Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REDUÇÃO DE DOAÇÕES INOFICIOSAS CADUCIDADE HERANÇA LIBERALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/06/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A caducidade da acção de redução de doações inoficiosas, prevista no art.º 2178.º do Código Civil, pode ser invocada por qualquer beneficiário da liberalidade, seja ou não herdeiro do doador. II – O prazo da referida caducidade conta-se a partir da data do acto de aceitação da herança e não da data da abertura da herança, apesar de a lei retroagir os efeitos da aceitação ao momento da abertura da herança (n.º 2 do art.º 2050.º do Código Civil). (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 30.6.2008 “A” requereu nos Juízos Cíveis de Lisboa a abertura de inventário para partilha do acervo hereditário deixado pelo falecimento do seu pai, “B”. O requerente alegou, em síntese, que o seu pai faleceu em 03.02.2006, no estado de casado com “C”, deixando como seus sucessores a referida viúva e os seus filhos, o ora requerente e “D”. O autor da sucessão e a cônjuge sobreviva doaram a seus filhos e aos seus netos, por conta da quota disponível, a quase totalidade dos seus bens, desrespeitando a legítima dos herdeiros legitimários, verificando-se a existência de liberalidades inoficiosas. O requerente terminou pedindo que se procedesse ao inventário judicial para partilha da herança aberta por óbito de “B” e que fossem reduzidas as liberalidades inoficiosas, a começar pela última doação, até que a legítima dos herdeiros legitimários estivesse preenchida. Citada, a requerida “D” deduziu oposição, na qual, no que interessa para o presente recurso, arguiu a caducidade do direito de interposição da acção para redução de inoficiosidades, ao abrigo do disposto no art.º 2 178.º do Código Civil, pois a aceitação da herança fora automática, uma vez que a mesma não havia sido recusada e todos, requerente e requeridas, tinham passado de imediato a comportar-se como herdeiros do de cujus. A requerida concluiu pela procedência das excepções invocadas e consequente absolvição do pedido e das instâncias das requeridas, na parte em que as mesmas disso beneficiassem. O requerente respondeu às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência. Em 21.01.2011 foi proferido despacho em que se declarou procedente a excepção de caducidade da acção de redução das doações inoficiosas e se notificou o cabeça de casal (o ora requerente) para apresentar nova relação de bens, em que não constassem os bens alegadamente alvo da pretendida redução, mas tão só aqueles que ainda não tivessem sido partilhados. O requerente apelou desta decisão, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões: A) O início da contagem do prazo para a caducidade do direito de vir a ser requerida a redução das liberalidades inoficiosas é o dia 30/06/2008, ou seja, no dia em que deu entrada a presente acção de inventário. B) O prazo constante do artº. 2178º do Código Civil não se aplica aos herdeiros do autor da sucessão, conforme tem sido genericamente aceite. C) Sendo o donatário herdeiro, pode pedir a todo o tempo, no respectivo inventário, a redução das doações, por inoficiosidade. (Conf. “Partilhas Judiciais” de João A. Lopes Cardoso, Almedina, Vol. II, 4ª edição, reimpressão, págª. 406) e (Conf. A.C. Relação de Lisboa de 13/05/1937, na Rev. Leg. Jur. 70–220; A.C. STJ de 10/02/1939, na Rev. Leg. Jur. 75–157; Gaz. Jud. 1–87; A.C. STJ de 09/04/2002, processo nrº. 02A740, nrº. convencional JSTJ00000096, relator Armando Lourenço). D) O artº. 2150.