Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL SUBROGAÇÃO HERANÇA JACENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/09/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1 – Porque, à data do acidente, já havia falecido a pessoa em nome da qual se encontrava registada a propriedade do veículo automóvel, cujo condutor deu causa às lesões de terceiros que o FGA veio a indemnizar, integrando o aludido veículo a herança do falecido, recaía sobre o cabeça – de – casal, enquanto administrador dos bens da herança, a obrigação de segurar o veículo. 2 – Não podia, por isso, circular com tal veículo, sem que a responsabilidade civil estivesse coberta por contrato de seguro válido e eficaz. 3 – Assim, os demais herdeiros da pessoa em nome da qual se encontrava registado o veículo não podem ser responsabilizados pelo pagamento ao FGA da indemnização por este satisfeita aos lesados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: 1º - Ed…, por si e na qualidade de herdeira de José … ; 2º - Ricardo …. ; 3º - Artur … ; 4º - Ana … ; 5º - Joana …. , sendo o 2º, 3º, 4º e 5º Réus menores, na qualidade de herdeiros de José … ; pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de Esc. 8.602.772$00 (€ 42.910,45), acrescida de juros legais, vencidos (que, em 21/11/01 totalizavam Esc. 1.069.101$00 - € 5.332,65) e vincendos, bem como as despesas de liquidação e cobrança que se vierem a liquidar em execução de sentença. Alega, para tanto, ter satisfeito indemnizações aos lesados, por prejuízos decorrentes de acidente de viação, cuja responsabilidade na respectiva produção imputa à Ré Ed…, condutora do veículo 00–00–00, propriedade de José ... , veículo esse que, à data do acidente, não beneficiava de seguro obrigatório de responsabilidade civil válido e eficaz, tendo, consequentemente, ficado sub – rogado nos direitos dos lesados. Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que a 1ª Ré, em virtude de ter perdido os sentidos, no momento do acidente, não se recorda das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, negando, contudo, que exercesse a condução de forma desatenta e sustentando que circulava a velocidade não superior a 60 Km/hora, pelo que não pode ser assacada à 1ª Ré, na qualidade de condutora do veículo RJ, responsabilidade pela produção do acidente. Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto constante da base instrutória e foi depois proferida douta sentença, julgando a acção procedente, por provada, em relação à 1ª Ré e, em consequência, decidiu: a) – Absolver os Réus Ricardo …, Artur …, Ana … e Joana …, do pedido formulado pelo Autor. b) – Condenar a Ré Ed… a pagar ao Autor, Fundo de Garantia Automóvel, a quantia de € 42.910,45 (quarenta e dois mil, novecentos e dez euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde 21/02/2000, à taxa anual de 7% até 30/04/2003 e de 4% a partir de 1/05/2003 e, ainda, de juros de mora vincendos, a partir da presente data até integral pagamento. c) – Condenar, ainda, a Ré Ed… a pagar ao Autos, Fundo de Garantia Automóvel, a quantia que se venha a liquidar, em execução de sentença, relativa a despesas de liquidação e cobrança, referidas no artigo 26º, n.º 1, parte final, do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro. d) – Por último, condenar a Ré Ed… , no pagamento das custas (artigo 446º, n. os 1 e 2 do CCJ). Inconformado, apelou o Fundo de Garantia Automóvel, restringindo o recurso ao segmento da sentença que absolveu os Réus Ricardo …, Artur …, Ana … e Joana …, do pedido formulado pelo Autor, formulando as seguintes conclusões: 1ª – A sentença condenou isoladamente a Ré Ed… no pagamento da quantia de € 42.910,45, acrescida de juros, bem como na quantia que se venha a liquidar, em execução de sentença, relativa a despesas de liquidação e cobrança. 2ª – A presente acção foi proposta contra os herdeiros de José … , ou seja, Ed.., Ricardo …, Artur …, Ana … e Joana …, uma vez que o veículo causador do sinistro que se discute nos autos se encontrar registado em nome do falecido e não ter ocorrido ainda partilha da herança. 3ª – A Ré Ed… conduzia o veículo 00, que integrava a herança do falecido José ... , sendo certo que só por culpa sua sucedeu o acidente dos autos. Contudo não é a Ré Ed… a proprietária do veículo 00. 4ª – Trata-se de um bem integrado na herança do José …, pelo que são dele proprietários todos os herdeiros. 