Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
| Descritores: | SUBSÍDIO DE FÉRIAS SUBSÍDIO DE NATAL SUPRESSÃO REDUÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE EFEITOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/19/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | O Acórdão do Tribunal Constitucional que, em sede de fiscalização abstracta, declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento de Estado do ano de 2012 obriga todas as entidades públicas e privadas, quer relativamente a tal declaração de inconstitucionalidade, como no que toca aos efeitos atribuídos pelo próprio Tribunal Constitucional à sua decisão, não podendo nem devendo os demais tribunais, que se acham igualmente vinculados pela referida declaração, fazer, posteriormente, um novo juízo de inconstitucionalidade, ainda que com base em violação de regras diversas das invocadas e apreciadas no âmbito daquele Aresto, das mesmas disposições legais, decidindo, nessa sequência, contra algumas das vertentes pelo mesmo já decididas.(Elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO STEC – SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, contribuinte fiscal n.º 505805561, com sede no Largo Machado de Assis, Lote A, 1700-116 Lisboa, veio instaurar, em 05/09/2012, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra HPPP - BOAVISTA, SA, pessoa coletiva n.º 500 490 333, com sede na Avenida da Boavista, n.º 109, 4050-115 Porto, pedindo, em síntese, a declaração de nulidade do ato da Ré que decretou a redução/suspensão dos subsídios de férias e de Natal ao abrigo da LOE 64-A/2011 com a devolução das quantias descontadas e a abster-se de tais atos no futuro. * O Autor, para tal, alega, em síntese, a ilegalidade (por violação do Código do Trabalho) e a inconstitucionalidade material da Lei do Orçamento de Estado que vigorou em 2012 (Lei 64-A/2011, de 30/12), a qual determinou a suspensão ou redução das prestações pecuniárias dos subsídios de férias e de Natal. A inconstitucionalidade baseia-se, em suma, na alegada violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, violação do princípio da confiança e por violação do princípio da igualdade por comparação com os trabalhadores do sector privado. * Foi agendada data para a realização da Audiência de Partes, conforme despacho judicial de fls. 17 e 18, tendo a Ré sido citada através de carta registada com Aviso de Receção, conforme resulta de fls. 19 e 19 verso. Mostrando-se inviável a conciliação das partes (fls. 24 e 25), foi a Ré notificada para contestar, tendo vindo a fazê-lo dentro do prazo legal, conforme ressalta da contestação de fls. 26 e seguintes, onde, a Ré, em síntese, alega que se limitou a cumprir a LOE e que sobre a questão já versou o Ac TC n. 353/2012, de 5/07/2012. * Foi proferido, a fls. 78 e seguintes e com data de 6/02/2013, saneador/sentença, no qual foi decidido, a final, o seguinte: “Julgo totalmente improcedente a ação absolvendo a Ré de todos os pedidos. Custas a cargo do Autor. Registe e notifique, dando baixa dos autos. Valor da causa - o indicado na p.i.” * O Autor STEC - SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 87 e seguintes, arguir a nulidade da mesma e interpor dela recurso, que foi admitido a fls. 145 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. * O Apelante apresentou, a fls. 89 e seguintes, alegações de recurso, onde para além de arguir a nulidade do despacho saneador, formulou as seguintes conclusões: (…) * A Ré apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, não tendo formulado contudo conclusões, limitando-se a afirmar, a final, o seguinte (fls. 100 e seguintes): (…) * O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso, não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito. * Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS Factos considerados provados pelo tribunal da 1.ª instância: 1 - Invocando a Lei 64-A/2011, de 30/12 (de Orçamento de Estado para 2011), a Ré procedeu à redução/suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos seus trabalhadores de acordo com as condições nelas previstas. * III – OS FACTOS E O DIREITO É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil). * A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 26/09/2011, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010. Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial. Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do atual Código do Processo do Trabalho e da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação. Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, com Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido sucessivamente na vigência da LCT e legislação complementar, do Código do Trabalho de 2003 e do atual Código do Trabalho (que entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, os regimes dos mesmos decorrentes que aqui irão ser chamados à colação, em função dos factos em apreciação. B - NULIDADE DO DESPACHO SANEADOR O Recorrente veio nas suas alegações arguir a nulidade da sentença que se mostra vertida no número 1, alínea b) do Código de Processo Civil (“É nula a sentença: b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;), estipulando ainda os artigos 158.º, número 1 e 659.º, número 2, desse mesmo diploma legal, a propósito, respetivamente, do dever de fundamentação da decisão e da estrutura da sentença, que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e “…seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes concluindo pela decisão final”. O mesmo Apelante suscita ainda uma outra nulidade da sentença recorrida, que, mostrando-se vertida no número 1, alínea d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é descrita nos seguintes moldes: “É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, convindo ainda visitar os artigos 264.º, número 2 e 660.º, número 2, do mesmo texto legal, quando, respetivamente, estabelecem que “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” e “O juiz deve resolver todas as questões que nas partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Chegados aqui, impõe-se, desde logo e antes de mais, atentar na regra especial, de índole formal, que, no quadro do direito processual laboralista, vigora nesta matéria e que se acha contida no número 1 do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho: Artigo 77.º Arguição de nulidades da sentença 1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. 2 – (…) Ora, se compulsarmos as alegações de recurso do Apelante verificamos que o mesmo dá cumprimento integral a tal exigência legal específica do regime adjetivo juslaboralista, pois invoca, de forma autónoma, no quadro do requerimento de interposição do recurso, a irregularidade em questão, sintetizando a sua posição nos moldes seguintes: «O Recorrente requer que a sentença seja declarada nula, nos termos das alíneas b), e d) do nº 1 do art.º 668.º do CPC, com fundamento em omissão de pronúncia em relação a fundamentos invocados pelo Autor e consequente omissão de especificação de fundamentos que justifiquem a decisão. Com efeito, a douta sentença recorrida não apreciou as inconstitucionalidades imputadas pelo Autor à norma do artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, decorrentes da violação dos artigos 56.º, n.º 3, 103.º, n.º 1, 104.º, n.º 4 e 105.º, nº 2, da CRP, o que constitui omissão de pronúncia e a consequente omissão de especificação de fundamentos que justifiquem a decisão, o que torna essa sentença nula.» A Apelada respondeu a tal nulidade nos moldes constantes de fls. 101 e seguintes, sustentando que nenhuma das nulidades de sentença invocadas pelo Autor de verificam no caso concreto. Acerca do primeiro vício de natureza formal que deixámos enunciado, convirá ouvir Fernando Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 52 e seguintes, quando afirma o seguinte: “A falta de motivação suscetível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito (…)”, bem como Jaime Octávio Cardona Ferreira, “Guia de Recursos em Processo Civil – o novo regime recursório civil”, Coimbra Editora, Novembro de 2007, página 54, ao defender o seguinte: “Omissão dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão (cfr. art.º 158.º); não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até, errada (…)”. Ainda a propósito desta causa de nulidade da sentença, ensina o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C., Anotado, volume V, pág. 140, o seguinte: «(…) Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (…)». No mesmo sentido, pronunciou-se o Prof. Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, volume III, págs. 141-142, segundo o qual «(…) Também a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)». Ora, da leitura atenta do despacho saneador não ressalta, salvo a devida opinião e apesar do seu teor assaz sintético e conclusivo, uma absoluta carência de fundamentação, quer em termos fácticos, como meramente jurídicos, que possa, de alguma forma, ser reconduzida à nulidade aqui em apreço e prevista na alínea b) do número 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil. Entrando agora na análise da segunda nulidade referida, importa mais uma vez escutar o que Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, páginas 54 e 55, afirma: “À omissão de pronúncia alude a 1.