Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2545/2007-5
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: PAGAMENTO RATEADO A TRABALHADORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Comete o crime previsto no art.º 13º n.º1 al. d) da Lei 17/86 de 14.06, a entidade patronal que, tendo retribuições em dívida aos trabalhadores, do montante disponível para pagamentos, paga a uns e não paga a outros, isto é não rateia o dinheiro existente de forma proporcional por todos os trabalhadores a quem deve.
Basta-se o elemento subjectivo do tipo com o conhecimento e vontade do preenchimento dos elementos típicos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
  I

1- No Proc. n.º 334/03.2 TAMTJ, que correu seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, foi proferida sentença em 14.11.2006, que julgou a acusação procedente por provada e, em consequência, condenou o arguido (A), pela prática de um crime de violação de inibição da prática de certos actos, p. e p. pelo art. 13º, nº 1, al. d) e nº 3 da Lei n.º 17/86 de 14.06(1), na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituída por igual tempo em pena de multa à taxa diária de € 7,50, perfazendo o montante de € 1 125,00.

2- O arguido veio recorrer desta sentença, por entender que a mesma:
- padece de nulidade, por omissão de pronúncia (art. 379º, nº 1, al. c), porquanto não contemplou, nem na lista dos factos provados, nem no elenco de factos não provados
___________________________
(1) com referência ao art. 3.º, nº 1 da Lei n.º 17/86 de 14.06, na redacção dada ao art. 3º pelo DL n.º 402/91 de 16.10, actualmente, p. e p., pelo art. 467º, com referência ao art. 301º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04 de 29.07 e ao art. 364º, nº 2 do Código do Trabalho.
(que considerou inexistentes), factualidade fundamental e que foi oportunamente invocada pelo recorrente, na sua contestação;
    - incorre no vício de fundamentação nos termos dos arts. 379º a), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CPP;
    - não teve em conta causas de exclusão da ilicitude: Direito de Necessidade ou situação de Conflito de Deveres, previstos nos arts. 34º e 36º do Código Penal (CP), pelo que se encontra afastada a ilicitude, devendo o recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado (p. e p. art. 467º, com referência ao art. 301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07);
Em suma:
     -a decisão recorrida violou os art.467º, com referência ao art. 301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07 (Lei que regulamenta o Código de Trabalho); os arts. 379º a) e c), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CP, o art. 397º do Código de Trabalho e os arts. 16º e 26º, nº 2 da LCCT, os arts. 64º e 259º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os arts. 34º e 36º do CP, pelo que deve ser revogada, e substituída por outra que absolva o arguido.

3- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

4- O Ministério Público (MP) na sua resposta entende que o recurso não merece provimento, devendo a sentença ser mantida, já que não se verifica qualquer nulidade, uma vez que a prova produzida, em sede de julgamento, fundamenta a condenação do arguido, pois o mesmo deveria ter efectuado o rateio proporcional da massa salarial disponível entre todos os trabalhadores, de forma a que todos indiscriminadamente, suportassem as dificuldades financeiras da sociedade, não existindo qualquer causa de exclusão da culpa, conhecendo o arguido a ilicitude da sua conduta.

5- Subiram os autos a este Tribunal, onde o Exmo. Procurador - Geral Adjunto apôs o seu visto.
6- Foram ordenadas diligências que se mostram cumpridas.
7-Procedeu-se a exame preliminar, tendo os autos sido remetidos para audiência de julgamento.
 
8-Colhidos os vistos, foi designada data para julgamento, tendo a audiência decorrido dentro do formalismo legal, onde foram proferidas alegações orais que mantiveram no seu âmbito as questões postas em recurso.
II
1- Recordemos o teor da sentença recorrida (transcrição):

