pode ser conhecida a requerimento do titular do direito infringido. Pelo que se entenderia que o conhecimento oficioso de tal nulidade constituiria excesso de pronúncia, gerador de nulidade e que deve conduzir à revogação da decisão proferida. Se o prazo para a apresentação das escutas pelo Ministério Público ao juiz de instrução se completar num domingo, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

Neste sentido maioritário, consultem-se os Acs. da RL de 28/5/2013, CJ, t3, pp. 108; da RP de 28/3/2012, processo n.º 86/06.0GBOVR.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0d4370594e37e5a8802579f30038032b?OpenDocument, de 10/10/2012, processo n.º 288/11.1GDSTS.B-A.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f39713767520712a80257a9c004a205e?OpenDocument; e da RE de 22/1/2008, processo 3104/07-1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/3b7643428826562f802574010053dc73?OpenDocument.

Razão pela qual se entende que o despacho impugnado deverá ser alterado, desde logo, na parte que não valida as intercepções telefónicas realizadas entre 28/8/2014 a 10/9/2014, aos alvos 6... (número telefónico) e 66... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito FERNANDO ... e aos alvos 672... (número telefónico) e 6725... (IMEl associado) utilizados pelo suspeito ..., por aventada nulidade.

Estando as escutas judicialmente autorizadas, o Mm.º juiz a quo não podia declarar oficiosamente a nulidade das intercepções realizadas porque não estava em causa a inobservância dos pressupostos de admissibilidade das intercepções, mas antes uma hipotética inobservância de procedimentos legalmente obrigatórios de validação de intercepções realizadas a coberto de prévia autorização judiciária.

Ainda que tivesse existido uma tal nulidade, que efectivamente não existiu, o mesmo juiz só a poderia declarar depois de arguida pelos interessados (cfr. Art.º 120° do CPP), o que não foi o caso (sendo certo que ainda não houve lugar à constituição de arguidos).

Ao decidir como decidiu o Mm.º juiz violou as normas dos Art.ºs 118.º, n.º 3, 119.º, 120.º, 126.º, e 190.º do CPPenal, na interpretação que aqui se entende como a mais válida.

Logo se percebendo, deste fundamentos, da revogação deste despacho na parte em que declarou a nulidade dessas intercepções e determinou a destruição imediata dos respectivos registos e sua efectivação em 16/9/2014. E isto também pelas razões sustentadas no ponto (2) seguinte.

(2) Da ilegalidade da decisão judicial que determina a imediata destruição das escutas em apreço.

Neste despacho judicial em que o juiz de instrução intervém sobre a manutenção ou a indispensabilidade das escutas, o mesmo juiz não se pronuncia definitivamente sobre a validade das escutas, pois esta decisão só pode ser tomada depois de satisfeito o imperativo constitucional do contraditório. Trata-se, na verdade, de um despacho de natureza provisória, que visa apenas manter o controlo da adequação contínua da intrusão na privacidade.

Mesmo numa situação em que o juiz de instrução opta por não manter a escutas, por entender pela sua não indispensabilidade ou pela inexistência dos seus outros pressupostos substantivos ou formais, o juiz ordena a sua cessação imediata relativamente aos seus objectos, mas ficando provisoriamente nos autos os respectivos suportes técnicos.

Nessas circunstâncias, sabe-se que na sequência da dita declaração de nulidade das referidas escutas, o Mm.º juiz a quo ordenou a destruição das escutas em apreço - incluindo as que o MP se propunha ordenar transcrever e juntar aos autos por serem relevantes para a prova - e a execução imediata dessa ordem, sem que aquele despacho tivesse sido confrontado com contraditório e dele resultasse o trânsito em julgado.