ª parte da alínea d) do número 1 do artigo 668.º e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do número 2 do artigo 660.º. Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda. (…)”. Será conveniente chamar aqui à colação o disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, quando determina que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º.” O Prof. Alberto dos Reis, na obra citada, página 453 refere que “(…) O Juiz pode ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram; pode atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram; pode fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram …”, defendendo, por seu turno, João de Castro Mendes, em “Direito Processual Civil”, Volume I, Edição da AAFDL, 1980, págs. 218 e seguintes que «Estabelece-se que o Juiz não está sujeito à vontade das partes quanto às soluções de direito (art.º 664.º). Isto porque, em princípio, se pretende que a solução dada à hipótese presente ao Tribunal seja a realmente verdadeira (princípio da verdade material) e não apenas aquela que se justifica em face da maneira como decorreu o processo (princípio da verdade formal). Neste campo o Juiz só é limitado pela lei, não pela vontade das partes». Importa por, outro lado, lembrar que as questões a que alude a transcrita alínea d) do número 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil são as concernentes ao pedido e à causa de pedir que suportam a demanda judicial e não a todas e cada uma das razões, fundamentos, motivações ou meios de prova apresentados pelas partes ao longo da tramitação dos autos, defendendo, a este propósito, o Professor Lebre de Freitas, na obra citada, página 670 que o juiz deve “ (…) conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, …, não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes…”, ao passo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2000, publicado no BMJ n.º 493.º, páginas 385 e seguintes, “… Questões para este efeito são, desde logo, as que se prendem com o pedido e a causa de pedir. São, em primeiro lugar, todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, exceções, reconvenção) …”. Tendo em atenção a doutrina expressa nos excertos acima transcritos e com a qual concordamos e compulsando o teor da decisão recorrida, é manifesto que não nos achamos perante um caso de omissão de pronúncia relativamente às diversas matérias suscitadas na ação pelo recorrente, não só porque o tribunal da 1.ª instância se debruçou, ainda que de forma sucinta, sobre cada uma das grandes questões - ilegalidade e inconstitucionalidade - pelo mesmo invocadas, como remeteu, no que concerne à segunda das problemáticas referidas para a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional com o número 353/2012, que dessa maneira fez seu, por via indireta, não se lhe sendo exigível, nessa sede e medida, a reprodução daquela. Logo, por as questões suscitadas não configurarem, verdadeiramente, as nulidades de sentença arguidas pela Autora nas suas alegações e previstas no artigo 668.º, número 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, vão as mesmas indeferidas. C – OBJECTO DO RECURSO Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que são diversas as questões suscitadas pelo Sindicato Autor relativamente ao despacho saneador pelo mesmo impugnado e que se traduzem, em síntese, no seguinte: a) Ilegalidade das normas orçamentais constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30/12; b) Inconstitucionalidade das mesmas disposições legais. D - SENTENÇA RECORRIDA - ORÇAMENTO DE ESTADO - ACÓRDÃO(S) DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A sentença recorrida, como fundamentação para a improcedência da presente ação, desenvolveu a seguinte argumentação jurídica: «B) Enquadramento jurídico A ilegalidade da redução/suspensão dos subsídios de férias e de Natal no ano de 2012 O CT (aprovado por Lei), na parte em que atribuiu direito a subsídio de férias e de natal, foi expressa e temporariamente derrogado por Lei posterior imperativa e de igual dignidade hierárquica à que aprovou o CT (e designadamente na parte respeitante aos trabalhadores de empresas totalmente detidas pelo Estado como é o caso da Ré (art.º 21.º, n.º 9, Lei 64-B/2011), não se compreendendo assim esta arguição de ilegalidade – art.ºs 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do CC. * A invocada inconstitucionalidade da LOE/2011, Lei 64-B/2011 de 30/12 (arts. 21.