Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | INSTITUTO DE SEGURANÇA E SOLIDARIEDADE SOCIAL TUTELA ADMINISTRATIVA ESTABELECIMENTOS DE APOIO SOCIAL RESPONSABILIDADE DO ESTADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/25/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | -O Decreto-Lei nº 316-A/2000, de 7 de Dezembro, veio, no seu artigo 1º, aprovar os Estatutos do ISSS, publicados em anexo ao diploma, e extinguir o Centro Nacional de Pensões e os centros regionais de segurança social (artigo 2º). -O ISSS é definido como “uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a natureza de instituto público” (artigo 1º dos Estatutos). -O ISSS está sujeito a tutela e superintendência do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (artigo 2º dos Estatutos), sendo o seu regime jurídico o de direito público. -A tutela administrativa define-se como“o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma – autorizando ou aprovando os seus actos, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais, no intuito de cooordenar os interesses próprios da tutela com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar” -Aos Centros Regionais de Segurança Social e actualmente ISSS competia a concessão de licenças para o funcionamento dos estabelecimentos de apoio social bem como a decisão de encerramento dos mesmos, conforme estabelecido no Decreto–Lei n.º 133-A/97 de 30 de maio estabelecendo-se no art.º 5.º que “Os estabelecimentos referidos nos artigos anteriores ficam sujeitos à inspecção e fiscalização dos serviços competentes do Ministério da Solidariedade e Segurança Social”. -Com base no referido normativo legal que atribui ao órgão tutelar a responsabilidade de inspecionar e fiscalizar o funcionamento, designadamente dos lares de idosos, o Estado será responsável pelos actos e omissões do órgão tutelado (ISSS; IP). (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. I-RELATÓRIO: C..., C..., A... e M... intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra: I... S... INSTITUTO DE SEGURANÇA E SOLIDARIEDADE SOCIAL (por sucessão o Centro Regional de Segurança Social) ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo MP. Os Autores pedem que os Réus sejam condenados solidariamente ao pagamento de uma indemnização no valor de um milhão de Euros, com juros desde a data da citação até integral pagamento. Alegam, para tanto, o seguinte: No dia 15.05.1999, deflagrou um incêndio no Lar ... tendo falecido oito idosos ai residentes e no hospital veio a falecer a nona pessoa. Uns morreram queimados e outros por causa da inalação de dióxido de carbono, intoxicação e asfixia. De entre os falecidos encontrava-se A... residente no lar e familiar directo dos aqui demandantes, ai encontrando-se internado e acamado há mais de um ano. Este Lar ... era propriedade do demandado I... que o adquiriu em 1984, e desde sempre esteve a seu cargo a respectiva gerência, partilhada com o seu filho, a partir de 1997, S... Não se encontrava licenciado, estando ao tempo dos factos a decorrer o respectivo processo de licenciamento, tendo o pedido de licenciamento sido indeferido por duas vezes, em momentos anteriores. Em 1991, face ao pedido de licença para funcionar como lar a Administração de Saúde emitiu parecer desfavorável por não ter existido vistoria, sendo com base nesta decisão que a Câmara de Sintra deliberou pelo indeferimento do uso como lar para a 3.ª idade, face à posição da delegação de saúde, deliberação comunicada aos proprietários. Em Janeiro de 1994, os proprietários do lar tiveram conhecimento de novo parecer desfavorável no processo de licenciamento e foram informados por aquele município das exigências técnicas e de segurança para concessão do licenciamento e alvará do lar e, consequentemente, informação sobre os requisitos legais de segurança e de utilização aplicáveis e exigíveis. Em 1995 foi aprovado um pedido de alterações visando a mudança de utilização de habitação para Lar da terceira idade. E até 1999 as condições de funcionamento do Lar foram consideradas como não satisfatórias pela Segurança Social. Para obtenção do alvará, só em 13.04.1999 é que os demandados I... e S... procederam à entrega de alguns dos documentos legalmente exigíveis. Mas, mesmo assim, estavam em falta diversos documentos necessários como, por exemplo, os da Segurança Social e da Delegação de Saúde e dos Bombeiros bem como a licença de utilização a emitir pela Câmara. Não se procedeu à vistoria técnica prevista no artigo 17º do Decreto-Lei n.º133•A/97 que precede obrigatoriamente o licenciamento. E também nunca foi solicitada qualquer vistoria para emissão de licença. O R I..., desde 1984, não procedeu a qualquer alteração nos tectos do edifício, na cobertura do tecto do sótão e no chão dos quartos que sempre esteve revestido a oleado. A vivenda onde estava instalado o lar tinha grades nas janelas que impediam a entrada ou a saída de pessoas por tais aberturas e por isso impediam ao mesmo tempo a saída dos seus utentes em caso de perigo, bem como tinha grades na porta e a fechadura estava sempre com um cadeado. O fogo teve origem numa sobrecarga eléctrica que provocou um curto circuito na televisão que se encontrava na sala de estar do 1º andar do edifício em causa. A maior dificuldade que os bombeiros sentiam no combate ao incêndio e no resgate dos utentes residentes no sótão, na sua maioria dependentes, residiu no facto de existir uma única escada de acesso ao sótão a qual desembocava na sala onde o incêndio teve o início. Aquando da elaboração do relatório final do incêndio, ocorrido no lar, pelo serviço de bombeiros foram detectadas as seguintes deficiências - quanto à segurança contra incêndios: ausência de via de evacuação alternativa ao acesso principal ao piso superior, porta e janelas gradeadas; utilização de material facilmente inflamável; ausência de elementos de compartimentação corta-fogo; ausência de sistema automático de detecção de incêndios; ausência de sistema automático de extinção de incêndios; ausência de sistema de sinalização acústica e luminosa, falta de condições que já tinham sido assinaladas. Essas indicações, comunicadas aos proprietários do lar, referiam-se a diversas regras relativas a conforto, espaço, acessos, materiais, segurança, lotação, pessoal, serviços de apoio, etc, as quais não foram tomadas em consideração pelo R I.... Além das deficientes condições de segurança também não existiam condições de saúde para idosos utentes para o referido lar. Encontram-se mal alimentados, mal tratados, não eram lavados e eram objecto de maus tratos físicos e mesmo ameaçados de morte pelos funcionários e responsáveis do lar caso fizessem alguma queixa aos seus familiares. As restantes entidades demandadas, sabendo da existência daquele lar naquelas condições, também não impediram a continuação da sua actividade e, até pelo contrário, continuaram a fomentar a sua actividade ilícita, porque a segurança social referiu que já existiam inúmeros outros idosos beneficiários de idênticas comparticipações sociais dadas pela referida entidade. Estando ainda pendente o seu processo de licenciamento já recusado várias vezes no passado e sabendo do funcionamento ilegal do lar sem condições de segurança, de protecção da saúde e de higiene dos seus utentes, não impediram as autoridades competentes e aqui demandadas a continuação daquela actividade, designadamente ordenando o seu imediato cancelamento, o que teria sido impeditivo da produção do trágico resultado verificado. As entidades demandadas não só não proibiam aquele lar de funcionar como incentivavam o seu funcionamento contribuindo financeiramente e indicando até aquele lar como um dos que recomendavam. O falecido A... tinha, à data de sua morte, 70 anos de idade, e era um marido e pai que constituía, apesar da sua idade, o pilar de uma família sólida que viveu e vive sentimentos da mais profunda angústia e saudade provocados pela sua ausência. Apesar de estar internado e acamado num lar para idosos, o falecido era uma pessoa feliz, alegre com a sua família, tendo vindo a perder, progressivamente, a vivacidade e essa mesma alegria à medida que aumentara o seu tempo de internamento naquele lar. No dia do acidente não pode deixar de ter sofrido intensamente a dor, o horror de não se conseguir libertar, a asfixia resultante dos gases tóxicos e as queimaduras provocadas pelo fogo. Perante a brutal e prematura morte do marido e pai, os aqui autores têm vivido, desde então, a pensar no sofrimento que precedeu a morte do seu familiar querido, provocada por uma das mais horríveis causas passiveis. Têm vivido numa situação de depressão profunda, e com enorme desgosto. Ainda hoje choram quando pensam no seu pai e no que lhe aconteceu: primeiro os maus tratos de que foi vítima no lar, depois a morte provocada pelo incêndio. Em consequência de tamanha dor e insustentável sentimento de perda, os autores caíram numa depressão nervosa profunda, são sujeitos a momentos de profunda tristeza e solidão e angústia que são agora as características permanentes do seu quotidiano e do seu quadro familiar. Pedem a responsabilização dos primeiros Réus porquanto não tomaram as providências necessárias em matéria de segurança e saúde para que o lar funcionasse e, por outro lado, pedem a responsabilização das demais entidades por, sabendo que o lar não tinha licenciamento, não o encerrarem e deixarem que o mesmo funcionasse sem segurança e sem respeitar a legislação em matéria de segurança e saúde para que funcionasse como lar. Citados os Réus, veio o Estado excepcionar a incompetência material absoluta do tribunal, atendendo a que, de acordo com a versão dos AA. , quer o ISSS e seus agentes, quer o MTS, que sobre aquele exerce tutela e superintendência, conhecendo a situação ilegal do Lar ..., não curaram de tomar as providências necessárias, previstas na lei, para pôr cobro ao seu funcionamento nas más condições em que se encontrava, aplicando ao respetivo proprietário as coimas legalmente previstas e determinando o encerramento do estabelecimento por ausência de alvará e deficientes condições de funcionamento. Ao omitirem ilícita e culposamente tais obrigações, as referidas entidades públicas tomaram-se coniventes com o comportamento desleixado e negligente do proprietário do Lar e, ao não ordenarem o cancelamento da sua actividade, contribuindo para a ocorrência (incêndio) verificada em 15 de Maio de 1999 e para o seu trágico resultado. Quer o Estado, quer o ISS são pessoas colectivas públicas, investidas de poderes de autoridade, tendo por objectivo a realização de fins públicos. Finalmente, os actos omitidos e as acções que os AA. imputam ao ISSS, por via da tutela, ao MTS, inscrevem-se indubitavelmente na categoria dos actos de gestão pública, pelo que é competente o tribunal administrativo. Excepciona a incompetência territorial relativa do tribunal, porquanto tendo o facto ilícito ocorrido no Lar de idosos ..., sito na Rua Sampaio e Castro, Algueirão, Mem Martins, área da comarca de Sintra - é o tribunal de Sintra e não o de Lisboa o territorialmente competente para conhecer os factos da presente acção. Impugna a demais matéria invocada pelos Autores, alegando que se encontrava a decorrer o processo de licenciamento tendo já os dois primeiros demandados procedido à entrega de alguns documentos legalmente exigíveis. Tendo dado início ao processo de licenciamento do Lar perante o organismo competente (Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo- CRSSLVT) é de presumir a vontade do proprietário ou proprietários em adequar as condições de funcionamento do lar às exigências legais, bem como é de supor, no que tange ao organismo licenciador, que serão adoptadas todas as providências e desencadeados todos os mecanismos na sua esfera de competências, destinados a tornar efectivo o cumprimento da lei a tal respeito. Acresce que não propiciar as necessárias e exigíveis condições para o exercício da actividade, em termos de qualidade, adequação e segurança das instalações, por um lado, e, por outro, no respeitante ao deficiente tratamento dos idosos quanto a sua alimentação, higiene e cuidados médicos apenas aos AAs dizem respeito. O Estado, na prática, neste como em muitos outros casos, leva a cabo a realização desses interesses colectivos através de entes públicos personalizados a quem cabe em seu nome, mas com perfeita autonomia, levar por diante a realização daqueles interesses ligados ao apoio social. É justamente neste contexto que sucede a criação do Instituto de Solidariedade Social, pessoa jurídica dotada de autonomia administrativa, instrumento fundamental na concretização de uma política estadual de cunho descentralizador, sobre o qual o Estado não tem qualquer relação de hierarquia, mas apenas tutelar, que veio substituir o centro regional de segurança social, órgão com competência para fiscalizar as instituições de apoio social, bem como lhe aplicar as respectivas sanções e ainda encerrá-las por - inadequação das instalações, deficientes condições de segurança, higiene e conforto dos utentes e por falta de licenciamento. Estas funções competem ao ao órgão gestor do ISS e não ao Estado. O Estado não é responsável pelas alegadas omissões por parte do Instituto da Segurança Social, porque não tem qualquer tutela sobre as mesmas não conhece nem tem que conhecer as circunstâncias em que se deu o incêndio e as trágicas mortes. Ora, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre as pretensas condutas omissivas que se querem imputar ao Estado e o dano morte invocado, porque o mesmo não responde pelos actos ou omissões do ISSS. O ISSS veio invocar também a excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, alegando