(…)
Fundamentação
Factos Provados

1. O arguido foi sócio-gerente da sociedade “(S) - Industrialização e Comércio de Carnes, Lda. com na Rua..., Montijo, desde 29.09.89, data da constituição da referida sociedade, a qual tem por objecto a comercialização e a industrialização de carnes;
2. A 04.11.92, o arguido cedeu a sua quota de 2.500.000$0 que detinha na sociedade a LS - Comércio e Industria de Carnes e Derivados, Lda.;
3. Em 21.05.98, o arguido foi nomeado gerente da (S);
4. Em 12.01.01, CR - Sociedade Parabancária de Valorização de Créditos, S.A., intentou contra (S), acção falimentar que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 11/01, julgada improcedente, por decisão de 20.06.03;
5. Por acórdão datado de 12.07.06 do Tribunal da Relação de Lisboa foi confirmada a decisão recorrida;
6. Em data não apurada, CR - Sociedade Parabancária de Valorização de Créditos, S.A., intentou contra (S), acção falimentar que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, julgada improcedente;
7. Em 08.05.03, o arguido mantinha a qualidade de gerente da sociedade (S) que tinha como sócios “LS - Comércio, Indústria de Carnes e Derivados”, Lda., “Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de Entre Tejo e Sado”, e “SE - Produtos Agro-Pecuários”, S.A., cada uma com uma quota de € 99.759,58 euros, € 59.855,75 euros e € 39.903,83 euros respectivamente;
8. O arguido é sócio gerente da LS - Comércio e Industria de Carnes e Derivados, Lda. e administrador da SE - Produtos Agro-Pecuários”, S.A.;
9. No exercício de 1999, a (S) declarou um lucro tributável de € 169.009,74 euros; 
10. Na qualidade de gerente, o arguido decide sobre todos os assuntos respeitantes à vida da sociedade, contrata e despede trabalhadores, paga-lhes os salários, adquire matérias-primas e coloca no mercado os produtos fabricados;
11. Em Março de 2003, a sociedade tinha ao seu serviço 22 trabalhadores de entre as quais se encontravam (E), (I) ,(J) e (D);
12. O arguido encetou negociações com as trabalhadoras com vista à cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo;
13. Nos meses de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 o arguido não pagou as remunerações devidas às trabalhadoras acima identificadas, incluindo o subsídio de Natal, apesar de as mesmas terem comparecido pontualmente ao serviço da sociedade e terem estado disponíveis para o exercício das suas actividades;
14. O arguido sempre pagou, com um atraso não superior a 30 dias, os salários dos restantes trabalhadores da (S), incluindo o subsídio de Natal, sem proceder ao rateio proporcional do montante disponível de modo a permitir que todas as trabalhadoras recebessem uma importância de acordo com as disponibilidades financeiras da sociedade;
15. A 22.04.03 o arguido procedeu ao pagamento das quantias devidas às trabalhadoras supra identificadas que despediu, com excepção da indemnização por antiguidade;
16. Agiu livre, deliberada e conscientemente sabendo que não era permitido manter salários em atraso por mais de 30 dias às trabalhadoras supra referenciadas e que a sua conduta era proibida e punida por lei;
Mais se provou:
17. É empresário, aufere mensalmente € 850,00 euros acrescido de montante pecuniário não apurado suportado pela sociedade (S);
18. É divorciado;
19. Não tem antecedentes criminais.
*
Factos Não Provados
 Não existem.
*
Motivação
Os presentes autos tiveram origem numa participação efectuada pela Inspecção-Geral do Trabalho, através do IDICT ao Ministério Público, em que eram relatados factos consubstanciadores do crime, p. e p.,, pelo art. 13.º, n.º 1 e n.º 3 do Decreto Lei n.º 17/86, cometido pelo arguido nos presentes autos relativamente às trabalhadoras (E), (I),(J) e (D), por enquanto representante legal da (S), efectuar pagamentos a trabalhadores que não correspondiam ao rateio proporcional do montante disponível, i.e, a empresa em causa, apesar de não ter pago qualquer indemnização às trabalhadoras supra identificadas, pagou aos restantes trabalhadores os respectivos salários pelo trabalho prestado.
Tais factos consubstanciam efectivamente a prática do referido crime.
Para a formação da convicção do Tribunal na indicação dos factos provados e não provados acima transcritos, ter-se-á que ter em conta o seguinte:
Conforme é sabido, de entre os princípios que regem a audiência de discussão e julgamento, vigora o princípio da imediação que conforme se afere do art. 355.º do Cod. Proc. Penal, se traduz em que a convicção do juiz em audiência há-de resultar da prova examinada ou que nela se produza.
Tal prova por outro lado, está sujeita ao princípio da livre apreciação, consignado este nos termos do art. 127.º do Cod. Proc. Penal e segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora. Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Assim este princípio é a regra geral que tem algumas excepções legalmente previstas, como sejam o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169.º), à confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.º) e à prova pericial (art. 163.º). No que mais se refere e nomeadamente aos depoimentos das testemunhas e às declarações do assistente ou do arguido, aplica-se pois o referido princípio da livre apreciação da prova.
Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta porém o princípio da presunção da inocência o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente, princípio este aliás extensivo a toda a fase processual e que se encontra consagrado no art. 32.º, n.º 2 da C.R.P.
“A prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”. Esta é a lição de Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 191.
Critério essencial de julgamento é o da livre apreciação da prova.
Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada, baseou-se o tribunal na análise da prova produzida durante a audiência de discussão e julgamento, a qual foi conjugada e apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador – art. 127.º do C.P.P.
Quer isto dizer que o tribunal tem que apreciar e valorar os depoimentos prestados em julgamento atendendo às regras da experiência e à maior ou menor credibilidade que uns e outros lhe possam, in casu, merecer, sem esquecer os ónus da prova e o princípio do in dubio pro reo.
No caso em preço a convicção do tribunal fundou-se nos seguintes elementos:
Das declarações do arguido:
O arguido referiu que a (S) tinha excesso de funcionários tendo optado por diminuir parte dos trabalhadores da empresa escolhendo aqueles que não faziam falta na firma, referenciando ter sido essa a solução encontrada, explicitando que o trabalho das ofendidas interessava menos. Admitiu não ter pago às ofendidas dois meses de salários (escrevendo-lhes as cartas datadas de 02.12.02 a fls. 207-210) tendo providenciado pelo pagamento das suas remunerações quando obteve proventos económicos para solver essas dívidas.
Declarou ainda que os restantes trabalhadores receberam os respectivos vencimentos com atrasos superiores a um mês. Referenciou que a partir do pedido de falência da (S), a empresa foi gerida com dificuldade.
Testemunhas:
(E) (referiu que deixou de auferir o seu salário sem qualquer justificação por parte do arguido, declarando que o empregador, às vezes pagava a remuneração com um atraso de 5/6 dias e que durante este período esteve parada durante 70-72 dias enquanto os outros trabalhadores receberam os vencimentos); (J) (explicou ter deixado de receber os salários desconhecendo se os restantes 15/16 trabalhadores da (S) receberam as respectivas remunerações referenciando ter sido dito que não havia trabalho para si e para as outras trabalhadoras, ofendidas nestes autos); (I) (reputou em 8 dias os atrasos nos pagamentos salariais tendo ficado sem receber as remunerações respeitantes a Dezembro de 2002, incluindo o subsídio de Natal e a Janeiro de 2003, esclarecendo que, durante este período, as demais trabalhadoras da (S) receberam as remunerações, adiantando que o arguido a chamou perguntando que queria negociar a sua saída da firma adiantando que pediu 2.000 contos para o fazer ao que o arguido não retorquiu, afirmando que quando recebeu a carta supra referida dirigiu-se para o local de trabalho tendo sido impedida de trabalhar pelo encarregado da (S); (D) (afirmando que recebeu uma carta e despediram-na ficando sem os salários de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 ao invés dos restantes trabalhadores da (S) que receberam os salários, referenciando que depois de Dezembro picava o cartão mas o encarregado não a deixava entrar e encaminhava-se para o vestiário); (G) (escriturária da (S) tendo declarado que chegou a ter 4 meses de salários em atraso, acrescentando que as ofendidas foram despedidas porque o arguido queria reduzir pessoal, acentuando que em Dezembro de 2002 recebeu o vencimento com um atraso de 8 dias e que os restantes trabalhadores receberam os salários com uma dilação inferior a 30 dias exceptuando as quatro trabalhadoras que receberam os vencimentos com atraso declarando que a política era de redução de custos e optou-se por despedir essas quatro trabalhadoras); (F) (trabalhador subordinado da secção de pessoal, afiançou conhecer o teor das cartas enviadas às ofendidas, referindo que a (S) teve um processo de falência e que iria prescindir de algumas pessoas, explicando que “calhou a estas quatro”, alinhavando que havia salários em atraso a todos os trabalhadores e que era a LS, Lda. que suportava o pagamento dos salários da (S) tanto mais que passava os respectivos cheques); (MF), trabalhadora da LS, Lda., (afirmando que o pedido de falência d3a (S) abalou o arguido que havia feito fortes investimentos na empresa e que esta última subsistia devido à LS, Lda. que ia resolvendo os problemas da tesouraria, declarando desconhecer a existência de salários em atraso na (S) referenciando que a LS, Lda. entregava valor para pagamento dos salários na (S) tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços da (S) entre ambas para fazer face a despesas com o pessoal).
Atendeu-se à matéria documental constante dos autos a fls. 14, 95 a 105, 207 a 210, 269 a 286, 308 a 330 e 338 a 523. 
Da análise critica e conjunta da prova ficou a convicção de que o depoimento das trabalhadoras supra identificadas, bem como das demais testemunhas que tiveram conhecimento directo dos factos e da prova documental carreada para os autos, permitem sustentar, sem margem para dúvidas, a comissão pelo arguido do crime pelo qual vem acusado.
Com efeito, como se não bastasse a palavra das ofendidas contra a palavra do arguido (que aliás, admitiu a sua prática, exclamando em relação à opção do não pagamento tomada: “Se fiz bem ou não, não sei”) e das restantes testemunhas, que de forma inequívoca afirmaram nunca ter deixado de receber, ainda que com atrasos, os seus vencimentos, afirmações que jamais foram negadas pelas testemunhas, tal é suficiente para considerar os factos como provados.
Em bom rigor, se o arguido sabia a situação financeira da empresa e a falta de património da mesma, descortinando com facilidade que não haveria dinheiro para pagar a todos a totalidade daquilo que lhes era devido, deveria ter actuado de forma diversa não discriminando estas trabalhadoras como elementos espúrios que deviam ser despedidas constrangendo-as a sujeitarem-se a algo que de outra forma não se sujeitariam.
Atendendo a que - tal como se infere do documento constante de fls. 14 - o que está em causa é a circunstância de o arguido, enquanto sócio gerente da empresa "(S)", não ter pago os salários de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 a quatro trabalhadoras, pese embora o tenha feito relativamente aos restantes dezoito trabalhadores sem que tenha procedido ao rateio proporcional nos termos impostos por lei, é de todo indiferente a difícil situação económica da empresa. Tendo havido pagamento de salários, as verbas utilizadas tinham, imperativamente, de ter sido distribuídas por todos os trabalhadores, por forma a que nenhum deles tivesse que suportar de forma isolada as dificuldades financeiras da entidade patronal, sendo totalmente privados do seu salário.