º e 25.º): O fundamento jurídico invocado pelo Autor radica na alegada inconstitucionalidade material das supra referidas normas, as quais suspendem o pagamento dos subsídios de férias e de Natal no ano de 2012 para o universo dos trabalhadores que representa. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria, após pedido de fiscalização abstrata, no Ac. 353/2012, de 5/07/2012 (art.º 281.º da Constituição da República Portuguesa, 66.º da LTC, Lei 28/82, de 15/11). E, pese embora declarando a inconstitucionalidade destas normas, restringiu e suspendeu os seus efeitos no ano de 2012, por razões de interesse público excecional (282, 4, CRP). Assim sendo, em consequência, para o ano de 2012 mantêm-se as reduções/suspensões de retribuições/subsídios de férias e natal. Este tribunal a quo está obrigado a respeitar tal decisão, uma vez que esta tem força obrigatória geral – 281.º e 282.º da CRP. Inútil e irrelevante será a tarefa de aqui reproduzir os argumentos do Acórdão do TC, que se acolhe e segue e para o qual se remete. No que respeita ao pedido a incidir sobre proibição de redução/suspensão dos subsídios nos anos futuros (213 em diante), a verdade é que tal pedido é precoce porque à data da propositura da ação não estava em vigor a nova LOE/2013 (anual), inexistindo assim objeto e interesse processual ao não haver ainda ato legislativo a contestar o direito do Autor. De resto, entretanto foram legisladas e plasmadas novas e diferentes reduções/suspensões de retribuições e subsídios na nova LOE/13 e, aliás, foi já requerida ao TC a respetiva apreciação abstrata da constitucionalidade. Donde, por todo o exposto improcedem totalmente todos os pedidos.» Importa recordar aqui o teor dos artigos 21.º e 25.º da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2012, bem como os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional relativamente a tal Orçamento de Estado, como do Orçamento de Estado de 2013, ao abrigo de pedidos de fiscalização abstrata de diversas das suas disposições (designadamente, as acimas referenciadas, relativas à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, e as suas congéneres no Orçamento para o corrente ano), referindo-se aqui, quer esta segunda Lei Orçamental, como o Aresto daquele Tribunal que declarou, também com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material de algumas dessas normas, por o Sindicato Autor formular igualmente um pedido de abstenção, para o futuro, de condutas similares às adotadas no ano de 2012, por parte da Ré em cumprimento da respetiva Lei Orçamental. Os artigos 21.º e 25.º possuem a seguinte redação: Artigo 21.º Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes 1 — Durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), como medida excecional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60 -A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100. 2 — As pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60 -A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100, ficam sujeitas a uma redução nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = = 1320 - 1,2 × remuneração base mensal. 3 — O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se reconduzam ao pagamento dos subsídios a que se referem aqueles números, designadamente a título de adicionais à remuneração mensal. 4 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de uma ou duas prestações de igual montante. 5 — O disposto no presente artigo aplica -se após terem sido efetuadas as reduções remuneratórias previstas no artigo 19.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60 -A/2011, de 30 de novembro, bem como do artigo 23.º da mesma lei. 6 — O disposto no presente artigo aplica -se aos subsídios de férias que as pessoas abrangidas teriam direito a receber, quer respeitem a férias vencidas no início do ano de 2012 quer respeitem a férias vencidas posteriormente, incluindo pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego. 7 — O disposto no número anterior aplica -se, com as devidas adaptações, ao subsídio de Natal. 8 — O disposto no presente artigo aplica -se igualmente ao pessoal na reserva ou equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de efetividade. 9 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos. Artigo 25.º Suspensão de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes de aposentados e reformados 1 — Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental, é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, pagos pela CGA, I. P., pelo Centro Nacional de Pensões e, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da respetiva natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, aos aposentados, reformados, pré -aposentados ou equiparados cuja pensão mensal seja superior a € 1100. 