que os actos ora ajuizados, por praticados pelo R. ISSS no exercício da actividade administrativa cujo objectivo é a satisfação das necessidades colectivas, se inscrevem na categoria de actos de gestão pública, pelo que os tribunais competentes são os administrativos e não os civis. Excepciona também a incompetência relativa do tribunal de Lisboa, tendo em conta o lugar da prática dos factos, sendo competente o tribunal de Sintra. Impugna toda a matéria alegada pelos AA, invocando que o contrato celebrado com os familiares daqueles é de alojamento e de prestação de serviços, com o qual se conformaram, não tendo o ISSS qualquer intervenção na escolha do lar. Aos descendentes era razoável exigir que verificassem se o estabelecimento onde se encontrava internado o seu familiar não reunia as condições necessárias para o bem-estar e segurança dos idosos. O ISSS limita-se em situações de carência económica, a conceder um subsídio ao seu beneficiário em função de uma análise casuística, tendo em conta o enquadramento sócio-económico do idosos, os seus rendimentos e as possibilidades de comparticipação da família no caso de esta existir. O seu pagamento é feito pelo ISSS directamente aos próprios idosos ou familiares e não ao Lar ... que o solicitou junto do ISSS. Só em 1993, foi possível à Segurança Social conseguir vagas alternativas onde colocar os idosos que se encontravam em lares com más condições, não tendo desresponsabilizado os familiares em relação ao dever de assistência que lhes assiste. Com efeito, o Lar ..., embora a funcionar sem licença, durante alguns anos, foi sendo acompanhado pela Segurança Social que tentou sempre de uma forma diligente obrigar o seu proprietário a melhorar a qualidade de vida dos idosos, através de uma permanente fiscalização, entrevistas com o proprietário, orientações técnicas e até na aplicação de coima. No período compreendido entre 1983 e 1999 foram efectuadas inúmeras visitas de fiscalização – em média 2 ou 3 em cada ano e enviados vários ofícios ao Lar ... com orientações técnicas no sentido de corrigir o que estava mal. Como resultado do trabalho desenvolvido pelo ISSS, o proprietário melhorou as condições de funcionamento do lar, nomeadamente reduziu a lotação dos utentes, fez obras de adequação, requereu vistoria sanitária e licença de fiscalização, contratou uma enfermeira a tempo inteiro, apresentou na segurança social o seu regulamento interno, mapa de pessoal, preçário e ia cumprindo as orientações técnicas. As condições técnicas foram melhorando e em 1995 o Lar ... reunia na globalidade as condições necessárias ao funcionamento de lar de idosos. As condições técnicas foram melhorando e em 1995 o Lar ... reunia na globalidade as condições necessárias ao funcionamento de lar de idosos. Também os bombeiros voluntários de Algueirão procederam a vistorias tendo emitido pareceres no sentido que as instalações possuíam as condições necessárias ao nível da segurança em 1983 e 1992. O proprietário estava a tratar do processo de legalização do Lar em causa, tendo apresentado em 29 de Dezembro de 1998 o respectivo requerimento de concessão de alvará com o plano de adequação, acompanhado de projecto de instalações e, em 1 de Abril de 1999, juntou mais um conjunto de documentos com vista à legalização do lar. Não se chegou a proceder à vistoria técnica do estabelecimento porque estavam a ser analisados os documentos tendo em vista a concessão do alvará, e só quando o processo documental está completamente instruído se procede à vistoria técnica. Também em Maio de 1999, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo solicitou, através de ofício, à Inspecção Geral do Serviço Nacional de Bombeiros, documento comprovativo das condições de segurança das instalações com vista a reunir os elementos necessários ao licenciamento do Lar. O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo agiu no estrito cumprimento da lei, de um modo diligente, de boa fé, tendo feito tudo em relação ao lar ... de acordo com os meios disponíveis que tinha ao seu alcance, no quadro da legislação em vigor, nada mais lhe sendo exigível, pelo que não foi praticado por aquele qualquer acto ilícito ou culposo. Acresce ainda que não se demonstra nos presentes autos a existência de qualquer nexo de causalidade entre a situação de infortúnio em que morreram os idosos no incêndio e a actuação lícita, do ora Contestante, conforme se alcança dos documentos juntos a esta contestação e que respeitam ao extinto Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo. No que toca aos prejuízos, não assiste ao R. ISSS a obrigação de os impugnar especificadamente, visto não ser obrigado a responder por eles, seja por falta de ilicitude da conduta dos seus órgãos e agentes, seja por ausência de culpa destes últimos – como se viu e se acha documentado nos autos - houve sempre diligência por parte dos serviços do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo no acompanhamento do lar em causa. Também os Réus I... e S... citados vieram contestar, excepcionando a prescrição do direito dos AA, a incompetência em razão da matéria e do território, a preclusão do direito de pedir a indemnização bem como a falta de personalidade judiciária da 3 R. Impugna a demais matéria carreada pelos AA., alegando que o R S... nunca foi gerente, apenas ajudou o seu pai Ibrahimo nas tarefas administrativas e não de gestão ou de administração. A moradia onde funciona lar tem todas as condições de habitabilidade. O processo de licenciamento do Lar foi iniciado ainda no tempo da anterior proprietária. Logo após a aquisição, por trespasse, do Lar, o 1° Réu diligenciou a obtenção do alvará, tendo o último pedido de licenciamento dado entrada em 28.12.1998, cumprindo atempadamente as exigências do Despacho Normativo 12/98 de 25 de Fevereiro, sendo que o prazo foi prorrogado até Abril de 1999. De qualquer maneira, o 1º R foi cumprindo as exigências feitas e de que a documentação foi entregue em tempo, aguardando-se, em Abril de 1999, a legalização do Lar. De acordo com as instruções e exigências do ISSS, o primeiro Réu foi sempre introduzindo melhoramentos no Lar e aí fazendo alterações, agindo sempre com zelo e diligência, cumprindo com tudo o que lhe era ordenado e nunca qualquer das entidades fiscalizadoras havia exigido ou mesmo sugerido, a necessidades de uma segunda escada e a retirada das grades nas janelas. Quanto às medidas de protecção, o lar tinha vários extintores colocados segundo indicação dos Bombeiros. Tinha também um médico e uma enfermeira permanentes. O Marido e Pai dos Autores, falecido no incêndio, esteve no Lar mais de um ano e, durante esse tempo, os Réus, nomeadamente o primeiro Réu, nunca recebeu qualquer queixa ou reclamação, nem aqueles, manifestaram o menor desejo de o transferir para outro Lar, sendo certo que, na zona, existem cerca de 12 outros Lares, 5 deles muito próximos. Para o atraso na obtenção do alvará contribuiu o atraso do senhorio que se obrigou aquando do contrato de arrendamento, a tratar da obtenção de licença de utilização da moradia para lar de idosos – nunca o tendo feito, aliás nem licença de utilização tinha. Na sala onde ocorreu o curto-circuito que gerou o incêndio, toda a instalação eléctrica foi, nessa altura, renovada. A instalação eléctrica estava feita com protecção tal como os oito extintores de incêndio foram colocados no local por indicação dos Bombeiros. Os AA vieram responder às contestações, pugnando pelo indeferimento das excepções deduzidas no que concerne à incompetência material, prescrição, falta de personalidade judiciária e da preclusão do direito à indemnização e requereram a remessa do processo para o tribunal de Sintra, por ser o territorialmente competente. Por despacho de fls. 317, foi a 11ª Vara Cível de Lisboa declarada incompetente e determinada a remessa dos autos ao Tribunal de Sintra. A fls. 631 A... veio requerer a sua intervenção principal na parte activa propondo acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário contra I..., Instituto de Solidariedade e Segurança Social e Estado Português. Alega que é filho de S... , falecida na sequência de um trágico incêndio no Lar ..., onde se encontrava instalada . O incêndio que deflagrou naquele Lar também vitimou a mãe do aqui Autor que ali se encontrava internada, nas mesmas condições precisas em que vitimou o familiar dos demais demandantes. Alega todos os factos já aduzidos pelos demais demandantes, designadamente as más condições de segurança em matéria de construção e dos materiais utilizados e a falta de licenciamento do lar por violação das regras relativas a conforto, espaço, acessos, materiais, segurança, lotação, pessoal, serviços de apoio etc, ao que acresce o facto dos demandados, enquanto proprietários e gerentes do lar onde ocorreram os factos, nada fizeram para impedir a verificação do incidente de que tratam estes autos, e não adptaram um comportamento que tosse passível de respeitar e cumprir as regras legais aplicáveis. As restantes entidades demandadas, sabendo da existência daquele lar naquelas condições, também não impediram a continuação da sua actividade e, até pelo contrário, continuaram a fomentar o seu exercício ilícito, incentivando o envio de idosos e suportando as respectivas despesas de comparticipação social. Os serviços da segurança social, ao reconhecerem que o lar em causa era ilegal, nunca deveriam ter aceite comparticipar financeiramente as despesas aí realizadas. Qualquer das entidades demandadas não ignorava nem podia ignorar as condições ilegais e a todos os títulos deficitárias sob as quais o mesmo funcionava. Estando pendente o seu processo de licenciamento, recusado várias vezes no passado, e sabendo do funcionamento ilegal do lar, sem condições de segurança, de protecção da saúde e de higiene dos seus utentes, não impediram as autoridades competentes e ora demandadas a continuação daquela actividade, designadamente ordenando o seu imediato encerramento, o que teria sido impeditivo da produção do trágico resultado verificado. Só depois do incêndio e da ocorrência das mortes é que o Estado e o ISSS reagiram, ordenando o seu já tardio encerramento. A falecida S... tinha, à data de sua morte, 82 anos de idade, estava bem de saúde e caminhava pelo seu próprio pé. Era uma pessoa alegre, feliz e com gosto pela vida. Todos os idosos que se encontravam no Lar estavam entregues à sua sorte, sem cuidados de saúde, de higiene ou de alimentação. Resulta da autópsia que o óbito apenas foi verificado no dia 15.05.1999 às 01 h35, pelo que tendo em conta que o fogo terá deflagrado pouco depois da meia noite, a mãe do autor esteve mais de uma hora em sofrimento, numa luta cessante contra a morte e sem apoio ou socorro: ficou com várias costelas fracturadas, lesões traumáticas provocadas por manobras terapêuticas-massagem cardíaca externa. Sofreu, por isso, intensamente a dor e o horror de não se conseguir libertar, tendo vindo a falecer em resultado da asfixia por intoxicação de monóxido de carbono a que se submeteu durante considerável lapso de tempo. Os seus prejuízos foram, portanto, muito avultados e, sendo insusceptíveis por natureza de quantificação pecuniária e tendo ocorrido na esfera jurídica da falecida transmitiram-se por sua morte para o seu único herdeiro sobrevivo, o aqui autor. Perante a perda da sua mãe, aquele tem vivido a pensar no sofrimento e na angústia por que aquela tem passado nos momentos precedente à sua morte, tendo vivido em profunda consternação e desgosto. Ainda hoje é com imensa tristeza que recorda a perda da mãe e na forma como as coisas aconteceram: primeiro os maus tratos de que foi vitima no lar, depois a morte provocada pelo incêndio que ocorreu na prisão que acabou por ser a cama do andar de cima onde se encontrava instalada. Pela compensação de todos estes prejuízos, quer próprios quer transmitidos por via sucessória, e que são insusceptíveís de quantificação pecuniária, estima o autor como adequada uma compensação mediante pagamento de quantia não inferior a €250.000.00. Por requerimento de fls. 624 veio M... desistir do pedido contra S... e contra o Lar ..., ISSS . Por despacho de fls. 803 foi homologada a desistência do pedido, declarando extinto o direito que o referido A. pretendia fazer valer. Por despacho de fls. 832 foi homologada a desistência do pedido formulado pelos AA. C..., A... e C... contra S... e Lar .... Por despacho de fl.s 833 foi admitida liminarmente a intervenção principal espôntanea e notificadas as partes primitivas para contestar. O ISSS notificado do pedido de intervenção principal veio pugnar pelo seu indeferimento pela sua extemporaneidade. O R I... veio responder, pugnando pelo seu indeferimento, pela extemporaneidade devido à existência de processo crime. Quanto ao demais impugna toda a matéria, alegando o já constante na contestação apresentada nos autos em matéria de condições de segurança e de licenciamento do lar e da sua conduta no sentido de ter cumprido com todas as directrizes que foi recebendo das entidades licenciadoras. Refuta como falsas as afirmações no que concerne à forma de tratamento dos idosos e à alegada falta de condições de higiene e limpeza. Aos idosos falecidos foi prestado todo o auxílio pelo Serviço Nacional de Bombeiros, pela equipa médica do INEM, pela GNR, pelo filho do Réu e por cerca de dez familiares seus que, com ele, aí compareceram. A mãe do Autor, falecida no incêndio, esteve no Lar alguns meses, período durante o qual o primeiro Réu nunca recebeu qualquer queixa ou reclamação e, em momento algum, manifestou o menor desejo de transferir a sua mãe para outro Lar, sendo certo que na zona existem cerca de 12 outros Lares, 5 deles muito próximos. Salvo a questão relativa ao alvará, que é formal e não causal do acidente, o Lar funcionava em perfeitas condições, sendo-lhe introduzidas as alterações e os melhoramentos sugeridos pelo ISSS e por outras entidades. Mais alegou que a mãe do Autor faleceu vítima de intoxicação pelo fumo, presumindo-se que tenha sido vitimada durante o sono, atendendo à hora a que o incêndio deflagrou. A indemnização pedida é, pois, absolutamente exagerada nomeadamente se se pensar que se trata de danos morais sofridos pela morte de uma mulher de 82 anos, doente e que o Autor internara num lar onde a deixava, no seu entender, “entregue à sua sorte, sem cuidados de saúde, de higiene ou de alimentação”(art. 86.