5ª - Assim, não pode a Ré Ed… ser condenada isoladamente, uma vez que não é ela a única proprietária do veículo, mas apenas a condutora e uma das proprietárias, enquanto herdeira do proprietário registado, já falecido. 6ª – O proprietário tem, obrigatoriamente de ser condenado conjuntamente com o condutor uma vez que só assim se entende estar preenchido o pressuposto processual – legitimidade, uma vez que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário. 6ª – Porque a Ré Ed… não é a única proprietária, devem ser obrigatoriamente condenados todos os proprietários do veículo, sob pena de se desrespeitar o litisconsórcio necessário. Os Réus não contra – alegaram. 2. Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - No dia 25 de Janeiro de 1998, às 21.00 horas, ao Km 15,850 da Estrada Nacional n.º 10, área desta comarca, ocorreu um acidente de viação (al. A). 2º - Nesse acidente foram intervenientes o veículo ligeiro misto 00-00-00, propriedade do falecido José ... e conduzido pela 1ª Ré, o veículo ligeiro de passageiros, 11-11-00, propriedade de J… e conduzido por M…, o veiculo ligeiro misto, 22-22-00, propriedade de Soc. de Construções, L.da e conduzido por Ana Paula … e o veículo ligeiro misto, 0-33-33, propriedade de Soc. de Construções, L.da e conduzido por José Francisco … (al. B). 3º - Na data e hora indicadas, todos os veículos intervenientes circulavam na Estrada Nacional n.º 10 (al. C). 4º - Circulando o 00 no sentido de marcha Casal do Marco – Coina (al. D). 5º - E os veículos AB, EQ e PQ no sentido de marcha contrário, Coina - Casal do Marco (al. F). 6º - Do acidente resultaram ferimentos graves na 1ª ré e na condutora do AB, bem como em Bruno … e Serafim …, ocupantes do AB, ferimentos ligeiros em Teresa …, ocupante do AB, e Lucinda …, ocupante do RJ, e danos materiais avultados em todos os veículos intervenientes(al. F). 7º - Maria Rosa … sofreu, em virtude do acidente, traumatismo craniano com perda de conhecimento, fractura do frontal esquerdo, órbita esquerda, 6º, 7º e 8º arcos esquerdos com hemopneumo tórax (al. G). 8º - Após o acidente. Maria Rosa … foi transportada para o Hospital Garcia de Orta onde foi ventilada e sujeita a drenagem toráxica durante 34 horas (al. H). 9º - Em 28 de Janeiro de 1998, Maria Rosa … foi transferida para o Hospital de São Francisco Xavier e, em 30 de Janeiro de 1998, para o Hospital de Santa Maria (al. I). 10º - As lesões sofridas por Maria Rosa … em virtude do acidente implicaram uma incapacidade absoluta para o desempenho da sua actividade profissional de empregada de balcão no período compreendido entre 25 de Janeiro e 1 de Novembro de 1998 (al. J). 11º - Maria Rosa … que auferia ao serviço da Sociedade …, L.da um salário líquido de 55.925$00, deixou de receber no período de ITA o montante global de 521.967$00 (55.925$00:30 x 280) (al. K). 12º - Maria Rosa … que, nesse período de ITA, nada recebeu da Segurança Social a título de subsídio de doença, deixou ainda de receber a parte proporcional do subsídio de Natal no valor de 48.604$00 (10/12 x 55.925$00) (al. L). 13º - Do acidente resultaram para Maria Rosa … sequelas ao nível encefálico consubstanciadas em dificuldades de concentração, perturbações amnésicas e do sono, fadiga intelectual e instabilidade emocional que se enquadram em síndrome postraumático (al. M). 14º - As sequelas anátomo - funcionais resultantes do acidente conferiram à Maria Rosa … uma incapacidade parcial permanente fixável em 12% (al. N). 15º - A remição da pensão por IPP de Maria Rosa … implica um capital de 1.155.952$00 (al. O). 16º - Em consultas hospitalares e médicos particulares, óculos, meios complementares de diagnóstico e medicamentos, despendeu Maria Rosa … o montante global de 173.477$00 (al. P). 17º - Em virtude do acidente, Maria Rosa … sofreu dores intensas (quantum doloris classificado de médio) e uma profunda angústia (al. Q). 18º - O Hospital São Francisco Xavier prestou assistência a Maria Rosa … (transporte em ambulância, urgência, internamento, consultas e exames complementares de diagnóstico) avaliada no montante global de 294.222$00 (al. R). 19º - E o Hospital de Santa Maria prestou assistência a Maria Rosa … (internamento, consultas, tratamentos e exames complementares de diagnóstico) avaliada no montante global de 1.801.700$00 (al. S). 