º é um escopo normativo que visa apenas direitos patrimoniais e de posse, ou seja, E) Os herdeiros, no momento da aceitação da herança, ficam investidos nos mesmos direitos e obrigações que o autor da sucessão era titular no momento da sua morte. F) Fazer retroagir ao momento da abertura da sucessão os efeitos da aceitação da herança em data para além dos dois anos, seria subverter o espírito da Lei e a real vontade do legislador, que nunca o disse. G) “O artº. 2050º do Código Civil consagra a doutrina de que, desde a morte do autor da herança, aos herdeiros é transmitido apenas o domínio e posse da herança” (R.C., 20–07–1970: JR, 16º–817). H) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil anotado, em anotação ao artº. 2178º, Volume VI, Coimbra Editora 1998, págª. 285 dizem: “Note-se, entretanto, que o prazo de caducidade da acção de redução só começa a contar-se a partir da aceitação da herança por parte de cada herdeiro legitimário”. I) Neste mesmo sentido da conclusão supra, vai o Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, em “Sucessões”, 1980, 361, onde diz: “O prazo conta-se a partir da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário”. J) O Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação da Lei, ou seja errou na interpretação e aplicação dos artºs. 2050º e 2178º ambos do Código Civil. K) O douto despacho recorrido errou na aplicação do direito. L) O douto despacho recorrido violou os preceitos legais constantes dos artigos 2050º e 2178º, ambos do Código Civil. M) Os preceitos legais violados impunham que tivesse sido considerada pelo Tribunal a quo a solução de direito aplicável, que tivesse sido considerada improcedente a excepção da caducidade deduzida pela RECORRIDA porquanto o prazo de caducidade não tinha atingido o seu termo final. O apelante terminou pedindo que o despacho recorrido fosse revogado quanto à procedência da excepção da caducidade deduzida pela recorrida e substituído por acórdão que julgasse procedente a contestação da excepção apresentada pelo recorrente, com todas as consequências legais. A apelada “D” contra-alegou, formulando a seguinte conclusão: Ainda que não se entenda como a primeira instância, sempre se terá de ter em conta os documentos atrás referenciados e confessados pelo requerente que comprovam que o mesmo aceitou expressamente a herança do de cujus em 27.04.06 e só interpôs a presente acção em 30.06.08, portanto mais do que dois anos volvidos, sobre a aceitação expressa, no que o direito ao pedido de redução de liberalidades oficiosas, já estava mais do que caducado, aquando da interposição da presente acção. Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO A questão a apreciar neste recurso é se se mostra caducado o direito de o ora apelante requerer a redução de liberalidades inoficiosas. Está provada a seguinte Matéria de Facto 1. Em 03 de Fevereiro de 2006 faleceu “B”. 2. O de cujus deixou como seus únicos herdeiros a viúva e os seus dois filhos, supra identificados. 3. Em 30.6.2008 o ora apelante instaurou o presente processo de inventário. O Direito Falecida uma pessoa, os seus presumíveis sucessores são chamados à titularidade das relações jurídicas patrimoniais deixadas pelo de cujus (artigos 2024.º e 2032.º do Código Civil). De entre os sucessores avultam os herdeiros legitimários, ou seja, aqueles a quem o legislador, em virtude dos especiais laços que os unem ao de cujus (matrimónio e filiação), destina uma quota de bens (a legítima) de que o de cujus não poderá dispor em detrimento daqueles (artigos 2 156.º e seguintes do Código Civil). São qualificadas de “inoficiosas” (assim designadas por ofenderem o officium – dever, obrigação – pietatis familiar de que a sucessão legitimária retira o seu fundamento) as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários (art.º 2 168.º do Código Civil), seja em benefício de sucessíveis não legitimários ou em relação a terceiros que não entrem sequer na sucessão, seja em benefício de herdeiro legitimário. As liberalidades inoficiosas são redutíveis, pela ordem e nos termos regulados nos artigos 2 170.º e seguintes do Código Civil. Contudo, a redução não opera oficiosamente e só pode ser requerida pelos próprios herdeiros legitimários ou pelos seus sucessores (art.º 2 169.