Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ACÇÃO EXECUTIVA IRS GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/01/2008 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A Executada está obrigada a entregar à Fazenda Pública o IRS dos trabalhadores dependentes, através de substituição tributária, por força do disposto nos arts 103º, nº 1 e 21º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. II – Como substituta, a Executada é considerada para todos os efeitos legais como devedora principal do IRS, nos termos do preceituado no art. 21º do citado Código. III – A Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário, nos termos do art. 111º do CIRPS, sobre os bens existentes no património da Executada à data da penhora para garantir o pagamento dos montantes de IRS em dívida. (ALG) | ||
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Decisão Texto Integral: | AGRAVO Nº 6.160/08
I – 1. O Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, veio reclamar diversos créditos, por apenso à execução instaurada contra a Executada “C…, S.A.”, e relativos à falta de pagamento desta sociedade de IRS e IVA, em diversos anos que enumera, acrescido dos respectivos juros de mora.
2. O Tribunal “a quo” indeferiu liminar e parcialmente a reclamação de créditos no que respeita aos créditos relativos ao IRS e apenas admitiu a reclamação quanto aos relativos ao IVA.
3. Inconformado, o MP agravou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: I – A Executada está obrigada a entregar à Fazenda Pública o IRS dos trabalhadores dependentes, através de substituição tributária, por força do disposto nos arts 103º, nº 1 e 21º do Código de IRS. II – Como substituta, a Executada é considerada para todos os efeitos legais como devedora principal do IRS (art. 21º do CIRS). III – Por consequência, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património da Executada à data da penhora para garantir o pagamento do IRS. IV – Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou os arts. 103º, 21º e 111º do CIRS, pelo que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que admita os créditos de IRS reclamados, nos seus precisos termos. 4. Seguidamente o Tribunal “a quo” proferiu sentença de graduação de créditos nos termos que constam de fls. 23 e segts. 5. Dessa sentença recorreu de novo o MP, Apelando, porquanto O Tribunal de primeira instância não verificou nem graduou os créditos de IRS indeferidos. São as seguintes, em síntese, as conclusões exaradas em sede recursória: I – A Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património da Executada à data da penhora para garantir o pagamento do IRS. II – Ao omitir na sentença a verificação e graduação dos créditos de IRS reclamados, o Tribunal recorrido violou os arts. 103º, 21º e 111º do CIRS. II – Deve, por isso, ser substituída a decisão recorrida por outra que verifique os créditos de IRS reclamados e os gradue no lugar que lhes compete. 6. Tudo Visto. Apreciando e Decidindo. II – Enquadramento Jurídico: 1. Está em causa nos presentes autos a questão de saber se a executada, enquanto pessoa colectiva, é devedora principal do imposto aqui em causa reclamado pelo Digno Magistrado do Ministério Público – o IRS. O Tribunal “a quo” entendeu que não, com o fundamento que sendo a Executada uma pessoa colectiva não é sujeito passivo do imposto IRS e, por consequência, não verificou nem graduou os referidos créditos. Entendimento que não podemos sufragar. Vejamos porquê. 2. O Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, foi sucessivamente alterado, por mais de 20 diplomas legais, porquanto o sistema de tributação do rendimento em vigor no nosso ordenamento jurídico mostrava-se desajustado à realidade económico-social do País, tendo desde então evoluído de forma a simplificar o regime vigente, atenuar as desigualdades de tratamento entre os contribuintes com níveis comparáveis de rendimento e combater a evasão fiscal. São, pois, objectivos de eficiência económica, de equidade e de realização de justiça social, a par da simplificação no cumprimento dos deveres tributários e modernização da máquina fiscal, que estão por detrás das sucessivas reformas, as últimas das quais introduzidas pelos Decreto-Lei nº 361/2007, de 2 de Novembro e Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro. 3. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) tem a sua incidência real sobre o valor anual dos rendimentos auferidos e sujeitos a tributação nos termos dos arts. 1º a 12º do Código citado. Nesses rendimentos tributáveis englobam-se os rendimentos do trabalho dependente de todas as remunerações pagas ou postas à disposição dos seus titulares e provenientes de trabalho por conta de outrem, prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante. Por sua vez as entidades devedoras dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, ou as empresas que paguem ou coloquem à disposição dos respectivos trabalhadores as remunerações do trabalho dependente ou os rendimentos sujeitos a retenção na fonte, estão obrigadas a deduzir-lhes as importâncias correspondentes, a reter o imposto no momento do seu pagamento ou a colocar à disposição dos respectivos