º da p.i.). O Lar estava considerado oficialmente pela Segurança Social como tendo boa classificação: constava da lista de lares sem alvará mas com boas condições de funcionamento. O Réu Estado Português contesta a intervenção de M..., excepcionando a prescrição do direito do interveniente e impugnando a demais matéria alegada pelo mesmo. Por despacho de fls. 976 foi ordenado o cumprimento do contraditório relativamente as contestações apresentadas relativamente ao interveniente que se pronunciou a fls 980, pugnando pelo indeferimento da excepção de prescrição invocada e demais excepções invocadas. Por despacho de fls. 996 e seguintes foi declarado prescrito o direito do interveniente relativamente aos RRs e foi elaborado despacho saneador e fixada a matéria assente e a base instrutória. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi declarado que o direito do interveniente não estava prescrito e foi determinado aditar à base instrutória os factos articulados pelo interveniente A.... Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que decidiu condenar solidariamente os Réus a pagar a cada um dos Autores e ao Interveniente, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento. Inconformados com a sentença, interpuseram recurso de apelação: O ESTADO: Formula as seguintes conclusões: 1-A douta sentença recorrida condenou solidariamente o réu Estado a pagar aos As e ao interveniente a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais. 2-Com fundamento, refere-se que os serviços da Segurança Social estavam na dependência do Ministério da Solidariedade e Segurança Social e, actualmente ISSS exerce a sua actividade sob a tutela e superintendência do Ministério do Trabalho e Solidariedade. 3-Tal afirmação carece de fundamentação e assenta em pressupostos errados. 4-E confunde os poderes de superintendência e tutela política com poderes hierárquicos. 5-Não esclarecendo em que é que se traduzia a dependência dos serviços dos Centros. Regionais relativamente ao Ministério d Solidariedade e Segurança Social , ou que tipo de tutela exerce o Ministério do Trabalho e Solidariedade sobre o actual ISSS. 6-Nem qual o tipo e grau de dependência ou de tutela que existia e existe entre esses serviços e o Estado, quais os deveres de fiscalização que, no âmbito das relações internas entre esses órgãos, pendiam sobre o Estado e que foram omitidos. 7-Nem em que medida o Estado, através dos seus agentes, deixou de cumprir esses poderes e em que medida a omissão desses poderes contribuiu para a ocorrência do acto danoso gerador da obrigação de indemnizar. 8-Os Centros Regionais de Segurança Social foram criados pela Lei Orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, aprovada pelo DL 115/98, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial. 9-Integram o conjunto das pessoas colectivas de direito público reconhecidos ou criados pelos poderes públicos, com o objectivo de prosseguir a satisfação das necessidades colectivas. 10-Fazem assim, parte da administração indirecta do Estado, e são especialmente incumbidos da prossecução de um ou mais objectivos, que o Estado entende não dever assumir, em cumprimento do princípio constitucional da descentralização. 11-Porque dotados de personalidade jurídica e de órgãos e património próprio, não se confundem com a pessoa colectiva de direito público que é o Estado. 12-Nos termos do disposto no art.º 199.º d) da CRP o Governo exerce a tutela e superintendência sobre a administração indirecta do Estado. 13-A tutela traduz-se no poder conferido ao Estado, através dos vários ministérios, de controlar a legalidade ou a actuação de outra pessoa colectiva pública. 14-A superintendência traduz-se no poder de orientação e de definição de objectivos. 15-Os institutos públicos ficam adstritos a um departamento ministerial, designado por ministério da tutela. 16-Esta função de tutela política do Estado, através do Governo e dos vários Ministérios sobre os institutos públicos, insere-se na actuação do Estado no âmbito da sua função governativa no interesse geral da colectividade. 17-A relação tutelar e de superintendência, situa-se no plano político, não se confunde com uma relação de dependência e hierarquia. 18-A relação de hierarquia administrativa compreende um modelo de organização interno de uma pessoa colectiva de direito público, em que existe uma hierarquia entre os vários agentes, que se traduz no poder de direcção, de controlo e disciplinar do superior hierárquico relativamente ao subalterno inferior 19-Ora, as pessoas colectivas de direito público não estão, em relação ao Estado, numa relação de dependência hierárquica, já que não podem receber ordens da tutela nem orientações ou instruções na forma de actuação. 20-Nem tal seria admissível legalmente, atento o estatuto de que gozam, a existência de órgãos próprios de representação e direcção e a autonomia administrativa, financeira e patrimonial com que são dotados. 21-Se assim não fosse, estariam os órgãos do Estado que detêm a tutela sobre um determinado organismo público a sobrepor-se às funções que ao mesmo estão legalmente atribuídas, o que colidiria com a natureza e regime legal das mesmas. 22-O actual ISSS, sucedeu aos Centros Regionais de Segurança Social, nos termos do DL 45-A/2000 de 22 de Março passando a agregar as competências até aí atribuídas aos Centros Regionais de Segurança Social e ao Centro Nacional de Pensões. 23-Nos termos do art.º 23.º do DL 45-A/2000 o ISSS é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com natureza de instituto público, fazendo parte a administração indirecta do Estado. 24-Quer o Centro Regional de Segurança Social quer o ISSS são pessoas colectivas de direito público distintas do Estado que estão sob a tutela política do governo, no que se refere às orientações e definições políticas dos objectivos que visam prosseguir 25-O regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado aplicável é o regime previsto no DL 48.051 de 21-11-67 , por ser o vigente á data da ocorrência dos factos. 26-Nos termos do art.º 2.º são pressupostos da responsabilidade civil do Estado a ocorrência de acto ilícito culposamente praticado por agente ou órgão do Estado, no exercício de funções e por causa delas, a culpa, o dano e o nexo causal entre o acto e o dano 27-Sendo que, conforme disposto no art.º 6.º n. 1, considera-se ilícito, o acto jurídico que viole as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração . 28-A sentença não refere, nem tal resulta da matéria fáctica apurada, quais os actos ou omissões ilícitos praticados por um qualquer agente ou órgão do Estado que estiveram na origem do incêndio. 29-Também não refere, nem tal resulta da matéria fáctica assente, que qualquer agente do Estado ou seu órgão tenha violado os deveres de fiscalização do funcionamento do Lar. 30-Não tendo ficado apurada a existência de um facto ilícito culposo praticado por um qualquer órgão ou agente do Estado, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil do Estado. 31-À data dos factos, as competências de acompanhamento e fiscalização do referido lar de idosos ou de outros estabelecimentos privados de cariz social estavam atribuídas aos Centros Regionais de Segurança Social, conforme resulta da matéria de facto assente. 32-Aos Centros Regionais de Segurança Social competia a concessão de licenças de funcionamento e a decisão de encerramento dos lares, conforme estabelecido no D.L. 133-A/97 de 30 de Maio. 33-Nos termos do disposto no art.º 31.º da Lei Orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, aprovada pelo DL 115/98 de 4 de Maio, “ os Centros Regionais de Segurança Social são organismos dotados de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial”. 34-Nos termos do art.º 23.º do DL 45-A/2000 foi criado o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, ISSS, dispondo o n.º 2 que o ISSS é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com natureza de instituto público. 35-O DL 316/2000 de 7 de Dezembro que aprovou os estatutos do Instituto de Solidariedade Social, ISSS, determinou a extinção dos Centros Regionais de Segurança Social. 36-E o n. 2 o seguinte: “o património de que são titulares os organismos agora extintos, incluindo activos e passivos, é automaticamente transferido para o ISSS por efeito do presente diploma e sem dependência de qualquer formalidade”. 37-Dispondo ainda o n. 3 : “o presente diploma é titulo suficiente e bastante para os registos que haja a efectuar relativamente ao património referido no número anterior”. 38-Do conjunto das supra normas legais conclui-se que, á data dos factos, competia aos Centros Regionais de Segurança Social o dever de fiscalização do Lar de Idosos ... 39-Ora, sendo os Centros Regionais organismos com personalidade jurídica de direito público, dotados de autonomia administrativa, financeira patrimonial, a eventual omissão de dever de fiscalização do Lar de Idosos só àqueles Centros poderia ser imputável. 40-Pelo que, tendo o ISSS sucedido àqueles Centros, nos direitos e deveres e tendo herdado o seu património, com natureza de um instituto público com personalidade jurídica e capacidade judiciária, a eventual omissão do dever de fiscalização do Lar de Idosos só ao mesmo poderá ser imputável e não ao Estado português. 41-Uma vez que, nem o Ministério da Solidariedade e Segurança Social, à data dos factos, nem actualmente, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, detêm qualquer poder de fiscalização sobre os lares de idosos ou quaisquer outros equipamentos de idêntico cariz social. 42-Já que tais poderes cabiam à data dos factos ao Centro Regional de Segurança Social e actualmente ao ISSS que lhe sucedeu, entidades dotadas de personalidade jurídica, capacidade judiciária e património próprio, o qual responde pelas eventuais indemnizações em que venha a ser condenado. 43-Sendo os Centros Regionais de Segurança Social e o ISSS pessoas colectivas distintas do Estado, a admitir-se que os poderes de tutela do Estado significam poderes de fiscalização hierárquica sobre os mesmos, estaria a admitir-se que Estado se pode sobrepor a tais pessoas colectivas públicas e a esvaziar as competências próprias dos mesmos, no âmbito da autonomia administrativa e financeira de que gozam . 44-Não tendo o Estado quaisquer poderes hierárquicos sobre o Centro Regional de Segurança Social e sobre o ISSS, não é responsável pela prática de qualquer acto ilícito ou por qualquer omissão ilícita de acto gerador de responsabilidade civil. 45-Porque nenhum acto de fiscalização se impunha que praticasse. 46-A omissão ilícita de disposições legais e regulamentares que impunham o encerramento do Lar ... só ao ISSS poderá ser imputável, o que resulta não só do teor dos seus estatutos , bem como da matéria fáctica dada como provada. 47-Pelo que a sentença recorrida ao condenar o Estado português por responsabilidade civil extracontratual, não só não se encontra sustentada na matéria na matéria fáctica apurada como fez uma incorrecta interpretação das normas legais aplicáveis, supra enunciadas . Em face do exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, aplicando as normas jurídicas supra enunciadas, constantes do DL 115/98 de 4 de Maio, DL 45-A/ 2000 de 22 de Março, DL 316/2000 de 7 de Dezembro e DL 48.051 de 21 de Novembro de 1967, conclua pela inexistência dos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e, assim, absolva o réu Estado português, do pedido. Também o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP discordou da sentença e interpôs recurso de Apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: Dos factos dados como provados, não se pode concluir que os Autores e Interveniente tenham sofrido danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do Direito. Por outro lado, não foi violada qualquer regra legal ou de prudência comum por parte da segurança social portuguesa. Não se apurou em Tribunal a causa ou causas do incêndio e por isso a 1.ª instância não poderia concluir pela responsabilidade do ISS, IP. Ora, é das regras da experiência comum que na origem do dito incêndio pode ter estado um acto humano ou um caso fortuito e competia aos Autores e Interveniente aquela prova e por maioria de razão do nexo causal, prova que não foi produzida. Além disso, o ISS, IP não tendo competência própria na área da segurança, não pode mandar encerrar um lar por razões de segurança sem um documento comprovativo dos bombeiros que o justifique (por isso é que o pediu). E repare-se que os Bombeiros, desde 1993 que consideravam que o lar “reunia as condições de segurança necessárias” – cf. o invocado facto 50.º da base instrutória. Ficou igualmente provado que o lar em apreço estava a ser acompanhado pela segurança social através de uma permanente fiscalização, entrevistas com o proprietário com vista ao melhoramento de condições, orientações técnicas. Além do mais, o art.º 32.º do Decreto – lei 30/89, de 24 de Janeiro prevê no seu n.