º do Código Civil). Poderá dizer-se, com Carlos Adelino Campelo de Andrade Pamplona Corte-Real, que “a redução por inoficiosidade, bulindo inclusive com venerandos princípios de segurança jurídica, e tolhendo por vezes a eficácia de actos de livre disposição gratuita do causante, deve ser tentativamente «evitada», em execução do sucessoriamente empolado princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos.” (“Da imputação de liberalidades na sucessão legitimária”, Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, 1989, pág. 1038). Daí que a versão do art.º 1376.º do Código de Processo Civil introduzida pelo Dec.-Lei n.º 47 690, de 11.5.1967 (tendo em vista adaptar o CPC ao Código Civil de 1966), onde se estipulava que, na elaboração do mapa de partilha, se se constatasse que havia legados ou doações inoficiosas, “serão reduzidas nos termos da lei civil, podendo o legatário ou donatário escolher entre os bens legados ou doados os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber” (n.º 2 do art.º 1376.º), foi alterada pelo Dec.-Lei n.º 227/94, de 8.9, passando a constar que “se houver legados ou doações inoficiosas, o juiz ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário escolher, entre os bens legados ou doados, os necessários a preencher o valor que tenha direito a receber.” Assim se reforçou a ideia de que, nos termos da lei civil, a redução das liberalidades inoficiosas está dependente de requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores (Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, volume II, 2.ª edição, 2004, Almedina, pág. 284). Estipula o art.º 2 178.º do Código Civil, sob a epígrafe “prazo para a redução”, que “a acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário.” Em rigor, o que caduca não é a acção, mas o direito à redução (Luís A. Carvalho Fernandes, “Lições de Direito das Sucessões”, 2.ª edição, Quid Juris, 2001, pág. 412). A imposição do aludido prazo de caducidade denota a já supra mencionada preocupação de garantir a segurança e a certeza nas relações jurídicas. A este propósito não se descortina, contrariamente ao propugnado pelo apelante, distinção entre liberalidades que beneficiam herdeiros e liberalidades que beneficiam terceiros. Em relação a qualquer deles se verificam as razões de segurança e certeza jurídica referidas, pelo que em relação a qualquer deles se justifica a protecção decorrente da imposição do prazo de caducidade. O apelante invoca o entendimento que, à luz de idêntico preceito do Código Civil de Seabra, propugnava que a sujeição a prazo do direito à redução de liberalidades inoficiosas só se aplicava em benefício de donatários terceiros e já não de herdeiros do doador. Se o donatário fosse herdeiro, a todo o tempo se poderia pedir, no respectivo inventário, a redução da doação por inoficiosidade (cfr. Alberto dos Reis, anotação a acórdão do STJ, de 21.3.1952, RLJ, 85.º, pág. 242). Vejamos. O art.º 1 503.º do Código Civil de 1867, colocado em seguida a várias disposições relativas a revogação ou redução das doações por inoficiosidade, determinava o seguinte: “Esta acção prescreve, não sendo intentada dentro de dois anos, contados desde o dia em que o herdeiro legitimário haja aceitado a herança”. A Relação de Lisboa, em acórdão de 13.5.1937 (publicado na RLJ, ano 70.º, pág. 220 a 223, citado pelo apelante), aprovou o entendido pelo juiz da primeira instância em processo de inventário, “desatendendo a alegação de prescrição, feita pelo recorrente, com base no artigo 1503.º do Código Civil, por isso que tal excepção só tem viabilidade quando o donatário é um terceiro, contra o qual haja que propor a acção referida no dito artigo, e não um dos herdeiros e quando tenha que haver inventário, como sucedeu na hipótese, em que começou por orfanológico, e em que tem que ser sempre chamado por citação, e em que é obrigatório para o juiz o conhecimento desse ponto na altura do despacho determinativo da partilha, e portanto, sem possibilidade de restrição do prazo dos dois anos marcado para a propositura da acção (…). No fundo, a inaplicabilidade do art.