Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
101/12.2TELSB.L1-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: DEPOIMENTO DO/A CO-ARGUIDO/A
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I–De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do Código de Processo Penal, estão impedidos de depor como testemunhas «[o] arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade», acrescentando o n.º 2 da mesma disposição legal que «[e]m caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem».

II–Para se compreender a distinção entre estes dois números daquele preceito legal há que ter em consideração que o Código de Processo Penal, depois de delimitar os casos de conexão de processos e de estabelecer as regras de competência específicas nessa situação, determina, no seu artigo 29.º, que «[p]ara todos os crimes determinantes de uma conexão, nos termos das disposições anteriores, organiza-se um só processo», acrescentando no número seguinte que «[s]e tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão». No seu artigo 30.º prevê as situações em que os processos que integram uma conexão podem ser separados, caso em que é prorrogada a competência do tribunal.

III–De acordo com o n.º 2 do citado artigo 133.º do Código de Processo Penal, em caso de separação de processos, os arguidos de crimes conexos só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.

IV–O impedimento aí estabelecido apenas vigora, tal como acontece na situação prevista no n.º 1, alínea a), desse artigo, enquanto essas pessoas mantiverem a qualidade de arguidos (ou, após a revisão do Código de 2007, se passarem a ter a qualidade de condenados).

V–Não abrange, portanto, os casos em que, no momento em que depuseram, as indicadas testemunhas já não tinham a qualidade de arguidos por o processo contra elas instaurado ter sido arquivado, nomeadamente depois de ter ocorrido a suspensão provisória do processo, nos termos dos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1–Os arguidos J.B.A.,  M.R.X. e  H.E.S. foram julgados na 2.ª Secção Criminal – Juiz 3 – da Instância Central de A. da comarca de Lisboa e aí condenados, por acórdão de 14 de Julho de 2016, pela prática de:

O arguido J.B.A.
Dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, condutas p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 4 anos de prisão;

A arguida  M.R.X.
Cinco crimes de corrupção passiva para acto ilícito, condutas p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 6 anos de prisão;

A arguida  H.E.S.
−Um crime de corrupção passiva para acto ilícito, conduta p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período na condição de a arguida, no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado do acórdão, pagar a quantia de 1.000 € à Santa Casa da Misericórdia de A..

Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
1.-Todos os arguidos eram, ao tempo da prática dos factos, funcionários da Câmara Municipal de A..
2.-As arguidas  M.R.X. e  H.E.S. desempenhavam as suas funções na Divisão de Fiscalização Municipal da Câmara Municipal de A., nas instalações da Rua ………... O arguido J.B.A. desempenhava as suas funções como desenhador da Câmara Municipal de A. nas instalações na …………., no Departamento de Trânsito e de Rede Viária.
3.-Ambas as arguidas encontram-se vinculadas à Câmara Municipal de A., por nomeação definitiva, sendo a 2.ª arguida da carreira "técnico profissional" e a 3.ª arguida da "carreira administrativa".
4.-A arguida M.R.X. é fiscal municipal desde 1990. Iniciou as suas funções na CMA em 1988 como administrativa na Divisão de Fiscalização.
5.-A arguida H.E.S. é assistente administrativa.
6.-Por força do desempenho das suas funções na Divisão de Fiscalização da CMA, a arguida  H.E.S. tinha acesso, de forma pL., aos processos aí existentes.
7.-Também lhe cabia, no âmbito das suas funções, recepcionar todo o expediente enviado à Divisão de Fiscalização vindo das outras divisões da CMA quer do exterior.
8.-E, em obediência a um plano a que todos os arguidos aderiram, procedia a uma primeira triagem dos processos que davam entrada na Divisão de Fiscalização.
9.-Num segundo momento, "entrava" em cena a arguida  M.R.X.  que enquanto fiscal camarária se deslocava ao "terreno".
10.-O arguido J.B.A. também facultava à arguida M.R.X.  moradas para ela ir lá "como se tivesse recebido uma queixa".
11.-Existia grande à vontade entre os arguidos, quanto a este plano, como se pode ver das conversas que tinham ao telefone, como por exemplo, numa conversa entre os arguidos J.B.A. e H.E.S. , em que ambos que se tratam, mutuamente por "filho" e "Leninha" a dado passo: "...tenho ali três processozitos, um deles é este, um deles é este, é o do outro, é o da outra puta da outra mulher... isto está muito bem enquadrado agora Zé, está muito bem enquadrado..." (H.E.S.  a falar – fls. 214). Seguidamente, o arguido J.B.A.  refere: "...aperta com isso, vê lá se aparece aí qualquer coisa para um gajo fazer antes de eu ir de férias, pá...".
12.-Em data não determinada, entre 2010 e 2011, a arguida  M.R.X.   decidiu "aproveitar-se" das suas funções enquanto fiscal municipal e exigir dinheiro a pessoas que tivessem obras a decorrer ou a licenciar.
13.-Posteriormente, todos os arguidos (J.B.A.,  M.R.X. e  H.E.S. ) decidiram agir em comunhão de esforços e vontades no sentido de obterem de diversas pessoas contrapartidas pecuniárias pelo "aceleramento", "retenção" ou não instauração de procedimentos contra-ordenacionais que ao caso cabiam do ponto de vista legal.
14.-Cabia ao arguido J.B.A. "pressionar" de forma mais "pesada" ("de apertar") os visados no sentido de obter deles o recebimento de relevantes quantias pecuniárias.
15.-Por seu turno, a arguida  M.R.X.  abordava os munícipes infractores a quem prometia a "não instauração" de procedimentos contra-ordenacionais e aplicação da consequente coima desde que os mesmos se "prontificassem" a entregar-lhe uma contrapartida pecuniária.
16.-Essas contrapartidas pecuniárias podiam oscilar entre os 50 (cinquenta) e os 500 (quinhentos) euros, ou mais, conforme a gravidade e consequências legais da situação detectada.
17.-A arguida M.R.X., para dar maior seriedade à sua actuação, convocava os visados através de aviso em uso na Divisão de Fiscalização da CMA para comparecerem nesses serviços na Rua ………, nesta cidade.
18.-Aí, dava nota da situação irregular detectada, o que importava o pagamento de uma coima ou até a demolição do edificado sem licença camarária.
19.-Porém, desde logo, oferecia-se para "apagar" o processo do sistema informático camarário mediante o pagamento de uma contrapartida financeira.
20.-A arguida  H.E.S.  desempenhava as funções de "prospectora" de processos que fossem "bons", já que no exercício das suas funções tinha acesso a toda a correspondência interna e externa dirigida à Divisão de Fiscalização.

I.-Garagem – Rua das Furnas – A.
21.-Na execução do plano gizado, no ano de 2011, a arguida  M.R.X.  deslocou-se a uma residência sita na Rua ………… – A., propriedade de AFG, e aí se apercebeu que o referenciado AFG tinha construído num lote junto à sua residência uma garagem sem obter, de forma prévia, qualquer licenciamento junto da Câmara Municipal de A..
22.-Nessa ocasião, a arguida  M.R.X. , identificando-se como "fiscal municipal", deixou um postal/aviso para o proprietário se deslocar, pessoalmente, à Divisão de Fiscalização da CMA.
23.-Nesse local, a arguida deu nota ao visado de que teria de pagar uma coima no valor de € 700,00 a que acrescia a demolição da referida garagem.
24.-Porém, caso estivesse disponível a efectuar o pagamento dessa quantia à interlocutora/arguida tudo ficaria sanado e "esquecido".
25.-No dia 24 de Agosto de 2011, o referido AFG  emitiu o cheque sacado sobre o BANIF – agência de Odivelas, conta n.º 3…….1, no valor de € 700,00, que entregou, em mão, à arguida  M.R.X. .
26.-Esta, no dia 25.08.2011, pelas 11h09, procedeu ao depósito numa "ATM" desse cheque, para crédito na sua conta bancária da CGD com o n.º 0054………..0.
27.-Logrou, desta forma, a arguida receber aquela quantia pecuniária (700 euros), e integrá-la no seu património o que bem sabia não era devido e agindo contra as normas em vigor na CMA.
28.-Em momento posterior, o referenciado AFG  foi fiscalizado por um funcionário dos serviços de ambiente da CMA por causa de uns animais que se encontravam na sua propriedade.
29.-Perante isto, o aludido AFG  contactou com a arguida M.R.X., a qual lhe deu nota de que "precisava" de € 200,00 para entregar ao fiscal do ambiente para que o processo ficasse sem efeito.
30.-Para tanto, o aludido AFG  emitiu novo cheque, nesse valor, que entregou (dentro de um envelope) à funcionária C. do restaurante "O Polícia", sito na A., para o entregar à arguida M.R.X..
31.-Em 05 de Junho de 2013, a arguida M.R.X. foi recolher o envelope e o respectivo cheque que veio a ser depositado numa conta bancária do pai da arguida M.R.X. de nome AS .
32.-Com o referido estratagema, a arguida M.R.X. logrou apoderar-se da importância de € 200,00 que integrou no seu património.
33.-A arguida bem sabia que não tinha qualquer possibilidade (legal) de evitar a fiscalização ou arquivar ou mandar arquivar qualquer processo que estivesse pendente na Direcção de Ambiente da CMA. Porém, logrou convencer o referenciado AFG  a fazer aquela disposição patrimonial, sob pretexto de a entregar ao respectivo fiscal.
II. Moradia – Rua AF – CC
34.-Na execução do plano gizado, no dia 27 de Junho de 2011, a arguida  M.R.X.  , invocando a sua qualidade de "fiscal municipal", abordou CJ e OJ, proprietários de uma moradia sita na Rua AF – CC – A., que tinham realizado diversas obras na sua moradia sem o devido licenciamento camarário.
35.-Na ocasião, a arguida identificou-se como "M.R.X." (fiscal da Câmara Municipal de A.), tendo deixado aos proprietários do imóvel um postal (aviso) para comparecer nas instalações da Divisão de Fiscalização sitas na Rua ………., em A., nesse dia, pelas 14 horas.
36.-Nesse local, os proprietários foram recebidos pela arguida M.R.X., que logo lhes deu nota de que não levantou o auto de embargo, com a respectiva contra-ordenação, cuja coima ascenderia ao valor de € 800,00, mas que ainda o podia fazer, caso não lhe pagassem uma contrapartida financeira.
37.-Na ocasião, a arguida adiantou que tal verba não seria só para si mas também para um colega que teria a incumbência de "apagar" o processo do sistema informático da CMA.
38.-Na mesma data (27.06.2011), pelas 15h54m, a OJ recebeu no seu telemóvel (91………) uma chamada telefónica do número 96……….. (telefone da CMA) e utilizado pela arguida  M.R.X.  que lhes referiu que no dia seguinte, pelas 15 horas, se iria deslocar à sua residência a fim de receber a contrapartida pecuniária solicitada.
39.-Mais se comprometendo a "nada fazer".
40.-Nesse dia, o proprietário da referida moradia efectuou o levantamento da importância de € 150,00 no "MB" para a entregar, conforme lhe foi ordenado pela arguida  M.R.X. .
41.-Conforme o combinado, cerca das 15 horas, o proprietário da referida moradia fez a entrega à arguida M.R.X. da quantia de €150,00.
42.-A arguida integrou no seu património a referida quantia monetária, não tendo procedido à instauração de qualquer processo contra-ordenacional como lhe competia.
III. Bar "75" – Rua CL – A.
43.-Em meados de Outubro de 2012, a arguida M.R.X. teve conhecimento da "entrada" de um processo relativo a umas obras num estabelecimento denominado "Bar 75", sito na Rua CL, nesta cidade.
44.-Mais teve conhecimento de que esse estabelecimento era explorado por RFG.
45.-Na execução do plano gizado e com o intuito de obterem uma contrapartida financeira, a arguida  M.R.X.  abordou o referido RFG referindo-lhe, desde logo, que a situação era "complicada", pelo que devia contactar com o seu co-arguido J.B.A.. Na ocasião, facultou-lhe o número de telemóvel daquele (96……….8).
46.-Em momento posterior, o arguido J.B.A. , na execução do plano previamente gizado entre ele e a arguida M.R.X., dirigiu-se ao estabelecimento da Rua CL ("Bar 75") tendo referido ao referido RFG que seria necessário dar uma "atençãozinha" às funcionarias da Fiscalização.
47.-Em Novembro de 2012, em data não apurada, o referido RFG  telefonou à arguida  M.R.X.  que tinha os telemóveis 96………..3 e 91…………5, com quem combinou a entrega da referida "atençãozinha".
48.-Assim e durante esse mês, o visado RFG  dirigiu-se às instalações da Divisão de Fiscalização da C.M.A., sitas na Rua ………., onde, conforme lhe tinha sido indicado pelo arguido J.B.A. , entregou à arguida M.R.X. dois envelopes contendo 500 euros em notas do BCE cada, valor por si escolhido por lhe parecer suficiente.
49.-Esta recebeu as referidas quantias monetárias tendo-as dividido com o arguido J.B.A. , em proporção não apurada.
50.-Em Março de 2013, o referido RFG foi, de novo, contactado pelo arguido J.B.A.  que lhe exigiu mais dinheiro para que o "processo relativo ao projecto acústico fosse para a frente".
51.-Na execução do plano gizado e sempre com o intuito de obterem entregas de dinheiro, o arguido J.B.A. estabelece contacto com o referenciado RFG a quem refere: "...a única maneira de resolver o problema era entregar uma quantia monetária aos funcionários...".
52.-Porém, o arguido J.B.A.  já tinha conhecimento de que o pedido de alargamento do horário do referido estabelecimento já tinha sido indeferido e até temia que o visado/requerente se queixasse.
53.-Independentemente desta situação, as arguidas  M.R.X. e  H.E.S.  mantêm um controle "apertado" sobre a entrada dos processos na "Fiscalização" da CMA no sentido de "identificar" mais "potenciais alvos" chegando esta última arguida a dar nota ao arguido J.B.A.  em 20.06.2013 que: "...estão a entrar outros processos que poderão dar alguma coisa". J.B.A.  pede-lhe para que "ela passe algum desse trabalho para ele...".
54.-Atento o evoluir da situação em apreço, mormente a cada vez maior "pressão" exercida pelo arguido J.B.A. sobre RFG  entendeu-se dar início a uma acção "encoberta".
55.-No dia 1 de Julho de 2013, o arguido J.B.A.  contacta, mais uma vez, o visado RFG   a quem solicita a entrega de uma contrapartida financeira, não referindo um valor concreto, mas dizendo "algum dinheiro que se visse".
56.-A entrega desse pagamento devia ser "acondicionada" em dois envelopes separados.
57.-A entrega devia ocorrer no dia seguinte (02.07.2013), de manhã cedo.
58.-Nessa ocasião, a Polícia Judiciária (DIC de Setúbal) já estava a "monitorizar" toda a actuação dos arguidos, mormente de J.B.A..