titulares e a proceder à entrega das quantias retidas nos termos, prazos e locais estabelecidos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por força do estatuído nos arts. 98º a 101º deste Código. Ou seja: por força da lei, tais entidades ou empresas são obrigadas a reter e a entregar à Administração Fiscal o IRS devido pelos seus trabalhadores. E para o caso de incumprimento dessa obrigatoriedade a lei prevê a figura da substituição tributária, segundo a qual as entidades obrigadas à retenção desses rendimentos e cujas importâncias não foram entregues nos cofres do Estado, ficam, por força da lei, responsáveis pelo pagamento de tais quantias, isto sem prejuízo dos respectivos procedimentos contra-ordenacionais e criminais a que hajam lugar. Responsabilidade essa que resulta expressamente da conjugação dos arts. 103º, 108º e 21º, todos do CIRPS (=Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares). 4. Com efeito, o art. 21º do CIRPS preceitua que: “quando através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no art. 103”. Normativo este que prevê expressis verbis a responsabilidade em caso de substituição fazendo-a nos seguintes termos: “em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituto desobrigado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes” – cf. o seu nº 1. Da sua análise é possível concluir que existe na redacção desta norma uma gralha, ou um lapso, porquanto quem fica desobrigado do pagamento do imposto é o substituído e não o substituto, pois não faria sentido que ficasse desobrigado daquilo a que não estava originariamente obrigado. [1] Aqui chegados, tal como refere o Recorrente e bem, é altura de darmos resposta às seguintes questões: 1ª - Quem é a pessoa diversa a que se refere o art. 21º do CIRPS? 2ª - Quais são os efeitos ressalvados pela parte final do art. 21º, conjugado com o art. 103º, ambos do CIRPS?
Em face dos normativos legais citados e do que se deixou expresso nos pontos antecedentes, as respostas só podem ser as seguintes: Primo: entende-se por pessoa diversa todas as entidades que tendo ao seu serviço trabalhadores dependentes, como é o caso da executada, estão obrigadas a reter e a entregar ao Fisco o IRS devido pelos trabalhadores; Secundo: os efeitos ressalvados pelo art. 21º são os previstos nos números 2) e seguintes do art. 103º, normativos que regulam a responsabilidade do substituto e do substituído pelo pagamento do imposto, definindo-a como principal, subsidiária ou solidária, consoante os casos.
Assim sendo, conclui-se que: a executada, como substituta, é considerada pelo art. 21º do CIRPS como devedora principal do imposto, sendo-o por força dos arts. 21º e 103º para todos os efeitos legais, incluindo, portanto, para os efeitos previstos no art. 866º, nº 1, do CPC. Sendo a executada, como substituta, considerada como devedora principal do imposto, não se pode, pois, manter o despacho recorrido que decidiu em termos contrários, tal como não se pode manter a sentença na parte em que não graduou os créditos aqui em causa, uma vez que, por força do disposto no art. 111º do CIRPS, e para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliários sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente. 5. Em Conclusão: I – A Executada está obrigada a entregar à Fazenda Pública o IRS dos trabalhadores dependentes, através de substituição tributária, por força do disposto nos arts 103º, nº 1 e 21º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. II – Como substituta, a Executada é considerada para todos os efeitos legais como devedora principal do IRS, nos termos do preceituado no art. 21º do citado Código. III – A Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário, nos termos do art. 111º do CIRPS, sobre os bens existentes no património da Executada à data da penhora para garantir o pagamento dos montantes de IRS em dívida. 6. Atento o que antecede, não se pode manter a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que indeferiu liminarmente a reclamação quanto aos créditos reclamados pelo MP e relativos ao IRS. Deve, pois, tal decisão ser substituída por outra que admita os referidos créditos, nos termos legais. E, uma vez admitidos, devem tais créditos ser verificados e graduados nos termos legais, alterando-se a sentença subsequente de graduação de créditos de molde a integrar os referidos créditos admitidos, procedendo-se à sua graduação nos termos legais citados.
III – Decisão:
- Termos em que se decide julgar procedentes os recursos nos seguintes termos: a) Revoga-se a decisão que indeferiu liminarmente a reclamação dos referidos créditos, que deve ser substituída por outra que os admita nos termos legais; b) E, por consequência, altera-se a sentença subsequente de graduação de créditos de molde a que passe a integrar os referidos créditos admitidos, procedendo-se à sua verificação e graduação em conformidade com tal facto e com o disposto nos arts. 21º, 103º e 111º do CIRPS, nos termos que antecedem. - Sem Custas.
Lisboa, 01 de Setembro de 2008. Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora) ______________________________________________________
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