20º - Bruno … sofreu, em virtude do acidente, traumatismo craniano com perda de conhecimento, fractura do 1º metacarpo da mão direita e ferida incisa conforme relatório médico de fls. 80 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos (al. I). 21º - As lesões sofridas por Bruno …, em virtude do acidente implicaram uma incapacidade absoluta para o desempenho da sua actividade profissional de montador/alinhador de pneus no período compreendido entre 27 de Janeiro e 21 de Março de 1998 (al. U). 22º - Bruno … que auferia ao serviço da Sociedade Comercial…, L.da um salário líquido de 55.046$00 e que, nesse período de baixa, nada recebeu da Segurança Social a título de subsídio de doença, deixou de receber o montante global de 121.101$00 (al. V). 23º - Em consultas hospitalares e centros de saúde, transportes, meios complementares de diagnóstico e medicamentos, despendeu Bruno … o montante global de 6.181$00 (al. W). 24º - Em virtude do acidente, Bruno … sofreu dores intensas e angústia (al. X). 25º - Ainda em virtude do acidente, o AB ficou completamente destruído na sua parte dianteira, bem como em inúmeros outros órgãos e pecas, o que tornou a sua reparação absolutamente impossível, conforme relatório de vistoria que se encontra junto a fls. 90 a 94 e aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, no que concerne à extensão dos danos (al. AA). 26º - Em face da extensão dos danos e do seu valor venal na data do acidente, 1.200.000$00, o AB foi considerado perda total, atribuindo-se ao salvado o valor de 20.000$00 (al. BB). 27º - Com o reboque do veículo sinistrado, despendeu o proprietário do AB o montante de 26.185$00 (al. CC). 28º - Por seu lado, o EQ ficou danificado nas suas partes frontal e lateral esquerda, bem como em vários outros órgãos e peças, danos avaliados em 1.940.028$00, conforme relatório de vistoria e subsequente aditamento que se encontram juntos a fls. 96 a 100 e aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, no que concerne à extensão dos danos e respectiva valorização (al. DD). 29º - Deduzida a franquia contratual de 70.000$00, a Real, seguradora de danos próprios do EQ, indemnizou a sua proprietária, … , L. da em 1.870.028$00 (al. EE). 30º - Porque o veículo se encontrava em reparação, a proprietária do EQ careceu de proceder ao aluguer de um veículo de substituição no período compreendido entre 12 de Fevereiro e 13 de Março de 1998, com o que despendeu 186.030$00, montante que lhe foi integralmente reembolsado pela sua seguradora de danos próprios, embora a Real apenas tenha reclamado do Autor o montante de 140.000$00 (al. FF). 31º - Por seu lado o PQ ficou danificado na sua parte frontal, bem como em vários outros órgãos e peças, danos avaliados em 308.888$00, conforme relatório de vistoria que se encontra junto a fls. 104 e aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, no que concerne à extensão dos danos e respectiva valorização (al. GG). 32º - Deduzida a franquia contratual de 32.000$00, a Real, seguradora de danos próprios do PQ, indemnizou a proprietária, … , L. da, em 276.888$00 (al. HH). 33º - Porque o veículo se encontrava em reparação, a proprietária do PQ careceu de proceder ao aluguer de um veículo de substituição no período compreendido entre 6 e 12 de Fevereiro de 1998, com o que despendeu 50.778$00, montante que lhe foi integralmente reembolsado pela sua seguradora de danos próprios, embora a Real apenas tenha reclamado do Autor o montante de 35.000$00 (al. II). 34º - O RJ não possuía, na data do acidente, seguro obrigatório de responsabilidade civil válido e eficaz (al. JJ). 35º - Debalde tentou o Autor que os Réus o reembolsassem sem recurso à via judicial, conforme interpelação efectuada em 21 de Fevereiro de 2000 (al. KK). 36º - Ao chegar junto ao Km 15, 850 e após descrever uma curva à esquerda, atento o seu sentido de marcha, a 1ª Ré não logrou controlar o RJ em segurança dentro da sua hemifaixa de rodagem (resposta aos quesitos 1º e 3º). 37º - Despistou-se e ultrapassou o traço descontínuo marcado no eixo da via, invadindo a hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário (resposta ao quesito 4º). 38º - Indo embater com a parte frontal do RJ na parte dianteira do AB (resposta ao quesito 5º). 39º - Por força desse embate, o AB foi projectado para trás, indo embater na parte frontal do EQ que circulava à sua retaguarda (resposta ao quesito 6º). 