2 — Os aposentados cuja pensão mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100 ficam sujeitos a uma redução nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = 1320 - 1,2 × pensão mensal. 3 — Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental, o valor mensal das subvenções mensais, depois de atualizado por indexação às remunerações dos cargos políticos considerados no seu cálculo, é reduzido na percentagem que resultar da aplicação dos números anteriores às pensões de idêntico valor anual. 4 — O disposto no presente artigo aplica-se sem prejuízo da contribuição extraordinária prevista no artigo 162.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60 -A/2011, de 30 de novembro. 5 — No caso das pensões ou subvenções pagas, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da respetiva natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, o montante relativo aos subsídios cujo pagamento é suspenso nos termos dos números anteriores deve ser entregue por aquelas entidades na CGA, I. P., não sendo objeto de qualquer desconto ou tributação. 6 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, admitindo como única exceção as prestações indemnizatórias correspondentes, atribuídas aos deficientes militares abrangidos, respetivamente, pelos Decretos -Leis n.ºs 43/76, de 20 de janeiro, 314/90, de 13 de outubro, na redação dada pelo Decreto -Lei n.º 248/98, de 11 de agosto, e 250/99, de 7 de julho. O Acórdão n.º 353/2012, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 140, de 20 de Julho de 2012, decidiu, por maioria, o seguinte: «Pelos fundamentos expostos: a) Declara -se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64 -B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012); b) Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina -se que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.». Por seu turno, o Acórdão n.º 187/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 78, de 22 de Abril de 2013, decidiu, por maioria, o seguinte: «Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 29.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro; b) Declarar a inconstitucionalidade consequencial da norma do artigo 31.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, na medida em que manda aplicar o disposto no artigo 29.º dessa Lei aos contratos de docência e de investigação; c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 77.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro; d) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 2.º da CRP, da norma do artigo 117.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro; e) Não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 27.º, 45.º, 78.º, 186.º, na parte em que altera os artigos 68.º, 78.º e 85.º e adita o artigo 68.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e 187.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.» E - REGIME CONSTITUCIONAL APLICÁVEL Tendo como ponto de partida o referido Orçamento do Estado e as referidas normas declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 353/2012, do Tribunal Constitucional, importa enquadrar juridicamente tal declaração de inconstitucionalidade material, chamando à colação o disposto nos artigos 281.º e 282.º da Constituição da República Portuguesa, na redação que foi dada à primeira disposição indicada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24-07 (Sexta Revisão Constitucional): Artigo 281.º Fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade 1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral: a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas; b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de ato legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado; c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região autónoma; d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto. 2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral: a) O Presidente da República; b) O Presidente da Assembleia da República; c) O Primeiro-Ministro; d) O Provedor de Justiça; e) O Procurador-Geral da República; f) Um décimo dos Deputados à Assembleia da República; g) Os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respetivo estatuto. 3. O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. Artigo 282.º Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. 