º 1 503.º do Código Civil de 1867 decorreria das especificidades do processo de inventário, das quais resultaria que a inoficiosidade sempre teria de ser conhecida. Este acórdão da Relação foi confirmado pelo STJ, em acórdão de 10.02.1939, citado pelo apelante e publicado na RLJ ano 72.º, páginas 157 a 160. Porém, quanto à questão da prescrição prevista no art.º 1503.º do Código Civil, o STJ não a afastou propriamente por não a considerar aplicável ao caso, mas por entender que a mesma havia sido atempadamente interrompida, uma vez que a sucessão se abrira em 20.02.1924 e fora instaurado inventário em 10.7. do mesmo ano. Discutia-se também se a redução de liberalidades inoficiosas poderia ser requerida em processo comum, ou se teria de sê-lo no âmbito de processo de inventário. Em acórdão de 21.3.1952, publicado no BMJ n.º 30, pág. 330 e seguintes, o STJ, após mencionar a discordância que a esse respeito existia antes da publicação do CPC de 1939 (uns entendiam que a redução respeitante a donatário terceiro não podia efectuar-se no processo de inventário, pois neste aquele não tinha intervenção; outros admitiam que essa redução era possível, devendo os donatários terceiros ser chamados ao inventário para esse efeito), realçou que no novo CPC (de 1939) era expressamente prevista a intervenção dos donatários no processo de inventário, fossem ou não herdeiros, pelo que deixara de haver dúvidas de que a redução, por inoficiosidade, de doações feitas a terceiros, se podia fazer em processo de inventário. E não só podia, como devia sê-lo em processo de inventário, quando, como no caso julgado pelo STJ, existiam outros herdeiros e interessados e bens a partilhar. Sobre este acórdão do STJ se pronunciou o Prof. Alberto dos Reis, na anotação já supra referida publicada na RLJ, ano 85.º, páginas 241 a 243 e 257 a 259. E este ilustre processualista ajuizou, quiçá justificadamente, que sendo o direito à redução por inoficiosidade um direito privativo do herdeiro legitimário, e tendo este à sua disposição sempre o processo de inventário, será neste que haverá que reduzir as doações inoficiosas, pois é ele que está estruturado para se proceder a operações necessárias como a relação, descrição e avaliação dos bens doados e deixados pelo doador, descrição e apreciação do passivo, licitações, etc… De tudo isto destaca-se a asserção, formulada por Alberto dos Reis, de que se se admitir que o prazo fixado no artigo 1508.º do Código Civil (de 1867) não funciona quando a redução seja pedida em processo de inventário, “chega-se à conclusão de que o preceito deste artigo é hoje letra morta”…(anotação citada, pág. 243). No seu anteprojecto da parte de Direito das Sucessões do futuro Código Civil o Prof. Inocêncio Galvão Telles incluiu o art.º 184.º, o qual, sob a epígrafe “Prazo de caducidade”, estabelecia que “A anulação ou redução de liberalidades inoficiosas só pode ser pedida em processo de inventário; e o direito a obtê-la caduca se o inventário não for requerido dentro de dois anos a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário” (“Direito das Sucessões, anteprojecto de uma Parte do futuro Código Civil Português”, Separata do BMJ n.º 54, 1956). Ficava claro que a redução das liberalidades inoficiosas só podia operar no âmbito do processo de inventário e bem assim que a tramitação do inventário era compatível com a caducidade do direito à redução. Como é sabido, o texto que veio a ser consagrado no Código Civil de 1966 é diferente: “A acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário” (art.º 2 178.º do Código Civil). Não se terá querido tomar posição quanto à forma processual do exercício do direito à redução das liberalidades inoficiosas, matéria menos adequada a figurar numa codificação de direito substantivo. Mas daí não se pode concluir que se tenha querido preservar a ideia de que a caducidade do direito à redução das liberalidades só beneficia donatários terceiros, ou seja, não herdeiros do doador. Como se disse supra, o legislador em parte alguma expressa essa distinção (sendo certo que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – n.