No que tange à circunstância de o vínculo laboral das queixosas ser para com a empresa "(S)" e não para com o arguido em nome individual, veja-se que tal circunstância nunca foi desconsiderada, mesmo em sede de inquérito. Aliás, tal facto extrai-se da própria acusação deduzida, através dos seus artigos 1º a 3º.
Porém, não obstante a disposição legal onde se prevê o ilícito criminal em causa, fazer menção à entidade patronal, não podemos olvidar o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código Penal, os quais determinam a responsabilização dos titulares das pessoas colectivas.
Se assim não fosse, os dispositivos legais em causa nos autos não teriam qualquer aplicação prática, na medida em que se tinha encontrado forma de não sujeitar à lei a actuação das entidades patronais sempre que fossem pessoas colectivas, conferindo aos seus representantes legais, a possibilidade de, impunemente, agirem de forma ilegal.
*
O Direito
Enquadramento Jurídico Criminal
Vejamos agora o crime de violação de inibição da prática de certos actos de que o arguido vem acusado.
A crise económica que varreu o País na primeira metade da década de 80, trouxe consigo e desenvolveu uma prática empresarial - a do não pagamento sistemático das retribuições aos trabalhadores - a que o Estado não pôde deixar de dar atenção, até porque, capitalizando a seu favor as repercussões sociais dessa falta de pagamento, os empresários usaram-na como forma de pressão para reivindicar vantagens e apoios do Estado e do sistema bancário. Impunha-se, assim, a publicação de legislação de emergência, capaz não só de assegurar e tutelar eficazmente o direito dos trabalhadores à retribuição, mas também o de possibilitar às empresas o pagamento dos salários e a superação das suas dificuldades.
Foi nessa conjuntura especialíssima que surgiu a Lei 17/86, de 14 de Junho (1).
Tratou-se de um diploma de natureza excepcional, cujo objecto foi claramente enunciado no seu art. 1.º, n.º 1: estatuir sobre "os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem". Esses efeitos jurídicos especiais foram, depois, explicitados nos arts. 3.º e seguintes, salientando-se entre eles:
- a concessão ao trabalhador (que se achasse nas condições enunciadas no n.º 1 do art. 3.º) de um direito alternativo, de rescindir o contrato ou de suspender a sua prestação de trabalho;
- a estatuição de um regime especial para os trabalhadores que optassem pela rescisão unilateral com justa causa do seu contrato de trabalho, nos termos do art. 3.º (art. 6.º);
- a atribuição ao trabalhador, durante o período de suspensão da prestação de trabalho, da percentagem máxima do subsídio de desemprego (art. 7.º);
- o direito, concedido ao trabalhador auto-suspenso, de exercer outra actividade remunerada fora da empresa (art. 10.º).
A Lei n.º 17/86 (e o seu art. 12.º em particular) tem como finalidade precípua a protecção de um bem muito especial - o salário do trabalhador - aceitando-se, a esse título, a criação de um privilégio especialíssimo que lhe conceda uma protecção eficaz, relegando para plano secundário outros direitos de terceiros igualmente respeitáveis e atendíveis, nomeadamente os direitos dos credores da empresa. É assim que o art. 13.º da Lei, igualmente situado, na sistemática do diploma, no capítulo das "Garantias Patrimoniais", veda expressamente às entidades patronais com retribuições em dívida aos trabalhadores - inclusive sob ameaça de pena de prisão - certas práticas, designadamente a remuneração dos membros dos corpos sociais ou a efectivação de pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível (alíneas b) e d) do n.º 1). Significa isto que, achando-se a entidade empregadora impossibilitada de satisfazer, na íntegra, os salários dos trabalhadores, deve fazê-lo pro rata, de acordo com o montante disponível. O pagamento de uma indemnização a um trabalhador, com o consequente agravamento do não pagamento dos salários, fá-lo incorrer em pena de prisão até 3 anos.
Assim sendo, impõe-se proceder à análise do disposto no art. 13º, n.º 1 d) da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho. Dispõe tal preceito que: “É expressamente vedado às entidades patronais com retribuições em dívida aos trabalhadores ao seu serviço: d) Efectuar pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível.”.
Acrescenta o n.º 3 “A violação do disposto no n.º 1 faz incorrer os responsáveis na pensa de prisão até três anos, sem prejuízo de pena mais grave que no caso caiba.”
Do citado preceito, retira-se que se do montante disponível para pagamentos, a entidade patronal paga a uns e não paga a outros, i. é, não rateia o dinheiro existente de forma proporcional por todos os trabalhadores a quem está em dívida, comete o crime em causa.
Ora, da prova produzida na audiência de discussão e julgamento resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que as trabalhadoras supra identificadas, não tendo aceite a rescisão nos moldes propugnados pelo arguido, gerente da (S), foram discriminadas com o não recebimento da remuneração relativa aos meses de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, sendo que nessa altura ainda se apresentavam ao trabalho, apesar de não lhes ser distribuído serviço.
Resultou também, que a (S), através do arguido, pagou as remunerações devidas aos restantes trabalhadores, ainda que com atraso, pelo trabalho prestado.
No caso dos autos, a (S) Lda., pagou sem respeitar o rateio, na medida em que as trabalhadoras supra identificadas ficaram sem receber nada, enquanto outros trabalhadores viram percebidos os respectivos salários.
Deste modo, há que concluir, verificar-se, no caso concreto, o tipo objectivo consagrado na norma incriminadora.
Do ponto vista subjectivo do tipo de crime aqui em causa, tal como já referido, o mesmo está preenchido quando o agente actua com ilegítima intenção de pagar o salário a determinados trabalhadores em detrimento de outros que nada recebem sendo certo que o que a lei impõe é o recebimento de todos, de um montante, se calhar um pouco menor, do que o salário integral que lhes seria devido de modo a respeitar-se a regra da distribuição equitativa do montante disponível para o pagamento das remunerações aos assalariados, sem excepção, sabendo embora que tal conduta, que livre e deliberadamente adopta, lhe está interdita por lei.
Neste conspecto, alegou o arguido que agiu sem consciência da ilicitude do seu acto, achando, ainda que incorrendo em erro, estava a agir dentro da legalidade.
Estabelece o art. 17.º, n.º 1 do Código Penal o seguinte: "Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável".
E o n.º 2 acrescenta: "Se o erro lhe for censurável, o agente será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada".
Assim, em causa está saber se, na situação concreta, a pessoa tinha obrigação de suspeitar que aquele acto fosse realmente lícito ou ilícito e, em consequência disso, deveria tentar verificar se assim era ou não (ver Roxin, "Culpabilidad - Política Criminal y Sistema dei Derecho Penal", pp. 215-217).
Deste modo, a falta de consciência da ilicitude prevista no art. 17.º do Código Penal, é a consciência errónea da licitude do facto, não existindo qualquer erro sobre o facto (quer sobre a ilicitude do próprio facto ou sobre os pressupostos das causas de justificação).
“O regime do erro sobre a punibilidade não é o mesmo no art. 16.º, n.º 1, 2.ª parte e no art. 17.º, porquanto como bem ensina o Prof. Figueiredo Dias, no caso de erro sobre as proibições cujo conhecimento é indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude estamos perante um erro de conhecimento, equiparável ao erro sobre os elementos de facto e de direito do tipo de crime, enquanto no erro sobre a ilicitude (art. 17.º), estamos perante um vício da consciência ética do agente" (Germano Marques da Silva em "Direito Penal Português", Parte Geral, II, Teoria do Crime, Ed. Verbo, 1998, pp. 212).
Com efeito, refere o Prof. Cavaleiro Ferreira (Lições de Direito Penal, 1985,1, pp. 222) que melhor se diria, a propósito do erro referido no art. 17.º do Cód. Penal, tratar-se de "erro sobre a licitude, que não erro sobre a ilicitude e que o campo de aplicação do art. 17.º ", não se refere à "falta de consciência da ilicitude" (a que se refere o art. 16.º) mas à convicção errónea da licitude do facto realmente ilícito".
A ignorância ou erro sobre a lei penal em que assenta a convicção errónea da licitude excluirá a culpabilidade, dolo e culpa, se for devida a erro não censurável (art. 17.º, n.º 1); se a consciência da licitude for devida a erro censurável pode ser atenuada a responsabilidade (n.º 2).
Contudo, apenas uma consciência certa e segura da licitude permite a atenuação da culpa, sendo que por isso deve o agente esforçar-se por alcançar a certeza acerca da licitude do facto que se propõe cometer.
Ora, sendo o arguido pessoa experimentada na arte da administração e gestão de empresas, com conhecimentos sólidos alicerçados em dezenas de anos de trabalho como gerente, não sendo escamoteavel tal facto, é de difícil, para não dizer impossível compreensão que não lograsse prever ex-ante a ilicitude ou as consequências da conduta adoptada.
Assim, tendo ficado apurado em concreto que o arguido actuou na convicção de que o não rateio efectuado por todos os trabalhadores, mesmo os indesejados, do montante disponível para o pagamento das remunerações era ilícito, não pode agora socorrer-se de um invocado erro para se eximir à responsabilidade dos actos praticados, de modo a excluir a culpa nos termos do art. 17.º, n.º 1 do Cód. Penal.
Com efeito, convicto de que o não pagamento das remunerações seria ilícito, o arguido representou a possibilidade de estar a agir contra a lei, agindo com o conhecimento do carácter ilícito, imoral e anti-social da sua conduta, tanto mais que, era-lhe, como condutor de homens, exigível que fizesse diligências para se certificar de tal.
Assim, deve o arguido ser condenado pela prática do crime que lhe vem imputado.
*
Da escolha e determinação da medida da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar-lhe.
O crime praticado pelo arguido é punível com pena de prisão até 3 anos.
Dispõe o artigo 70.º do Código Penal, que o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, as exigências de reprovação e de prevenção do crime.
In casu, o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido profissional e socialmente.
Na determinação da medida pena aplicável, deve o juiz fazer aplicação dos critérios consagrados nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
Caber-nos-á, pois, ponderar das necessidades de prevenção geral e especial, as quais delimitam o limite mínimo da pena a aplicar, e da culpa do agente, cujo grau determina, em absoluto, o limite máximo da sanção cominável.
No caso concreto, o dolo assume a forma de dolo directo, e é de intensidade elevada.
O grau de ilicitude é também elevado, com a circunstância de o arguido ter privado as ofendidas do pagamento do seu salário numa época natalícia eivada de simbologia própria.
O arguido agiu com culpa, sendo-lhe exigível que adoptasse outro comportamento.
São medianas as necessidades de prevenção geral, face a alguma agitação social aliada ao aumento exponencial do desemprego, situado no patamar dos 7% da população activa, e a uma frequência assinalável de ilícitos desta natureza.
As necessidades de prevenção especial afiguram-se também medianas, tendo em conta que não se afigura que o arguido volte a delinquir.
Tudo visto e ponderado, considera-se adequada aplicar ao arguido a pena de 5 (cinco) meses de prisão.
Dadas as especificidades do caso sub iudice, designadamente a condenação em pena de prisão inferior a um ano, entende-se que a substituição da pena aplicada ao arguido por pena de multa se afigura adequada a garantir as prementes exigências de prevenção especial.