59.-Obtida que foi a pertinente autorização superior, no dia 2 de Julho de 2013, a Polícia Judiciária procedeu à entrega a RFG   da importância de €1.000,00 (mil euros) em notas do BCE, distribuídas da seguinte forma:
8 (oito) notas de 50 euros;
19 (dezanove) notas de 20 euros;
22 (vinte e duas) notas de 10 euros, tudo conforme termo de entrega de fls. 410, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

60.-No dia aprazado (02.07.2013) é combinado um encontro entre ambos que iria ter lugar no Centro Sul – A..
61.-Nesse dia e hora e sob a supervisão da Polícia Judiciária, dá-se o encontro entre o referenciado RFG  e o arguido J.B.A. , que chegou ao local ao volante do seu veículo automóvel marca "Mercedes", modelo "C 220 CDI", matrícula "9-XX-9".
62.-Com efeito, o arguido J.B.A., conduzindo o referido veículo automóvel, entra no parque de estacionamento do "Centro Sul", nesta cidade.
63.-Após parquear o seu veículo automóvel, o arguido sai dele e dirige-se, de imediato, ao veículo automóvel de RFG  .
64.-Aí, entra para o seu interior e, após breve conversa, o aludido RFG   dirige-se à bagageira do seu veículo donde retira os dois envelopes brancos contendo a importância de 500 euros cada e que entrega ao arguido J.B.A. .
65.-Conversam mais um pouco e cada um entra no seu veículo automóvel, sendo o arguido J.B.A. portador dos referidos dois envelopes.
66.-Nessa ocasião, o dispositivo policial "montado" pela PJ e que se encontrava no local intervém e impede que o arguido J.B.A.  abandone o local.
67.-No interior do automóvel daquele e junto à caixa de velocidades encontravam-se os dois envelopes contendo, no total, os referenciados € 1.000 (mil euros).
68.-Acto contínuo, o arguido J.B.A. é detido.
IV. Lar "SSS" – Q.
69.-A arguida  H.E.S. , no exercício das suas funções, recebia todo o expediente, quer externo, quer interno, e procedia à sua distribuição conforme as normas internas.
70.-Por força disso, a arguida teve conhecimento, em 09.05.2013, do teor de um ofício emanado da Segurança Social e dirigido à Presidente da Câmara Municipal de A. relativamente a "uma estrutura residencial para pessoas idosas".
71.-Com efeito, foi lavrado despacho em que se solicitava a actuação da "DFM" (Divisão Fiscalização Municipal) por não existir o (pertinente) licenciamento.
72.-A arguida reteve na sua posse tal ofício, não o apresentando conforme lhe competia ao chefe da divisão, NG, e deu conta da situação à co-arguida  M.R.X. .
73.-Ambas as arguidas, mais uma vez, acordaram em obterem da proprietária do lar uma contrapartida financeira que não lhes era devida.
74.-Para tanto, acordaram em que a arguida  H.E.S.  guardasse esse expediente ("Processo") em local recatado enquanto a  M.R.X.  faria as "diligências" necessárias.
75.-Mais acordaram darem nota da situação ao arguido J.B.A. para melhor "pressionarem" a proprietária do lar da 3.ª idade em apreço.
76.-No seguimento do plano engendrado, a arguida  M.R.X. enviou um postal, em uso nos serviços de fiscalização da CMA, à proprietária do referido lar (GP) para esta comparecer na Divisão de Fiscalização.
77.-Na data aprazada, a aludida GP compareceu na Divisão de Fiscalização da CMA onde foi recebida pela arguida M.R.X. , que lhe deu conta de que o "lar" não estava licenciado e que podia incorrer numa multa (pesada) e até no seu encerramento (compulsivo).
78.-Porém, a arguida  M.R.X. deu nota à GP de que caso recebesse "algo" o processo podia ser "parado".
79.-Sugeriu, desde logo, o pagamento da importância de 500 (quinhentos) euros para obter tal "paragem".
80.-Mais sugeriu o contacto com o seu co-arguido J.B.A. para a ajudar a tratar do licenciamento.
81.-Em momento posterior, mas antes de 13.06.2013, a aludida GP entregou a importância de 500 (quinhentos) euros à arguida  M.R.X. , que a dividiu com a co-arguida  H.E.S. .
82.-Apesar desta arguida pretender, só para si, os 500 (quinhentos) euros.
83.-Após esta primeira entrega, os arguidos tentaram, por diversas formas, pressionar a proprietária do Lar (GP).
84.-Na execução desse plano o arguido J.B.A. estabeleceu contacto com a visada GP (telemóvel 93……….) para "marcar encontro".
85.-O arguido J.B.A.  pretendia nesse encontro e de acordo com o plano gizado pelos três arguidos "exigir mais" dinheiro à referenciada GP, pelo menos "500".
86.-Porém, a visada GP apenas deu ao arguido J.B.A. a importância de 100 (cem) euros.
87.-Não obstante as diversas insistências os arguidos não conseguem receber mais nenhuma contrapartida apesar dos inúmeros contactos que estabelecem com ela.
88.-O arguido J.B.A.   chega a "prometer" à visada GP que o processo "não vai andar".
89.-Por força disso, o expediente referente ao lar da GP ficou (sempre) guardado na secretária da arguida  H.E.S. , tendo ali sido apreendido no momento da realização das buscas efectuadas pela Polícia Judiciária à Divisão de Fiscalização da C.M.A.
90.-A arguida  H.E.S. tinha perfeito conhecimento de que ao proceder da referida forma, reiteradamente, estava a violar os seus deveres enquanto funcionária pública, "retendo", de forma injustificada, o processo do Lar das Q – cuja proprietária era a referenciada GP – com o escopo de obter o pagamento de uma dada contrapartida pecuniária que bem sabia não lhe ser devida em circunstância alguma.
91.-Para conseguirem obter mais dinheiro, a arguida  M.R.X. pede ao arguido J.B.A.  que lhe forneça informação acerca de locais/situações sujeitas a fiscalização e que lhe envie as moradas para se deslocar aos locais como se fosse uma queixa.
92.-Todos os arguidos actuaram, ao longo do tempo, dessa forma concertada, já que estando a arguida  H.E.S. colocada na área administrativa controlava, de perto, a entrada dos processos na Divisão de Fiscalização da Câmara Municipal de A..
93.-Competia aos arguidos M.R.X. e J.B.A. o trabalho de "terreno".
94.-Todos os arguidos contactavam com as pessoas no sentido de lhes pedir dinheiro para "reterem", "acelerarem" procedimentos e/ou não instaurarem procedimentos contra-ordenacionais, conforme fosse o caso, tudo a troco do pagamento de contrapartidas pecuniárias.
95.-O arguido J.B.A.  é proprietário de um veículo marca "Mercedes", modelo "C 220 CDI" (usado), com um valor de mercado, à data da apreensão, a rondar os 30.000 (trinta mil euros).
96.-Todos os arguidos são funcionários públicos desempenhando funções na Câmara Municipal de A..
97.-Todos os arguidos bem sabiam que não podiam em circunstância alguma exigir o pagamento de contrapartidas pecuniárias aos utilizadores dos serviços camarários, fosse a que título fosse, mormente para não instaurarem procedimentos contra-ordenacionais pelo desrespeito de normas legais.
98.-Não obstante, todos os arguidos exigiam, directa ou indirectamente, o pagamento dessas contrapartidas pecuniárias a que bem sabiam não ter direito.
99.-Os arguidos, nos moldes supra descritos, conseguiram que terceiros lhes entregassem quantias monetárias variadas.
100.-A arguida  H.E.S. bem sabia que não podia "reter" processos e/ou correspondência que era endereçada à Divisão de Fiscalização, a nível interno e/ou externo e que ao actuar da forma descrita estava a violar, de forma deliberada e consciente, os procedimentos administrativos e legais.
101.-A actividade levada a cabo pelos arguidos minou, em elevado grau, a confiança dos munícipes nos seus servidores mormente na área da fiscalização.
102.-Todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
103.-Os arguidos não praticaram anteriormente qualquer facto pelo qual tenham sido criminalmente punidos.
104.-A arguida M.R.X. cresceu em ambiente familiar estruturado e em contexto económico equilibrado. Apesar de com dificuldades, conseguiu aos 18 anos completar o 9.º ano de escolaridade em regime nocturno, após o que abandonou a escola para ingressar no mundo do trabalho, como recepcionista, depois numa churrasqueira, e em 1990, aos 25 anos de idade, iniciou funções na Câmara Municipal de A., como Fiscal Municipal. Casou aos 23 anos de idade, mudou-se para uma vivenda, adquirida com apoio financeiro dos progenitores, e teve duas filhas, que continuaram a viver com ela após a falência da relação conjugal. Iniciou nova relação afectiva que não foi do acordo dos progenitores, e perdeu o apoio financeiro destes, o que motivou a venda do imóvel, e posteriormente a falência dessa relação afectiva, pelo que regressou ao agregado dos pais, situação na qual os factos ocorreram. Após ser suspensa de funções sobreviveu com apoio dos pais, e trabalhando pontualmente como empregada de limpeza. Posteriormente arrendou imóvel para onde foi residir, mediante renda mensal de € 200,00. Após, retomou funções na CMA como recepcionista, auferindo mensalmente € 854,07. O presente processo criminal repercutiu-se na degradação da situação financeira da arguida, e no distanciamento de familiares próximos. A arguida denota fraca capacidade de auto-análise e de autocrítica, e défices ao nível do pensamento consequencial.
105.-A arguida  H.E.S. cresceu em ambiente familiar estruturado e em contexto económico equilibrado. Concluiu o 10.º ano de escolaridade, e não completou o 11.º ano, ingressando nos quadros da CMA em 1982. Casou em 1983, mas não teve filhos. À data dos factos residia com o cônjuge e trabalhava na Divisão de fiscalização. Actualmente, e após cessação da medida de suspensão de funções, foi transferida para a Divisão de acção sócio-cultural, auferindo mensalmente € 867,88. O cônjuge aufere pensão de aposentação de € 864,73. A situação económica do agregado é difícil devido a uma propensão para o consumo e dificuldade de gestão equilibrada dos rendimentos, que levou a um acumular de dívidas. A arguida denota alguma fragilidade emocional e baixa auto-estima/auto-depreciação, verbalizando ideações suicidas, por se sentir insatisfeita consigo própria. Com o surgimento deste processo isolou-se, por vergonha, interagindo apenas com pessoas do seu círculo familiar, o que condicionou também a sua actividade como cantora de fado, que desenvolve há cerca de 30 anos e da qual também faz modo de vida. Denota baixa auto-estima e dificuldades de resolução de problemas e de pensamento consequencial. De positivo, beneficia de enquadramento familiar de suporte, e continua a exercer funções na CMA, embora afastada da Divisão de Fiscalização Municipal.
106.-O arguido J.B.A.  cresceu em ambiente familiar estruturado. Concluiu o 11.º ano no ensino público e abandonou o ensino para iniciar actividade laboral na CMA, como auxiliar de serviços gerais, tendo iniciado o seu tirocínio como desenhador junto de alguns ateliers de arquitectura, e finalizado alguns cursos de desenho. Ingressou na CMA como desenhador em 1983, com 20 anos de idade, e com 21 contraiu casamento, do qual nasceram dois filhos, actualmente com 30 e 28 anos de idade. Aos 30 anos de idade concluiu um curso profissional de Técnico de Ambiente, área acústica de edifícios, que lhe conferiu certificação ao 12.º ano de escolaridade. Em 2000 ocorreu a ruptura da relação conjugal e em 2001 iniciou uma nova relação, tendo casado em 2002 e adquirido casa própria. À data dos factos residia nessa casa própria, com esposa, um filho e a enteada e trabalhava na CMA, na Divisão de Trânsito, e para ateliers de arquitectura. Na sequência deste processo foi suspenso de funções por 90 dias, com perda de vencimento, e quando as retomou foi transferido para a Divisão do Parque da Paz, onde aufere mensalmente a quantia de € 845,46 líquidos, e o cônjuge, também funcionária da CMA, recebe quantia semelhante. As despesas fixas mais significativas prendem-se com o pagamento das prestações decorrentes de amortização de empréstimo para aquisição de casa própria, seguros e serviços. O arguido assenta o seu discurso na externalização/ minimização de responsabilidades, evidenciando fraca capacidade de auto-análise e autocrítica, e défice de competências pessoais e sociais, nomeadamente de pensamento consequencial. Pelo lado positivo, refira-se o enquadramento familiar.