Tratando-se de decisão passível de recurso (Art.º 309.º do CPP; cfr. Art.º 400.º do CPPenal) o Mm.º juiz a quo não podia ordenar a destruição dessas escutas e a sua imediata execução, antes do trânsito em julgado, desvalorizando o direito dos suspeitos, uma vez constituídos arguidos, poderem utilizar essas escutas se assim o pretenderem no âmbito da sua estratégia de defesa, ao abrigo do disposto no Art.º 188.º,  n.º 9, al. b) do CPPenal.

Nessas circunstâncias, também aqui se entende existir razões para a revogação do despacho na parcela indicada.

(3) Da não verificação dos pressupostos de prorrogação das intercepções aos IMEI’s utilizados pelo suspeito. 

Cessando em 19/9/2014 o prazo judicialmente autorizado para as intercepções em curso aos alvos 6... (cartão telefónico) e 66... (IMEl associado) e aos alvos 672... (cartão telefónico) e 6725... (IMEI associado), mas no pressuposto da indispensabilidade de manutenção dessas escutas para a descoberta da verdade e obtenção de prova que, de outro modo não seria possível alcançar, o Ministério Público requereu ao Mm.º juiz  a quo que, nos termos dos Art.ºs 187.º,  n.º 1, 188.º, 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), todos do CPPenal, fosse prorrogada a autorização para essas intercepções, por igual período e nos precisos termos em que anteriormente tinham sido autorizadas.

No seu despacho, aqui impugnado, o mesmo juiz, reconhecendo a subsistência dos pressupostos de facto e de direito que tinham determinado essas intercepções, prorrogou/autorizou, por 30 dias, as intercepções aos alvos 6... e 672..., ou seja aos cartões telefónicos, mas recusou igual prorrogação em relação aos IMEI associados - alvos 66... e 6725... - "por entender que tal tipo de intercepção se mostra muito ampla e insegura quanto ao seu objecto (cfr. Art.º 187.º, n.ºs 1 e 4, do CPPenal) por ter por referência um telemóvel e não um número, critério verificado também em concreto nestes autos, sem que se verifique uma especial justificação para esse enquadramento.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar, há que destacar que nesta parcela decisória se veio a entender que a decisão judicial anteriormente proferida se não deveria renovar no que respeita aos IMEI associados, isto com fundamento da sua falta de justificação. Subjacente a essa decisão estará a eventual possibilidade de os aparelhos de telemóvel utilizados pelos suspeitos poderem ser utilizados por terceiros.

Na verdade, no processamento da escuta a concretização do seu objecto e do meio de concretização é uma questão fundamental.

O despacho que autoriza a intercepção e gravação de conversações telefónicas deve indicar razões que façam crer da sua necessidade e indispensabilidade, mas não tem de ser precedido da demonstração da inadequação à investigação de meios de prova menos invasivos.

É evidente que uma autorização concedida com uma maior amplitude, incidindo genericamente sobre o aparelho utilizado para colocar sob escuta o suspeito ou o arguido, apanha na “rede” não só as chamadas telefónicas deste, mas também as de quem, sendo estranho ao processo, as realiza através desse aparelho. Mas a verdade é que esse não deve ser um pressuposto inultrapassável, sabendo-se que medianamente o utilizador de um aparelho é-o de facto quase em monopólio e que cada situação deverá ser devidamente ponderada, aceitando-se que, por exemplo, num procedimento em que há notícia de que o alvo utiliza vários cartões, seja interceptado através do aparelho que possui, assim abrangendo todos os cartões nele utilizados. Ou até através dos cartões, interceptando vários aparelhos, adquirido que é a pluralidade de combinações possível na utilização de meios de comunicação pelos arguidos com o fito de se furtarem às malhas da investigação, utilizando diversos telefones e vários cartões, alterando, com frequência, a sua fonte de comunicação.