(…)


2- E as conclusões da motivação do recurso que delimitam o seu objecto (transcrição):

(…)


1. O presente recurso vem interposto da sentença que condenou o Recorrente pela prática de um crime de violação de inibição da prática de certos actos p.p. pelo art. 467.º, com referência ao art. 301.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07, na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituída por igual tempo em pena de multa à taxa diária de € 7,50, perfazendo o montante de € 1.125,00 (mil cento e vinte e cinco euros).

2. O tribunal a quo fez uma aplicação descontextualizada de um preceito legal, sem atender ao conjunto de normas e interesses tutelados pela legislação laboral e societária, às consequências jurídicas da pendência do processo de falência e à situação particular da empresa então gerida pelo recorrente.

3. Nem valorou a conduta do recorrente: o envio de carta a expor a situação às visadas anterior à suspensão dos pagamentosa negociação com vista à cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo, o pronto pagamento logo que a empresa reuniu condições bastantes para tal.

4. No caso em apreço a conduta do recorrente não configura nem a prática do crime de inibição da violação de certos actos, nem a prática de qualquer ilícito.

5. Mas, ainda que assim não se entendesse, considerando-se que o procedimento adoptado pelo Recorrente foi ilícito, sempre teria o tribunal a quo de ponderar as especiais dirimentes, actuantes ao nível da ilicitude, que no caso em apreço se verificam de forma patente. O que o tribunal a quo também não fez.
6. A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia (Art. 379.º, n.º 1, al. c), porquanto não contemplou, nem na lista dos factos provados, nem no elenco de factos não provados (que considerou inexistentes), factualidade fundamental e que foi oportunamente invocada pelo recorrente, na sua contestação.
7. Entre outros, na sua contestação, o Recorrente alegou que: (9.º)  “A (S) desde há vários anos se debate com uma situação de tesouraria difícil”; (10.º “...por diversas vezes, são os próprios sócios, incluindo o arguido, a suportar a expensas pessoais o processamento das despesas correntes, nomeadamente salários” (11.º) Sempre na expectativa de salvaguardar os postos de trabalho dos seus trabalhadores” (20.º)“Viu-se assim a gerência da (S), Lda e não só o arguido, obrigada a adoptar medidas de gestão que passassem pela redução de custos e consequente viabilização da sociedade” (27.º) “as trabalhadoras viriam a rescindir os seus contratos de trabalho com a (S), Lda., em 3 de Fevereiro de 2003...”.
8. Todos estes factos alegados são fundamentais para a correcta apreciação da factualidade submetida a julgamento e, por isso, sempre teriam de ser dados como provados ou como não provados, seguindo-se a necessária fundamentação ou exposição dos motivos de facto que alicerçaram a convicção do tribunal, num ou noutro sentido.
9. Ao não ter considerado tais factos na sentença, fundamentais para a compreensão global dos factos e para a também para a defesa do recorrente, padece a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, ser anulada – se necessário com repetição do julgamento - para que contemple todos os factos quer da acusação, quer da defesa (da contestação).
10. Como reverso da questão exposta, interessante é também verificar como o Tribunal a quo não teve o menor pejo de incluir na matéria provada, factos como os que consigna sob os números 2 e 9 (que não constam nem da pronúncia, nem da contestação), sem que daí retire quaisquer conclusões, em sede de fundamentação da matéria de facto ou de direito.
11. O que se traduz num vício de fundamentação nos termos dos arts. 379.º a), 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 4 do CPP, a corroborar a premência da anulação da decisão recorrida, com vista à adequada ponderação dos factos provados e não provados, e subsequente desenvolvimento na fundamentação de facto e de direito, em termos que logrem convencer da justiça e bondade da sentença.
12. Sob o n.º 12 do elenco de factos provados, o Tribunal quo deu como provado – e bem - que “o arguido encetou negociações com as trabalhadoras com vista à cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo”.
13. Todavia, o tribunal deveria ter consignado a data que foram iniciadas tais negociações, o que expressamente resulta dos documentos de fls. 207 a 210 dos autos – 2 de Dezembro de 2002.
14. A alteração que agora se requer é fundamental para a devida apreciação do caso em concreto e pressuposto de um enquadramento que a sentença recorrida não ponderou devidamente, porquanto não é verdade que a empresa “(S), Lda” tenha suspendido, sem mais, o pagamento dos salários às trabalhadoras referidas na sentença; essa falta de pagamento teve uma causa – a situação de falência da empresa -, sendo que as cartas foram anteriores à suspensão dos pagamentos.
15. Pelo que, nos termos do art. 431.º, al. a ) do CPP, deve o facto provado sob o n.º 12, ser modificado nos seguintes termos: “A partir de 2 de Dezembro de 2002, mediante o envio de cartas às visadas para despedimento, o arguido encetou negociações com as trabalhadoras com vista à cessação dos contratos por mútuo acordo”.
16. Para além da nulidade por omissão de pronúncia quanto a factos fundamentais alegados pelo Recorrente, a sentença recorrida também não fez uma correcta subsunção dos factos (que apreciou) ao direito.
17. O Tribunal a quo na fundamentação da sentença consignou que pelo facto de ter havido pagamentos  “... é de todo indiferente a difícil situação económica da empresa....”, entendimento esse que é inaceitável e incompreensível.
18. Desde logo, o Tribunal a quo não valorou minimamente o teor das cartas enviadas às trabalhadoras em 2 de Dezembro de 2002, donde se lhes deu nota e conhecimento da difícil situação da empresa e, por isso, da manifestação de vontade unilateral da empresa de cessação dos respectivos vínculos laborais.
19. Foi a situação de iminente ruptura da empresa (S) que condicionou e motivou a gerência a encetar os trâmites e negociações de um autêntico “despedimento colectivo”, tutelado pelo art. 397.º do Código de Trabalho e, à data dos factos, pelos arts. 16.º e 26.º, n.º 2 da LCCT.
20. Em causa estavam e estão os superiores interesses de manutenção da empresa (S), pelo que também só essa desconsideração permite explicar que na sentença recorrida se tenha consignado, de forma totalmente desajustada e até ofensiva, que “no caso concreto o dolo assume a forma de dolo directo e é de intensidade elevada”(!)
21. O arguido foi acusado por um tipo de crime -  arts. 301. º, al. e) e 467.º da Lei n.º  35/04, de 29.07 (Lei que Regulamenta o Código de Trabalho), de gestão de interesses e bens da entidade empregadora, portanto interesses de terceiro, no caso, da Sociedade (S), Lda, onde então ocupava o cargo o cargo de gerente.
22. Resulta dos autos e encontra expressão nos factos provados na sentença (pontos 4 e 6) que tal empresa se encontrava numa situação económica muito difícil, pela pendência de processos de falência, com as consequências que de todos são conhecidas  - e aos juristas, por maioria de razão : o processo de falência é uma capitis diminutio, que cria fortíssimas limitações à empresa: impossibilidade de recurso a crédito, diminuição do volume de vendas, em virtude da diminuição da procura, limitações à exportação, controlo absoluto da empresa pelos credores  e muitos outros.
23. Razão pela qual, o recorrente, enquanto gerente, numa ponderação de interesses, se viu obrigado a ter de cessar alguns vínculos laborais, a fim de tentar “salvar” a empresa, escolhendo as trabalhadoras cujos vínculos à sociedade e à sobrevivência da mesma eram menos necessários.
24. O recorrente enviou cartas em 02.12.2002 comunicando a impossibilidade de manutenção dos postos de trabalho e sua causa, iniciando a partir dessa data as respectivas negociações.
25. Só a partir dessa data – com a comunicação– foram suspensos os pagamentos dos salários – pelo período de 2 meses –, os quais foram prontamente pagos, mal a empresa foi dotada de meios para o efeito.
26. Partindo do ponto de partida - a difícil situação económica da empresa - que o próprio Tribunal a quo fez constar na fundamentação, ao recorrente só era possível uma das seguintes alternativas:  ou manter todos os seus trabalhadores e então, sim, proceder aos rateio proporcional das verbas disponíveis, com eventual prejuízo irreversível para a empresa (única hipótese contemplada pelo tribunal a quo) ou prescindir de alguns trabalhadores, tendo em atenção a utilidade dos respectivos cargos para a sobrevivência da empresa, procedendo às necessárias comunicações e negociações.
27. Ao optar por esta segunda opção, legitimada quer pelo seu cargo de gerente, quer pela situação de ruptura económico-financeira da empresa, não vislumbra o Recorrente onde se encontra a ilicitude da sua conduta, nem como lhe era exigível outro comportamento.
28. Só essa segunda hipótese teve em vista assegurar a viabilização da empresa e, simultaneamente, assegurar a manutenção do máximo de postos de trabalho. Optar pela manutenção do vínculo de todos os trabalhadores à empresa, implicaria a liquidação da própria empresa.
29. Pelo que, feito o correcto enquadramento dos factos deve o recorrente ser absolvido do crime de violação de inibição da prática de certos actos.
30. Mas, ainda que assim não se entenda – o que por mero dever se patrocínio se concebe, sem conceder – e se considere que o não pagamento durante dois meses de salários é susceptível de integrar a prática do crime de inibição de certos actos p.p. pelo art. 467.º, com referência ao art. 301.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07,  sempre a conduta do Recorrente se encontraria justificada por uma das seguintes causas de exclusão da ilicitude: pelo Direito de Necessidade ou por uma situação de Conflito de Deveres, previstos nos arts. 34.º e 36.º do Código Penal.
31. O tipo de crime em análise, não compilado no Código Penal, mas sim em legislação avulsa - pelo art. 467.º, com referência ao art. 301.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07 (regulamento do Código de Trabalho) -  é um tipo aberto, sem graduações, quer ao nível da culpa, quer ao nível da  ilicitude, donde resulta uma necessidade premente de recurso às regras da doutrina geral do “crime”, previstas na Parte Geral do Código Penal.
32. No caso concreto, o recorrente, confrontado com a situação de ruptura económico-financeira da empresa de que era gerente, entendeu que teria de prescindir dos serviços de quatro trabalhadoras, às quais enviou cartas a expôr a situação e iniciou processo negocial de despedimento.
33. Só após o envio das cartas, foram suspensos os pagamentos, pelo período de dois meses, sendo que a única intenção do recorrente era a de evitar a liquidação total da empresa e, por essa via, a perda de todos os postos de trabalho.
34. Entende o Recorrente que a solução por que optou foi o mal necessário para a defesa do bem superior – a salvaguarda da empresa e do maior número possível de postos de trabalho.
35. Por essa via encontram-se verificados os pressupostos do Direito de Necessidade, o qual afasta a ilicitude, devendo assim o Recorrente ser absolvido do crime de inibição de certos actos.
36. Quando assim não se entenda, igualmente susceptível de aplicação à situação sub judice é a causa de justificação da ilicitude prevista no art. 36.º (“Conflito de Deveres”) do Código Penal
37. No caso, o recorrente, uma vez que a empresa que geria se encontrava em situação económica difícil, perante o dever de proceder ao rateio proporcional dos montantes disponíveis por todos os trabalhadores, e perante o dever de gerir com diligência e lealdade a sociedade, praticando todos os actos necessários para a realização do objecto social (arts. 64.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais), optou por prosseguir este último, decidindo prescindir do trabalho dos elementos que menos faziam falta à sociedade, com prévio envio às trabalhadoras afectadas de carta a expor a situação da empresa e encetando a partir daí negociações, tendentes à cessação do vínculo por mútuo acordo.
38. Entendendo-se que o comportamento do Recorrente não foi correcto ou mesmo considerando-se que foi ilícito, dúvidas não podem existir de que o recorrente foi posicionado perante uma situação de conflito de deveres que no caso exclui a ilicitude.
39. Por essa via encontram-se manifestamente verificados os pressupostos da causa de justificação “Conflito de Deveres”, a qual afasta a ilicitude, deve o Recorrente ser absolvido do crime de inibição de certos actos, p.p. art. 467.º, com referência ao art. 301.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.0.
40. Pelo exposto, violou a decisão recorrida os art.467º, com referência ao art.301º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07 (Lei que regulamenta o Código de Trabalho); os arts. 379.º a) e c), 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 4 do CP, o art. 397.º do Código de Trabalho e os arts. 16.º e 26.º, n.º 2 da LCCT, os arts. 64.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os arts. 34.º e 36.º do Código Penal, nos termos expostos na presente motivação.
Termos em que deverão V. Ex.ªs conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva o Recorrente do crime por que veio condenado, em conformidade com a presente motivação;
Quando assim não se entenda, seja a sentença recorrida anulada por omissão de pronúncia e de fundamentação.
(…)