O tribunal considerou não provado que:

1.-No início do ano de 2012, JC e LC decidiram construir uma piscina junto à sua moradia, sita na Rua …… – H. A..
2.-Porém, não requereram junto da C.M.A. o respectivo licenciamento.
3.-No dia 17 de Março de 2012, a arguida M.R.X. deslocou-se ao local tendo deixado o aviso para os proprietários comparecerem na Divisão de Fiscalização da C.M.A. no dia 21.03.2012, pelas 15 horas (vide fls. 981).
4.-Os referenciados JC e LC deslocaram-se ao local tendo sido informados pela arguida M.R.X. que o processo teve origem numa denúncia anónima e que teriam de legalizar a piscina.
5.-Para tanto, a arguida M.R.X. indicou o nome do seu co-arguido J.B.A.  para "tratar do assunto".
6.-Posteriormente, o arguido J.B.A.  deslocou-se à residência dos visados.
7.-Nessa ocasião e lugar, deu nota de que a casa de apoio à piscina seria de muito difícil legalização.
8.-Sugeriu que a situação podia ser ultrapassada com o pagamento da importância de 500 (quinhentos) euros à co-arguida M.R.X. e a uma outra funcionária administrativa que daria "sem efeito" todo o processo.
9.-O arguido J.B.A.  referiu que os 500 (quinhentos) euros deviam ser colocados em 2 (dois) envelopes, contendo 250 (duzentos e cinquenta) euros cada um.
10.-Em data não apurada, entregaram ao arguido J.B.A. a importância de 500 (quinhentos) euros, em dois envelopes contendo os 250 euros cada um.
11.-Em momento posterior, receberam um contacto telefónico da arguida M.R.X. dizendo que estava "tudo bem".
12.-Porém, mais tarde receberam novo oficio da fiscalização e deram nota do sucedido (anteriormente) ao chefe de divisão – NG.
13.-Que a arguida  H.E.S. tenha tido intervenção na situação do Bar 75, explorado por RFG  .

O tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:

Cumpre agora explicar a forma como o Tribunal julgou a matéria de facto, ou seja, fundamentar a decisão de facto (artigos 97.º, 5, e 374.º, 2, CPP).
Neste caso, podemos começar por dizer, numa breve síntese, que tal tarefa não se revestiu de qualquer dificuldade, uma vez que os arguidos não só não prestaram declarações, o que significa que não confessaram, mas também não contraditaram os factos que lhes eram imputados, como não produziram qualquer prova que beliscasse minimamente a prova apresentada e produzida pelo Ministério Público. E esta última foi extensa, variada, coerente e, numa súmula, totalmente credível.
Num Estado de Direito, submetido ao primado da lei e onde vigora a regra da separação de poderes, não basta ao Tribunal decidir o litígio que perante si foi trazido. Tem ainda de fundamentar devidamente a sua decisão.
Qualquer fundamentação de qualquer decisão tem de começar pelo princípio fundamental nesta matéria, que é o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Dispõe esse artigo que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Porque tal formulação é clara e evidente, iremos abster-nos de fazer as tradicionais citações doutrinárias, vistas como quase obrigatórias nos sistemas jurídicos que se inserem na "Civil Law Tradition", e iremos de imediato passar a demonstrar, em concreto, como o Tribunal formou a sua convicção para julgar a matéria de facto da forma que ficou exposta supra.
Como se vê da leitura da matéria de facto, a mesma surge dividida em grupos de factos.
No primeiro grupo (1 a 20 e 92 a 95 e 98) faz-se uma introdução à actividade profissional dos arguidos, e descrevem-se os traços gerais do plano criminoso que os arguidos gizaram e executaram. Seguidamente descrevem-se os actos criminosos perpetrados pelos arguidos, agrupados por obras e munícipes concretos que foram abordados no âmbito da fiscalização e pagaram as quantias que os arguidos pretendiam: são assim os casos da garagem na Rua F, A. (21 a 33), moradia na Rua AF -CC (34 a 42), Bar "75" (43 a 68), e Lar "SSS" (69 a 91). Depois temos a referência ao elemento intelectual da infracção (99 a 104). E, finalmente, os antecedentes criminais e situação socioeconómica e personalidade dos arguidos (105 a 108).
Assim, quanto ao primeiro grupo de factos, temos que a prova do vínculo laboral e das funções profissionais dos arguidos foi cabal, sendo aliás tais factos incontroversos. Vamos limitar-nos a remeter para a prova documental constante dos autos, nomeadamente o ofício emanado da C.M.A. datado de 03.12.2012 (fls. 63/64), e o documento de fls. 70 e seguintes, que é uma lista dos funcionários da CMA, de onde resulta a categoria profissional das arguidas, e o Apenso 1 junto aos autos, com os processos individuais dos funcionários que exerciam funções na Divisão de Fiscalização.
Sobre a descrição genérica do plano criminoso que os arguidos gizaram e executaram, ela resulta de um raciocínio indutivo, a partir dos vários casos concretos a que nos vamos referir a seguir, e ainda do apenso 2, onde estão as transcrições das várias conversações telefónicas escutadas no âmbito destes autos, que mais adiante analisaremos mais em detalhe, mas que adiantamos já que são profundamente esclarecedoras: aliás, elas são leitura obrigatória para quem queira perceber bem os factos em causa, o modo como os arguidos pensavam e executavam o plano criminoso, e a própria personalidade dos mesmos. Veja-se, por exemplo, o produto n.º 5 (alvo 58660PM (CD 1) de 20.06.2013, pelas 13h30m, transcrito, por súmula, a fls. 377. O Tribunal optou até por deixar nos factos provados o conteúdo do artigo 11.º, que, no bom rigor dos princípios, não teria aí lugar, por não serem factos, mas sim meios de prova, mas mesmo assim, decidimos cometer essa pequena "falha técnica" porque o teor de tal conversação é extremamente revelador.
Importa ainda deixar já aqui uma palavra sobre esta prova decorrente das intercepções das comunicações. O Apenso 2 contém as transcrições de inúmeras conversas, seja dos arguidos entre si, seja dos arguidos com terceiras pessoas. Em primeiro lugar não há a menor dúvida que tais provas são fidedignas, e correspondem à transcrição para escrito das conversas telefónicas tidas pelos arguidos, pois estão cabalmente enumeradas, justificadas e legitimadas, e os arguidos não impugnaram por qualquer forma a sua veracidade. O que quer dizer que permitem aos julgadores ter acesso total às conversas que os arguidos tiveram, sem qualquer filtro ou receio, sobre a matéria objecto dos autos, pois não sonhavam sequer que pudessem estar a ser escutados, e logo as suas palavras, transcritas para o processo, são cristalinas acerca da sua intenção, do que eles fizeram, do que eles planeavam fazer e da postura que assumiam quanto às ilegalidades que cometiam. Podemos dizer, sem medo de errar, que o peso probatório dessas conversas telefónicas é avassalador. São frequentes nas conversas entre os arguidos, referindo-se a munícipes com problemas na Fiscalização, as expressões: "vou meter x para mim"; "Quanto é que queres que eu meta para ti"? E também interessante verificar, como dessa prova resulta à saciedade que apesar de haver um plano que todos executavam para receber ilicitamente dinheiro de pessoas com problemas com a fiscalização camarária, havia ao mesmo tempo uma forte concorrência entre os arguidos no acesso a esses pagamentos, e comentavam ao telefone, de forma por vezes muito ácida, os sucessos, fracassos e golpes uns dos outros, demonstrando que apesar de colaborarem entre si na prossecução do plano criminoso, não havia genuína coesão entre eles.
Quanto à prova testemunhal, importa deixar uma nota prévia. As testemunhas arroladas na acusação depuseram de uma forma que mereceu total credibilidade. Demonstraram conhecimento directo e detalhado, e prestaram depoimentos serenos, sem grande emotividade ou teatro, e que, à luz de todas as regras da comunicação verbal e não-verbal, foi totalmente credível. E isso sucedeu mesmo com aquelas testemunhas que tiveram intervenção nos factos e que podiam ter-se recusado a prestar depoimento. Não foi possível detectar nos seus relatos qualquer exagero, contradição, ou eventos implausíveis, que indiciassem má vontade contra os arguidos ou desejo de os prejudicar. Ao invés, tudo o que disseram mereceu do Tribunal a máxima credibilidade.
A primeira testemunha que foi ouvida em audiência foi FF (Inspector da PJ), que fez um resumo de toda a investigação. Disse, em síntese, que tudo começou com uma denúncia anónima. A primeira suspeita a ser investigada foi a arguida M.R.X.. Depois surgiram outras situações, como a do proprietário de um bar que se queixou aos serviços de fiscalização. Seguidamente foram pedidas e realizadas escutas telefónicas, o que levou à identificação dos outros dois arguidos. Foi localizado um processo retido na posse da arguida  H.E.S.  sobre um lar de idosos. Acederam às contas bancárias dos arguidos, onde detectaram alguns depósitos que eram contrapartidas pela não fiscalização. Depois foi detido em flagrante o arguido J.B.A. , depois de ter recebido 1000 euros do gerente do "Bar 75", na rua CL. Descreveu a vigilância e a operação encoberta que foi desencadeada e que culminou com a detenção desse arguido, logo após receber dinheiro do munícipe em causa. Explicou ainda que ao longo da investigação conseguiu perceber como é que os arguidos operavam: as duas arguidas trabalhavam no mesmo local e no mesmo serviço, a divisão de fiscalização. Uma fiscalizava e a outra retinha os processos. Os contactos entre os arguidos eram quase sempre por telefone. O arguido J.B.A.  (que trabalhava nos serviços operacionais) era contactado por uma das outras arguidas sempre que era necessário fazer ou alterar algum projecto, e também era ele que normalmente fazia os pedidos de dinheiro.
Explicou ainda que não andaram à procura de sinais exteriores de riqueza, porque os montantes envolvidos não o justificavam. A arguida  H.E.S. foi detectada devido às escutas telefónicas, porque tinha um processo retido na sua secretária, no local de trabalho, que tinha a ver com um lar.
De seguida vamos passar à análise da prova sobre as várias situações concretas referidas supra.