4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos nºs 1 e 2. Será a partir de tal regime jurídico de cariz constitucional que iremos apreciar as questões suscitadas nesta Apelação. F - INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 281.º E 282.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA José de Matos Correia, em “A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade”, Livraria Republicana, Oeiras, 1999, páginas 42 a 46, refere o seguinte acerca dos efeitos jurídicos da pronúncia de um juízo de inconstitucionalidade em sede de fiscalização abstrata sucessiva: «De modo diverso se passam as coisas no caso de o Tribunal Constitucional dar provimento ao pedido e, portanto, declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade com forca obrigatória geral de normas cuja fiscalização lhe foi requerida. A decisão do Tribunal Constitucional tem força obrigatória geral, significando que a norma é expurgada da ordem jurídica e que vincula, direta e automaticamente, todas as entidades, públicas ou privadas, incluindo o próprio Tribunal e os outros tribunais (art.º 2.º LOFPTC), que a não poderão assim aplicar na resolução dos litígios que lhe são submetidos[1]. Mas a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade não se repercute apenas na norma dela objeto, tendo igualmente consequências diretas sobre todos os atos praticados ao seu abrigo. Isto é, se a norma estava inquinada de algum vício que, a ter sido oportunamente detetado, impediria decerto a sua entrada em vigor, não reunindo em consequência as condições para validamente produzir os efeitos a que se destinava, é necessário apagá-la do ordenamento jurídico. É necessário mas não suficiente, pois não faria sentido algum que ela desaparecesse, mas os seus efeitos perdurassem. Assim, também os resultados provocados pela sua aplicação efetiva devem, por regra, ser eliminados. Na linha deste raciocínio, o Tribunal Constitucional estabeleceu já que “sendo a norma nula desde a origem, por força da inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos, não somente os efeitos diretamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor das normas que haja revogado), mas também os atos jurídicos praticados ao seu abrigo (atos administrativos, negócios jurídicos, etc.)”[2]. Outros efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral dependem do tipo de vida da norma fiscalizada. E aqui é indispensável estabelecer uma distinção entre normas originariamente inconstitucionais (ou ilegais) e normas que apenas supervenientemente se tornam desconformes com o texto constitucional (ou determinados textos legais). No caso da inconstitucionalidade ou ilegalidade originária, a decisão do Tribunal Constitucional tem eficácia "ex tunc", isto é, retroage a produção de efeitos ao momento da entrada em vigor da norma inconstitucional ou ilegal. Por outro lado, esta declaração determina ainda a repristinação, ou seja, a reentrada em vigor dos textos que a norma inconstitucional ou ilegal haja eventualmente revogado (art.º 282.º, n.° 1 CRP), o que se compreende, pois essa revogação foi operada por uma disposição que, por inconstitucional ou ilegal, nunca deveria ter originado consequências jurídico-positivas. Tratando-se de uma inconstitucionalidade ou ilegalidade superveniente, a decisão do Tribunal Constitucional só produz efeitos a partir do momento da entrada em vigor da norma constitucional ou legal violada por aquela cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade é declarada, não se verificando logicamente a repristinação (art.º 282.º, n.º 2 CRP), na medida em que a norma era inicialmente válida e deve considerar-se como correta qualquer revogação a que tenha procedido. Como exceção à eficácia "ex tunc" da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, o art.º 282.º, n.º 3 CRP consagra a ressalva do caso julgado. Assim, as decisões dos tribunais já transitadas em julgado e que tenham aplicado uma norma declarada inconstitucional, não são suscetíveis de revisão decorrente dessa declaração. É uma solução que se aceita, baseada no respeito pela ideia de segurança jurídica e pensada no sentido de afastar o caos que decorreria da necessidade de rever e alterar todas as sentenças e acórdãos que tivessem aplicado a norma declarada inconstitucional. Este princípio admite porém e justificadamente uma exceção, a qual depende da decisão do próprio Tribunal Constitucional - quando da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade resultar uma redução da pena ou da sanção (v.g., por repristinação). Nestas situações, o caso julgado pode ser afetado, de modo a permitir a aplicação de uma lei mais favorável, o que se compreende tendo em conta o princípio geral estabelecido no art.