3- As questões controvertidas.


Entende o recorrente que a sentença:
    - padece de nulidade, por omissão de pronúncia (art. 379º, n.º 1, al. c), porquanto não contemplou, nem na lista dos factos provados, nem no elenco de factos não provados (que considerou inexistentes), factualidade fundamental e que foi oportunamente invocada pelo recorrente, na sua contestação;
    - incorre no vício de fundamentação nos termos dos arts. 379º a), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CPP;
    - não teve em conta causas de exclusão da ilicitude: Direito de Necessidade ou situação de Conflito de Deveres, previstos nos arts. 34º e 36º do CP, pelo que se encontra afastada a ilicitude, devendo o recorrente ser absolvido do crime de inibição de certos actos, p. e p. art. 467º, com referência ao art. 301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07;
     -a decisão recorrida violou os art.467º, com referência ao art.301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07 (Lei que regulamenta o Código de Trabalho); os arts. 379º a) e c), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CP, o art. 397º do Código de Trabalho e os arts. 16º e 26º, nº 2 da LCCT, os arts. 64º e 259º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os arts. 34º e 36º do CP.


4- Enquadramento e análise sucinta da questão objecto do recurso.


Digamos, desde já, que carece total razão ao recorrente.

Deu-se como provado na sentença que, nos meses de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, o arguido, enquanto gerente da sociedade (S) - Industrialização e Comércio de Carnes, Lda., não pagou as remunerações devidas às trabalhadoras (E), (I),(J) e (D), as quais sempre compareceram, com pontualidade e disponibilidade para o exercício das suas funções, no local de trabalho.

Provou – se ainda que, no mesmo período, o arguido pagou as remunerações devidas aos restantes trabalhadores, incluindo o subsídio de Natal, não tendo o mesmo procedido ao rateio proporcional do montante disponível de modo a permitir que todos os trabalhadores recebessem uma importância de acordo com a disponibilidade financeira da sociedade.

O arguido entende que o Tribunal não valorou a circunstância de ter enviado uma carta a cada uma das trabalhadoras acima identificadas, em momento anterior à suspensão dos pagamentos, com vista à cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo, considerando assim não ter praticado o crime por que foi condenado, uma vez que existem causas que excluem a ilicitude da sua conduta.

Com efeito, não pode interpretar-se, como o arguido pretende que o mero envio daquela carta, sem qualquer acordo entre partes, torna lícita a sua conduta, nomeadamente, legitimando o não pagamento de remunerações a quatro trabalhadoras com um vínculo laboral semelhante ao do restantes trabalhadores, que receberam o que lhes era devido, in casu, tendo sido contemplados no rateio proporcional como impõe a lei.

Também se entende, como se diz na sentença em análise que a ilicitude da conduta não pode ser afastada pela difícil situação financeira da sociedade, uma vez que o património disponível não foi rateado proporcionalmente, já que permitiu efectuar a totalidade do pagamento das remunerações devidas a mais de quatro quintos dos seus trabalhadores, não tendo sido contempladas apenas as quatro trabalhadoras recorridas.

Segundo o arguido, apenas se deveria proceder ao ratear da massa salarial caso pretendesse manter todos os trabalhadores ao serviço da sociedade, depreendendo-se que a forma encontrada pela entidade patronal para atingir a pretendida cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo com aquelas quatro trabalhadoras, passou por atingi-las indelevelmente ao coarctar-lhes os vencimentos.

Pelo que a conduta do arguido, não tem subjacente, nem poderia ter, como pretende, qualquer situação de direito de necessidade ou de conflito de deveres.

Acresce que estando provada a actividade profissional do arguido, gerente de empresas há dezenas de anos, e, nomeadamente com o pelouro de gestão de pessoal, bem sabia que a sua conduta era ilícita, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo, não existindo causas de exclusão da ilicitude.

5- O enquadramento jurídico criminal

Para além das considerações feitas na sentença recorrida sobre a aplicação dos diplomas na conjuntura sócio - económica que viveu e vive este País, compete-nos acrescentar algumas notas, de modo a integrar na sua essência o espírito do legislador, quando elaborou estas leis, nomeadamente a aqui aplicável.

A lei 17/86, de 14.06 (conhecida como a lei dos salários em atraso), é uma lei especial que, como resulta do seu art. 1º, veio regulamentar os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrém.

É certo que esta lei surgiu numa conjuntura de grave crise económica e social que grassava situações de salários em atraso causando grande inquietação social, o que levou o legislador a criar um sistema excepcional a fim de tentar pôr cobro a tais situações e minimizar os seus efeitos para a parte tida como mais fraca e mais prejudicada - o trabalhador.