I:

Sobre a situação que envolve a Garagem na Rua F, A. (factos 21 a 33), o Tribunal baseou-se, essencialmente, no depoimento de AFG. Explicou que à porta de casa dele, no local onde estava a ser feita a garagem (que era clandestina), estava um papel com um nome "M.R.X." e um número de telemóvel. Era um cartão da fiscalização da CMA. Contactou esse número, e disseram-lhe para ir ao Departamento de Fiscalização: ele foi uns dias depois, perguntou pela Sra. M.R.X., mandaram-no ao gabinete dela: e aí conversou com a arguida M.R.X., a qual lhe disse que tinha de fazer a legalização da garagem, mas a multa era 700 euros. E podia pagar a multa e não ser aprovado o projecto. Mas se lhe pagasse 700 euros, tudo ficaria resolvido. Ele disse que só podia pagar em cheque. Ela disse que seria melhor em dinheiro, mas aceitou o cheque. Então, marcaram encontro na CC, uma semana depois, e passou-lhe um cheque de 700 euros, e ela descontou o cheque. Muito tempo depois telefonou à arguida porque foi visitado por um fiscal da CMA, por causa de umas galinhas e da capoeira. E a arguida disse-lhe: "ah, arranje aí um chequezinho para ele, de 200 euros que eu trato disso". E ele pagou, meteu o cheque de € 200,00 numa carta e deixou-a no café, à C, que lá trabalhava, para ela entregar à M.R.X.. E sabe que o dinheiro foi levantado. O depoimento desta testemunha, pela forma serena e objectiva como foi prestado, e porque não foi contraditado por ninguém, mereceu total credibilidade. E ainda foi corroborado pelos documentos juntos aos autos: cheque de fls. 328; talão de depósito de cheque de fls. 327; e a fls. 146 está o extracto comprovativo da entrada do dinheiro na conta bancária da arguida. E temos ainda as conversações telefónicas transcritas no apenso 2, a fls. 3, 5, 8 e 10 do Apenso 2.

II-
Sobre a situação da Moradia na Rua AF, CC (34 a 42), o Tribunal teve em consideração os depoimentos de  AJ e OJ.
J. identificou a arguida M.R.X. na audiência. E relatou que tinha problemas de canalização em casa, e teve de fazer obras, descrevendo-as. Num certo dia apareceu-lhe a arguida M.R.X., sozinha, identificou-se como fiscal da Câmara, e disse-lhe para ir nesse dia às 14:00 ao gabinete dela, nos serviços da autarquia, ao pé dos Bombeiros. E deixou-lhe um postal da Câmara, com o nome dela escrito. A testemunha e a esposa foram lá, como sugerido. Entraram para o gabinete dela, e ela disse-lhes que não embargou a obra, e que já não o podia fazer agora. Mas que a coima seria muito alta, no mínimo 800 euros, se quisesse continuar com a obra. Mas que depois disse que "estava ali para os ajudar... mas há contrapartidas..." Perguntaram quais. E a arguida respondeu que têm de pagar algum dinheiro, sem dizer o valor, para eles poderem continuar com a obra sem a coima. E eles não teriam de fazer mais nada. Depois marcaram um encontro em casa deles, às 15 horas do dia seguinte. E a arguida apareceu como combinado, e ele entretanto tinha levantado € 200,00, e estava a pensar dar só €100,00 à arguida, mas ela disse que o dinheiro era também para um colega dela, e ele pôs mais 50 euros. Ela agarrou no dinheiro, e disse que estava tudo bem, e para fazerem a obra depressa, que não haveria problemas. Desde então nunca mais a viu. Confrontado com o documento de fls. 46 disse que lhe parece o bilhete postal que a arguida deixou na casa dele.
OJ confirmou no essencial o depoimento do marido. Que deixaram um postal lá em casa, para eles se apresentarem nos serviços da Câmara. Eles foram, e foram confrontados com a conversa com a arguida já descrita por  J., que não vale a pena repetir. A testemunha a certa altura perguntou quanto é que tinham de pagar e a arguida respondeu "é quanto quiserem dar". Depois o dinheiro foi entregue, como o marido descreveu. Tivemos em conta ainda os documentos de fls. 46, 48 e 68.

III-
Sobre a situação do "Bar 75" (43 a 68): aqui verificou-se um somatório de provas de diversa natureza, todas confluentes na demonstração sem a mais pequena dúvida do alegado na acusação.
A mais importante é o depoimento de RFG  (comerciante). Começou por explicar quando começou a explorar o Bar 75 e o funcionamento do estabelecimento. A certa altura foi alvo de uma fiscalização, por causa do horário que tinha afixado, e disseram-lhe que já não era o adequado, e dizendo-lhe que tinha de o alterar. Ele dirigiu-se à Divisão de Fiscalização para tratar disso, e falou com a arguida M.R.X.. Foi o primeiro contacto que teve com ela. Ela deu-lhe o número de telefone do arguido J.B.A. , que poderia ajudar a resolver o problema. Contactou-o por telefone, encontraram-se, o arguido pediu-lhe uns papéis do estabelecimento, ele deu, e uns dias depois voltou ao bar: disse que o processo estava a ser tratado, mas aquilo era problemático, porque havia queixas na Câmara Municipal, e que ele podia laborar enquanto tudo se resolvia. E o arguido disse-lhe ainda para dar uma "atençãozinha" às duas funcionárias da Fiscalização da CMA, onde ele tinha estado, e falou no nome da D. M.R.X., para se por acaso a polícia lá fosse os autos seriam encaminhados para a Fiscalização. Ele foi à Fiscalização um ou dois dias depois, e deixou lá dois envelopes. Cada um tinha 500 euros. Foi ele que escolheu o valor. Ela não abriu os envelopes. Ela já sabia que ele lá ia, chamou-o para uma sala à parte, ele entregou os envelopes e saiu. A partir daí a Polícia ia regularmente lá ao Bar, e umas vezes fechou-lhe a casa, outras pôs os clientes na rua, o arguido  foi falar com ele mais uma vez, explicar o andamento do processo, e entretanto dizia que ele tinha que dar mais alguma "atençãozinha". A testemunha frisou mais de uma vez que o arguido J.B.A.  não ficou de lhe fazer nenhum projecto, estudo, parecer, etc.
Entretanto ele continuou durante cerca de 1 ano sem o horário, com visitas regulares da Polícia ao seu estabelecimento, a encerrá-lo, e uma vez até o levaram para a esquadra. E da próxima vez que lhe voltaram a pedir dinheiro ele achou que já era demais, contou a um agente da PSP, e depois foi falar com o Dr. NG, o qual chamou a Polícia Judiciária.
Esclarece que o arguido  nunca lhe falou num valor concreto. No dia da detenção, esse arguido disse-lhe para pôr o dinheiro num envelope, ele perguntou quanto, e a resposta foi "algum dinheiro que se visse", e ele contou tudo isto à PJ, e os Inspectores entregaram-lhe dois envelopes para dar ao arguido. Combinou o encontro com o arguido  para lhe entregar os envelopes. Marcaram encontro na Rotunda do Centro Sul, ele entregou o dinheiro ao arguido, e depois apareceu a Polícia Judiciária que procedeu à detenção daquele. Esclarece que o arguido ainda teve tempo, antes de ser detido, de ver quanto dinheiro estava dentro do envelope.
Interessa também aqui o depoimento de NG (actualmente oficial da PSP, e que à data dos factos exercia funções na CMA, como chefe de Divisão de Fiscalização municipal. Declarou que a certa altura um munícipe (RFG  , do Bar 75) telefonou para falar com ele, e disse que dois fiscais lhe estavam a exigir dinheiro para resolver um assunto: reuniu-se com ele, e depois comunicou tudo à Polícia Judiciária. O problema desse munícipe era um problema de ruído e de horário. Havia um vizinho ali morador que se queixava. É uma questão longa, já se arrasta há 15 anos ou mais. E sobre ela o arguido  não tinha competências para intervir.
Aqui temos ainda prova documental detalhada, uma vez que o encontro entre RFG   e o arguido J.B.A.  foi acompanhado e visualizado à distância pela PJ. Veja-se o relato de diligência externa de fls. 424 e seguintes, com a detenção do arguido a fls. 425,em flagrante delito, depois de receber dois envelopes de RFG.
Temos o auto de captação de imagem e voz de fls. 428, o auto de apreensão do dinheiro a fls. 430, o auto de apreensão do automóvel do arguido a fls. 434. Temos o auto de busca e apreensão de fls. 442. A fls. 520 está informação retirada da internet sobre o valor do automóvel do arguido (Mercedes C 220 CDI).
E temos ainda exaustiva prova retirada das transcrições das conversações telefónicas. Veja-se, por exemplo, no Apenso 2 (apenso das escutas), fls. 148, 158, 161, 167, 171, 175, 177, 188, 190, 194, 195, 200, 206, 211 e 219, para as quais remetemos, visto que seria fastidioso estar aqui a reproduzi-las.

IV-
Quanto ao Lar "SSS" (69 a 91), apesar de a principal testemunha, por ter sido interveniente nos factos, GP, ter decidido não prestar depoimento, mesmo assim o Ministério Público apresentou prova suficiente da prática dos factos pelos arguidos. Referimo-nos essencialmente às transcrições das conversações telefónicas que, aliás, vêm apontadas no despacho de acusação sob a forma de notas de rodapé, e para as quais remetemos, sem prejuízo de fazer algumas referências mais desenvolvidas.