º1, não a obrigatoriedade do encerramento, mas antes a possibilidade de encerramento, “pode ser determinado o encerramento …”, pode ler-se naquela norma legal. O n.º2 da sobredita norma jurídica vai um pouco mais longe e prevê que “o encerramento pode ser imediatamente ordenado, sem dependência de prévia aplicação de coima, desde que o estabelecimento apresente graves condições de insalubridade ou inadequação das instalações, bem como deficientes condições de segurança, higiene, conforto e bem- estar dos utentes”. No mesmo sentido, (e também sem nunca falar em obrigatoriedade) mas exigindo agora uma gravidade qualificada pode ser interpretado o artigo 39.º 1ª) do Decreto – lei 133-A/97, de 30 de maio que, a propósito do encerramento administrativo dos estabelecimentos preceitua o seguinte: “Apresente graves condições de insalubridade, inadequação das instalações ou deficientes condições de segurança, higiene e conforto dos utentes.” Ora, não vislumbramos do probatório essa gravidade qualificada. E, nesse quadro legal, a segurança social não dispunha de documentos certificados pelos bombeiros nem por outra entidade que apontassem para o encerramento do lar por grave falta de condições de segurança, inadequação das instalações e higiene, pelo que não houve qualquer acto omitido, até porque o lar se encontrava em procedimento de licenciamento e ficou “…provado que a 15/05/1999 a segurança social pediu aos bombeiros um documento comprovativo das condições de segurança das instalações com vista a reunir elementos para o licenciamento” ( facto 52.º da base instrutória). De facto, não era legalmente exigível ao ISS, IP, o acto de encerrar o lar contra parecer anterior favorável dos bombeiros, sobretudo quando se aguardava novo parecer. É importante sublinhar que a omissão do acto legalmente devido (ilicitude) só poderia ocorrer por referência à existência de um acto ilegal, o que não se verifica com base na legislação aplicada pelo Tribunal. Por isso, como os pressupostos do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos (cfr. art.º 483.º do Código Civil) são cumulativos, não havendo ilicitude, e por maioria de razão nexo causal – não pode haver lugar a qualquer condenação do Réu ISS, IP estribada no art.º 496.º do Código Civil – danos não patrimoniais. Consequentemente, há erro de subsunção dos factos ao direito e estão violados na sentença impugnada os artigos 483.º e 486.º do Código Civil, a par do art.º 32.º do Decreto – Lei 30/89 de 24 de janeiro e ainda dos artigos 39.º e 40.º do Decreto –Lei 133-A/97 de 30 de maio. O Interveniente A... também veio interpor RECURSO SUBORDINADO, formulando as seguintes conclusões: Ocorre nulidade da sentença, dado a mesma não se ter pronunciado sobre os peticionados juros de mora, devendo tê-lo feito. Por outro lado, seja qual for a natureza da compensação pelo dano morte – lesão do direito à vida, a mesma deveria ter sido arbitrada em montante não inferior a € 40,000,00. Sendo que, quanto aos danos não patrimoniais não se justifica o seu parcelamento. Acresce que e, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio Apelante com a morte de sua mãe, a compensação justa e equitativa a arbitrar não deve ser inferior a e 20.000,00, reflexo do “pretium doloris”, sofrido pelo mesmo. Sendo a indemnização global a arbitrar de € 60.000,00. Finalmente, dado a sentença recorrida não ter actualizado a compensação arbitrada, a mesma vence juros, desde a citação até integral pagamento, como foi peticionado. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 608.º e 615.º n.º1 d) do CPC bem como o disposto no art.º 496.º n.º1 e 4, 566.º n.º2, 805.º n.º3 e 806 n.º1 todos do Código Civil. C... e A... vieram interpor RECURSO SUBORDINADO, formulando as seguintes conclusões: Verifica-se nulidade da sentença proferida, dado a mesma não se ter pronunciado sobre a condenação nos juros de mora, devendo tê-lo feito. Seja qual for a natureza da compensação pelo dano morte – lesão do direito à vida – a mesma deveria ter sido arbitrada em montante não inferior a € 60.000,00. Sendo que quanto aos danos não patrimoniais não se justifica o seu parcelamento. Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelas próprias Apelantes com a morte de seu pai, a compensação justa e equitativa a arbitrar não deve ser inferior a € 40.000,00, reflexo do “pretium doloris” sofrido pelas mesmas. Sendo a indemnização global a arbitrar a cada uma das Apelantes, de € 100.000,00. Visto que a sentença recorrida não actualizou a compensação arbitrada, a mesma vence juros, desde a citação até integral pagamento, como foi peticionado. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 608.º e 615.º n.º1 d) do CPC bem como o disposto no art.º 496.º n.º1 e 4, 566.º n.º2, 805.º n.º3 e 806 n.º1 todos do Código Civil. O Interveniente A... apresentou igualmente contra alegações relativamente aos recursos interpostos pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP e pelo ESTADO. Quanto ao primeiro, refuta os dois argumentos apresentados pelo ISS,IP a saber: (i)Que os danos não patrimoniais provados não merecem a tutela do direito; (ii)Que não se verifica a ocorrência de qualquer facto ilícito praticado pelo ISS, nem o nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido pelo Apelante. Quanto ao recurso do Estado, pronuncia-se pela improcedência das duas questões suscitadas nesse recurso: Falta de fundamentação da sentença Incorrecta interpretação das normas legais aplicáveis. C... e A... vieram apresentar contra alegações, relativamente ao recurso interposto pelos Recorrentes ISS, IP e Estado, pugnando pela improcedência das conclusões dos Apelantes. Também o ESTADO PORTUGUÊS apresentou contra alegações em relação ao recurso interposto pelo Interveniente A... e em relação ao recurso interposto por C... e A..., pugnando pela improcedência dos recursos. I... apresenta contra alegações pugnando pela improcedência dos recursos interpostos. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II-OS FACTOS. Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: A)No dia 15/5/1999 deflagrou um incêndio no Lar ..., pertença do 1º Rº l... desde Novembro de 1984, tendo resultado a morte de várias pessoas de entre as quais A..., marido da A. C..., e pai dos demais AA., o qual estava acamado e morreu por asfixia; B)O lar referido funcionava como estabelecimento de apoio a idosos com fins lucrativos há mais de 25 anos, sempre sem alvará para exercer tal actividade, não obstante ter sido pedido várias vezes, a última das quais em Dezembro de 1998, a qual não chegou a obter despacho antes da data do incêndio, numa vivenda com 60 anos. C)Nas janelas do lar estavam colocadas grades que impediam a entrada e saída de pessoas pelas mesmas. Provado que até 1995 a instalação eléctrica era antiga e à vista. Provado apenas (…) que os factos 1º, 2º e 3º constavam de um parecer da Segurança Social em 1983, juntamente com um excesso de idosos. Provado que tinha havido dois indeferimentos da Segurança Social do pedido de licenciamento do lar. Provado que a 13 de Abril 1999, o lº R. já havia entregue na Segurança Social alguns documentos para a legalização do estabelecimento, faltando porém, designadamente o projecto de segurança contra incêndios, bem como a licença de utilização a emitir pela Câmara Municipal de Sintra. Provado que a porta de entrada do edifício tinha igualmente grades. Provado que o fogo teve origem na televisão que estava na sala do 1° andar do edifício em causa. Provado que a maior dificuldade dos bombeiros no combate ao incêndio e no resgate dos utentes residiu no facto de haver uma única escada de acesso ao sótão onde o incêndio teve início. Provado que não puderam aceder por via das janelas em virtude das grades em todas as janelas e portas. Provado que não havia via de evacuação alternativa ao acesso principal ao piso superior. Provado que o lar utilizava materiais facilmente combustíveis ao nível do forro decorativo entre o espaço habitável da cobertura e as paredes de compartimentação. Provado que inexistiam elementos de compartimentação corta-fogo. Provado que as paredes e o forro tinham tinta de óleo facilmente inflamável. Provado que inexistia sistema de detecção de incêndios, ou sistema automático de extinção dos mesmos. Provado que não existia sistema de sinalização acústica e luminosa. Provado que os factos 19º a 23º estavam mencionados no relatório final do incêndio pelo serviço nacional de bombeiros. Provado apenas que a segurança social não obstante conhecer as condições de funcionamento dos lares que fiscalizava, de entre eles, o Lar ... não procedia ao seu encerramento, apesar da ausência de licenciamento, caso não dispusesse de alternativa onde colocar os idosos. Provado que a segurança social comparticipava o pagamento dos idosos pela estadia no lar. Provado que os AA sofrem de saudades do falecido. Provado que A família era unida, sendo o falecido um ponto de referência para a mesma. Provado que à data da morte ele era uma pessoa feliz e alegre apesar destas terem diminuído no lar. Provado que a morte de A... causou uma depressão profunda e desgosto aos AA, sentindo tristeza, solidão e angustia pela mesma. Provado que e ainda hoje choram quando pensam no pai e marido, e no sofrimento pelo qual terá passado ao morrer. Provado que a segurança social comparticipava as mensalidades devidas aos lares pelos cuidados prestados aos idosos que para aí eram remetidos e que demonstrassem reunir as condições para beneficiar de tal prestação social. Provado que o lar em apreço estava a ser acompanhado pela segurança social através de uma permanente fiscalização, entrevistas com o proprietário com vista ao melhoramento de condições, orientações técnicas. Provado apenas que em 1989 e 1990 é feita uma visita anual; em 1991 realizaram-se três vistas anuais, em 1992, quatro visitas anuais, em 1993 três visitas, em 1994 duas, em 1995 duas, em 1996 uma visita, em 1997 duas visitas, em 1998 uma visita. Provado que em 26/2/1992 aplicaram uma coima de Esc. 500.000$00. Provado que em consequência da acção do ISSS, o lº R. reduziu a lotação dos utentes, efectuou obras de adequação, requereu licença de utilização, contratou uma enfermeira a tempo inteiro, apresentou na segurança social o seu regulamento interno, mapa de pessoal e preçário. Provado que, em 1993, os bombeiros consideraram que o lar tinha as condições de segurança necessárias, em termos de fls. 103. Provado que a 10/5/1999 a segurança social pediu aos bombeiros um documento comprovativo das condições de segurança das instalações com vista a reunir elementos para o licenciamento. Provado que após a aquisição, o 1°R. efectuou obras na moradia. Provado apenas que as grades das janelas foram colocadas em 1991, por ter existido, pelo menos, um assalto no lar. Provado que o falecido A... entrou no lar em 4/4/1998 e sempre os familiares elogiaram o serviço e segurança do lar. Provado que havia sempre uma empregada presente, embora trocando de turno, a fazer a vigilância durante toda a noite. Provado que, na data do incêndio, o lar tinha 20 utentes. Provado apenas que os bombeiros foram chamados ao local após ter deflagrado aquando do incêndio. Provado que o lº R. efectuou as seguintes alterações: alargamento do portão da entrada para os bombeiros acederem, colocação de bilhas de gás no exterior. Provado que existiam campainhas de chamada. Provado que o sistema eléctrico tinha sido renovado em 1995. Provado apenas que estava dentro de calhas técnicas. Provado que o falecido era doente, tinha sofrido uma trombose. Provado que o estabelecimento em causa nunca obteve o necessário alvará para legalização do respectivo funcionamento. Provado que em 04.09.1995 foi aprovado um pedido de alterações visando a mudança de utilização de habitação para Lar da terceira idade. Provado apenas que não se procedeu à vistoria técnica. Provado que nunca foi solicitada qualquer vistoria final para emissão da necessária licença de utilização. Provado que o réu I... adquiriu o lar em 1984 e desde então não se procedeu a qualquer alteração nos tectos do edifício, na cobertura do tecto do sótão e no chão dos quartos, que sempre esteve revestido com três a quatro camadas de oleado. Provado que o incêndio deflagrou após a meia- noite no dia 15 de Maio de 1999. Provado que na altura do incêndio, encontravam-se no lar cerca de 20 (vinte) idosos, alguns deles dependentes, além de uma única funcionária auxiliar. Provado apenas que quando os bombeiros chegaram ao local do incêndio, poucos minutos depois de terem recebido a chamada da funcionária do lar, constataram que o incêndio se localizava no primeiro andar do edifício, na sala que antecede os quartos e que o mesmo progredia para a zona dos quartos, tendo igualmente constatado que no rés- do- chão não existia ainda muito fumo. Provado que na sequência do incêndio vieram a morrer 8 (oito) dos idosos ali residentes e, mais tarde, veio a falecer no hospital uma nona pessoa. Provado que do primeiro andar os bombeiros retiraram 11 vitimas sendo oito mortais por inalação dos fumos tóxicos – monóxido de carbono. Provado que, de entre os falecidos encontrava-se A..., residente no “Lar” e também a mãe do ora demandante, P.... Provado que enquanto os bombeiros – entretanto alertados telefonicamente para o efeito - não chegavam, a dita funcionária foi socorrer alguns utentes do lar que se encontravam no rés-do-chão e já não conseguiu deslocar-se ao 1º andar, face à intensidade do fumo. Provado apenas que os utentes instalados naquele piso revelaram grandes dificuldades de mobilidade dado nem sequer terem aberto nenhuma das janelas dos quartos onde se encontravam para ventilação do local, para