º 29.º, n.º 4 CRP, de que a norma do art.º 282.º, n.º 3 é mera decorrência. A Constituição concede ainda ao Tribunal Constitucional a possibilidade de fixar os efeitos da sua própria decisão, prerrogativa que não cabe habitualmente aos órgãos judiciais, atento o princípio da separação de poderes, mas que neste caso encontra justificação no impacto de que se podem revestir as decisões da jurisdição constitucional. Esta possibilidade, contudo, só pode ser usada nos termos do art.º 282.º, n.º 4 da CRP, isto é, quando se justificar por razões de: - Segurança jurídica; - Equidade; - Interesse público de excecional relevo. O Tribunal Constitucional, que com alguma frequência faz uso desta disposição, tem entendido que essa faculdade de restrição dos efeitos da sua decisão lhe permite fixar o momento em que a norma inconstitucional deixa de produzir efeitos (afastando assim, total ou parcialmente, a eficácia "ex tunc")[3], bem como afastar, parcial ou totalmente, o efeito repristinatório. O Tribunal já chegou mesmo ao ponto de decidir não conhecer de um recurso, visto que as restrições que teria de estabelecer aos efeitos da sua decisão seriam de tal ordem que retirariam qualquer interesse jurídico a essa mesma decisão.[4]» G - LITÍGIO DOS AUTOS Dir-se-á, desde logo, que o Apelante não ataca a sentença na vertente em que julgou improcedente a arguição da ilegalidade da Comunicação Interna n.º 5/2012, que se mostra reproduzida no artigo 8.º da Petição Inicial e cuja cópia se acha junta a fls. 15, como Documento n.º 1, o que implica o seu trânsito em julgado no que toca a esse primeiro tipo de argumentação jurídica desenvolvida pelo Sindicato Autor. Resta-nos, portanto, a temática da inconstitucionalidade que, salvo melhor opinião e em rigor, visa contornar, em concreto, a Declaração de Inconstitucionalidade dos artigos 21.º e 25.º do aludido diploma orçamental, formulada em abstrato, por forma a evitar o escolho que, quanto aos seus efeitos jurídicos, a decisão do Tribunal Constitucional constituiu, ao não ter ordenado, na sequência da referida declaração de inconstitucionalidade, a reposição ou oportuno pagamento das prestações em causa (subsídios de férias e de Natal). Entendemos, contudo, que o Autor não tem qualquer razão no que alega e pretende, concordando-se, nessa medida, com a posição e fundamentação adotadas pela sentença prolatada pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa. Afigura-se-nos, em primeiro lugar, que pretender que um tribunal judicial, com referência a um conjunto de relações laborais estabelecidas com uma determinada empresa ou grupo, declare inconstitucional o que já foi previamente declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional é, com o devido respeito, pretender «chover no molhado», face ao determinado pelo artigo 2.º do regime referente à Organização, Funcionamento e processo do Tribunal Constitucional[5] - «As decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades.» -, regra que deverá ser ainda conjugada com o disposto no artigo 3.º, número 1, alínea b) - «1 - São publicadas na 1.ª Série - A do Diário da República as decisões do Tribunal Constitucional que tenham por objeto: a) Declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de quaisquer normas;» - e artigo 66.º do mesmo diploma legal, que com a epígrafe «Efeitos da declaração», determina o seguinte: «A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral tem os efeitos previstos no artigo 282.º da Constituição.» Logo, implicando a referida declaração com força obrigatória geral a produção «de efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado», com ressalva somente das decisões judiciais com trânsito em julgado[6] e sem prejuízo da exceção de índole penal constante da segunda parte do número 3 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, não vislumbramos, nem utilidade prática, nem sequer possibilidade legal de fazer um novo juízo de inconstitucionalidade, ainda que radicado em violação de normas e princípios constitucionais diversos dos invocados e/ou apreciados pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 353/2012, sobre as duas referidas disposições do Orçamento de Estado de 2012. Tais regras jurídicas foram declaradas inconstitucionais por decisão que vincula todas as pessoas públicas e privadas, não ficando mais inconstitucionais pelo facto de serem de novo e posteriormente julgadas pelos tribunais judiciais, administrativos