Assim, temos o documento de fls. 769 e seguintes, conjugado com variadas transcrições das conversações telefónicas. Vamos fazer referência apenas às mais significativas:
a)-a fls. 45, conversa no dia 6/6/2013 entre a arguida M.R.X. e o arguido J.B.A. , na qual se referem à situação do Lar "SSS", em que a arguida explica ao arguido o que está em causa naquela situação;
b)-a fls. 26 do Apenso das escutas, está uma conversação no dia 13/6/2013 entre a arguida M.R.X. e o arguido J.B.A. , na qual se referem à situação do Lar "SSS", em termos que são 100% explícitos, querendo dizer que a arguida H.E.S. meteu-se nisso, e queria 500 para ela, mas a arguida M.R.X. dividiu essa quantia pelas duas, e o arguido J.B.A.  diz as quantias que conseguiria tirar daí, se fosse ele a fazer o projecto, etc;
c)-a fls. 31 do Apenso das escutas, outra conversação, no dia 14/6/2013 entre os mesmos arguidos, na qual se referem à mesma situação, preocupados com a maneira como conseguir mais dinheiro, e dizendo que "lá na fiscalização a L. vai aguentando aquilo, e tal, deixa andar...". E que "a L. apanhou aquilo e depois disse logo que aquilo era uma coisa muito boa, tas a perceber".
d)-a fls. 39 e 41, duas conversações telefónicas entre a arguida M.R.X. e GP, no dia 2/7/2013, em que combinam um encontro, mas em vez de ser nas instalações da Fiscalização, a arguida M.R.X. vai ao exterior encontrar-se com aquela.
e)-a fls. 48, conversação no dia 7/6/2013 entre o arguido  e a arguida H.E.S., sobre a situação do Lar.
f)-a fls. 51, outra conversação no dia 11/6/2013 entre o arguido  e a arguida H.E.S., sobre a situação do Lar, que é discutida detalhadamente, e a arguida H.E.S. diz que a M.R.X. lhe pediu para aguardar e ela está a aguardar, interpretando nós essa parte da conversa como sendo reter o oficio mencionado supra; e mais, os arguidos mostram-se preocupados por se terem metido naquela situação, com frases como "agora tu é que tás na merda, não é ela..."; e a arguida H.E.S. demonstra sem a menor dúvida que sabe que não pode ter aquele documento retido na sua posse, e diz que tem que fixar um prazo à D. GP até sexta-feira.
g)-a fls. 56, conversação entre o arguido e a referida GP, no dia 11/6/2013: combinam um encontro para o dia seguinte para falar da situação do Lar. E no dia seguinte voltam a falar, sobre o mesmo assunto; e no dia a seguir, novamente, conversam por telefone, e GP diz que a pessoa com quem falou na fiscalização é "Dona H.E.S. "; e ainda no mesmo dia, o arguido fala com a arguida M.R.X..
h)-a fls. 65 conversação entre o arguido e a arguida M.R.X., em 12/6/2013: o arguido  diz à M.R.X. que vai falar com a mulher (GP) para dar o orçamento, e pergunta se ela quer que ele meta 500 para ela naquilo. E a arguida responde que sim.
i)-a fls. 73, conversa entre o arguido e GP, em 13/6/2013, em que GPindica ao arguido a morada do Lar para se encontrarem.
j)-a fls. 76: em 14/6/2013, conversa entre o arguido e  R., que trabalha na CMA, em que é notório que os dois têm grande intimidade um com o outro, e o arguido procura informações sobre um processo administrativo sobre o referido Lar, e o seu interlocutor transmite-lhe o que consta do processo. O arguido mostra-se muito interessado em obter um CD com a documentação toda sobre o lar.
k)-a fls. 81, conversa em 14/6/2013 entre o arguido e a arguida M.R.X., sobre o mesmo assunto do lar, em que esta diz àquele que a mulher lhe deu algum dinheiro, "cinco". E o arguido diz-lhe: "não pies mais"; e acrescenta que vai dar o orçamento à mulher, e pergunta se a M.R.X. acha que ele deve pedir mais algum dinheiro, para além do orçamento... para alguém? E a arguida refere que "a outra" talvez queira, e o arguido acrescenta logo, "porque se ela deixar aquela merda ir para a frente é um embrulho do caralho, não é?" E diz a arguida que a outra queria "cinco". Mas ela recomenda ao arguido que ele "não vá para os cinco, vá para menos". E o arguido pergunta se deve dizer alguma coisa à L., mas a M.R.X. diz que não, e J.B.A.  diz mas ela tem lá o processo com ela, e a M.R.X. diz que não, que é ela própria que o tem com ela. E J.B.A.  diz que vai tentar "meter alguma coisa" para a M.R.X. no trabalho.
l)-a fls. 86 J.B.A.  telefona a GP, em 14/6/2013, e diz-lhe em síntese que já tem os elementos e vai tratar disso, mas que primeiro tem de falar com a L. para ela não mandar o processo para a frente, e "ir aguentando isto". E é óbvio para este Tribunal que o arguido está a tentar dar a entender à referida GP, sem ser frontal, que para tudo se resolver a bem ela tem de pagar algum dinheiro. A fls. 92 outra conversação em tudo semelhante, e ainda a fls. 94, em que mais uma vez J.B.A.  diz que é preciso que a L, "aguente lá aquilo", e que já falou com ela e ela disse "tudo bem". E finalmente o arguido refere que há alguém dentro da CMA que para ajudar quer "que lhe dêem alguma coisa".
m)-a fls. 94, conversa entre o arguido J.B.A.  e GP em 17/6/2013, em que mais uma vez J.B.A.  tenta dizer à interlocutora que vai ter de pagar alguma coisa, que é importante agora é que aguentar o processo nos serviços técnicos, para eles não mandarem mais pedido nenhum para a fiscalização. Diz que já falou com a L. e ela tudo bem, por ela tudo bem, e não quer nada. Mas há outro que "anda com o braço ao lado e quer que lhe dêem alguma coisa". E GP pergunta o que é isso de "alguma coisa"? J.B.A.  diz que não gosta de se meter nestes filmes, mas às vezes não há outra forma de resolver. GP insiste em saber o que é isso de "alguma coisa" e o arguido diz que não faz a mínima ideia, depois diz: "sei lá, olhe, meta dentro de um envelope, você já deu alguma coisa à M.R.X., não deu"? E voltou a perguntar o que é "alguma coisa". E J.B.A.  disse que ia tentar saber, à hora do almoço, porque "não vai falar sobre isto pelo...".
n)-a fls. 99, no mesmo dia, J.B.A.  em conversa telefónica com M.R.X. , diz a esta que "a mulher não é parva, não posso tar a meter muita coisa, ... vou-lhe dar o orçamento normal como se fosse uma situação normal". A fls. 102, nova conversa entre os mesmos arguidos, no dia 18/6/2013, em que J.B.A.  se queixa do trabalho que aquele assunto do Lar vai dar para resolver, que tem que ir "sacar aquela merda toda do computador", "só que a mulher não se chega à frente"! E o resto desta conversação, transcrita a fls. 105 a 108, é extraordinariamente esclarecedora, porque revela a mentalidade destes arguidos, e de como eles encaram de forma normal a prática destes actos.
o)-a fls. 109, no dia 18/6/2013, conversa entre J.B.A.  e GP, onde mais uma vez J.B.A.  tenta obter dinheiro da sua interlocutora, dizendo que "é melhor arranjar alguma coisa para lhe dar a ele", e GP insiste em saber o que é "qualquer coisa", porque isso para ela não significa nada. E J.B.A.  diz para combinarem um encontro, para lhe dizer pessoalmente. No mesmo dia, mais para a frente, nova conversa entre os dois: e depois de muita conversa, J.B.A.  lá adianta que o tal outro terá falado em, no mínimo, € 500,00. Segue-se mais uma longa conversa em que da parte de J.B.A.  é a habitual sucessão de explicações incompletas, enumeração de problemas que há a resolver, sugestões que nunca vão até ao fim mas ficam a meio da frase, para ver se o interlocutor diz o resto e completa a frase, para usar uma expressão do próprio, para ver "se a mulher se chega à frente", ou seja, se é ela que pergunta quanto tem de pagar, técnica habitual nestas situações, como a prática judiciária de julgar estes crimes nos ensina. E GP termina a dizer que € 500,00 é muito dinheiro, não pode, mas pode dar menos.
p)-a fls. 127, conversação entre J.B.A.  e  H.E.S., em 19/6/2013, em que parece que fazem uma espécie de ponto da situação no caso do Lar da D. GP, e a arguida H.E.S. diz para ele não pedir nada para a M.R.X., porque esta "já mamou a parte dela, foi € 500,00".
q)-a fls. 130 nova conversa entre J.B.A.  e GP, a 21/6/2013, em que é mais do mesmo, J.B.A.  a explicar as dificuldades, tudo de uma enorme complexidade, diz que "a senhora não está a ter a noção da gravidade da situação". E a certa altura, o arguido diz: "já lhe tentei ajudar, já lhe expliquei uma maneira de resolver a questão, a senhora está farta de gastar dinheiro também não tem obrigação de resolver daquela maneira, nem eu acho que seja a maneira mais correcta, agora eu não lhe posso dizer mais nada. Não faço a mínima ideia." E continua a conversa habitual, a certa altura é a própria GP que fala em metade daquele valor, os € 500,00, e o arguido diz para ela não se preocupar mais com esse dinheiro.
r)-a fls. 186 está a transcrição de uma conversa ente J.B.A.  e a esposa, no dia 28/6/2013, em que este, visivelmente irritado, diz: "olha, estou a sair aqui da velha, aqui do Lar, ...deu-me cem euritos, foda-se, eu não sei pra que aceitei o dinheiro, ou o caralho... foda-se, para o caralho, pá."
s)-a fls. 216, transcrição de conversa entre o arguido J.B.A.  e a arguida H.E.S. , em 26/6/2013, em que falam do caso "da velha lá do Lar", e falam da intervenção da arguida M.R.X., com desagrado, porque ela recebeu mais e não lhes deu; a certa altura J.B.A.  diz que vai dizer à mulher que o processo na fiscalização está a andar, com o que a arguida H.E.S. concorda. Combinam o que dizer à dona do Lar, para a pressionar.
t)-E, finalmente, a fls. 222 outra conversa semelhante entre estes dois arguidos.
Todas estas conversações telefónicas, devidamente interpretadas, permitem ter uma noção totalmente clara do que se passou, e da estratégia que os arguidos utilizavam: basta comparar o estilo de conversas dos arguidos entre si, com as conversas com as pessoas a quem estavam a tentar aliciar, para que tudo se torne cristalino.
E assim, mesmo sem o depoimento da testemunha GP, foi possível concluir sem qualquer dúvida pela veracidade do alegado na acusação. Que, aliás, coincide na perfeição com o “modus operandi” usado noutras situações.
Quanto à ausência de antecedentes criminais, condições pessoais e personalidade dos arguidos, o Tribunal baseou-se nos CRC juntos aos autos e nos relatórios sociais.
Quanto à co-autoria entre os arguidos J.B.A.  e M.R.X., no caso do Bar 75, e entre todos os arguidos no caso do Lar SSS, a mesma resulta óbvia das várias conversações transcritas no Apenso das escutas.
Quanto aos factos não provados, tal deveu-se a total falta de prova, sendo que, como já dissemos, as testemunhas J e LC exerceram o seu direito de se recusarem a ser testemunhas. E sem o seu depoimento, não houve prova sobre os factos em que eles teriam tido intervenção.
E quanto à alegada intervenção da arguida  H.E.S. nos factos que envolveram o Bar 75 e RFG  , não foi feita prova que permitisse dar esses factos como provados. Por um lado, porque RFG  apenas se referiu aos arguidos J.B.A.  e M.R.X., omitindo por completo a arguida  H.E.S.. E por outro, porque das transcrições das conversações telefónicas também não se consegue, salvo melhor opinião, extrair prova para dar esses factos como provados.
Finalmente, não há muito a dizer sobre os depoimentos das testemunhas de defesa, pois uma vez que os arguidos nada alegaram nas suas contestações, nem tomaram qualquer posição sobre a acusação, tais testemunhas apenas poderiam ser meramente abonatórias, e nessa qualidade foram registados os seus depoimentos, os quais foram quase exclusivamente constituídos por opiniões sobre a postura e o carácter dos arguidos, as quais, não podemos deixar de o dizer, resultaram totalmente ao arrepio dos factos provados.

2–Os arguidos interpuseram recurso desse acórdão.