º 3 do art.º 9.º do CC), cuja razão de ser não se descortinaria, face às razões de segurança e certeza que tanto interessam a terceiros como aos herdeiros. Discorda-se, pois, dessa interpretação restritiva do art.º 2 178.º do Código Civil, mencionada pelo apelante e de que João António Lopes Cardoso (“Partilhas Judiciais”, volume II, Almedina, páginas 383 e 384) e o acórdão da Relação do Porto, de 08.11.2001 (Internet, dgsi-itij, processo 0130872), confirmado pelo acórdão do STJ, de 09.4.2002 (Internet, dgsi-itij, processo 02A740), citado pelo apelante, se fazem eco, por reporte à antiga interpretação da lei. De facto, parecem-nos pouco convincentes as razões apontadas naqueles arestos, para a aludida distinção, que seria o donatário terceiro carecer de maior protecção, por das regras da imputação - das liberalidades na quota disponível ou na quota indisponível - decorrer maior probabilidade de inoficiosidade das liberalidades que beneficiam o terceiro e a de que a interpretação não restritiva levaria a que o herdeiro se visse pressionado a requerer o inventário para exercer o direito de redução, em prejuízo de um entendimento em partilhas amigáveis. Afinal, a redução por inoficiosidade também se pode efectuar extrajudicialmente, por acordo dos herdeiros legitimários, ressalvada a impugnação por terceiros no caso de a redução ofender indevidamente os seus interesses (Inocêncio Galvão Telles, “Sucessão legítima e sucessão legitimária”, Coimbra Editora, 2004, pág. 63; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, páginas 274 e 275). Quanto às regras previstas na tramitação do processo de inventário, tendo em vista a redução das liberalidades inoficiosas (vide, v.g., artigos 1365.º a 1368.º e 1376.º, pressupõem que o direito à redução não caducou, sendo certo que nelas não se vislumbra diferença de tratamento entre beneficiários terceiros e beneficiários herdeiros. Tal interpretação restritiva, de resto, não se mostra referenciada pelos tratadistas à luz do actual código (com a já apontada ressalva de Lopes Cardoso; cfr., v.g., Carlos Adelino Pamplona Corte-Real, “Da imputação de liberalidades na sucessão legitimária”, supra citado, Mário Júlio de Almeida Costa , “Direito das Sucessões”, pág. 530, in “Noções de Direito Civil”, 1991, Almedina; Diogo Leite Campos, “Lições de Direito da Família e das Sucessões”, 2.ª edição, Almedina, 1997, pág. 610; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, vol. VI, citado, pág. 285; José de Oliveira Ascensão, “Direito Civil, Sucessões”, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2000, pág. 385; Luís Carvalho Fernandes, “Lições de Direito das Sucessões”, citado supra, páginas 411 e 412; Rabrindanath Capelo de Sousa, “Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2002, pág. 126, nota 358; Eduardo dos Santos, “Direito das Sucessões, Lições”, 2.ª edição, 2002, AFDL, pág. 414). Quanto a este argumento falece, pois, a apelação. O direito de o apelante e herdeiro legitimário, de reduzir as liberalidades que se mostrem inoficiosas, está sujeito à caducidade prevista no art.º 2 178.º do Código Civil. Tal prazo conta-se desde a data da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário que pretenda arguir a inoficiosidade. Com efeito, a sucessão do herdeiro ou legatário não opera ex lege, carece de um acto de aceitação (art.º 2050.º n.º 1 do Código Civil). A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita (art.º 2056.º n.º 1 do Código Civil). É sabido que o legislador se mostrou particularmente cuidadoso e exigente na formalização da aceitação, tendo em vista obviar à equivocidade de muitos dos actos que os sucessíveis praticam em relação aos bens que integram a herança (Pires de Lima e A. Varela, Código Civil anotado, VI volume, citado, pág. 92). Assim, a aceitação expressa deve formalizar-se por escrito, em documento onde o sucessível chamado à herança declare aceitá-la ou assuma o título de herdeiro com a intenção de adquiri-la (n.