ou fiscais, que, convirá realça-lo, nem sequer o deverão fazer, por se acharem abrangidos pela mencionada declaração com força obrigatória geral[7]. Logo, como acima deixámos referido, oque verdadeiramente está em causa no quadro desta ação e recurso são os efeitos atribuídos pelo Tribunal Constitucional ao seu Acórdão com força obrigatória geral, no sentido de, em nome de um interesse público de especial relevo, não determinar a restituição ou oportuna liquidação dos subsídios suspensos, mas, independentemente de se poder discordar juridicamente de tal decisão, pelo menos na parte em que não excluiu o subsídio de Natal dessa definição de efeitos, certo é que também nessa parte o dito Aresto é vinculativo e obrigatório para todas as entidades públicas e privadas, isto é, também para os tribunais, que não podem, por sua auto recriação e em cada caso concreto que forem demandados a ajuizar, ordenar tais reposição e pagamento, à revelia e em sentido contrário ao ordenado, nessa sua outra faceta, pelo citado Acórdão do Tribunal Constitucional. Importa dizer, finalmente e por referência ao pedido formulado pelo Sindicato no sentido da Ré se abster nos anos seguintes, de idêntica prática - suspensão do pagamento dos subsídios de Natal e de férias -, que, não só se concorda com o defendido a esse respeito no saneador/sentença recorrido, como supervenientemente, como é facto notório, foi o Orçamento de Estado para o corrente ano de 2013 sujeito a controlo abstrato de inconstitucionalidade no que toca às normas daquele que decretaram idêntica suspensão, tendo as mesmas sido declaradas, mais uma vez, inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, aplicando-se a este Aresto e aos efeitos por ele determinados - que foram em sentido inverso ao do Acórdão relativo ao OE de 2012 - a argumentação jurídica que deixámos acima exposta. É assim que está estruturado o nosso sistema jurídico-constitucional e tem de ser respeitado e acatado nos moldes que se acham legislados, ainda que não se concorde com o mesmo e quer as decisões pelo Tribunal Constitucional sejam favoráveis ou não aos interesses prosseguidos pelas partes. Como diz o povo, não se pode querer, ao mesmo tempo, Sol na eira e chuva no nabal…! Sendo assim e em conclusão, pelos motivos expostos, julga-se o presente recurso de Apelação improcedente procedente, com a inerente confirmação do despacho saneador/sentença. IV – DECISÃO Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por STEC - SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, nessa medida se confirmando a sentença recorrida. Custas do presente recurso a cargo do Apelante - artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 19 de Junho de 2013 José Eduardo Sapateiro Sérgio Almeida Jerónimo Freitas [1] Por isso é usual afirmar-se que a decisão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral tem força de lei. [2] Acórdão n.º 80/86 de 11 de Março, in Acórdãos, Vol. 7, Tomo 1 (1986), p. 101. No mesmo sentido, Acórdão n.º 142/85 de 30 de Julho, in Acórdãos, Vol. 6 (1985), p. 81 e seguintes. [3] Confrontar, v.g., o Acórdão n.º 246/90, de 11 de Julho, publicado em Acórdãos, Vol. 16 (1990), p. 152 e seguintes ou o Acórdão n.º 254/90 de 12 Julho, idem, p. 175. [4] Ver Acórdão n.º 168/88 cit., p. 204. [5] Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que foi objeto de republicação efetuada no Diário da República, n.º 264, Suplemento, de 15 de Novembro, inserindo a referenda ministerial e alterada pelas Leis n.º 143/85, de 26/11, n.º 85/89, de 07/09, n.º 88/95, de 01/09, n.º 13-A/98, de 26/02 e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30/11. [6] Se bem interpretamos a transcrição, feita pelo Apelante nas suas alegações de recurso (página 96), de um excerto da anotação do Dr. Menezes Leitão ao Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional, publicada na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Janeiro/Março de 2012, página 420, será a situações de decisões judiciais anteriormente proferidas e transitadas em julgado que esse autor se refere. [7] Tal já não acontece relativamente à situação oposta, em que o Tribunal Constitucional não profere tal declaração de inconstitucionalidade, pois não só os restantes tribunais podem vir a fazer tal julgamento e a decidir-se por essa - ou outra - inconstitucionalidade, como o próprio Tribunal Constitucional o pode vir a fazer posteriormente, não se achando vinculado por aquele juízo inicial - neste sentido, cfr. José de Matos Correia, obra citada, páginas 40 e seguintes. | ||
| Decisão Texto Integral: |