2.1.-A motivação apresentada pelo arguido J.B.A.  termina com a formulação das seguintes conclusões:

1.-O douto Acórdão aborda, como questão prévia, uma questão essencial que é a da produção de prova, através de testemunhos de pessoas, que não podia olvidar que detinham a qualidade de arguidos, as quais tinham a correr contra si no mesmo Tribunal e à data em que foram inquiridas, processo-crime, por corrupção activa.
2.-E não pode vir o Tribunal a quo dizer que "O Tribunal, porque à data desconhecia essa outra qualidade (a de arguido, para além de testemunha) que também possuíam, não lhes perguntou se consentiam em ser testemunhas neste processo, uma vez que o artigo 133.º, 2, CPP dispõe que "em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem". Pois quando recebida a acusação, a mesma contém não só os factos que indiciariamente são imputados aos arguidos, mas também o rol de testemunhas. Por conseguinte, aquando da preparação para julgamento, bem sabem os julgadores que, na sua essência, o que interessa ouvir é quem dá origem ao processo, ou seja, os corruptores activos.
3.-Corruptores activos esses que, in casu, na acusação, de pags. 7 a 9, é determinado pelo Ministério Público a extracção de certidões para "ser analisada em processo autónomo e ser registado e distribuído na complexidade "PR", pois "Resulta "ex abundante" dos autos que incorreram na prática do crime de corrupção activa.
4.-Quer o Tribunal a quo fazer-nos acreditar que não tinha conhecimento que aquelas testemunhas não eram arguidos, em processo conexo, quando encerrado o inquérito e recebida a acusação, em 20 de Outubro de 2014, os mesmos não detinham aquela qualidade de sujeito processual?
5.-Aliás, nem sequer sobre tal foram questionados pelo Mmo. Juiz Presidente, quando, solenemente, o deveria ter feito.
6.-No entanto, do depoimento da testemunha AFG – um dos corruptores activos, no entendimento do Ministério Público, com extracção de certidão para processo-crime –, em 24 de Novembro de 2014, a minutos 18:35 é perguntado se "tem algum processo a correr em Tribunal? o mandatário é interrompido pelo presidente do colectivo que interpela com o seguinte: "O tribunal não consegue entender qual o alcance dessa questão”.
7.-Ao contrário do que queria fazer crer, a questão até era pertinente, pois impunha-se ao tribunal, em razão do conhecimento da sua situação processual, que aquela testemunha fosse advertida nos termos do artigo 133.º do Código de Processo Penal.
8.-Com o devido respeito, é nosso modesto entendimento que o Tribunal a quo sempre se furtou a conhecer da qualidade processual das testemunhas – corruptores activos –, quando lhes era perguntado se existia processo-crime a correr contra os mesmos.
9.-Sendo de igual forma demonstrativo de tal o que se passou na inquirição de AMJ, que a minuto 20:18, ...foram pedidas certidões, a pag. 7, da acusação, da qual não se sabe o desfecho, mas gostava que as testemunhas explicassem e uma vez mais, o Mmo. juiz interrompe e diz a minutos 20:29 "Se a Dra. está interessada nessas certidões então pergunta junto do MP e não é agora aqui..."
10.-Tanto mais que as testemunhas, após o incidente ter sido suscitado, e tendo as mesmas sido questionadas, acabaram por dizer, primeiro um, depois os outros, que se soubessem, não teriam prestado declarações. (sic)
11.-Assim, salvo melhor opinião, encontra-se ferida de nulidade a recolha de prova testemunhal, sendo tais depoimentos inválidos, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que à data eram arguidos em processo conexo.
12.-O recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 69 a 91. Pois o douto acórdão para dar como provado que o recorrente praticou os factos concernentes ao Lar "SSS" (69 a 91), apesar de a principal testemunha, por ter sido intervenientes nos factos, GP, ter decidido não prestar depoimento, socorreu-se essencialmente às transcrições das conversações telefónicas que, aliás, vêm apontadas no despacho de acusação sob a forma de notas de rodapé, e para as quais remetemos, sem prejuízo de fazer algumas referências mais desenvolvidas.
13.-E aqui o Tribunal a quo remete para fls. 769 e seguintes, conjugado com variadas transcrições das conversações telefónicas. Sendo as conversações telefónicas a única prova que leva à condenação do recorrente, porquanto, mais e melhor prova não se conseguiu produzir.
14.-A jurisprudência vem entendendo que as escutas telefónicas transcritas em auto e juntas ao processo passam a constituir prova documental, submetida ao princípio da livre apreciação da prova. No entanto, em lado algum se constata que tenha existido da parte do recorrente qualquer acto conducente à prática do crime em que foi condenado. E socorrendo-nos das declarações da GP, prestadas a fls. 456 (últimos parágrafos) – II Volume, constatamos do seu contrário, afirmando a mesma que: "Que na sexta-feira passada por impossibilidade de realizar os referidos projectos sem o projecto de arquitectura corrigidos, o mesmo (leia-se J.B.A.) deslocou-se ao L. procedeu à entrega dos documentos que tinha em seu poder… Porque não tinha realizado qualquer trabalho, o mesmo não lhe cobrou qualquer montante, tendo porém a depoente por iniciativa própria e a fim de compensar as despesas tidas com essa primeira análise, a depoente entregou-lhe uma nota de 100,00 euros, ao que o mesmo inicialmente não aceitou, mas que por sua insistência acabou por aceitar esse valor..."
15.-Qual foi o caminho percorrido pelo julgador para concluir que a conversação entre o recorrente e as co-arguidas e a proprietária do lar evidencia a existência de crime?
16.-Como decorre da fundamentação, o douto tribunal deu por provados tais factos nas intercepções telefónicas e retirou ilações quanto ao método utilizado de "sacar" dinheiro, não existindo qualquer depoimento que vá de encontro à tese sustentada pelo tribunal a quo.
17.-Entendemos que neste tipo de crime, não se basta valorar, apenas e tão-somente, as escutas telefónicas. Terão necessariamente de existir outras provas que, concatenadas entre si, levem a uma conclusão lógica e suficientemente fundamentada, por forma que o recorrente tenha a percepção de que, no seu todo, o sistema penal funcionou. E para cabal esclarecimento quanto a estes factos (de ponto 69 a 91) socorremo-nos da conversação entre o recorrente e a proprietária do lar:
18.-a fls. 59 GP (GR): ...peço-lhe desculpa, como é que eu o trato, por engenheiro? J.B.A.  (JÁ): Não, não, eu sou desenhador, eu sou desenhador. GR: Ah, pronto JÁ: Tenho um atelier e pronto tenho umas pessoas que trabalham comigo, tenho um engenheiro, tenho um arquitecto. A fls. 82 JÁ: Foi, está bem atão, pronto, deixa lá não pies mais, eu não sei deixa lá ver como é que esta merda fica pá, agora é assim eu vou dar orçamento à mulher, achas que eu peça mais algum dinheiro para além do orçamento? Para alguém? M.R.X. (EX): Ó pá, a outra quer... queria... JÁ: Pois quanto é que ela queria, não sabes? EX: Cinco. JÁ: Pois é pá…, é que isso é assim é que assim eu não consigo... JÁ: É que eu para estar a meter no orçamento vai ser complicado, eu vou-te dizer porquê, é que se fosse um projecto de arquitectura que eu fizesse..., isso era comigo e com mais ninguém, percebes? Mas agora com as outras pessoas não posso embrulhar muito, estás a perceber? EX: Não mas isso é assim JÁ: Pois às tantas nem se resolve aquilo mulher. A fls. 87: JÁ: Pronto, esse ponto, nós podemos pedir pa você ahh... fazer... você pode fazer um requerimento a pedir, para pedir mais prazo. Pronto, e daí a situação... A fls. 120 GR... JÁ: Mas isso, isso é a única coisa que eu posso fazer, porque a técnica já a senhora tem... se quiser que eu lhe arranje quem lhe faça as especialidades, as pessoas que trabalham comigo, posso falar com eles, agora mais já não posso fazer, agora é aquela situação da Câmara de mandar o processo para a fiscalização ou não vir da fiscalização. É que eles na fiscalização receberam um ofício da Câmara, não é?
19.-Assim, devem tais factos serem dados como não provados, e levado a tal categoria, o que se impõe, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º a contrario, por total ausência de prova.
20.-Mais se impondo, nos termos do artigo 431.º do CPP, uma vez que se mostra cumprido o ónus de impugnação decorrente do n.º 3 do artigo 412.º, a alteração da matéria de facto, nos termos requeridos.
21.- Consequentemente, considera o recorrente incorrectamente julgado o ponto 95 da matéria de facto provada, em que: "O arguido J.B.A. é proprietário de um veículo marca "Mercedes", modelo "C 220 CDI" (usado), com um valor de mercado, à data da apreensão, a rondar os 30.000 (trinta mil euros).
22.-E fundamenta o valor do automóvel com a remessa para fls. 520, isto é, informação retirada da internet, sobre o valor do automóvel do arguido (Mercedes C 220 CDI), do ano de 2008, com 63.000 km, topo de  AMG, com o valor de 30.000,00 euros.
23.-O Tribunal a quo descura os demais elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente as fotos tiradas ao veículo do recorrente, pela Polícia Judiciária, aquando da intercepção ao arguido, no Centro Sul, em que, de vários prismas, aparecem inúmeras fotos da carrinha do recorrente, a qual nada tem a ver com aquela representada a fls. 520.
24.-Para tanto bastava-se o Tribunal a quo consultar, como fez a fls. 520, verificar que a fls. 967 – guia de entrega de veículo –, aparece a identificação do veículo apreendido ao recorrente, em que o ano de fabrico é de 1999, e que já tem, pelo menos, 378.552 km circulados. E que a fls. 972 – declaração de não interesse de veículo –, é o próprio Estado que entende que o veículo se enquadra em "veículo em fim de vida" – veículo que não apresenta condições de circulação... e que passa a constituir um resíduo".
25.-O veículo do recorrente, sendo aquele que se encontra apreendido, pode ter um valor, no máximo, de 4.000 euros, devido à sua idade, quilometragem, etc. – cfr. doc. 1, que se junta.
26.-Assim, deve tal facto ser dado como não provado, e levado a tal categoria, o que se impõe, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º, a contrario, por total ausência de prova.
27.-Mais se impondo, nos termos do artigo 431.º do CPP, uma vez que se mostra cumprido o ónus de impugnação decorrente do n.º 3 do artigo 412.º, a alteração da matéria de facto, nos termos requeridos.
28.-O direito ao silêncio do arguido está garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e concretizado na alínea d) do artigo 61.º do CPP. Esta garantia dá ao arguido legitimidade para não responder ou para não fornecer provas, sempre que destas resultem elementos auto-incriminatórios. Concretizando, o arguido não é obrigado a contribuir para a sua auto-responsabilização nem obrigado a produzir prova contra si mesmo, não podendo ser valorado negativamente e utilizado contra quem dele se socorrer, sob pena de estarmos perante um método de obtenção de prova proibido e consequentemente de uma prova nula.
29.-O arguido não pode ser prejudicado por ter usado do seu direito ao silêncio.
30.-Mas, in casu, constatamos que o prejudicou, atendendo à análise crítica do tribunal a quo, porquanto este retira conclusões que vão muito para além da isenção e imparcialidade que deve presidir ao raciocínio lógico, senão vejamos: "Quanto à conduta dos arguidos após os factos, o que este tribunal não pode deixar de registar é a total, absoluta e incontornável ausência de sinais de arrependimento da sua parte. Estas 3 pessoas entraram e saíram da audiência de julgamento sem pronunciar uma única palavra sobre os factos, graves, que lhes eram imputados, seja para os negar, seja para os confessar. Sendo esse um dos direitos processuais que o seu estatuto consagra, o certo é que o arrependimento, que é manifestamente uma circunstância que atenua a culpa e a necessidade da pena, só pode chegar à audiência de julgamento pela boca dos próprios. E neste caso, ela nunca se abriu.
31.-É nosso modesto entendimento que tal formulação é demasiado grave, atento a que o tribunal a quo não ficou indiferente ao que saiu projectado nos jornais e quanto ao que devassa a vida privada.
32.-Aqui, e com o devido respeito, que é muito, podemos verificar uma preocupação inusitada quanto a factores externos que nos levam a concluir que a referência aos media e a utilização de adjectivos superlativos absolutos são uma componente de discurso que revela, e nos leva a concluir, que toda a semântica discursiva do douto acórdão encerra uma clara falta de isenção e imparcialidade, no caso concreto.
33.-O Tribunal a quo menorizou, apagando da sua esfera crítica, o que disseram as testemunhas de defesa, dizendo que "...não há muito a dizer sobre os depoimentos das testemunhas de defesa, pois uma vez que os arguidos nada alegaram nas suas contestações, nem tomaram qualquer posição sobre a acusação, tais testemunhas apenas poderiam ser meramente abonatórias, e nessa qualidade foram registados os seus depoimentos, os quais foram quase exclusivamente constituídos por opiniões sobre a postura e o carácter dos arguidos, as quais não podemos deixar de o dizer, resultaram totalmente ao arrepio dos factos provados.
34.-Ora nada mais errado, pois com a apresentação das suas testemunhas, quis o recorrente ajudar o tribunal a esclarecer o seu método de trabalho, com técnicos que apresentam projectos na Câmara de A., e que, como actividade extra-profissional, colabora com os mesmos. Crendo que o douto tribunal ficou com a errada percepção do desempenho da actividade do recorrente, quando, através da ajuda de técnicos, elaborava projectos a propor a apreciação camarária.
35.-E ao contrário do versado no douto Acórdão, não sendo abonatórias as testemunhas, veja-se um colaborador do recorrente, o qual lhe dava trabalho a realizar, do Eng. M, a minuto 00:45 "...é amigo, e meu colaborador, eu fazia projectos, e ele desenhava" a minutos 01:44 "...é meu colaborador, quer dizer, eu, eu fazia os projectos, mas não desenhava, não sou desenhador, e dizia ao Z, ...o Z, à noite,... e passado uns dias apresentava-me o trabalho, que estava feito para eu continuar a fazer as especialidades, e entregar na Câmara, a função dele, ...ah mas pagava-lhe o trabalho, ele não era meu escravo".
36.-Com o depoimento desta testemunha quis-se demonstrar que os dinheiros que eram recebidos pelo recorrente diziam respeito a projectos elaborados, com vista a apresentação nos diversos processos que os interessados tivessem a correr nos serviços camarários.
37.-Mas de tal depoimento não foi valorado e deveria ter sido, à luz das regras de experiência comum.
38.-A ausência de fundamentação é óbvia, por serem imperceptíveis os motivos que levaram o Tribunal a decidir num e noutro sentido, facto que impede Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, de controlar e sindicar a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo e, designadamente, de controlar e sindicar o bom uso ou o abuso do princípio da livre convicção e das regras da experiência comum, com base na motivação da escolha do Tribunal a quo. (confrontar, a propósito deste tema, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por João Antunes, 1988-9, pág. 140 e ss.).
39.-Esta questão é tanto mais importante quanto o facto do Tribunal a quo ter dado como provado a totalidade dos elementos subjectivos do tipo de crime de que o Recorrente vem acusado, recorrendo às regras da experiência e à livre convicção do Tribunal, alicerçado apenas nas escutas telefónicas.
40.-A fundamentação das sentenças penais deve ser de molde a revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo este, também, indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida.
41.-Não explicitar o que é que, de acordo com as regras da experiência comum, fez com que a convicção do Tribunal se formasse num determinado sentido, e não noutro e, bem assim, porque é que se teve por fiável certo meio de prova, e não outro, equivale a não fundamentar.
42.-Verifica-se, pois, a nulidade do acórdão de que se recorre, por falta de fundamentação, nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), por referência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2.
43.-Sem prescindir quanto ao supra exposto e não procedendo o presente recurso no que respeita à absolvição do recorrente dos crimes pelo qual foi condenado, é nossa modesta opinião que estão preenchidos os pressupostos mínimos para a suspensão da pena.
44.-O tribunal não teve em conta, em relação ao recorrente, um conjunto de factos que atenuam substancialmente as razões de prevenção especial.
45.-Bastando-se para tanto atender ao relatório social e ao enquadramento sócio-familiar do recorrente.
46.-O recorrente tem solidez familiar, está integrado familiar e socialmente e é o suporte, através do seu labor, da sua família.
47.-O recorrente não tem registado qualquer antecedente criminal.
48.-Pelo que a execução da pena de prisão será contrária aos propósitos de inserção social que devem presidir a qualquer sistema penal. O seu perfil é compatível com a integração em sociedade.
49.-Mas também a análise das razões de prevenção geral permitem suspender a execução da pena em que o recorrente foi condenado.
50.-O recorrente é primário.
51.-Querendo demonstrar-se que o recorrente vivia desafogadamente, com viatura de 30.000,00 euros, tal é descabido, conforme supra já impugnámos.
52.-De igual modo, e bem presente nos autos, são as contas bancárias do recorrente e de sua esposa, os quais sobrevivem com os rendimentos de trabalho. E nem se provou que o recorrente detivesse sinais exteriores de riqueza.
53.-O recorrente, enquanto funcionário da Câmara Municipal de A., e dadas as suas funções como funcionário à data dos factos, não interfere na aprovação nem em qualquer acção processual de quaisquer processos relacionados com fiscalização municipal, urbanismo ou licenciamentos de qualquer espécie, tanto mais que trabalhava na Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária como desenhador.
54.-O recorrente é funcionário da Câmara Municipal de A., desde 01 de Setembro de 1981 (trinta e cinco anos), nunca lhe tendo sido apontado qualquer reparo à sua conduta, tanto pessoal como profissional, sendo as classificações atribuídas a este funcionário pela Câmara Municipal de A., regra geral, sempre acima da média.
55.-Pelo que, fazemos jus ao promovido, em sede de alegações, pela Digna Magistrada do Ministério Público, quando, pugnando pela condenação do recorrente, requereu a suspensão da pena.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, absolver-se o recorrente da prática de dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito previstos e punidos pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal.
Sendo outro o entendimento de Vossas Excelências, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que suspenda a execução da pena em que o recorrente foi condenado.