º 2 do art.º 2056.º do Código Civil). Já quanto à aceitação tácita da herança, a que é aplicável a noção geral dada no art.º 217.º n.º 1 do Código Civil, é afastada pela lei em casos como a mera prática de actos de administração da herança (n.º 3 do art.º 2056.º e 2047.º do CC). Do regime legal decorre que a declaração puramente verbal ou oral de aceitação da herança não vale sequer como aceitação tácita, a não ser que seja acompanhada de actos ou factos que confirmem, com grande probabilidade, a intenção do declarante de aceitar efectivamente a herança (P. Lima e A. Varela, obra citada, pág. 94). Na decisão recorrida deu-se como assente (e com razão) que a propositura da presente acção configurava um acto de aceitação expressa da herança. Porém, da circunstância de a lei retroagir os efeitos da aceitação ao momento da abertura da herança (n.º 2 do art.º 2050.º do Código Civil) deduziu o tribunal a quo que a aceitação deveria considerar-se como tendo ocorrido em 03 de Fevereiro de 2006, data do decesso do de cujus. Ou seja, à data da propositura da acção (30 de Junho de 2008), já teria caducado o direito à redução. Afigura-se-nos que tal entendimento não é de sufragar. A eficácia retroactiva do acto de aceitação da herança visa garantir o interesse geral da continuidade das relações jurídicas encabeçadas na anterior titularidade do falecido (P. Lima e A. Varela, obra citada, pág. 79). Essa finalidade não abarca o ficcional retrocesso no tempo de um acto que o legislador quis situar num momento preciso, que é o da aceitação da herança. O legislador pretendeu que o direito de peticionar judicialmente a redução de liberalidades inoficiosas se exercesse num período de tempo contado a partir do momento do acto de aceitação da herança, e não do momento a que, pela razões já aduzidas, o legislador faz reportar os efeitos da aceitação quanto à aquisição do domínio e da posse dos bens da herança e da titularidade das respectivas situações jurídicas. A interpretação operada pelo tribunal a quo subverte a norma do art.º 2 178.º do Código Civil, pois implicaria que o aludido prazo de caducidade se passaria a contar da data da abertura da herança e não da data da sua aceitação. Haverá, pois, que apurar se o momento em que o apelante aceitou a herança ocorreu antes da data da propositura da presente acção. Uma vez que se trata de demonstrar a ocorrência de uma excepção peremptória (que não é de conhecimento oficioso - artigos 333.º e 303.º do Código Civil) caberá à interessada que arguiu a caducidade demonstrar que a aceitação da herança se produziu havia mais de dois anos antes da propositura da acção (artigos 342.º n.º 2 e 343.º n.º 2 do Código Civil). Sobre isso a interessada “D” alegou, na oposição, que “a aceitação da herança foi automática, uma vez que não foi recusada e todos, requerente e requeridas passaram de imediato a comportar-se como herdeiros do sr. Engenheiro “B”” (2.1.3. da oposição). E na contra-alegação do recurso a apelada afirmou ter junto ao processo dois documentos que comprovam não só que o recorrente aceitou tacitamente a herança, logo após a morte do de cujus, como o fez expressamente em 27.4.2006. Esta Relação não dispõe dos elementos necessários para decidir sobre esta matéria (sendo certo que o recurso subiu em separado do processo principal). Tão só cabe ajuizar que o fundamento invocado na decisão recorrida para declarar a caducidade da acção de redução das doações alegadamente inoficiosas, ou seja, o de que a herança se tem por aceite na data do falecimento do de cujus, por força do efeito retroactivo da aceitação, improcede. É com esse alcance que cabe revogar a decisão recorrida. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida. As custas da apelação são a cargo da apelada. Lisboa, 6 de Outubro de 2011 Jorge Manuel Leitão Leal Pedro Martins Sérgio Almeida |