Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO BEM ONERADO PRESTAÇÕES FUTURAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/25/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - No inventário para partilha de bens na sequência de divórcio, o interessado que licitou um imóvel onerado pela hipoteca fica responsável perante o terceiro credor pela totalidade do pagamento das prestações que se forem vencendo, mas esse valor é da responsabilidade de ambos os cônjuges, por isso é que “se descontará o valor desses direitos”, nos termos do disposto no art.º 2100.º do Código Civil. - Esta solução destina-se precisamente a evitar que o licitante do bem ficasse com a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura. (sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão texto parcial:
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
C..., Cabeça-de-casal nos autos de inventário para partilha dos bens comuns, na sequência do divórcio de J..., não se conformando com a sentença homologatória da partilha, vem interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: A Sentença Homologatória do Mapa de partilha viola o disposto nos artigos 1353º e 1354° do C.P.C.. 2. A cabeça de casal pronunciou-se relativamente à forma da partilha nos termos do disposto no artigo 1373º nº 1 do Código de Processo Civil. 3. O despacho do tribunal a quo acerca da forma pela qual se deve proceder à partilha está correcta, estando errada a sua aplicação. 4. No preenchimento dos quinhões do mapa informativo não foi observado o resultado da conferência de interessados. 5. A Recorrente discordou do mapa informativo a que alude o artigo 1376.º do CPC, e dele reclamou. 6. Essa mapa apenas atende ao activo e não à assunção das verbas 1 e 2 do passivo pela Recorrente que licitou a verba única do activo. 7. O requerente marido aceitou receber a título de tornas o valor de € 18.897,33 determinado no cálculo da Recorrente. 8. O Tribunal a quo indeferiu não só a reclamação da Recorrente como o requerimento do requerente marido aceitando as tornas propostas, por falta de fundamento. 9. Acontece que o tribunal a quo não fundamentou, salvo melhor opinião, tal despacho de indeferimento. 10. O valor de tornas determinado pelo tribunal a quo apenas tem em conta o activo e não o passivo. 11. As tornas que manda depositar de € 60.500,00 correspondem a metade do valor do activo (€ 121.000,00), parecendo esquecer-se do passivo, o que é grave. 12. A recorrente, ao licitar o único bem do activo pelo valor de € 121.000,00 fica como única responsável pelo pagamento das verbas 1 e 2 do passivo que correspondem aos empréstimos contraídos junto da banca para financiamento da aquisição daquele bem. 13. O pagamento de tais verbas ao banco está garantido por hipotecas que incidem sobre o imóvel. 14. Só faz sentido a Recorrente ficar com o único bem do activo se assumir as verbas do passivo correspondentes, garantidas por aquele bem. 15. Pelo que o passivo pelo qual a Recorrente é responsável não é de metade do passivo total, ou seja, de € 38.629,52, mas sim da totalidade das verbas 1 e 2 do passivo e de metade das verbas 5 a 9 do passivo, no total de € 69.887,08. 16. O que faz com que as tornas a pagar pela cabeça de casal ao requerente marido desçam substancialmente. 17. Não faz qualquer sentido que a Recorrente fique com um bem e, se não pagar o respectivo empréstimo (verbas 1 e 2 do passivo), o requerente marido responda solidariamente consigo pelo seu pagamento ou pelo pagamento do remanescente que o valor do próprio imóvel não cubra. 18. Igualmente não faz sentido a Recorrente pagar tornas de € 60.500,00 ao requerente marido mantendo-se obrigada a pagar a totalidade do empréstimo referente às verbas 1 e 2 do passivo para que a hipoteca não seja convertida em penhora em caso de incumprimento. 19. Tal pagamento só faria sentido se fossem de imediato liquidadas metade das verbas 1 e 2 do passivo, o que não sucede. Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser revogado o mapa de partilha e substituído por outro consentâneo com o decidido pelos requerentes em sede de conferência de interessados e da forma da partilha, assim se fazendo Justiça! O interessado J... apresentou contra alegações, nas quais pugnou pela improcedência do recurso.
II-OS FACTOS
A matéria relevante para a decisão é a que consta do relatório, destacando-se ainda o seguinte: 1-Na conferência de interessados foi dito pelos interessados que aprovam o passivo correspondente às verbas 1.ª a 9.ª. Quanto à verba n.º1 (única) do activo constituída por um bem imóvel, foram feitas licitações, tendo a mesma sido adjudicada à cabeça de casal, pelo valor de € 121.000,00. 2-Sobre o imóvel que constitui a verba única do activo, incide uma hipoteca a favor de C..., para garantia do crédito resultante do empréstimo concedido aos aqui interessados, para aquisição do referido imóvel. 3-Seguidamente foi proferido o seguinte despacho determinativo da forma da partilha: “Os interessados foram casados entre si, em primeiras e recíprocas núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos. O casamento foi dissolvido por sentença proferida e transitada em julgado nos autos de divórcio litigioso, convolado para mútuo consentimento de que este inventário é apenso. Realizou-se a conferência de interessados, aprovando os requerentes o passivo. A partilha deverá proceder-se da seguinte forma: Somam-se os valores dos bens a partilhar, abate-se o passivo aprovado e divide-se o produto obtido em duas partes iguais, constituindo cada uma delas a meação de cada interessado, que como tal lhes será adjudicado. No preenchimento dos quinhões, observar-se-á o resultado da conferência de interessados”.