2.2.-A motivação apresentada pela arguida  M.R.X.   termina com a formulação das seguintes conclusões:

A)A factualidade considerada provada não corresponde à prova efectivamente produzida;
B)Face à factualidade dada como provada em juízo e ao direito em causa, a pena aplicada se revela excessiva;
C)O Tribunal "a quo" fez uma apreciação pouco criteriosa da prova produzida e do direito aplicável, que culminou numa pena desequilibradamente doseada;
D)Os depoimentos das testemunhas AFG ,  J., OJ são inválidos;
E)As mencionadas pessoas estavam impedidas de depor na qualidade de testemunhas, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal;
F)As mencionadas testemunhas não foram advertidas da faculdade que lhes assistia de não prestarem depoimento;
G)A argumentação utilizada no douto acórdão em crise não encontra repasto nal;
H)O tribunal deve verificar todos os elementos susceptíveis de invalidar o depoimento da testemunha, designadamente os impedimentos;
I)Contrariamente ao referido no douto acórdão não é a testemunha quem tem que saber se está impedida de prestar depoimento;
J)É sem dúvida o tribunal, o garante da legalidade, que tem a obrigação de verificar se a testemunha pode depor, se o seu depoimento é válido ou se estão a ser cumpridas as formalidades legais;
K)Se o Tribunal desconhecia a dupla qualidade de arguidos e testemunhas em causa, significa que não conhecia suficientemente o processo e os factos dele constantes;
L)O Ministério Público não podia desconhecer o estatuto das testemunhas que arrolou;
M)O Tribunal não podia validar o depoimento das mencionadas testemunhas cumprindo as formalidades legais "à posteriori";
N)Tais depoimentos, pela dupla qualidade de quem os prestou (arguidos e testemunhas em processos conexos), equivalem a uma inquirição de arguido desacompanhado de defensor, que não foi alertado para os seus direitos e para os perigos em que incorre;
O)Manda o disposto no artigo 59.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que, resultando da inquirição de uma testemunha fundada suspeita de crime por ela cometido, seja imediatamente suspensa a inquirição e lhe sejam feitas as comunicações referidas no artigo 58.º do mencionado Código de Processo Penal;
P)O depoimento das mencionadas testemunhas contêm declarações contra os arguidos do presente processo, designadamente contra a arguida E., que exerceu o seu direito ao silêncio, estando por isso tais declarações subtraídas ao princípio do contraditório, portanto em violação do disposto no n.º 4 do artigo 345.º do Código de Processo Penal;
Q)Tais depoimentos são inválidos estando por isso feridos de nulidade, pelo que não podem ser valorados, contrariamente à douta decisão do Tribunal;
R)O acervo de escutas telefónicas, ao contrário do que o douto acórdão refere, não é totalmente esclarecedor, nem o seu "peso probatório" é tão "avassalador" como se pretende;
S)Decorreu um longo período de tempo (vários meses, com sucessivas prorrogações), sem que as conversas interceptadas em que a arguida foi interlocutora tivessem qualquer relevância jurídica;
T)As escutas telefónicas foram ordenadas na sequência de promoção/ requerimento do Ministério Público, que se baseou em informação do órgão de Polícia Criminal (OPC) – que refere indicações vagas e indeterminadas – sem que tenham sido efectuadas outras diligências probatórias;
U)Eventuais "indícios" recolhidos nos autos (que em concreto não existiam) não foram analisados, tendo o Juiz de Instrução aderido à promoção do Ministério Público, sem qualquer exame crítico da pretensão. Logo, todas as escutas foram efectuadas dentro destes pressupostos e neste quadro factual;
V)Neste contexto, os despachos a autorizar as intercepções telefónicas são nulos, por falta absoluta de fundamentação, ainda que sintética;
W)Para que as escutas se possam considerar válidas, não basta que se mostrem preenchidos alguns requisitos formais, nem a sua "validade" pode justificar-se "a posteriori" pelas "descobertas" assim efectuadas;
X)A sua justificação e o suporte da autorização judicial têm de ser prévios. Hão-de sustentar-se em provas ou indícios já existentes, que os complementem;
Y)A regra constitucional obriga a que o sigilo dos meios de comunicação seja inviolável, sendo proibida toda a ingerência das autoridades públicas e privadas nas telecomunicações;
Z)A par da falta de requisitos formais, nestes autos as escutas enfermam de vício substancial, pois foram autorizadas "de cruz", como se tratasse de "disparos de arma de fogo", durante vários meses pelo Órgão de Polícia Criminal, (OPC);

AA)Os períodos de duração das escutas foram sucessivamente prorrogados, sem justificação nos despachos de autorização, e por outro lado, o seu resultado não foi transcrito no prazo mínimo a que se reporta o termo "imediatamente";
BB)As observações efectuadas no douto acórdão sob análise, sobre as relações entre os arguidos, são totalmente despropositadas, pois não se alcança a conotação criminosa do tratamento de "Betinha", "Leninha" ou "filho";
CC)O tratamento entre os arguidos escutados constitui matéria exclusiva do foro privado, portanto sem qualquer contorno criminal, ou seja, completamente vedada à sindicância do Tribunal, que ao pronunciar-se nos termos em que o fez apenas confirmou a violação da privacidade e direito à dignidade dos arguidos;
DD)Devem ser consideradas nulas as intercepções efectuadas no presente processo;
EE) Uma vez que o Sr. Inspector FF faz parte do Órgão de Polícia Crimi­nal, há que ter em conta a proibição legal da inquirição do Órgão de Polícia Criminal, que tiver participado na recolha da prova;
FF)O Órgão de Polícia Criminal (OPC) não se limitou a monitorizar um delito de corrupção;
GG)Foi o OPC que planeou e levou à execução um crime de corrupção, tentando proteger o corruptor e incriminar eventuais corrompidos;
HH)Uma vez que os arguidos se remeteram ao silêncio, o tribunal fundamentou-se nas escutas telefónicas, nos documentos, e no depoimento das testemunhas;
II)O tribunal refere a um plano criminoso que os arguidos terão gizado e executado, fundamentando-se num "raciocínio indutivo". Daqui resulta que o Tribunal se limitou a tirar ilações e a fazer presunções, no caso totalmente ilidíveis;
JJ)Contrariamente às ilações do tribunal, nunca terá estado em causa a obtenção de contrapartidas pecuniárias pelo "aceleramento", "retenção" ou "não instauração de procedimentos contra-ordenacionais";
KK)As arguidas parecem apenas agir com o intuito de angariar ao arguido  clientes para projectos e por isso serem compensadas por este;
LL)Garagem na RF, A.: o tribunal refere que se baseou essencialmente no depoimento de AFG , que terá de ser nulo;
MM)O recebimento do cheque de 200,00€ é alegadamente por causa de umas galinhas. Certo é que o alegado crime de corrupção não parece aqui poder consumar-se. O referido cheque foi depositado numa conta que não pertence à arguida, não obstante se tratar de um familiar;
NN)Neste caso, ficou por fazer a prova relativa à actuação da arguida, saber designadamente quem lhe entregou o cheque e se o valor acabou por ser integrado no seu património;
OO)Moradia na Rua AF: o tribunal refere que teve em consideração os depoimentos de  AJ e OJ. Ora, como já se deixou claro, tais depoimentos não podem ser considerados;
PP)"Bar 75": referem-se provas de natureza diversa. Mas, relativamente à arguida M.R.X., sabemos apenas, pelo depoimento da testemunha RFG  , que num primeiro momento o terá recebido e lhe terá aconselhado que falasse com o arguido ;
QQ)Lar SSS: o tribunal refere que não havendo prova testemunhal se socorreu exclusivamente das escutas "apontadas em nota de rodapé no despacho de acusação";
RR)O tribunal, porque não tem provas, socorre-se apenas de um mero meio de prova – As escutas – para firmar uma prova que afinal não existe;
SS)Retira-se assim a conclusão lógica que o Tribunal se viu confrontado com uma acusação, cuja prova se mostrou praticamente inexistente. E no que respeita à arguida M.R.X., aqui Recorrente, verifica-se que não existem provas inequívocas dos factos porque foi acusada e condenada;
TT)A matéria de facto efectivamente provada não corresponde à que o tribunal considerou, seja pelo depoimento das testemunhas, seja pela sua falta, ou ainda pelas ilegalidades cometidas;
UU)O próprio Ministério Público considerou que não se fez prova da acusação e pediu a condenação da arguida apenas em dois crimes, com pena suspensa;
VV)O acórdão em crise considerou que a arguida M.R.X.  cometeu cinco crimes de corrupção passiva. Considerou que apenas conseguiu "detectar" a existência de duas circunstâncias atenuantes, a inserção social e familiar e o facto de ser primária. Refere que todas as outras circunstâncias são agravantes;
WW)Em todo o caso, a alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal manda aferir do grau de ilicitude, seja qual for o tipo penal. Já quanto ao grau muito elevado, colocam-se reservas;
XX)Ao fixar a pena considerando que o grau de ilicitude é muito levado, o tribunal não esclarece verdadeiramente a sua intensidade, pois classificar como muito elevado resulta apenas que não é reduzido;
YY)Assim, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal violou o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal;
ZZ)O Tribunal refere-se um dolo directo, que classifica como intensíssimo, justificando que os crimes não eram praticados num único momento, pois a conduta seria reiterada, preparada e planeada. Acrescendo a consciência da gravidade das condutas;