além do facto de terem ficado vitimados quatro utentes nas próprias camas, três no chão junto às mesmas e só um logrou sentar-se numa cadeira de rodas. Provado que os utentes colocados no 1º piso do lar, pela sua mobilidade reduzida, eram pessoas dependentes. Provado que os familiares dos utentes de A... designadamente A... alertaram o Lar ..., na pessoa das suas funcionárias, mormente perante a enfermeira M..., para o risco de ocorrência de um incêndio no Lar e as suas eventuais dramáticas consequências- face à composição dos tectos do sótão e à existência de grades em todo o edifício. Provado apenas que o filho de D..., idoso dependente, e filha de utente J..., L..., colocado no piso superior solicitou por várias vezes a transferência deste para o rés-do-chão, o que nunca foi atendido. Provado que o pessoal de serviço afecto ao lar ia rodando com frequência. Provado apenas que os serviços da segurança social reconhecem que o lar em causa era não licenciado com funcionamento regular. Provado que a segurança social não obstante conhecer das condições de funcionamento dos lares que fiscalizava de entre eles o Lar ... não procedia ao seu encerramento caso não dispusesse de alternativa onde colocar os idosos a retirar do lar a encerrar. Provado que a segurança social por decisão datada de 29-05-1999 encerrou o Lar .... Provado que a falecida S... tinha à data do incêndio 82 anos de idade, caminhava pelo seu próprio pé. Provado que S... era uma pessoa alegre, feliz e com gosto pela vida. Provado apenas que o filho A... a visitava com regularidade. Provado que aquele lar era próximo da casa do demandante A.... Provado que a falecida ficou com várias costelas fracturadas, lesões traumáticas provocadas por manobras terapêuticas- massagem cardíaca externa . Provado que a falecida S... morreu por intoxicação de monóxido de carbono. Provado que, perante a perda da sua mãe, o filho tem vivido a pensar no sofrimento e na angústia por que aquela terá passado nos momentos precedentes à sua morte. Provado que tem vivido numa profunda consternação e enorme desgosto. Provado apenas que, ainda hoje, é com imensa tristeza que recorda a perda da mãe provocada pelo incêndio que ocorreu no lar onde vivia. Provado que havia uma única escada que ligava o rés-do-chão ao 1º piso o que impediu a saída dos idosos ai acamados e ou os que se deslocavam em cadeira de rodas. Factos não provados: Não provado que, em 22/08/1991, a Câmara Municipal de Sintra deliberou o indeferimento do uso como lar para 3ª idade. Não se provou que tendo comunicado tal decisão ao lºR. Não se provou que, em Janeiro de 1994, foi comunicado ao lºR. um novo parecer desfavorável ao licenciamento do lar. Não se provou que, em 1997, as condições de funcionamento do lar foram consideradas não satisfatórias pela Segurança Social. Não se provou que nunca houve uma vistoria técnica nem foi requerida a vistoria final para a emissão de licença. Não se provou que numa inspecção anterior dos bombeiros foi apontada a necessidade de observar as regras legais sobre o funcionamento de lares de terceira idade. Não se provou que o 1º R. nada fez para mudar as condições do lar desde que o adquiriu. Não se provou que o falecido A... sentiu, antes de morrer, horror por não se conseguir libertar, sentindo-se asfixiar com monóxido de carbono. Não se provou que o lar nunca foi objecto de qualquer contra-ordenação, nem qualquer sanção por parte da segurança social. Não se provou que o dimensionamento dos condutores e dos tubos eléctricos não tomaram em consideração as quedas de tensão admissíveis as correntes máximas e o aumento de consumo. Não se provou que o dimensionamento do quadro eléctrico não tinha em conta os efeitos térmicos e electromagnéticos da corrente de curto-circuito. Não se provou que não estava definido o poder de corte de aparelhagem e os esquemas dos quadros não indicavam o calibre de protecção e canalização e a identificação das áreas alimentadas por essa canalização. Não se provou que, na tomada eléctrica onde estava ligada a televisão que provocou o curto-circuito, estavam ligadas inúmeras outras tomadas eléctricas, em rede, num novelo de fios e sem que a instalação tivesse uma resistência de isolamento adequada pois não tinha corte do circuito eléctrico. Não se provou que não havia extintores. Não se provou que nenhum sistema de protecção anti-roubos foi adoptado pelo lar. Não se provou que os AA sabiam da ausência de licenciamento quando colocaram o falecido no lar. Não se provou que o ISSS não tem intervenção, nem aconselhou, a escolha do lar em apreço aos AAs. Não se provou que a vistoria técnica do estabelecimento não foi efectuada porque estavam a ser analisadas documentos com vista à concessão do alvará. Provado apenas que a escada de betão de acesso aos dois pisos tinha dois corrimões. Não se provou que o piso do lar foi várias vezes mudado, embora sempre no mesmo material- oleado – por ser facilmente lavável e anti-combustível médio. Não se provou que chegou a ser contratado um elemento da GNR reformado ou de licença para fazer vigias de noite. Não se provou que a GNR tinha informado não ter homens para garantir durante toda a noite a segurança do lar, tendo sido esta quem se lembrou da solução das grades. Não se provou que os bombeiros concordaram com a iniciativa de colocação de grades. Não se provou que após a sua colocação, nenhuma instituição que fez vistorias (bombeiros, segurança social e Câmara Municipal) fez qualquer objecção às mesmas. Não se provou que as grades podiam ser retiradas com alguma facilidade/em caso de sinistro. Não provado que nunca apresentaram qualquer queixa ou reclamação. Não se provou que os cadeados das duas portas ao lar podiam ser abertos por dentro e por fora foi exigida uma segunda escada nem a remoção das grades. Não se provou que nunca foi exigida uma segunda escada nem a remoção das grades. Não se provou que as paredes eram pintadas a tinta de água, e nos corredores o lambrim era pintado a tinta de óleo. Não se provou que as únicas paredes de compartimentação que não eram de tijolo eram, por exigência do ISSS, de alumínio. Não se provou que a tinta de óleo não é facilmente inflamável. Não se provou que havia sinalização luminosa com uma luz permanente em todas as saídas principais e secundárias. Não se provou que havia sinalização fotoluminiscente com indicação dos 8 extintores e sua categoria, colocados nos locais indicados pelos bombeiros. Não se provou que a tomada onde estava ligada a televisão era nova. Não se provou que no âmbito desse mesmo processo de licenciamento, os demandados e proprietários do Lar foram informados por aquele município das exigências técnicas e de segurança para a concessão do licenciamento e alvará e, consequentemente, informação sobre os requisitos legais de segurança e de utilização aplicáveis e exigíveis. Não provado que até 1997, as condições de funcionamento do lar foram consideradas como não satisfatórias pelos Serviços de Segurança Social. Não se provou que também pela porta de saída estavam impedidos de passar os utentes do referido lar. Não se provou que aos idosos que vieram a falecer no lar não foi prestada qualquer assistência médica ou de qualquer outra natureza. Não se provou que se encontravam mal alimentados, eram mal tratados, não eram lavados e eram objecto de maus tratos físicos e mesmo ameaçados de morte pelos funcionários e responsáveis do lar caso fizessem alguma queixa aos seus familiares. Não se provou que pediam para falar com os donos do lar ou com o técnico responsável ou até com o médico de serviço. Não se provou que nunca ninguém ligou ou deu seguimento aos seus pedidos e advertências. Não se provou que vários familiares dos utentes do lar chegaram a interceder junto dos serviços competentes da Segurança Social no sentido de saberem se o mesmo podia laborar beneficiários de idênticas comparticipações sociais. FACTOS PROVADOS RESULTANTES DA PROVA DOCUMENTAL. O interveniente A... é filho de S.... A falecida S... tinha, à data de sua morte, 82 anos de idade. Do relatório da segurança social, datado de 29 de maio de 2002, consta: “(…) foi deliberado o encerramento do Lar ..., a 27.05.1999, e determinado o seu encerramento por despacho de 31.05.1999” . Estabelecimento que, à data em que se extinguiu, tinha cerca de 25 anos de exercício de actividade nunca se ter licenciado. (…) Assim, em 1989 e 1990 é feita uma visita anual, para em 1991 se realizarem três visitas, em 1996 uma visita, em 1997 duas visitas, em 1998 uma visita, tendo sido simultaneamente enviados vários ofícios com orientações escritas. (…) Na realidade, apesar de lentamente e sem grande qualidade, o proprietário foi também correspondendo às solicitações de adequação, que lhe foram sendo feitas pelo Serviço, quer no que se refere às instalações, quer ao funcionamento. (…) Atendendo às melhorias introduzidas ao longo dos anos pelo proprietário, na realidade o percurso do estabelecimento foi sempre progressivamente positivo, não tendo a equipa técnica que o acompanhava, tendo em conta o conhecimento de outras situações muito mais gravosas, ponderando a elaboração de uma proposta de encerramento. Pelo contrário, a mais valia das melhorias introduzidas e das adequações feitas, foram de molde a que o estabelecimento fosse considerado com um funcionamento satisfatório em 1998, sempre comparativamente claro ao parque de equipamentos conhecido e às suas características.” Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, que confirmou a decisão da primeira instância, o R. I... foi condenado na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de crime de um homicídio por negligência. Do referido Acórdão consta como provado: 1-Pelo menos, a partir 1 de Dezembro de 1984, o arguido passou a explorar comercialmente e a gerir o Lar ... situado na Rua José Sampaio e Castro em Mem Martins. 2-Com data de 13 de Novembro de 1984, o arguido subscreveu declaração-contrato de arrendamento provisório para fim comercial-Lar de Terceira ldade. 3-Nos termos deste contrato os senhorios comprometeram-se a diligenciar junto da Câmara Municipal pela aprovação do edifício para o referido fim comercial – Lar de Terceira Idade. 4-Nos termos do referido contrato, logo que obtido o deferimento pela Câmara Municipal da referida autorização os proprietários comprometeram-se a celebrar a escritura pública de arrendamento comercial. 5-No dia 15 de Maio de 1999, após a meia - noite, deflagrou um incêndio no Lar ... do qual resultou a morte devido a intoxicação por monóxido de carbono de oito idosos, A..., A..., D..., H..., M..., M..., R... e S... 6-Posteriormente veio a falecer no Hospital Amadora – Sintra em 6 de Junho de 1999, M..., vítima de queimaduras de 2º grau na face e de lesões igualmente por inalação de monóxido de carbono, causa da sua morte. 7-A... sofreu queimaduras de 2º grau na face, pescoço e mão e lesões por inalação de fumos tóxicos, tendo sido submetido a um enxerto em placa na região frontal e pescoço. 8-M... sofreu lesões por inalação de fumos. 9-O referido incêndio teve origem no televisor da sala do piso superior do Lar ..., cuja causa concreta não foi possível determinar. 10-Encontravam-se nesse momento no lar vinte idosos, alguns deles dependentes, e uma funcionária auxiliar do lar, com a categoria de vigilante, de nome M.... 11-Esta funcionária encontrava-se no piso superior, ouviu um estrondo, procurou saber a sua origem, no local onde se encontrava a televisão. 12-Atrás do móvel onde se encontrava a televisão existiam uns cortinados e atrás destes um monte de roupa em cima de uma mesa. 13-Os cortinados atrás da televisão estavam a arder. 14-Então esta funcionária L... decidiu descer ao rés-do-chão e desligou o quadro da electricidade. 15-De imediato foi ao exterior ao seu automóvel buscar uma lanterna e regressou ao interior do lar de onde chamou telefonicamente os bombeiros. 16-Já não conseguia deslocar-se ao primeiro andar em virtude da intensidade do fumo e por ouvir estilhaços a saltar. 17-Enquanto os bombeiros não chegavam foi socorrer alguns utentes do lar que se encontravam no rés- do -chão. 18-Esta funcionária não tentou extinguir o incêndio logo que chegou junto da televisão através da utilização de extintores existentes no local. 19-Quando os bombeiros chegaram ao local do incêndio, poucos minutos depois de terem recebido a chamada da funcionária do lar, constataram que o incêndio se localizava no primeiro andar do edifício, na sala que antecede os quartos, e que o mesmo progredia para a zona dos quartos, tendo igualmente constatado que no rés-do-chão do edifício não existia ainda muito fumo. 20-Quando os bombeiros chegaram ao Local encontravam-se já na rua quatro idosos residentes no rés- do- chão. 21-Os bombeiros retiraram mais cinco idosos do rés- do- chão, sendo que uma idosa se encontrava no corredor, encaminhando-se para a saída. 22-Do primeiro andar os bombeiros retiraram onze vítimas, sendo oito mortais, por inalação dos fumos altamente tóxicos – monóxido de carbono, provenientes sobretudo da combustão dos componentes do televisor. 23-As maiores dificuldades sentidas pelos bombeiros no combate ao incêndio e socorro e resgate das vítimas utentes residentes no sótão, na sua maioria dependentes, residiu no facto de existir uma única escada de acesso ao sótão a qual desembocava na sala onde o incêndio teve inicio e assumiu maiores proporções, aliado ao facto de todas as janelas e porta do edifício se encontrarem gradeadas. 