“Numa era de crescente evolução tecnológica, em que os agentes do crime se munem de artifícios sofisticados para despistar os investigadores, também se impõe que a estes sejam concedidos os meios que assegurem a eficácia da investigação, sempre em conformidade com os princípios da adequação e da proporcionalidade e numa ponderação casuística sobre a factualidade indiciária da prática do crime e da necessidade investigatória”  - assim, para além da jurisprudência à frente indicada, José A. H. dos Santos Cabral, em anotação ao Art.º 187.º em Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 794.

Haverá situações em que a autorização da escuta telefónica de um determinado alvo, peticionada simplesmente por referência ao IMEI, poderá contender com os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, mas outras situações existem em que essa incompatibilidade pode não se verificar.

De resto, em matéria de escutas telefónicas, a lei contempla no n.º 6 do Art.º 188.º do CPPenal - mecanismos aptos a banir os eventuais perigos resultantes da autorização para gravação e intercepção de comunicações telefónicas peticionadas apenas com referência ao IMEI, designadamente a possível utilização desses IMEI por pessoas que não se encontrem em alguma das situações referidas no Art.º 187.º, n.º 4 do CPPenal.

Assim, na ...ha dos Acs. do STJ de 22/9/2010, CJ STJ, t4; da RL de 4/2/2003, processo n.º 0000955, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c5924883fa421f5980256ce700334655?OpenDocument; e de 22/9/2010, processo n.º 48/10.7PJAMD-A.L1, disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_busca.php?busca=assunto&buscajur=escutas&areas=57&exacta=on&buscaprocesso=&buscaseccao=&pagina=1&ficha=1; e da RP de 28/3/2012, processo n.º 86/06.0GBOVR.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0d4370594e37e5a8802579f30038032b?OpenDocument.

No caso, os IMEI que o MP pretende que continuem sob escuta, pelo período indicado, já tinham sido ordenados anteriormente, tal como se encontra devidamente justificado nos autos.

Estes mesmos autos têm por objecto a investigação de um grupo de indivíduos e de empresas importadoras com sede formal no território nacional em relação aos quais existem fortes suspeitas do seu envolvimento na importação de mercadorias provenientes da China, que declaram às autoridades aduaneiras portuguesas, mas por preços de aquisição inferiores aos reais, fazendo com que a prestação tributária devida pela entrada das mercadorias no território da UE - os direitos aduaneiros - e a liquidação do IVA (no Estado-membro de destino final) sejam inferiores aos legalmente devidos.

Dessa forma, os aludidos indivíduos e empresas em causa conseguirão obter vantagens fiscais ilegítimas às custas do correspondente prejuízo do Estado português e do Estado Membro de destino (que poderá ser o Estado português ou outro Estado-membro). Esses serão os indícios reunidos nos autos.

Tais factos são, pois, susceptíveis de integrar o crime de contrabando qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art.ºs 92.º, n.º 1, alínea d), e 97.º do RGIT e o crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 89° do RGIT, sem prejuízo de outros que se venham a verificar.

Logo no início da investigação, o OPC veio sugerir ao Ministério Público a realização de intercepções telefónicas ao posto móvel utilizado por um dos indivíduos suspeitos.

Concordando com a sugestão apresentada pelo OPC, o Ministério Público promoveu ao Mm.º Juiz do TCIC (fls. 140-146v.), para além do mais, que fosse autorizada pelo período de 30 dias a intercepção e gravação das comunicações efectuadas através do telemóvel com o número ... e respectivo IMEI, utilizados pelo suspeito FERNANDO ....

Para o efeito, o mesmo MP referiu que o recurso a esse meio de obtenção de prova era indispensável para descoberta da verdade e para a recolha de prova que, de outra forma e face ao estado da investigação, invocando as seguintes razões:

- a dificuldade de obter informações nos meios em que se movimentam os indivíduos envolvidos e às cautelas de que se rodeiam,

- a mobilidade das mercadorias que estão em trânsito, à dispersão geográfica da actividade em causa e

- a sofisticação de métodos e meios que, normalmente, são utilizados em tais actividades por grupos com o mínimo de estrutura organizativa idónea à concretização dos objectivos que prosseguem; e que

- só através desse meio de prova, seria possível identificar outros indivíduos envolvidos na actividade criminosa e determinar antecipadamente onde e quando irão ser realizadas novas operações de desalfandegamento de mercadorias no território nacional

Sobre essa promoção recaiu o douto despacho judicial datado de 25/6/2014 (fls. 165-176) que, reconhecendo a pertinência do promovido e a existência dos respectivos pressupostos de facto e de direito, autorizou as requeridas intercepções.