A Lei n.º 17/86 (e o seu art. 12.º em particular) tem como finalidade precípua a protecção de um bem muito especial - o salário do trabalhador - aceitando-se, a esse título, a criação de um privilégio especialíssimo que lhe conceda uma protecção eficaz, relegando para plano secundário outros direitos de terceiros igualmente respeitáveis e atendíveis, nomeadamente os direitos dos credores da empresa. É assim que o art. 13.º da Lei, igualmente situado, na sistemática do diploma, no capítulo das "Garantias Patrimoniais", veda expressamente às entidades patronais com retribuições em dívida aos trabalhadores - inclusive sob ameaça de pena de prisão - certas práticas, designadamente a remuneração dos membros dos corpos sociais ou a efectivação de pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível (alíneas b) e d) do n.º 1). Significa isto que, achando-se a entidade empregadora impossibilitada de satisfazer, na íntegra, os salários dos trabalhadores, deve fazê-lo pro rata, de acordo com o montante disponível. O pagamento de uma indemnização a um trabalhador, com o consequente agravamento do não pagamento dos salários, fá-lo incorrer em pena de prisão até 3 anos. (vidé sentença recorrida)

Foi, entretanto, publicado o DL n.º 402/91 de 16.10, que alterou a redacção daquela Lei, mas que manteve nos mesmos termos, a previsão do crime. Actualmente, o ilícito em apreço encontra-se p. e p., pelo art. 467º, com referência ao art. 301º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04 de 29.07 e ao art. 364º, nº 2 do Código do Trabalho.

De referir, pois que a situação dos autos rege-se pela Lei 17/86, na redacção dada pelo DL 402/91, que estava em vigor à data dos factos.

Com a actual legislação (substantiva e adjectiva), continuou o legislador a manter as normas relativas à responsabilidade penal e contra - ordenacional decorrente da violação das leis do trabalho, com o intuito de uma maior responsabilização das partes no que respeita ao cumprimento tanto do contrato de trabalho como dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Essa responsabilização passa nomeadamente pelo agravamento das sanções disciplinares, pelo aumento das coimas e pela remissão para regras de responsabilidade civil.

De referir que, como se retira da Exposição de Motivos da Proposta do Código de Trabalho, apresentada à AR, que o legislador tentou resolver um conjunto de problemas que careciam de solução normativa, nomeadamente à consagração expressa de regras sobre direitos de personalidade no âmbito laboral, consagração de deveres recíprocos impostos a cada uma das partes, revisão do conceito de retribuição base, revisão de normas relativas à cessação do contrato, por forma a garantir uma maior tutela da situação dos trabalhadores; em suma, o legislador mostrou-se particularmente atento aos valores das pessoas - trabalhadores e empregadores - no contexto actual, nacional e internacional das relações de trabalho.

E tanto assim é, que o legislador manteve as normas sancionatórias, como a do caso em apreço, em que prevê no seu art. 467º, com referência ao art. 301º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 35/04 de 29.07 e ao art. 364º, nº 2 do Código do Trabalho, que …”o empregador em situação de falta de pagamento pontual de retribuições não pode: …efectuar pagamento a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível…”.

A violação desta norma é punida com pena de prisão até 3 anos, sem prejuízo de pena mais grave aplicável ao caso (art. 467º).
 
6-Feitas estas considerações de ordem genérica, passemos à apreciação de cada uma das questões postas à nossa consideração.

6.1- O direito aplicável no caso em concreto

Dispõe o art. 13º, nº1, al. d) da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, que:
 “É expressamente vedado às entidades patronais com retribuições em dívida aos trabalhadores ao seu serviço:
(…)
d) Efectuar pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio proporcional do montante disponível.”.
E estipula o nº 3:
 “A violação do disposto no n.º 1 faz incorrer os responsáveis na pena de prisão até três anos, sem prejuízo de pena mais grave que no caso caiba.”

Retira-se, pois, deste preceito, que se do montante disponível para pagamentos, a entidade patronal paga a uns e não paga a outros, i. é, não rateia o dinheiro existente de forma proporcional por todos os trabalhadores a quem está em dívida, comete o crime em causa.

Quer este preceito dizer que achando-se a entidade empregadora impossibilitada de satisfazer, na íntegra, os salários dos trabalhadores, deve fazê-lo pro rata, de acordo com o montante disponível. O pagamento de uma indemnização a um trabalhador, com o consequente agravamento do não pagamento dos salários, fá-lo incorrer em pena de prisão até 3 anos.

Daquilo que se extrai da sentença posta em crise, resulta que 4 trabalhadoras, não tendo aceite a rescisão nos moldes propugnados pelo arguido, não receberam a remuneração relativa aos meses de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, sendo que nessa altura ainda se apresentavam ao trabalho, apesar de não lhes ser distribuído serviço. Apenas em 22.04.2003. o arguido pagou as quantias devidas àquelas trabalhadoras que despediu.
No entanto, a (S), através do arguido, pagou as remunerações devidas aos restantes trabalhadores, ainda que com atraso, pelo trabalho prestado, ou seja, pagou sem respeitar o rateio, na medida em que aquelas trabalhadoras nada receberam, enquanto outros trabalhadores viram percebidos os respectivos salários.
Pelo que se verifica, no caso concreto, o preenchimento do tipo objectivo consagrado na norma incriminadora.

Quanto ao elemento subjectivo do tipo de crime basta-se o mesmo com o conhecimento e vontade do preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do crime, e que resulta do ponto 16 da matéria dada como provada na sentença recorrida.


6.2- O vício de fundamentação nos termos dos arts. 379º a), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CPP.

Entende o recorrente que a sentença recorrida não teve em conta o que alegou na sua contestação:
(9.º)  “A (S) desde há vários anos se debate com uma situação de tesouraria difícil”;
(10.º) “...por diversas vezes, são os próprios sócios, incluindo o arguido, a suportar a expensas pessoais o processamento das despesas correntes, nomeadamente salários”
 (11.º) Sempre na expectativa de salvaguardar os postos de trabalho dos seus trabalhadores”
(20.º)“Viu-se assim a gerência da (S), Lda e não só o arguido, obrigada a adoptar medidas de gestão que passassem pela redução de custos e consequente viabilização da sociedade”
 (27.º) “as trabalhadoras viriam a rescindir os seus contratos de trabalho com a (S), Lda., em 3 de Fevereiro de 2003...”.
8. Todos estes factos alegados são fundamentais para a correcta apreciação da factualidade submetida a julgamento e, por isso, sempre teriam de ser dados como provados ou como não provados, seguindo-se a necessária fundamentação ou exposição dos motivos de facto que alicerçaram a convicção do tribunal, num ou noutro sentido.

E, termina dizendo que …alteração que agora se requer é fundamental para a devida apreciação do caso em concreto e pressuposto de um enquadramento que a sentença recorrida não ponderou devidamente, porquanto não é verdade que a empresa “(S), Lda” tenha suspendido, sem mais, o pagamento dos salários às trabalhadoras referidas na sentença; essa falta de pagamento teve uma causa – a situação de falência da empresa -, sendo que as cartas foram anteriores à suspensão dos pagamentos.
Se bem lermos a sentença recorrida e sobretudo a sua fundamentação, os factos que agora alega como não tendo sido tidos em conta para a boa (ou má, no entender do recorrente) decisão da causa, foram apreciados. Para isso basta retiramos da matéria fáctica provada e respectiva fundamentação o seguinte:

Com efeito, como se não bastasse a palavra das ofendidas contra a palavra do arguido (que aliás, admitiu a sua prática, exclamando em relação à opção do não pagamento tomada: “Se fiz bem ou não, não sei”) e das restantes testemunhas, que de forma inequívoca afirmaram nunca ter deixado de receber, ainda que com atrasos, os seus vencimentos, afirmações que jamais foram negadas pelas testemunhas, tal é suficiente para considerar os factos como provados.
Em bom rigor, se o arguido sabia a situação financeira da empresa e a falta de património da mesma, descortinando com facilidade que não haveria dinheiro para pagar a todos a totalidade daquilo que lhes era devido, deveria ter actuado de forma diversa não discriminando estas trabalhadoras como elementos espúrios que deviam ser despedidas constrangendo-as a sujeitarem-se a algo que de outra forma não se sujeitariam.
Atendendo a que - tal como se infere do documento constante de fls. 14 - o que está em causa é a circunstância de o arguido, enquanto sócio gerente da empresa "(S)", não ter pago os salários de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 a quatro trabalhadoras, pese embora o tenha feito relativamente aos restantes dezoito trabalhadores sem que tenha procedido ao rateio proporcional nos termos impostos por lei, é de todo indiferente a difícil situação económica da empresa. Tendo havido pagamento de salários, as verbas utilizadas tinham, imperativamente, de ter sido distribuídas por todos os trabalhadores, por forma a que nenhum deles tivesse que suportar de forma isolada as dificuldades financeiras da entidade patronal, sendo totalmente privados do seu salário.
No que tange à circunstância de o vínculo laboral das queixosas ser para com a empresa "(S)" e não para com o arguido em nome individual, veja-se que tal circunstância nunca foi desconsiderada, mesmo em sede de inquérito. Aliás, tal facto extrai-se da própria acusação deduzida, através dos seus artigos 1º a 3º. (sublinhado nosso).
Entendemos ao contrário do recorrente, que os factos que diz terem sido omitidos na matéria factual (provada ou não provada), não são fundamentais para a decisão, uma vez que não são determinantes para o preenchimento (ou não) dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito praticado pelo arguido.
Quanto muito, poderíamos admitir que os factos atrás referidos poderiam ser importantes para a determinação da medida concreta da pena, o que, no entanto, não é a nossa opinião. Com efeito, todos aqueles factos são “laterais” a qualquer das circunstâncias em que se verificou a prática do crime. Aliás, perguntamos: se o arguido, sócio gerente da empresa, que no seu entender se encontrava em situação económica difícil, (embora as acções de falência tenham sido julgadas improcedentes), “injectava dinheiro” na empresa para pagar atempadamente os salários dos trabalhadores, e se viu na contingência de despedir pessoal, tendo dado conhecimento desse facto às trabalhadoras em causa, porque razão, no caso em apreço, não evitou que essas mesmas trabalhadoras não tivessem beneficiado do rateio da “massa patrimonial” existente, para serem pagas à semelhança do que aconteceu com os restantes 18 trabalhadores?
A resposta é o cerne do problema: porque não tencionava pagar-lhes. E ao agir deste modo o arguido agiu com dolo directo, sendo a intensidade elevada, assim como é elevado o grau de ilicitude pela circunstância de o arguido ter privado as ofendidas do pagamento do seu salário numa época natalícia eivada de simbologia própria. O arguido agiu com culpa, sendo-lhe exigível que adoptasse outro comportamento.

Em suma: os factos da contestação (9º,10º,11º,20º) estão suficientemente explicitados e fundamentados na sentença, reiterando a nossa posição, que face aos elementos objectivos e subjectivos do tipo, não são fundamentais para a decisão da causa, nem contribuem para a sua alteração. Quanto ao facto 27º, relativo à rescisão do contrato pelas trabalhadoras, em 3.2.2003, não invalida que o crime se tenha consumado, já que o que está em causa são os salários de Dezembro de 2002 a Janeiro de 2003, incluindo o respectivo subsídio de Natal. 
Por outro lado, alega o recorrente que a sentença consigna os factos sob os números 2 (2. A 04.11.92, o arguido cedeu a sua quota de 2.500.000$0 que detinha na sociedade a LS - Comércio e Industria de Carnes e Derivados, Lda.;)e 9 (9. No exercício de 1999, a (S) declarou um lucro tributável de € 169.009,74 euros;) que não constam nem da pronúncia, nem da contestação, sem que daí retire quaisquer conclusões, em sede de fundamentação da matéria de facto ou de direito.
Salvo o devido respeito o julgador teve em conta todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente pelo arguido, que pudessem ser valorados e importantes para a decisão da causa, tendo em conta o ilícito em causa.
Entende ainda o recorrente que o tribunal recorrido deveria ter consignado a data em que iniciou as negociações para cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo – 2.12.2002. Entendemos que o recorrente pretende que este facto legitima a suspensão do pagamento dos salários àquelas trabalhadoras. Obviamente, e utilizando as mesmas palavras que o recorrente, o facto de ter dado início às negociações para uma futura rescisão do contrato por mútuo acordo, rescisão esta que veio a ocorrer apenas em 22.04.2003, altura em que foram despedidas - não interessa para a ponderação da matéria em causa, e afastar a prática do ilícito. As trabalhadoras só viram o seu vínculo laboral cessado em 22.04.2003, e o que está em causa são salários de Dezembro de 2002 a Janeiro de 2003. E, remata o recorrente que esta situação de rescisão do contrato de trabalho teve por base a situação de falência da empresa. Mais uma razão para cumprir a norma violada e proceder ao devido rateio com o património existente, por todos os trabalhadores.
Pelo que, nesta parte, nada a censurar à sentença recorrida.

Acresce ainda que, da leitura das conclusões da motivação de recurso resulta essencialmente que o recorrente põe em crise a livre apreciação da prova efectuada pelo Tribunal, a qual tem por função a demonstração da realidade dos factos e deve ser analisada segundo as regras de experiência e da livre convicção - art. 127º do CPP. Ela não pressupõe, no entanto, aliás na esteira da melhor jurisprudência que aqui se segue de perto, uma certeza absoluta lógico - matemática ou apodíctica, nem por outro lado, a mera probabilidade de verificação de um facto. E assenta na certeza subjectiva, relativa ou histórico - empírica daquele.

É, pois, nesta perspectiva que o Tribunal ad quem deve apreciar os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido efectuou para sustentar a sua convicção acerca dos mesmos; ou seja, descrever o processo de avaliação que levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida.

Acresce que o essencial da fundamentação da matéria de facto, ou seja, o tal processo de avaliação, deve resultar na análise criticamente comparada dos diversos elementos de prova, especificadamente daqueles que foram decisivos para a formação da convicção do julgador e quais as razões que a determinaram.

Em suma, para além da indispensável indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, é determinante o exame crítico dos mesmos.

Por isso, se impõe ao juiz fazer o exame crítico das provas - art. 374º,nº2 do CPP. A verdadeira razão de ser da exigência da indicação das provas é não só permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso, o exame do processo lógico que subjaz à convicção do Tribunal como assegurar a inexistência de violação do princípio de proibição da prova.
 
Ainda que varie muito este exame crítico permite em muitas decisões, aumentar as possibilidades de sindicabilidade da motivação da decisão, indo ao encontro daquele que para muitos ainda constitui um tabu, ou seja a livre apreciação da prova - art. 127º do CPP, na senda da liberdade para a objectividade que Castanheira Neves preconizava: “A liberdade de que aqui se fala não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista - emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação”.

Feitas estas considerações, entendemos que a sentença posta em crise e que atrás se transcreveu cumpriu plenamente a obrigatoriedade estabelecida no art. 374º, nº2 do CPP, destinada a garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, sem necessidade de referência expressa às testemunhas ouvidas a cada facto considerado provado.

O tribunal não omitiu a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente. Como já dissemos, é jurisprudência uniforme do STJ que a motivação exigível deve conjugar o sistema de livre apreciação das provas com a possibilidade de controle imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional - que evite uma avaliação probatória “caprichosa” ou arbitrária ( ver, por todos, o AC. STJ, de 13.02.92, in CJ, XVII,T.1, pág. 36).

Este dever de fundamentação é do mesmo modo interpretado pelo Tribunal Constitucional - no sentido de que a fundamentação da sentença há-de garantir a “transparência” do “processo de decisão”, e  “permitir avaliar cabalmente o porquê da decisão” (Ac. T.C. nº 322/93).

E, não se impõe nem a correspondência concreta entre cada facto a cada meio de prova, nem a transcrição da prova documental. Nesse sentido, e por todos, o Ac. do STJ de 17.03.2005, in SJ20050317001245.

Em conclusão, da leitura da sentença recorrida resulta que esta observou concretamente o dever de fundamentação como se explica:

-O enquadramento jurídico dos factos provados explicita, lógica e racionalmente, a valoração das provas no sentido da ilicitude e da culpa da conduta imputada ao arguido recorrente;
-Todos os factos foram submetidos à verificação e ponderação do tribunal;
-Todos os meios de prova foram analisados à luz das exigências típicas e das regras processuais;
-A decisão condenatória apresenta-se, deste modo, com uma racionalidade intraprocessual perfeitamente controlável, indicando os motivos de facto e de direito que a fundamentam, e o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

Pelo que e, em síntese:
O Tribunal recorrido, para além de ter indicado por forma suficiente e clara os factos que considerou provados e não provados, indicou na decisão proferida as provas que serviram para formar a sua convicção, de molde “ a garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum”.

Pelo que, a sentença procedeu devidamente à fundamentação e exame crítico das provas, que serviram para formar a sua convicção, e assentar a matéria de facto provada, bem como decorre do seu conjunto que verificou e analisou todos os meios de prova justificando qual a razão que o conduziu à decisão da causa.

Entendemos, deste modo, que tendo o Tribunal apreciado todos os meios de prova que estavam ao seu dispor, os mesmos lhe bastavam para o conhecimento da verdade material, e como vimos da leitura da sentença, conduziu a uma boa decisão da causa.

6.3 - O tribunal não teve em conta causas de exclusão da ilicitude como o Direito de Necessidade ou a situação de Conflito de Deveres, previstos nos arts. 34º e 36º do Código Penal (CP), pelo que se encontra afastada a ilicitude, devendo o recorrente ser absolvido do crime de inibição de certos actos, p. e p. art. 467º, com referência ao art. 301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.0.