4-Do mapa da partilha consta o seguinte:
Operações da partilha: Bens a partilhar (verba única)………………..121.000,00€ Passivo (verbas 1 a 9) ……………………….. 77.259,03 Total a partilhar ……………………………… 43.740,97 Divide-se em duas partes iguais que dá 21.870,48
Adjudicando-se uma á cabeça de casal C... e a outra ao interessado J..., nos termos do mapa informativo de fls.89
Pagamentos: Cabeça de casal C... Recebe: Bem imóvel da verba única que licitou pelo valor de 121.000,00€ Responsabilidade no passivo 38.629,52€ Dá tornas ao interessado J... 60.500,00€ É o seu quinhão 21.870,48
Requerente J... Recebe: Tornas da Cabeça de casal C.... 60.500,00€ Sua responsabilidade no passivo 38.629,52€ É o seu quinhão 21.870.48€
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a única questão a apreciar consiste em saber qual o valor que a cabeça de casal deve depositar a título de tornas devidas ao ex-cônjuge, em conformidade com o mapa da partilha e da respectiva sentença homologatória. Vejamos: Dos autos resulta que ao licitar o imóvel que constitui a verba única do activo a cabeça de casal não o licitou livre e desonerado de encargos. Sobre o referido imóvel, recai uma hipoteca que confere ao respectivo titular – C..., um direito real de garantia e inerente a este um direito de sequela desse mesmo bem. “A medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca”[1]. No caso dos autos, a hipoteca não foi remida antes da partilha, possibilidade prevista no art.º 2009.º do Código Civil. Nesse caso ocorreria a extinção da mesma pelo pagamento - art.730º, al. a) do C.Civil e o bem licitado teria chegado livre de qualquer ónus, à partilha e por esse valor seria adjudicado. Mas se assim não for – e aqui não foi – “entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem – é o que reza o disposto no art.2100º do CCivil.”[2] Ao contrário do que o Apelado parece defender, embora apoiando-se na solução preconizada pelo acórdão que também estamos a seguir, mas cuja interpretação diverge da nossa, isto significa que o interessado que licitou o imóvel onerado pela hipoteca fica responsável perante o terceiro credor pela totalidade do pagamento das prestações que se forem vencendo, mas esse valor é da responsabilidade de ambos os cônjuges, por isso é que “se descontará o valor desses direitos”. Esta solução destina-se precisamente a evitar que o licitante do bem ficasse com “a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge afinal a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura”[3]. Por conseguinte, ao valor das tornas que seriam devidas, caso não existisse passivo, deverá ser descontado o valor desse passivo, no valor de € 38.629,53, da responsabilidade do ex-cônjuge J.... É que, tal como resulta do mapa da partilha, todo esse passivo ou já foi pago pela cabeça de casal ou vai ser pago, em consequência do que resulta do art.º 2100.º do Código Civil. Assim, esse valor tem, necessariamente de ser descontado na quantia de € 60.5000,00 de tornas devidas, de forma a compor o quinhão do interessado que é de € 21.870,48. É este o valor que a ora Apelante deve depositar a favor do seu ex-cônjuge. Note-se que por requerimento de fls. 103, o interessado José Manuel Pinto Barbosa aceitou que se fixassem as tornas em € 18.897,22, considerando o passivo da sua responsabilidade. Porém, no presente recurso, altera tal posição e defende que tem direito a receber €60.500,00. Facilmente se compreenderá que nunca poderia ter direito a receber a título de tornas exactamente metade do valor do activo, como se não existisse qualquer passivo ou, existindo, não fosse da sua responsabilidade. Ora, não é isso que resulta do mapa da partilha. O que resulta é que o passivo da sua responsabilidade é de € 38.629,53. Procedem, assim, as conclusões da Apelante. Há só uma clarificação a fazer: cremos que a procedência deste recurso ao decidir que o valor a depositar a título de tornas pela cabeça de casal é de € 21.870,48 não implica “a revogação do mapa da partilha”, ou melhor, a revogação da sentença que homologou o mapa da partilha, pois é disso que se trata. Da própria leitura do mapa da partilha resulta aquilo que ora se decidiu. As tornas devidas são efectivamente de €60.500,00. Só que não é este o valor a depositar, porque se tem de descontar o valor do passivo que também consta do mapa da partilha e onde se diz que o quinhão de casa um dos interessados é de € 21.870,48.
IV-DECISÃO
Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e, por consequência, fixar em € 21.870,48 o valor a depositar a título de tornas pela cabeça de casal, a favor de J...
Custas pelo Apelado.
Lisboa, 25 de Maio de 2017 Maria de Deus Correia Nuno Sampaio Maria Teresa Pardal __________________________________________________
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