Estas intercepções iniciaram-se em 26/6/2014, tendo sido atribuído ao número telefónico 939 999 002 o código Alvo 6... e ao IMEl ...o código Alvo 66... (fls. 185-187).

De igual modo, mediante promoção do MP com os mesmos fundamentos (fls. 248-251) foi judicialmente autorizada, por despacho de em 23-07-2014, a intercepção telefónica ao telemóvel com o número ... e IMEI associado, utilizados pelo suspeito ... (fls. 255-258).

Estas intercepções iniciaram-se em 24/7/2014, tendo sido atribuído ao número telefónico ... o código Alvo 67256040 e ao IMEI ... c código Alvo 6725... (fls. 285, 286).

Até 15/9/2014, data em que foi proferido o despacho recorrido, estas intercepções mantiveram-se activas nos moldes inicialmente autorizadas a coberto do necessário despacho judicial que autorizou a sua prorrogação.

Nestas condições, tomamos como certos que inexistem razões para não continuar a prorrogação das intercepções telefónicas com a amplitude com que foram determinadas inicialmente, reconhecendo-se então razões excepcionais e ponderosas na articulação com os factos indiciados, as circunstâncias do caso e o tipo de criminalidade aqui em jogo.

Certo que ao recusar autorização para a continuação da intercepção dos aludidos IMEI, o despacho agora proferido pode criar as condições ao malogro das operações de intercepção em curso, cujos fundamentos de facto e de direito reconheceu existirem, isto na eventualidade de os suspeitos substituírem os cartões telefónicos que têm estado a utilizar por outros e, dessa forma, fazer fracassar a investigação em causa.

Impunha-se, por isso, determinar a prorrogação da autorização para a (continuação) da intercepção do IMEI ...e do IMEI ..., reconhecendo-se que ao decidir como decidiu o Mm.º juiz a quo violou o disposto no Art.º 187.º, n.ºs 1 e 4, do CPPenal e desconsiderou a norma contida no Art.º 188.º, n.º 6, do CPPenal.

(4) Da não verificação dos pressupostos de realização de intercepções ao suspeito Alves Caneira.

No despacho judicial aqui impugnado, indeferiu-se, também assim, o pedido de intercepções telefónicas ao posto móvel (cartão telefónico e IMEI associado) utilizado por um outro suspeito, que é advogado, por se entender existir a forte possibilidade de serem interceptadas conversações cobertas pelo sigilo profissional alheias à actividade criminosa e porque a lei exige a verificação de fundadas razões de que elas constituem, por si, objecto ou elemento de um crime e não só a possibilidade de serem muito relevantes para a descoberta da verdade ou da prova.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar, há que destacar que no despacho impugnado se reconhece a existência de indícios de colaboração do identificado ... na actividade criminosa em investigação nos autos. Mas em face da qualidade profissional do arguido em causa, pondera-se a necessidade de uma convergência maior de indícios e de fundadas razões para a determinação das escutas.

Tal como o Ministério Público invoca na sua motivação de recurso, também entendemos que no despacho impugnado se confundem duas realidades distintas:

- a intercepção de conversações entre arguido e o defensor, aqui entendido como defensor aquele que foi constituído no processo, mas também o advogado que, de algum modo, intervém no processo em defesa do arguido; e

- a intercepção de conversações que se encontram cobertas pelo sigilo profissional do advogado.