40º - Após o embate no AB, o RJ capotou e, totalmente desgovernado, foi ainda embater no veículo PQ que circulava à retaguarda dos veículos AB e EQ (resposta ao quesito 7º). 41º - Em consequência do acidente descrito e no âmbito do processo de regulação extrajudicial, o Autor pagou ao lesado Bruno … uma indemnização no valor global de 380.000$00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por este sofridos (resposta ao quesito 9º). 42º - Em consequência do mesmo acidente, o Autor pagou à lesada Real Seguros, subrogada nos direitos dos seus segurados, indemnizações no valor global de 2.201.908$00 pelos danos patrimoniais, após deduzidas as franquias legais (resposta ao quesito 10º). 43º - Pagou o Autor à lesada Maria Rosa … uma indemnização no valor global de 2.700.000$00 pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais (resposta ao quesito 11º). 44º - Pagou ao lesado José Brito … uma indemnização no valor de 1.146.185$00 pelos seus danos patrimoniais (resposta ao quesito 12º). 45º - Pagou ao Hospital de São Francisco Xavier uma indemnização no valor de 294.222$00 pela assistência hospitalar prestada a Maria Rosa … (resposta ao quesito 13º). 46º - E pagou ao Hospital de Santa Maria uma indemnização no valor de 1.801.700$00 pela assistência prestada a Maria Rosa … (resposta ao quesito 14º). 47º - Em despesas de liquidação e cobrança com este processo, nomeadamente com consulta médica, peritagem e averiguações despendeu já o Autor o montante global de 78.757$00, não podendo neste momento determinar todas as despesas que terá de efectuar até integral ressarcimento (resposta ao quesito 15º). Tendo em conta os documentos juntos aos autos pelo Autor com a petição inicial, cujos factos não foram contestados, dão-se ainda como assentes os seguintes factos, ao abrigo do disposto no artigo 712º, al. a) CPC: 48º - Por óbito de José ... da Silva, ocorrido em 30 de Janeiro de 1993, correram termos no Tribunal Judicial de Sesimbra uns autos de Processo de Inventário n.º 38/93, em que é Inventariado o referido José … e cabeça – de – casal Ed…. 49º – São herdeiros do Inventariado a viúva Ed… e seus filhos Ricardo …, Artur …, Ana … e Joana …. 50º - Na Relação de Bens, apresentada em 21 de Maio de 1993 pela cabeça – de – casal, foi relacionada uma viatura de marca Ford, modelo Transit, matrícula RJ-73-26, no valor de 800.000$00 (VERBA N.º 29). 51º - Consta da acta de Conferência de Interessados que a aludida verba (n.º 29) foi eliminada por a cabeça – de – casal ter declarado já ter ressarcido o crédito, não tendo neste acto existido oposição). 52º - A referida verba, indicada na relação de bens sob o n.º 29, deixou, por isso, de constar dos bens da herança, no mapa de partilha (cfr. fls. 30/31). 53º - Por sentença de 18 de Janeiro de 2000, foi homologado o referido mapa de partilha, adjudicando a cada interessado os respectivos quinhões (cfr. fls. 33). 54º - A presente acção deu entrada em Tribunal em 29 de Novembro de 2001. 3. Tendo, no dia 25 de Janeiro de 1998, ocorrido um acidente de viação, por cuja verificação a 1ª Ré foi a única e exclusiva responsável, o Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA) foi chamado a satisfazer as indemnizações que resultaram da responsabilidade directa da aludida Ré, já que o veículo automóvel que aquela conduzia (doravante RJ), e cuja propriedade se encontrava registada em nome de José ... , não possuía, nessa data, seguro obrigatório de responsabilidade civil válido e eficaz. Assim, satisfeita a indemnização aos lesados, o FGA, que ficou sub - rogado nos direitos destes, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver efectuado com a liquidação e cobrança, pretende com a presente acção ser reembolsado das despesas efectuadas e a efectuar (cfr. artigo 25º, n.