24-A data do incêndio o edifício onde funcionava o Lar ... padecia das seguintes deficiências quanto à segurança contra incêndios: -ausência de via de evacuação alternativa ao acesso principal ao piso superior; -todas as portas e janelas gradeadas; -utilização de materiais facilmente combustíveis ao nível do forro decorativo que separa o espaço habitável da asna da cobertura e de algumas paredes de compartimentação –placas de contraplacado compostas por cartão e apatite prensados. colas e resinas, para além de esferovite; -pintura das paredes e forro com tinta de óleo, facilmente inflamável; -ausência de elementos de compartimentação corta fogo; -ausência de sistema automático de detecção de incêndios; - ausência de sistema automático de extinção de incêndios: -ausência de sistema de sinalização acústica e luminosa, as quais foram determinantes para a rápida progressão do incêndio e dos fumos tóxicos e das correntes de ar quente, bem como das dificuldades sentidas pelos bombeiros na intervenção e no socorro às vitimas. 25-O período que mediava entre as 18 boras de um dia e as 8 horas do dia seguinte permanecia no lar apenas uma empregada entre as 18h e as 00Horas, a qual foi rendida por outra empregada a partir das 00h até às 8H. 26-A propagação do incêndio inicialmente verificada por convexão, foi facilitada pelos combustíveis em presença constituídos por forros em contraplacado (compostos de aparite e cartão prensado, colas e resinas) e esferovite, pintados a tinta de óleo, facilmente destruídos face a uma fonte de calor, o que possibilitou que as correntes de ar quente, constituídas por fumos negros e espessos, característicos das matérias plásticas e ou derivados, progredissem rápida e livremente, afastando-se do foco principal do incêndio, para as zonas dos quartos, não compartimentadas com elementos corta-fogo, acabando assim por preencher os espaços vazios, reduzindo drástica e rapidamente a percentagem de oxigénio face ao aumento significativo de monóxido de carbono que atingiu níveis letais. 27-Para esta situação contribuiu decisivamente o facto de os utentes instalados naquele piso terem grandes dificuldades de mobilidade que não lhes permitiu sequer tentar qualquer hipótese de fuga ou proceder à abertura das janelas para ventilação do espaço. 28-Ficaram vitimados, nesse piso superior, quatro utentes nas várias camas, três no chão junto às mesmas e só um logrou sentar-se numa cadeira de rodas. 29-Foram encontrados dois aparelhos extintores que não foram utilizados em primeira intervenção. 30-Em 1983 os serviços da Segurança Social emitiram – parecer em que apontaram, além do mais: -inadequação do forro dos tectos em cartão prensado; -pavimento com três a quatro camadas de revestimentos com oleados. 31-O Arguido nunca substituiu os forros de cobertura do piso superior, que manteve tal qual se encontravam após assumir a sua gerência em 1984. 32-Em 9 Maio de 1984 os Bombeiros Voluntários de Algueirão – Mem Martins em auto de vistoria verificaram a instalação de extintores em número suficiente dadas as condições do edifício e conforme indicação anterior dos Bombeiros e ter sido requisitada pela proprietária do lar a instalação de uma boca de incêndio, concluindo nesse auto de vistoria, apesar de haver outras alterações a efectuar, pela reunião de condições mínimas de segurança contra incêndios para poder funcionar. 33-Em Agosto de 1991 o arguido procedeu à colocação de grades em todas as janelas e porta da moradia onde funcionava o lar. 34-Fê-lo para salvaguarda das pessoas e bens nele residentes, receando assaltos e actos de vandalismo no recinto do Lar, o que já havia sucedido pelo menos uma vez. 35-As grades impediam quer a entrada, quer a saída de pessoas por tais janelas. 36-As grades não impediam a abertura das janelas pelo lado de dentro para arejamento dos espaços. 37-Estas grades estavam fixadas nas paredes através de quatro pontos e reforçadas a meio. 38-Estas grades não podiam ser retiradas com um puxão projectado pelo exterior, designadamente pelos Bombeiros para socorro e transporte de vítimas. 39-Em 1993 os Bombeiros Voluntários de Alcoitão em Mem Martins procederam a vistoria ao Lar ..., emitindo parecer favorável datado de 6/1/1993 ao seu normal funcionamento com tal finalidade por considerar que foram ou estavam a ser implantadas as condições previstas na última vistoria e possuir naquela data as condições mínimas ao nível de segurança para os respectivos fins. 40-Na fiscalização anterior os bombeiros haviam recomendado que a bilha de gás que se encontrava na cozinha passasse para o exterior do edifício; que se procedesse ao alargamento do portão de entrada da quinta para permitir o acesso dos bombeiros que fossem colocados extintores de incêndios em locais estratégicos e que se colocassem luzes de emergência. 41-Em 8 de Junho de 1995, o Centro Regional de Segurança Social e Vale do Tejo, no Parecer técnico n 20/ 95, concluiu que o Lar ... reunia na globalidade as condições técnicas previstas no despacho normativo 67/ 89 de 26 de Julho atribuindo-lhe uma lotação de 30 (trinta) utentes. 42º-Até à data do incêndio, o arguido não havia obtido a Licença de utilização para fim comercial a conceder pela Câmara Municipal de Sintra, nem o alvará de autorização de funcionamento como Lar de Terceira Idade a conceder pelos competentes Serviços da Segurança Social Portuguesa. 43º-O arguido, desde 1984, até à data do incêndio foi diligenciando junto as competentes entidades pela obtenção dos documentos, pareceres e autorizações de que dependia a obtenção dessa licença e alvará. 44º-O encadeado de documentos e entidades a que recorrer tornava o processo de obtenção de tais licença alvará extremamente burocrático. 45º-Com data de 22 de Dezembro de 1998, o arguido havia reiniciado o processo de pedido de alvará de autorização de funcionamento como Lar de terceira idade junto dos serviços da segurança social portuguesa. 46º-Anteriormente a esta data, estes serviços haviam indeferido por duas vezes idênticos pedidos formulados pelo arguido. 47º-Por deliberação de 4 de Setembro de 1995, a Câmara Municipal de Sintra aprovou o pedido de alterações visando a mudança de utilização de habitação para lar de terceira idade. 48º-Os respectivos requerentes – os senhorios do arguido – notificados desta deliberação nunca procederam ao levantamento da licença de construção e consequente e subsequentemente não requereram a vistoria final para emissão da necessária e devida licença de utilização. 49º-O arguido também não procedeu ao seu levantamento e pagamento pois que àquela data não tomou conhecimento dessa decisão. 50º-Os familiares de A..., designadamente A..., alertaram o Lar ..., na pessoa das suas funcionárias, mormente perante a enfermeira M..., para o risco de ocorrência de um incêndio no lar e as suas eventuais dramáticas consequência face à composição dos tectos do sótão e à existência de grades em todo o edifício. 51º-Estes solicitaram a transferência de A... para o rés-do-chão, o que não foi atendido. 52º-O filho de D... idoso dependente colocado no piso superior igualmente solicitou, por várias vezes, a transferência deste para o rés- do- chão, o que nunca foi atendido. 53º-A filha do utente J..., L..., fez igual pedido nunca atendido. 54º-Os bombeiros voluntários que se deslocavam ao Lar ... para transporte de doentes chamavam a atenção das funcionárias do Lar para a necessidade da colocação dos idosos acamados no rés-do-chão. 55º-Dentro das disponibilidades era permitido aos utentes e seus familiares indicar os quartos e as camas onde tinham preferência que ficassem os idosos. 56º-Porém, a gerência era quem decidia do local da efectiva colocação dos idosos e os transferia de quarto ou de piso, mormente dos acamados. 57º-A instalação eléctrica do lar ... foi revista em 1995, tendo sido instalado o sistema de calha para protecção e passagem de toda a instalação eléctrica. 58º-No Lar, à data da def1agração do incêndio, existiam pelo menos quatro extintores. 59º-Alguns utentes diziam aos seus familiares que eram deixados sozinhos, à noite, no Lar. 60º-À data dos factos, o arguido havia reiniciado processo de concessão de alvará junto da Segurança Social, com data de 22 de Dezembro de 1 998. 61º-Não instruiu o referido processo com projecto de Segurança contra riscos de incêndio. 62º-Juntou ao seu requerimento o «Parecer» subscrito pelo Comandante Voluntários de Mem Martins datado de 1 993. 63º-À data do incêndio, o Lar ... oferecia um nível modesto de qualidade de serviços, no que respeita à limpeza e asseio das instalações, higiene dos doentes e suas camas e alimentação servida. 64º-À data do incêndio, a maioria dos Lares de Idosos – cerca de 90% não se encontravam devidamente licenciados. 65º-A Segurança Social Portuguesa tinha uma classificação interna dos lares como licenciados e não licenciados e, de entre estes, como lares com boas ou com más condições de funcionamento. 66º-O Lar ... encontrava-se classificado como lar não licenciado com funcionamento regular. 67º-A segurança social portuguesa disponibiliza aos contribuintes uma listagem dos lares licenciados e dos não licenciados com bom funcionamento para onde poderiam ser encaminhados os idosos. 68º-A Segurança Social Portuguesa comparticipava as mensalidades devidas aos Lares pelos cuidados prestados aos idosos que para ai eram remetidos e que demonstrassem reunir as condições para beneficiarem de tal prestação social. 69º-A... beneficiava deste apoio social. 70º-A Segurança Social Portuguesa não obstante conhecer as condições de funcionamento dos lares que fiscalizava de entre eles o Lar ..., não procedia ao seu encerramento caso não dispusesse de alternativa onde colocar os idosos a retirar do lar a encerrar. 71º-O Serviço local (Sintra) da Segurança Social Portuguesa procedia a fiscalizações ao Lar ..., das quais resultavam relatórios e pareceres, com recomendações ao R I..., que este, ao longo dos anos, foi acatando parcialmente. 72º-No registo a fiscalização efectuada, em 21 de Outubro de 1998, documentou-se a laboração com vinte utentes. 73º-Apontou-se como deficiências, além do mais: camas a mais para os espaços disponíveis; gabinete de saúde demasiado pequeno; médico não regista nos processos; há humidade nas paredes e tectos com esfarelamento; há quartos de passagem, já camas colocadas em espaços que não têm pé direito; borrões de tinta verde garrafa de alguns tectos para encobrir o sujo e as manchas, concluindo-se que todo o lar tem aspecto de estar a degradar-se. 74º-O Lar... proporcionava um ambiente familiar aos seus utentes. 75º-O arguido, enquanto gestor e responsável pelo funcionamento do lar estava especialmente obrigado a zelar pelo bem- estar e segurança dos utentes, que sabia serem pessoas idosas, indefesas e dependentes de terceiros – o arguido e os seus funcionários do Lar. 76º-Esta obrigação decorria do contrato lucrativo que assumiu para com os idosos e seus familiares ainda que alguns beneficiassem de comparticipação monetária por parte da Segurança Social Portuguesa. 77º-Decorria igualmente da confiança que sobre si depositaram os idosos e os seus familiares de que as suas vidas seriam postas a salvo de perigos. 78º-O arguido tinha perfeita consciência das obrigações que aceitara cumprir e podia ter prevenido o resultado da sua incúria, porquanto não desconhecia que o primeiro andar do seu Lar encontrava-se forrado de materiais altamente inflamáveis e tóxicos – placas de contraplacado compostas, além do mais de aparite e cartão prensado, colas, resinas e esferovite, estando todo o edifício do Lar gradeado, não dotado de qualquer via alternativa de saída de evacuação de emergência, com a maioria dos idosos dependentes a residir nesse primeiro andar e à noite dependentes de uma única Funcionária auxiliar do lar, sem conhecimentos e formação para agir em caso de emergência, mormente de incêndio. 79º-O arguido conhecia o perigo de incêndio que emanava dos materiais inflamáveis e tóxicos existentes no primeiro andar, este piso não dotado de sistema (portas) corta-fogo e repartido através de simples divisórias de alumínio e contraplacado (aparite e cartão prensado, colas e resinas), da colocação dos idosos mais dependentes a residir nesse piso I sótão (deixando o rés do chão maioritariamente para os idosos com mobilidade), pelo abandono dos idosos durante a noite aos cuidados de uma única funcionária auxiliar, sem conhecimentos para manusear um extintor de incêndios, estando todas as janelas e porta de edifício gradeadas, e da previsibilidade da ocorrência de um incêndio, que pode ocorrer em qualquer residência ou lar, evento previsível em qualquer local onde existam e funcionem quotidianamente aparelhos e instalações eléctricas. 80º-Não obstante, não diligenciou pelas condutas adequadas ao afastamento de tais perigos, designadamente: não colocando ou (retirando, ainda que parcialmente (em algumas janelas do piso superior), as grades que havia colocado em 1991, de modo a garantir uma alternativa de acesso/ saída desse piso superior; substituindo os forros dos tectos do 1º andar/ sótão; colocando os idosos dependentes e com grandes dificuldades de mobilidade no rés do chão em vez de no 1ºpiso compartimentando os quartos de modo a evitar uma fácil propagação dos fumos de ar quente e tóxico e mantendo acompanhados os idosos durante a noite pelo menos por uma funcionária do Lar por cada piso. 81º-Este comportamento omissivo do arguido conduziu à morte dos nove idosos falecidos. 82º-Na verdade a não dotação pelo arguido do funcionamento nocturno do seu lar com pelo menos um funcionário por piso, impedindo que aquele que estivesse encarregado de assegurar o bom funcionamento do piso superior tivesse de imediato o extintor e desde logo debelando o incêndio e os fumos tóxicos que constituíam os forros do tecto do sótão – feitos de placas de contraplacado, compostas, além do mais, de aparite e cartão prensado, colas e resinas. 