Dispõe o art. 31º, nºs. 1 e 2 , al. b) do CP que:
…”o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade (…), nomeadamente, no exercício de um direito”.
O art.34º, por sua vez, dispõe que “ não é lícito o facto praticado como meio adequado a afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou o valor do interesse ameaçado”.
O art.35º, nº 1, diz que “age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente”.
Como diz Maia Gonçalves, em anotação ao preceito em causa, consagram-se estes preceitos um direito de necessidade, um estado de necessidade desculpante, em que, aquele exclui a ilicitude e este exclui, ou atenua, a culpa.
Por outro lado, Leal Henriques e Simas Santos, em anotação ao art. 34º dizem, “ está-se perante o estado de necessidade quando, não se verificando a legítima defesa, só é possível salvar certos interesses ou valores, ameaçados ou em perigo, sacrificando, através de um comportamento que preenche um tipo legal de crime, outros interesses juridicamente protegidos”.
Na consagração da chamada “teoria diferenciada”, como lhe chama Eduardo Correia, in Direito Criminal “, II Vol., pág. 69 e sgts, relativamente ao estado de necessidade, considera-se aquele como obstáculo à ilicitude quando o interesse protegido é sensivelmente superior ao sacrificado, e como obstáculo à culpa nos demais casos, isto é, quando o interesse protegido é igual ou inferior ao sacrificado. Dizem ainda Leal Henriques e Simas Santos que “o estado de necessidade, contrariamente ao que ocorre com a legítima defesa, é, eminentemente subsidiário; não existe se o agente podia conjugar o perigo como emprego de meio não ofensivo do direito de outrem”.
Assim, relegados que somos para a previsão do citado art. 34º, pois que só aqui poderia ser compreensível a pretensão do recorrente, resulta deste dispositivo que para se poder equacionar a existência de um direito de necessidade todos os pressupostos ou requisitos enunciados nas suas alíneas têm que se verificar simultaneamente, uma vez que são cumulativos.
O que não se verifica, já que o pagamento, utilizando o rateio da massa patrimonial, dos salários era um dever do arguido, que o fez relativamente a 18 dos trabalhadores da empresa, não o fazendo apenas quanto às 4 trabalhadoras em causa.
Depois, quanto ao invocado “conflito de deveres”, justificador do facto, é descabida a argumentação do recorrente, já que o conflito está em cumprir a lei e a conveniência que advém do seu não cumprimento.
E o recorrente aqui, manifestamente optou por não cumprir a lei, na exclusiva defesa dos seus interesses. Não há, pois, incompatibilidade de deveres, como parece óbvio.
Por fim, alega o arguido (ainda que subtilmente) que agiu sem consciência da ilicitude do seu acto, não sendo censurável o erro, invocando:
-que pendia um processo de falência;
-a difícil situação financeira da empresa, pelo que teve de tomar medidas de gestão que incluíam a cessação de contratos de trabalho;
-a carta que enviou àquelas trabalhadoras, no sentido de se cessar o respectivo contrato de trabalho, por mútuo acordo.

Ora, estabelece o art.17º, nº 1 do CP que: "Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável".
E o n.º 2 acrescenta: "Se o erro lhe for censurável, o agente será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada".
Não vinga esta alegação do arguido. Como bem se diz na sentença recorrida:
Em causa está saber se, na situação concreta, a pessoa tinha obrigação de suspeitar que aquele acto fosse realmente lícito ou ilícito e, em consequência disso, deveria tentar verificar se assim era ou não (ver Roxin, "Culpabilidad - Política Criminal y Sistema dei Derecho Penal", pp. 215-217).
A falta de consciência da ilicitude prevista no art. 17º do CP, é a consciência errónea da licitude do facto, não existindo qualquer erro sobre o facto (quer sobre a ilicitude do próprio facto ou sobre os pressupostos das causas de justificação).
“O regime do erro sobre a punibilidade não é o mesmo no art. 16.º, n.º 1, 2.ª parte e no art. 17.º, porquanto como bem ensina o Prof. Figueiredo Dias, no caso de erro sobre as proibições cujo conhecimento é indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude estamos perante um erro de conhecimento, equiparável ao erro sobre os elementos de facto e de direito do tipo de crime, enquanto no erro sobre a ilicitude (art. 17.º), estamos perante um vício da consciência ética do agente" (Germano Marques da Silva em "Direito Penal Português", Parte Geral, II, Teoria do Crime, Ed. Verbo, 1998, pp. 212).

 Com efeito, ficou provado que o arguido era pessoa experimentada na administração e gestão de empresas, pelo que não se pode compreender que não tivesse previsto a ilicitude ou as consequências da sua conduta.
Ora, tendo ficado provado que o arguido actuou na convicção de que o não rateio efectuado por todos os trabalhadores, mesmo os indesejados, do montante disponível para o pagamento das remunerações era ilícito, não pode agora socorrer-se de um invocado erro para se eximir à responsabilidade dos actos praticados, de modo a excluir a culpa nos termos do art. 17º, nº 1 do CP.
Com efeito, convicto de que o não pagamento das remunerações seria ilícito, o arguido representou a possibilidade de estar a agir contra a lei, agindo com o conhecimento do carácter ilícito da sua conduta, tanto mais que, lhe era, como condutor de homens, exigível que fizesse diligências para se certificar de tal.
O que não aconteceu.

Não procedem, pois quaisquer das alegações do recorrente que agiu em erro, em estado de necessidade e existia um conflito de deveres, nada levando a concluir que existem causas que excluem a ilicitude e a culpa da sua conduta.

E para terminar, gostaríamos de referir que se por um lado, o recorrente entende que o tipo de crime em análise, é um tipo aberto, sem graduações, quer ao nível da culpa, quer ao nível da ilicitude, donde resulta uma necessidade premente de recurso às regras da doutrina geral do “crime”, previstas na Parte Geral do CP, por outro, entende que se verificam os pressupostos do Direito de Necessidade, (o qual afasta a ilicitude, devendo assim ser absolvido do crime de inibição de certos actos), ou a situação de conflito de deveres, que é a causa de justificação da ilicitude prevista no art. 36ºdo CP.
Acresce ainda ao seu entendimento que uma vez que a empresa que geria se encontrava em situação económica difícil, perante o dever de proceder ao rateio proporcional dos montantes disponíveis por todos os trabalhadores, e perante o dever de gerir com diligência e lealdade a sociedade, praticando todos os actos necessários para a realização do objecto social (arts. 64.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais), optou por prosseguir este último, decidindo prescindir do trabalho dos elementos que menos faziam falta à sociedade, com prévio envio às trabalhadoras afectadas de carta a expor a situação da empresa e encetando a partir daí negociações, tendentes à cessação do vínculo por mútuo acordo.
Ora, por tudo o exposto e sem necessidade de nos repetirmos, entendemos que esta argumentação não vinga, tendo o tribunal recorrido decidido em conformidade com o que estipula a legislação em causa e aplicável no caso presente, ou seja, com devida aplicação do Direito Processual Penal.
7- Atrás referimos que os factos que o arguido entende que não foram levados à factualidade provada e não provada, poderiam, quanto muito ter influência para a determinação da medida concreta da pena. No entanto, esta questão não é objecto de recurso Mas, mesmo que o fosse, sempre diríamos que atendendo à moldura abstracta do crime (punível com pena de prisão até 3 anos), a medida concreta da pena concreta aplicada – 5 meses de prisão substituídos por multa - está próxima do limiar mínimo da pena aplicável, pelo que não seria de optar por reduzir ao mínimo legal a medida concreta da pena, mesmo a ter-se como provados os factos que o recorrente invoca não terem sido provados, atendendo ao elevado grau de ilicitude e ao dolo que revestiu a forma de dolo directo, e de intensidade elevada.

8- Conclusão

Por tudo o exposto, entendemos que a sentença recorrida não violou os art.467º, com referência ao art.301º, nº 1, al. e) da Lei n.º 35/04, de 29.07; os arts. 379º a) e c), 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CP, o art. 397º do Código de Trabalho e os arts. 16º e 26º, nº 2 da LCCT, os arts. 64º e 259º do Código das Sociedades Comerciais, bem como os arts. 34º e 36º do CP, como pretende o recorrente, tendo feito uma correcta interpretação da factualidade típica provada, fundamentando-a em conformidade e exaustivamente com a lei aplicável, e contextualizada, atendendo ao conjunto de normas e interesses tutelados pela legislação laboral e societária.

III


Por tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso interposto por (A), mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente que se fixam em 6 UC.

O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou.

Lisboa, 3 de Julho de 2007      

Presidente: Desembargador Pulido Garcia
Relatora: Desembargadora Margarida Blasco
1ª Adjunta: Desembargadora Filomena Lima
2ª Adjunta: Desembargadora Ana Sebastião