º 1 do DL 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção do DL 122-A/86, de 30 de Maio). Para tanto demandou a produtora directa do evento danoso, por si e como herdeira do falecido José …, tal como demandou os demais réus, enquanto herdeiros únicos e universais do proprietário do RJ, considerado sujeito da obrigação de segurar. A sentença considerou que, quanto à responsabilidade da Ré Ed… pelo pagamento das quantias devidas ao FGA, a mesma não oferece dúvidas, uma vez que se ficou a dever à sua exclusiva culpa a produção do acidente de que resultaram os prejuízos que foram ressarcidos pelo FGA. Já em relação aos demais Réus, na qualidade de herdeiros de José ... , considerou que os mesmos não podem ser responsabilizados pelo pagamento ao FGA dos montantes em apreço, na medida em que o aludido José … faleceu em 30/01/93, cerca de cinco anos antes de ter ocorrido o acidente, pelo que nunca se poderia imputar àquele a violação do dever de segurar. Sendo este o único segmento da sentença que merece a discordância do recorrente, interessa então saber quem deve ser responsabilizado pelo pagamento ao FGA pelas indemnizações satisfeitas aos lesados, nas circunstâncias descritas. Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a um terceiro por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi – reboques, deve, para que estes veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade (artigo 1º, n.º 1 do DL 522/95). A redacção do corpo deste artigo põe o acento tónico na obrigação de segurar que impende sobre quem possa ser civilmente responsável por danos causados por veículos terrestres a motor, seus reboques ou semi – reboques. A anterior redacção do artigo 1º do DL 408/79 podia levar a pensar-se que a responsabilidade estava ligada ao veículo e não ao seu detentor quando, na verdade, apesar dessa redacção, a transferência do seguro era de carácter pessoal, pelo que o seguro não acompanhava a transferência da propriedade do veículo. O contrato de seguro automóvel é, pois, de natureza pessoal. Para definir o regime aplicável à responsabilidade pelos danos provenientes dos acidentes de viação, importa determinar, em primeiro lugar, as pessoas que respondem pelos danos, pois assim saberemos quem serão os obrigados à realização do seguro. Em regra, o responsável é o dono do veículo, visto ser ele a pessoa que aproveita as especiais vantagens do meio de transporte e quem correlativamente deve arcar com os riscos próprios da sus utilização. Porém, se houver um direito de usufruto sobre a viatura, ou se o dono tiver alugado ou emprestado o veículo ou se este lhe tiver sido furtado ou for abusivamente utilizado pelo motorista ou pelo empregado da estação de recolha, já a responsabilidade (objectiva) do dono se não justifica, à luz dos bons princípios. “A lei identificou a pessoa do responsável, no intuito de fixar o critério aplicável a estas múltiplas situações, em que o uso e o domínio formal do veículo podem andar dissociadas, através de duas notas essenciais: a) – a direcção efectiva do veículo; b) – a utilização deste no próprio interesse. A fórmula – ter a direcção efectiva do veículo – destina-se a abranger todos aqueles casos (proprietário, usufrutuário, locatário, comodatário, adquirente com reserva de propriedade, autor do furto do veículo, pessoa que o utiliza abusivamente) em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva a quem usa o veículo ou dele dispõe. Trata-se das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências adequadas para que o veículo funcione sem causar danos a terceiros. (...). Tem a direcção efectiva do veículo a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento (vigiar a direcção e as luzes do carro, afinar os travões, verificar os pneus, controlar a sua pressão, etc.). O segundo requisito – utilização no próprio interesse – visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem (o comitente) (Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, I. Vol., 10ª edição, 656 e seguintes). Ora, tendo o José ... falecido em 30/01/93, não podia, à data do acidente, ou seja, cerca de cinco anos depois da sua morte, ter a direcção efectiva do veículo RJ nem utilizá-lo no seu próprio interesse. Nem podia, também por isso, ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e materiais causadas a terceiros por aquele veículo, cinco anos depois de ter falecido, tendo deixado também de sobre ele impender a obrigação de segurar o veículo RJ, após a sua morte. Nos termos do n.º 1 do artigo 68º CC, a personalidade cessa com a morte. No momento da morte, a pessoa perde, assim, os direitos e deveres da sua esfera jurídica, extinguindo-se os de natureza pessoal e transmitindo-se para os sucessores mortis causa os de natureza patrimonial. Como é sabido, o contrato de seguro garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2º e dos legítimos detentores e condutores do veículo (artigo 8º, n.