83º-A inexistência deste funcionário impossibilitou igualmente este através da utilização da saída alternativa de emergência, caso o arguido tivesse provido o lar com uma, ou das existentes escadas interiores do lar, após extinguir ou aplacar o incêndio com o exterior, de retirar os ou alguns dos idosos deste piso. 84º-A não colocação pelo arguido dos utentes idosos com mobilidade reduzida no piso inferior impediu a funcionária auxiliar de lar do respectivo piso de os auxiliar a sair do interior do lar e de os salvar. 85º-Por seu lado a não opção de colocação dos idosos com mobilidade não reduzida no piso superior impediu a sua saída do Lar pelos seus meios ou com o auxilio do funcionário de lar do respectivo piso, pela saída alternativa de emergência caso o arguido tivesse provido o Lar com uma, ou pelas existentes escadas interiores do lar caso tivesse conseguido extinguir ou mitigar o incêndio com o extintor. 86º-A não opção de colocação dos idosos com mobilidade reduzida no piso inferior e dos idosos com mobilidade não reduzida no piso superior impediu o salvamento dos falecidos, uma vez que tendo os bombeiros chegado rapidamente ao local, igualmente de forma célere terminariam as tarefas de extinção do incêndio e salvamento dos idoso, sem ocorrência de óbitos. 87º-O gradeamento de todas as janelas do edifício onde funcionava o lar, decidido pelo arguido, impediu os bombeiros voluntários, que rapidamente chegaram ao local, de irromperam imediatamente pelo primeiro andar através das mesmas e de dali retirarem os idosos. 88º-A inexistência de uma via alternativa de evacuação, saída de emergência, mormente uma escada exterior a partir do piso superior/sótão impediu os bombeiros de, através da mesma retirarem os idosos, bem como impediu estes, pelo menos os de mobilidade não reduzida de saírem pelos seus meios para o exterior. 89º-A inadequação dos materiais altamente inflamáveis e tóxicos, em contraplacado ou seja em cartão prensado, apatite e colas e resinas, pintado a tinta de óleo e a inexistência de portas corta-fogo e compartimentação através de alvenaria, facilitou a progressão dos rolos de fumos tóxicos que rapidamente preencheram os espaços vazios, chegando aos quartos e às vias respiratórias dos idosos que os inalaram, ficaram altamente intoxicados e vieram a falecer. 90º-A omissão dos comportamentos adequados por parte do Arguido, descrito nos pontos anteriores, foi causa adequada, ocorrido o facto previsível incêndio num edifício dotado de aparelhos e instalações e eléctricas “ da morte dos idosos por inalação de monóxido de carbono. 91º-A adopção dos supra descritos comportamentos adequados por parte do arguido teria evitado a morte dos nove idosos. 92º-O arguido podia e devia ter previsto a possibilidade de ocorrência de um incêndio com origem eléctrica nas suas instalações de lar de Terceira Idade, pois que em relação a esta ocorrência estava obrigado a prevenir as instalações do Lar que geria. 93º-O arguido podia e devia ter previsto, perante a ocorrência de um incêndio, a evidente possibilidade de morte de idosos, de saúde debilitada, dependentes e sem mobilidade colocados no piso superior/sótão do Lar ..., cujo tecto era forrado de materiais altamente inflamáveis e tóxicos – contraplacados ou seja, e aparite e cartão prensado com colas e resinas, pintadas a tinta de óleo e cujas janelas e portas estavam todas elas gradeadas, onde apenas existia uma escada interior de evacuação dos residentes nesse piso superior, encontrando-se vinte utentes durante a noite ao encargo somente de uma funcionária auxiliar do lar. 94º-Porém, o arguido não representou tais possibilidades de ocorrência de um incêndio com origem eléctrica e do provável e possível resultado morte de utentes do seu lar, mormente dos debilitados por mobilidade reduzida e residentes no piso superior/sótão, sem qualquer outra via de evacuação pelos próprios meios ou mesmo pelos meios de socorro dos bombeiros, também impedidos pelas grades de evacuarem de imediato esses idosos. 95º-Agiu, assim, com desrespeito pelas mais elementares regras de prudência de um gestor e responsável por um Lar de Idosos. III-O DIREITO. Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição do tribunal as questões que importa apreciar são as seguintes: A)Recurso do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP 1-Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do instituto público, supra identificado. 2-Danos não patrimoniais. 1-O Tribunal a quo julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por omissão da prática de actos devidos no exercício da função administrativa e condenou o ISSS, IP numa indemnização a favor dos familiares dos utentes falecidos, do Lar .... O ISSS, IP entende que tais pressupostos não de se verificam, desde logo o facto ilícito. Vejamos: Nos termos do art.º 483.º do Código Civil: “1 - Aquele que, em dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 - Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.” Há ainda a considerar o disposto no art.º 486.º do Código Civil que estabelece: “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou de negócio jurídico a obrigação de praticar o acto omitido.” In casu, há ainda a considerar o estabelecido no art.º 7.º da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro. “1.O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”… 3.O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titulares de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam atribuídos a um funcionamento anormal do serviço. 4.Existe anormal funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação susceptível de evitar os danos produzidos.” À data dos factos, a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas encontrava-se regulada pelo D.L. 48.051 de 21/11/67 que no seu art.º 6.º referia: “para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.” Decorre do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual que são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: (i)O facto (ii)A ilicitude (iii)A imputação do facto ao lesante, (iv)O dano (v)O nexo de causalidade entre o facto e o dano. Importa então averiguar se ao Centro Regional de Segurança Social e actualmente ISSS, IP era legalmente exigível outro comportamento e saber se foi a falta desse comportamento que causou os danos que vieram a produzir-se. À data dos factos, o regime do licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e de estabelecimentos em que sejam exercidas actividades de apoio social no âmbito da segurança social estava regulado pelo D.L. 133-A/97, em vigor a partir de 1/07/1997. Estabelece o art.º 6.º n.º1 do D.L. 133-A/97 que “nenhum estabelecimento pode iniciar a sua actividade sem se encontrar licenciado”. Porém, e no que interessa ao caso concreto, dispõe o art.º 47.º daquele diploma legal sob a epígrafe “adequação dos estabelecimentos existentes”: “1-Os estabelecimentos que se encontrem em funcionamento à data da entrada em vigor do presente diploma, ainda que detentores de alvará, devem adequar-se às condições estabelecidas neste Decreto-Lei e demais legislação aplicável. 2-Nos diplomas previstos no artigo anterior poderão ser estabelecidas condições especiais e transitórias de adequação dos estabelecimentos referidos no n.º 1, no prazo que nos mesmos for fixado. 3-A aprovação pelo centro regional dos planos de adequação dos estabelecimentos é equiparada à autorização provisória de funcionamento prevista no artigo 19.º. 4-Findo o prazo de 90 dias após a entrada em vigor dos diplomas referidos no artigo 46.º, ficam sujeitas à aplicação das sanções previstas neste diploma: a)As entidades proprietárias cujos estabelecimentos não se adequem às condições legalmente estabelecidas nem apresentem o necessário plano de adequação; b)As entidades proprietárias dos estabelecimentos que não sejam detentoras do alvará e que não o requeiram ou não instruam devidamente o pedido. 5-Ficam igualmente sujeitas à aplicação das sanções ou da medida de encerramento previstas neste diploma as entidades proprietárias cujo plano de adequação não seja aprovado ou não seja executado nas condições e prazos estabelecidos.” O art.º 19.º do referido diploma legal permitia uma autorização provisória de funcionamento para os estabelecimentos que não tivessem condições técnicas de funcionamento, válida pelo prazo de 180 dias e prorrogável por uma só vez. No caso de não serem satisfeitas as condições especificadas na autorização provisória, no prazo definido na lei, então será indeferido o pedido de licenciamento (n.º3 do art.º 19.º) O Despacho Normativo 12/98, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 25 de Fevereiro de 1998, aprovou as Normas Reguladoras das Condições de Instalação e Funcionamento dos Lares para Idosos abrangidos pelo Decreto-Lei 133-A/97, de 30 de Maio, e determinou: “Ao abrigo do artigo 46.º do Decreto-Lei 133-A/97, de 30 de Maio, determino o seguinte: É prorrogado por mais 180 dias o prazo referido no n.º 1 da norma XIX das Normas Reguladoras das Condições de Instalação e Funcionamento dos Lares para Idosos, aprovadas pelo Despacho Normativo 12/98, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 25 de Fevereiro de 1998. Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 26 de Junho de 1998”. O prazo de que dispunha o Réu I... para apresentar o plano de adequação nos termos do art.º 19.º do DL 133-A/97, já estava esgotado, à data em que ocorreu o sinistro que vitimou os familiares do Autores. De qualquer modo, esse plano de adequação, exigível mesmo para os estabelecimentos detentores de alvará, não dispensa, cremos, a existência da autorização provisória de funcionamento, sem o que estamos na previsão do art.º 6.º n.º1 segundo o qual “ nenhum estabelecimento pode iniciar a sua actividade sem se encontrar licenciado”. Ora, no caso em apreço, o Lar de idosos ... estava a funcionar há mais de 25 anos, sempre sem alvará para exercer tal actividade, não obstante ter sido pedido várias vezes, a última das quais em Dezembro de 1998, a qual não chegou a obter despacho antes da data do incêndio. Entre o mais que se provou, destaca-se o facto de a segurança social, não obstante conhecer as condições de funcionamento dos lares que fiscalizava, entre eles o Lar ... não procedia ao seu encerramento, apesar da ausência de licenciamento, caso não dispusesse de alternativa onde colocar os idosos. Destaca-se ainda o facto de o lar em apreço estar a ser acompanhado pela segurança social através de uma permanente fiscalização, entrevistas com o proprietário com vista ao melhoramento de condições, orientações técnicas. Ora este facto, em vez de ilidir a culpa do ISSS, IP, cremos que a agrava, na medida em que a Segurança social perfeitamente conhecedora das deficientes condições em que funcionava o lar, manteve-o em funcionamento e só decidiu encerrá-lo, poucos dias após a tragédia, ou seja, em 29 de maio de 1999. Na verdade, fiscalizando o lar, não podia o Réu desconhecer o perigo que para os respectivos utentes constituía a existência de materiais facilmente combustíveis ao nível do forro, a pintura a tinta de óleo facilmente inflamável que cobria paredes e forro, a existência de grades nas portas e janelas, a inexistência de compartimentação corta fogo, etc, tal como vem supra descrito na matéria de facto provada. Competia, pois ao Réu, no âmbito das funções que lhe estão atribuídas por lei, ou determinar o encerramento imediato do lar ou providenciar para que tais factores de risco fossem removidos de forma a prevenir os efeitos gravosos de eventual sinistro que viesse a surgir, como efectivamente veio a ocorrer. Não há dúvida de que o comportamento omissivo do Réu – ISSS, IP conduziu à morte dos idosos falecidos. Estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, tal como foi decidido na sentença da 1.ª instância. Improcedem, as conclusões de recurso do Apelante, a este respeito. 2-O Apelante ISSS, IP defende nas suas conclusões que dos factos que ficaram provados “não se pode concluir que os Autores e interveniente tenham sofrido danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito”. Estabelece o art.º 496.º do Código Civil que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No caso em apreço, o falecido A... era marido e pai dos Autores e a falecida S... era mãe do Interveniente A.... Ambos faleceram em consequência do trágico incêndio ocorrido no lar de idosos em que se encontravam, em 15 de maio de 1999. Ficou provado que a morte de A... causou uma depressão profunda e desgosto aos Autores, sentindo tristeza, solidão e angústia pela mesma. Provou-se que “ainda hoje [à data do julgamento] choram quando pensam no pai e marido e no sofrimento pelo qual terá passado ao morrer.” Quanto ao filho da falecida S..., provou-se que tem vivido numa profunda consternação e enorme desgosto e ainda que “é com imensa tristeza que recorda a perda da mãe provocada pelo incêndio que ocorreu no lar em que vivia”. Cremos que efectivamente, a matéria provada é suficiente para se poder concluir, como se conclui, pela gravidade dos danos morais sofridos pelos familiares das vítimas, em consequência da morte destas, considerando, por um lado, a proximidade do parentesco e, por outro lado, as condições trágicas em que ocorreu o decesso. Não há dúvida de que tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. Improcedem, também a este respeito, as conclusões do Apelante. B)Recurso do ESTADO. Responsabilidade civil extracontratual do Estado. Na sentença recorrida entendeu-se estarem verificados os pressupostos para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual solidária dos réus ISSS e Estado português, com base no disposto nos art.