Enquanto a intercepção de conversações ou comunicações entre o arguido e o defensor são proibidas, a não ser que existam fundadas razões para crer que constituem objecto ou elemento de crime – cfr. Art.º 187.º, n.º 5, do CPPenal -, as segundas não o são, mas ficam sujeitas ao controlo judicial nos termos do já referido Art.º 188.º n.º 6, do CPPenal, devendo o juiz ordenar a sua destruição se o seu conteúdo for estranho ao processo.

E, aqui, também mais uma vez se terá de proceder a uma correcta análise da situação concreta, fazendo uma adequada conciliação dos mencionados princípios da adequação e da proporcionalidade e numa ponderação casuística sobre a factualidade indiciária da prática do crime e da necessidade investigatória.

O identificado ... não se encontra constituído como defensor nos autos (não existe qualquer procuração) e não teve qualquer intervenção no processo em defesa dos demais suspeitos e tão-pouco houve lugar à constituição de arguidos.

Portanto, não estando em causa a intercepção de conversações entre o defensor e o arguido ou suspeito, mas antes de umas intercepções com a particularidade de que um dos interlocutores é um advogado, não é necessário invocar a existência de fundadas razões para crer que as conversações incidiam sobre o objecto ou elemento de crime, como exige o Art.º 187.º, n.º 5, do CPPenal, porquanto não existiam os respectivos pressupostos.

Ante as suspeitas de envolvimento de ... na actividade criminosa e na sequência de sugestão apresentada pelo OPC, com a qual concordou, o Ministério Público também promoveu ainda que, ao abrigo do disposto nos Art.ºs 187.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, al. a), 188.º, 189.º e 269.º, n.º, 1 al. e), todos do CPPenal, fosse judicialmente autorizada pelo prazo de 30 dias a intercepção e gravação de todas as comunicações áudio e fax, incluindo o registo e gravação de voz-off, efectuadas pelo telemóvel com o número 96..., utilizado pelo mesmo suspeito ..., com registo de trace-back, identificação do IMEI e localização celular e aos IMEI associados e a obtenção, junto da TMN de informações atinentes à identificação da conta bancária agregada ao referido cartão e a outros cartões associados ao mesmo cliente ou à mesma conta e a listagem das chamadas recebidas e efectuadas pelo aludido telemóvel, com a indicação da respectiva localização celular.

O MP justificou a necessidade de recorrer a esse meio de prova, salientando:

- a existência de fortes suspeitas de que aquele e outros suspeitos - alguns já sob intercepção telefónica - exercerem influências no sentido de os despachos aduaneiros apresentados pelas sociedades M…, F… e V… não serem bloqueados pelas autoridades aduaneiras em razão da declaração de valores inferiores aos reais das mercadorias importadas;

- a existência de conversações interceptadas nos alvos 6... e 66..., entre o aludido FERNANDO ... e ..., que foi funcionário da ex- DGAIEC e que, actualmente, exerce funções de consultadoria jurídica e advogado nas áreas aduaneira e fiscal, cujo teor está relacionado com diligências e esforços no sentido de os despachos aduaneiros apresentados pelas sociedades M…, F…. .e V… Líder não serem bloqueados pelas autoridades aduaneiras nacionais devido à declaração de valores inferiores aos reais nas mercadorias importadas;

- a existência de indícios do seu escritório na Rua de … em Lisboa estar a ser utilizado como sede de conveniência das sociedades M… e T… (que parece ter dado lugar à primeira) uma vez que a morada desse escritório coincidia com a sede das referidas sociedades (fls. 420-436, 444-451).