º 1 DL 522/85). Para substituir as seguradoras quando o responsável pela indemnização seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz foi criado o FGA. Por isso, os lesados por acidente de viação, ocorrido com veículos sujeitos ao seguro obrigatório, podem efectivar o seu direito a indemnização, por morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz e por lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz, até ao montante do capital obrigatoriamente seguro, contra o FGA (cfr. artigo 21, n. os 1 e 2, alíneas a) e b) e 23º do DL 522/85). A responsabilidade do FGA acompanha a responsabilidade do lesante, quando este seja desconhecido ou, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz. É, pois, mero garante do pagamento das indemnizações devidas a terceiros lesados em consequência do acidente, ficando sempre com a faculdade de reaver dos responsáveis principais as quantias que houver despendido. Tal como se referiu, uma vez satisfeita a indemnização, o FGA fica sub – rogado nos direitos dos lesados, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança (cfr. artigo 26º, n. os 1 e 2 do citado DL), podendo accionar as pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado o seguro (artigo 25º, n.º 3), ou seja, o condutor do veículo com base na culpa deste e/ou o proprietário baseado no risco ou por não ter cumprido o dever de efectuar o seguro de responsabilidade civil. Reportando-nos ao caso concreto, os factos provados fazem concluir que a responsabilidade do acidente em causa ficou a dever-se a culpa exclusiva da Ré Ed…, condutora do RJ. Como tal, quanto à responsabilidade da Ré Ed… pelo pagamento das quantias devidas ao FGA, não se oferecem quaisquer dúvidas, já que ficou a dever-se à sua exclusiva culpa, a produção do acidente de que resultaram os prejuízos que foram ressarcidos pelo FGA. Já em relação ao José ... , não merece acolhimento a tese defendida pelo recorrente. Como se referiu, quanto à responsabilidade pelos danos provenientes dos acidentes de viação, em regra, o responsável é o dono do veículo, visto ser ele a pessoa que aproveita as especiais vantagens do meio de transporte e quem correlativamente deve arcar com os riscos da utilização. Ora, à data do acidente, embora a viatura continuasse registada em seu nome, o que faria presumir que o proprietário fosse o José …, esta presunção encontrava-se ilidida, dada a sua morte, (cfr. artigo 68º e 2031º CC), sendo certo que, por isso, não dispunha, naquela data, da direcção efectiva do veículo nem o utilizava no seu próprio interesse, razão por que não lhe podia ser assacada qualquer responsabilidade nem se lhe podia imputar a violação do dever de segurar o veículo RJ. Aliás, em 1993, dado que os filhos do José ... eram menores, corriam seus termos na Comarca de Sesimbra uns autos de Inventário, tendo a ora Ré Ed…, na qualidade de cabeça de casal, relacionado, em 21 de Maio de 1993, como verba n.º 29, “uma viatura de marca Ford, modelo Transit, matrícula RJ-73-26, no valor de 800.000$00”. À data do acidente o veículo RJ integrava, então, a herança do falecido, pelo que a obrigação de segurar o veículo recaía sobre o cabeça – de casal. Com efeito, a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça – de – casal (artigo 2079º). Essa administração abrange a totalidade do património hereditário, ou seja, todos os bens da herança (artigo 2087º, n.º 2). Em consequência, o artigo 2088º, n.º 1 permite ao cabeça – de – casal pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído. Daqui decorre que não podia a 1ª Ré circular com o veículo, sem que a responsabilidade estivesse coberta por contrato de seguro obrigatório, incumbindo-lhe, enquanto administradora dos bens da herança do falecido José ... , providenciar pelo seguro do veículo. Estamos, pois, de acordo com a decisão da 1ª instância, no sentido de que só a Ré Ed… é responsável pelo pagamento das quantias despendidas pelo FGA e respectivos juros, não recaindo sobre os Réus a obrigação de reembolso desses montantes. 4. Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida. Sem custas, por delas estar isento o FGA (artigo 29º, n.º 11 do DL 522/85 e artigo 3º, n.º 2, al. b) do DL 224-A/96, de 26 de Novembro). Lisboa, 9 de Março de 2006. Granja da Fonseca Pereira Rodrigues Fernanda Isabel Pereira |