º 483.º e 486.º do CC e art.º 7.º da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, por omissão da prática de actos devidos no exercício da função administrativa. Entendeu-se que o dever de indemnizar por parte do Estado se funda no facto de os serviços da Segurança Social estarem na dependência do Ministério da Solidariedade e Segurança Social e, actualmente, o ISS exercer a sua actividade sob a tutela e superintendência do Ministério do Trabalho e Solidariedade. O ESTADO discorda deste ponto de vista e entende que para assim se concluir teria de se saber quais os deveres de fiscalização que recaíam sobre o Estado e que foram omitidos. E, argumenta, a verdade é que nem o Ministério da Solidariedade e Segurança Social, á data dos factos, nem actualmente o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, detêm qualquer poder de fiscalização sobre os lares de idosos ou quaisquer outros equipamentos de idêntico cariz social. Já que tais poderes cabiam, à data dos factos, ao Centro Regional de Segurança Social e actualmente ao ISSS que lhe sucedeu, entidades dotadas de personalidade jurídica, capacidade judiciária e património próprio, o qual responde pelas eventuais indemnizações em que venha a ser condenado. E continua: “Sendo os Centros Regionais de Segurança Social e o ISSS pessoas colectivas distintas do Estado, a admitir-se que os poderes de tutela do Estado significam poderes de fiscalização hierárquica sobre os mesmos, estaria a admitir-se que Estado se pode sobrepor a tais pessoas colectivas públicas e a esvaziar as competências próprias dos mesmos, no âmbito da autonomia administrativa e financeira com que foram dotados. Não tendo o Estado quaisquer poderes hierárquicos sobre o Centro Regional de Segurança Social e sobre o ISSS, não é responsável pela prática de qualquer acto ilícito ou por qualquer omissão ilícita de acto gerador de responsabilidade civil, porque nenhum acto de fiscalização se impunha que praticasse. Não podendo, por isso, ser condenado pela omissão ilícita de acto gerador do dever de indemnizar.” Importa, pois apreciar a questão de saber se a natureza jurídica do ISSS de instituto público, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, dotado das competências previstas nos respectivos estatutos, aprovados pelo D. L. n.º 316-A/2000 de 7 de Dezembro, implica que o Estado nenhuma responsabilidade tem no incumprimento das atribuições desse mesmo instituto público. O Decreto-Lei nº 316-A/2000, de 7 de Dezembro, veio, no seu artigo 1º, aprovar os Estatutos do ISSS, publicados em anexo ao diploma, e extinguir o Centro Nacional de Pensões e os centros regionais de segurança social (artigo 2º). O ISSS é definido como “uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a natureza de instituto público” (artigo 1º dos Estatutos). O ISSS está sujeito a tutela e superintendência do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (artigo 2º dos Estatutos), sendo o seu regime jurídico o de direito público. O ISSS tem por objecto a gestão das prestações do sistema de solidariedade e segurança social em conformidade com as atribuições do artigo 4º dos Estatutos. O ISSS desenvolve as suas atribuições e competências através dos seguintes órgãos: o conselho directivo, o conselho consultivo, a comissão fiscalizadora e os conselhos consultivos distritais de solidariedade e segurança social (artigo 5º dos Estatutos). Os membros do conselho directivo são nomeados por Despacho do Primeiro Ministro, sob proposta do ministro da tutela (nº 2 do artigo 6º dos Estatutos) o mandato tem a duração de três anos, e é-lhes aplicável o estatuto dos gestores públicos (nº 3 do artigo 6º dos Estatutos). Os institutos públicos fazem parte do elenco das pessoas colectivas de direito público, e são dotados de personalidade jurídica e de órgãos e património próprios, com autonomia administrativa e financeira. As pessoas colectivas de direito público fazem, assim, parte da administração indirecta do Estado, e são especialmente incumbidos da prossecução de um ou mais objectivos, que o Estado entende não dever assumir, em cumprimento do princípio constitucional da descentralização. Porque dotados de personalidade jurídica e de órgãos e património próprios, não se confundem com a pessoa colectiva de direito público que é o Estado. Tal não significa que não exista uma relação entre o Estado e as várias pessoas colectivas de direito público, até porque é ao Estado que cumpre a coordenação ( política) entre as várias pessoas colectivas de direito público e a definição, de entre as opões políticas governativas , para cada um desses institutos, dos objectivos que cada um deve prosseguir. Note-se que o art.º 199.º d) da Constituição da República Portuguesa que distingue as competências do Governo, relativamente à administração directa e indirecta do Estado, atribui ao Governo a direcção sobre a administração directa do Estado e a superintendência e tutela sobre a administração indirecta do Estado e a tutela sobre a administração autónoma. Qual o conteúdo destes poderes de direcção, por um lado, e de superintendência e tutela, por outro? O poder de direcção consiste em emanar ordens podendo estas ser directivas relativas a um caso concreto quer instruções para casos futuros, não individualizados ou abstractos. Já a tutela administrativa se pode definir como “o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma – autorizando ou aprovando os seus actos, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais - , no intuito de cooordenar os interesses próprios da tutela com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar”. Note-se que a tutela pressupõe a existência de duas pessoas colectivas diferentes e pressupõe a autonomia da tutelada. A tutela administrativa no nosso Direito pode revestir várias formas: (i) tutela correctiva (ii) tutela inspectiva (iii) tutela substitutiva. Diz-se tutela correctiva quando tem por objecto corrigir os inconvenientes que possam resultar do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados. Essa correcção exerce-se sobre o mero projecto de acto submetido á autorização do órgão tutelar (tutela a priori), ou sobre a resolução já tomada, mas cuja executoriedade depende da obtenção da aprovação, expressa ou tácita, do órgão tutelar (tutela a posteriori). A tutela é inspectiva quando consiste no poder de fiscalizar os órgãos e os serviços da pessoa colectiva, para o efeito de promover a aplicação de sanções contra as ilegalidades ou a má gestão. Finalmente a tutela é substitutiva ou supletiva quando o órgão tutelar tem o poder de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando em vez dele os actos que contra expressa imposição legal não hajam sido produzidos na ocasião determinada. Contudo, os poderes de tutela administrativa não se presumem. Os actos de uma pessoa colectiva só estão sujeitos à tutela, nos termos expressamente fixados na lei. Importa, assim, averiguar se os actos aqui em apreço - licenciamento e encerramento de lares de terceira idade - estão sujeitos a qualquer das formas de tutela supra identificados. À data dos factos, as competências de acompanhamento e fiscalização dos Lares de idosos ou de outros estabelecimentos privados de cariz social estavam atribuídas aos Centros Regionais de Segurança Social. Aos Centros Regionais de Segurança Social competia a concessão de licenças para o funcionamento dos estabelecimentos bem como a decisão de encerramento dos mesmos, conforme estabelecido no Decreto –Lei n.º 133-A/97 de 30 de maio. Vejamos, porém, o que estabelece o art.º 5.º do referido diploma legal: “Os estabelecimentos referidos nos artigos anteriores ficam sujeitos à inspecção e fiscalização dos serviços competentes do Ministério da Solidariedade e Segurança Social”. Podemos, pois, retirar a conclusão de que, não obstante as competências de acompanhamento e fiscalização dos lares de idosos estarem atribuídas aos Centros Regionais de Segurança Social, estes estavam ainda assim sujeitos à tutela inspectiva por parte do Ministério da Solidariedade e Segurança Social. Não é assim exacta a conclusão do Ministério Público segundo a qual, “nem o Ministério da Solidariedade e Segurança Social, à data dos factos, nem o Ministério do Trabalho e da Solidariedade, detêm qualquer poder de fiscalização sobre os lares de idosos ou quaisquer outro equipamento de idêntico cariz social. Com fundamento no referido normativo legal que atribui ao órgão tutelar a responsabilidade de inspecionar e fiscalizar o funcionamento, designadamente dos lares de idosos, o Estado será responsável pelos actos e omissões do órgão tutelado ( ISSS; IP) Improcedem, assim, as conclusões do ora Apelante ESTADO. C)Recurso subordinado do Interveniente A... 1-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia 2-Montante da indemnização arbitrada 3-Início do cômputo dos juros A questão da nulidade da sentença já está prejudicada pelo facto de ter sido proferida decisão pela 1.ª instância que reconhecendo a nulidade a supriu, conhecendo do pedido de condenação em juros de mora, questão que efectivamente não tinha sido apreciada na sentença. Também a questão do início do cômputo dos juros está igualmente prejudicada, visto que a decisão da primeira instância condenou os Réus no pagamento de juros, contados desde a data da citação, tal como peticionado pelo ora Recorrente. Resta apreciar a questão do montante da indemnização arbitrada. O Apelante vem invocar que para além do valor atribuído a título de indemnização por danos morais sofridos pela morte de sua mãe (que considera ser de arbitrar em €20,000,00), deveria ter sido fixado também um valor relativo à lesão do direito à vida, dano esse sofrido pela mãe do ora Apelante, em valor não inferior a € 40.000,00. Assim, a indemnização global a arbitrar deveria ser de € 60.000,00. Quid juris? Não há dúvida de que o dano da morte é indemnizável, assim como os danos não patrimoniais sofridos pelo Apelante pelos recorridos, nomeadamente, o decorrente da perda da sua mãe, todos abrangidos pelos nºs 1 e 2 do artigo 496º do Código Civil, preceito que confere tutela jurídica aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade a mereçam. O dano morte é o prejuízo supremo, pois traduz-se na perda do bem superior a todos os outros: a vida. Ora, quanto à fixação dos danos não patrimoniais, o disposto na primeira parte do artº 496º nº 3 do Código Civil manda recorrer à equidade e ter em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º do Código Civil, nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Na determinação do “quantum” compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio-económica. Contudo, o dano morte, não se confundindo com os danos não patrimoniais de terceiros com direito a indemnização, tem de ser individualizado enquanto fundamento do pedido indemnizatório. Essa individualização, para além de exigir a sua alegação expressa, não dispensa a indicação discriminada de circunstâncias que permitam a fixação dos valores específicos a atribuir em cada caso, designadamente, idade da vítima, estado de saúde, expectativas de vida, integração e relacionamento familiar e social. Ora, o Interveniente formulou no seu pedido um elenco suficientemente pormenorizado de danos de molde a integrar o dano pela perda do direito à vida de sua mãe. Considerando a idade da vítima (82 anos), a sua esperança normal de vida e o circunstancialismo em que ocorreu o óbito, usando de um juízo de equidade, não perdendo de vista os valores que têm vindo a ser aplicados pela Jurisprudência, julga-se adequada a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização . A título de indemnização pelos danos morais sofridos pelo Apelante arbitra-se a quantia de € 20.000,00, tal como proposto pelo Apelante, obtendo-se um valor global de € 45.000,00. Procede, parcialmente, o recurso subordinado do Interveniente. D)Recurso subordinado de C... e A... 1-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia 2-Montante da indemnização arbitrada 3-Início do cômputo dos juros Também neste recurso as questões 1.ª e 2.ª estão prejudicadas porque foi proferida decisão pelo Tribunal a quo no sentido pretendido pelos Recorrentes. As Apelantes vêm invocar que para além do valor atribuído a título de indemnização por danos morais sofridos pela morte do pai e marido (que considera ser de arbitrar em €40,000,00), deveria ter sido fixado também um valor relativo à lesão do direito à vida, dano esse sofrido falecido, em valor não inferior a € 60.000,00. Assim, a indemnização global a arbitrar deveria ser de € 100.000,00. Tendo em conta as circunstâncias semelhantes em que ocorreram ambas as mortes e também a idade e circunstâncias pessoais de ambos os falecidos, cremos aplicar-se a este recurso aquilo que já foi supra referido, em relação ao recurso do interveniente A... Assim, fixa-se a indemnização pela perda do direito à vida, em 25.000,00. A cada uma das Apelantes, arbitra-se a indemnização por danos morais, no valor de €20.000,00. Assim, a indemnização global será de € 65.000,00. Procede, assim, parcialmente, o recurso subordinado das Autoras. IV-DECISÃO. Em face do exposto, julgo totalmente improcedentes dos recursos do Estado Português e ISSS,IP e parcialmente procedentes os recursos das Autoras e do Interveniente, fixando-se a indemnização devida às primeiras em € 65.000,00 e ao segundo em 45.000,00, nesta parte se alterando a decisão recorrida, mantendo-se no mais decidido. Custas pelos Autores e Interveniente e RR na proporção do decaimento. Lisboa, 25 de Fevereiro de 2016 Maria de Deus Correia Nuno Sampaio Maria Teresa Pardal | ||
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