- na circunstância do mesmo ... ser pessoa conhecedora das formalidades e dos meandros aduaneiros e na existência de indícios de actuar conluiado com o FERNANDO ... na descrita actividade de fuga aos direitos aduaneiros devidos ao Estado, assumindo um papel indispensável na actuação dos suspeitos;

- a indispensabilidade das intercepções telefónicas para descoberta da verdade e recolha de prova que, de outra forma e face ao estado da investigação, não seria possível conseguir devido à dificuldade de obter informações nos meios em que se movimentam os indivíduos envolvidos, às cautelas de que se rodeiam, à mobilidade das mercadorias que estão em trânsito, à dispersão geográfica da actividade em causa e à sofisticação de métodos e meios que, normalmente, são utilizados em tais actividades por grupos com o mínimo de estrutura organizativa idónea à concretização dos objectivos que prosseguem;

- só através desse meio de prova, será possível identificar outros indivíduos envolvidos na actividade criminosa; determinar antecipadamente onde e quando irão ser realizadas novas operações de desalfandegamento de mercadorias no território nacional e proceder à sua intercepção; obter provas indiciárias dos factos criminosos, do envolvimento dos suspeitos e de outros indivíduos na actividade criminosa de contornos transnacionais que têm vindo a prosseguir de forma organizada com a comparticipação de indivíduos de outras nacionalidades;

- o recurso a outras formas de investigação menos compressoras de direitos constitucionalmente reconhecidos iria, quase seguramente, fazer malograr toda a investigação permitindo aos suspeitos ter conhecimento da presente investigação e dela se precaverem, destruindo, ocultando ou fazendo esfumar-se meios de prova da actividade criminosa; e

- a inexistência de procuração daqueles nos autos, nos quais não teve qualquer tipo intervenção em defesa de quem quer que seja, pelo que não deve ser considerado defensor.

Alguns dos indícios decorrem de conversações por ele mantidas com o suspeito FERNANDO ... que foram interceptadas nos alvos 6... e 66..., o que atesta a utilização de dispositivos de comunicação móvel pelo suspeito ... no desenvolvimento da actividade criminosa e a indispensabilidade da intercepção telefónica ao posto móvel por ele utilizado.

Não se pode afastar a possibilidade de nas escutas telefónicas a ..., serem interceptadas conversações em que intervenham terceiros e/ou que incidam sobre matérias cobertas pelo segredo profissional do advogado, mas isso não é só por isso fundamento para recusar a sua autorização.

No despacho judicial impugnado não foi refutada a indispensabilidade dessas intercepções para a descoberta da verdade ou para a prova. Pelo contrário, o Mm.º juiz a quo reconheceu existirem indícios do envolvimento de ... na actividade criminosa em investigação.

Por tudo o exposto, considera-se que ao não autorizar a requerida intercepção ao posto móvel do suspeito ..., nos moldes em que o fez, o Mm.º juiz  a quo fez uma incorrecta interpretação do disposto nos Art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 5, e desconsiderou também  a norma do Art.º 188.º, n.º 6, todos do CPPenal.

                                                                       ****

Em face de tudo exposto, impõe-se a procedência total do recurso interposto pelo Ministério, revogando-se o despacho na sua parte de indeferimento, devendo o tribunal a quo proferir um despacho que defira o requerimento do Ministério Público em apreço.

                                                                       ****

III. DISPOSITIVO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam, em dar total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão judicial do tribunal  a quo, proferida a 15/9/2014, na sua parte de indeferimento e de anulação, determinando-se a substituição dessa decisão por outra que valide as intercepções telefónicas realizadas entre 28/8/2014 a 10/9/2014, aos alvos 6... (número telefónico) e 66... (IMEI associado) utilizados pelo suspeito FERNANDO ... e aos alvos 672... (número telefónico) e 6725... (IMEI associado) utilizados pelo suspeito ..., que prorrogue a autorização para intercepção do IMEI ...e do IMEI ..., e que autorize a intercepção telefónica ao telemóvel n.º 96... e IMEI associado, utilizados por outro suspeito (...).

                                                                       ***

Sem custas.

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Outubro de 2014

Nuno Ribeiro Coelho

Maria da Conceição Simão Gomes