AAA)No que concerne à intensidade do dolo, parece resultar que alguém que recebe "o que quiserem dar", não poderá ser graduado com uma intensidade dolosa igual a alguém que, supostamente, recebesse 23 milhões de euros;
BBB)O facto de a arguida auferir um salário superior a 800,00€ não significa que não tenha sido impelida por necessidades económicas, como aliás resulta das declarações da testemunha, ARL;
CCC)Está em causa a probidade das funções públicas. Acontece que no caso "foram mais as nozes que as vozes", como diria o povo. De facto, estamos perante casos que não atingiram directamente os serviços públicos, no sentido de prejuízo grave. Mais uma vez somos tentados a comparar uma eventual construção ilegal em área protegida, para que um funcionário recebe alguns milhões, com o caso de alguém que terá recebido 50,00€ que não pediu, por ter sido simpática no atendimento ao público;
DDD)Sendo verdade que a arguida não prestou quaisquer declarações no uso de um direito que lhe assiste, não significa que não tenha mostrado arrependimento;
EEE)Contrariamente ao referido pelo tribunal, não é apenas pela "boca" dos arguidos que pode chegar um sinal de arrependimento;
FFF)Ao determinar concretamente a pena com base na "boca que não se abriu" adoptada pela arguida no julgamento, o tribunal desrespeitou a alínea e) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal;
GGG)O próprio tribunal refere défices ao nível do pensamento consequencial, donde resulta que, a ser assim, a arguida não tinha pL. consciência da gravidade das suas condutas, não podendo medir todas as consequências;
HHH)A pena concreta deve achar-se considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido;
III)Temos uma moldura penal abstracta de 1 a 8 anos de prisão. A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40.º do Código Penal;
JJJ)Por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticas que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa;
KKK)As necessidades de prevenção especial não são acentuadas pelos antecedentes criminais da arguida, que não existem. A arguida não é, na sua essência, delituosa. A arguida é respeitadora, cumpridora, honesta, trabalhadora e responsável. Sempre se revelou cidadã exemplar no seio laboral, entre os amigos, com a família;
LLL)O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto;
MMM)A intensidade do dolo há-de ser também moderada;
NNN)Da matéria de facto dada como provada, nada se pode concluir quanto aos sentimentos manifestados pela arguida, designadamente o arrependimento, ou a falta dele;
OOO)Os motivos estão obviamente em conexão com as dificuldades económicas da arguida;
PPP)Das condições pessoais da arguida retiram-se as várias ilações, designadamente a capacidade de trabalho, a honestidade, a dedicação e empenho, referenciação como pessoa com facilidade em socializar;
QQQ)No entender da arguida a pena deve ser fixada dentro da moldura mais restrita;
RRR)As exigências de prevenção geral não demandam que se eleve o limite mínimo resultante da moldura abstracta do tipo;
SSS)A medida da culpa conduz a que a pena não possa ultrapassar os 4 anos.
TTT)Condenando a arguida a 6 anos de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 373.º do Código Penal;

E–NORMAS VIOLADAS:
Código Penal: artigos 40.º, 71.º e 373.º;
Código de Processo Penal: artigos 30.º; 58.º, 59.º, n.º 1, 132.º, 133.º, n.º 2, 188.º, 345.º, 356.º, n.º 7, e 370.º, n.º 4;
Constituição da República Portuguesa: artigo 32.º;

F–PEDIDO:
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com as pretensões expostas, assim se fazendo a costumada justiça!
2.3. A motivação apresentada pela arguida  H.E.S.  termina com a formulação das seguintes conclusões:
1.-Foi a Recorrente condenada por douto acórdão pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido pelo artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2.-Ora, com tal decisão condenatória não pode a Recorrente conformar-se, por entender ser manifesta a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida – artigo 412.º, n.º 3, do C.P.P., não tendo sido a prova produzida em sede de audiência de julgamento contra si e erradamente apreciada a matéria constantes dos autos, no que concerne à decisão da matéria de facto dada como provada, não sendo de todo suficiente para que se tenha decidido no sentido da sua condenação.
3.-O Tribunal “a quo” baseou a condenação da arguida em dois elementos de prova, no documento apreendido na posse da Recorrente e nas transcrições das conversas telefónicas.
4.-O Tribunal “a quo” diversas vezes na sua decisão refere que existia um plano entre os arguidos, sem nunca o demonstrar factualmente nem sequer do ponto de vista da prova, mas refere que a Recorrente recepcionava o expediente na Divisão de Fiscalização da CMA e que procedia a uma primeira triagem dos processos, no sentido de caber à recorrente a importante função de "identificar potenciais alvos".
5.- Foi apreendido na posse da Recorrente em 2 de Julho de 2013 uma notificação remetida pelo Instituto da Segurança Social referente ao Lar "SSS", à Câmara Municipal de A. com data de 10 de Maio de 2013 que deu entrada nos serviços do Urbanismo e que depois foi remetido para a Divisão de Fiscalização Municipal.
6.- Entende a Recorrente que o facto desse documento estar na sua posse em 2 de Julho de 2013 não configura uma retenção, por dois motivos,
7.-em primeiro lugar, o processo do Lar "SSS" já existia nos serviços de Fiscalização Municipal e encontrava-se na posse da Fiscal da Zona, M.R.X. , também arguida nos presente autos, conforme a mesma assume e se encontra reproduzido no anexo 2 a fls. 81, em conversa em 14/6/2013 entre a arguida M.R.X.  e o arguido J.B.A.  e que se reproduz o que consta na página 27, sob a alínea k) da fundamentação da decisão em que se pode ler o seguinte: "E o arguido pergunta se deve dizer alguma coisa à L., mas a M.R.X. diz que não, e J.B.A.  diz mas ela tem lá o processo com e/a M.R.X. diz que não, que é a própria que o tem com ela. E J.B.A.  diz que vai tentar "meter alguma coisa" para a M.R.X. no trabalho."
8.-Ou seja, o processo existente na Divisão de Fiscalização Municipal encontrava-se na posse da arguida M.R.X. .
9.-Em segundo lugar, acresce a supra exposto, que a Sra. GP , dona do Lar "Sossego dos s", e conforme documento que se encontra a fls. 781 dos autos, dá entrada nos serviços do Urbanismo da Câmara Municipal de A. de requerimento em que pede prorrogação do prazo para a entrega dos elementos em falta para instruir o processo camarário, este requerimento é de finais de Julho de 2013.
10.-Significa tal que os processos camarários continuavam a correr independentemente do documento que estava em posse da Recorrente e tal era do conhecimento da putativa corruptora activa, ou seja, da Sra. GP .
11.-Assim temos que o tribunal a quo valorou o facto de existir um documento na secretária da recorrente de forma errónea pois tal em nenhum momento poderia ser usado para parar o processo e tal era do conhecimento da dona do Lar "SSS", e como tal não seria possível usar tal retenção do documento como elemento para persuadir a dona do Lar a pagar algum valor à recorrente, o que não ocorreu.
12.-Por outro lado, a testemunha NG, que era à altura dos factos o Chefe da Divisão de Fiscalização Municipal, refere no seu depoimento em julgamento que os processos demoravam sempre muito tempo, mais do que um ano, assim temos que o processo do Lar "SSS" estaria a decorrer nos termos e com os prazos normais em todos os processos que correm os seus termos nos serviços municipais.
13.-O outro elemento de prova que sustentou a fundamentação da condenação da Recorrente foi as transcrições das conversas telefónicas havidas entre os arguidos.
14.-Tendo o Tribunal “a quo” entendido que as transcrições eram avassaladoras em termos de prova e suficiente por si só para condenar a arguida.
15.-Ou seja, as escutas foram o único meio de prova o que claramente é contraditório com muita da doutrina, que por ser sobejamente conhecida nos abstemos de citar, mas que no essencial considera que as escutas (como vulgarmente se designam as transcrições das conversas telefónicas) devem ser um meio de prova complementar e não principal, que devem estar assentes noutros meios de prova.
16.-O que não acontece no caso em apreço, senão vejamos, nas transcrições das conversas telefónicas constantes do Anexo 2 não existe nenhuma em que a recorrente, de sua voz, solicite ou tenha recebido qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial, o que existe é sempre outros que falam e nunca a recorrente, acresce e conforme consta na página 28 do acórdão, na alínea m) da fundamentação da decisão exactamente o contrário, pois em conversa entre os outros arguidos, M.R.X.  e J.B.A. , o mesmo "diz que já falou com a L. e ela tudo bem, por ela tudo bem, e não quer nada". Ou seja, é um terceiro a dizer isso e nunca a recorrente.
17.-Por outro lado, houve uma violação do principio do contraditório pois não tendo nenhum dos arguidos prestado declarações em julgamento, temos uma violação dos princípios do disposto no artigo 356.º do Código de Processo Penal, pois nunca houve o contraditório sob o conteúdo das transcrições, o que claramente leva a uma visão parcial dos factos.
18.-Desde logo por entender a Recorrente que a prova produzida em sede de audiência de julgamento e constante dos autos foi erradamente apreciada no que concerne à decisão da matéria de facto dada como provada, não sendo consequentemente de todo suficiente para que se tenha decidido no sentido da sua condenação.
19.-Pois não se encontram, de acordo com os fundamentos supra aduzidos, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito.
20.-Desde logo, não existe qualquer prova nos autos, documental ou testemunhal, de a Recorrente ter solicitado ou aceite por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação de uma vantagem indevida ou a promessa dessa vantagem para si ou para terceiro.
21.-Ou seja, não existe nos autos a prova de qualquer vantagem e de uma contraprestação por parte da Recorrente.
22.-Por outro lado, também não se encontra preenchido o elemento subjectivo, pois não existe qualquer prova de a recorrente ter agido com a intenção, mesmo que negligente, de obter uma vantagem para si ao reter o documento.
23.-Assim, não se encontrando preenchidos os elemento objectivo e subjectivo do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, o Tribunal “a quo” deveria ter dado incluído na matéria dada como não provada o que consta nos pontos 69 a 75, 81, 87, 89, 90, 92, 94, 96 a 103 e 105 dos factos dados como provados e em consequência deveria ter recebido, consentir ou ratificar uma vantagem patrimonial ou não patrimonial.
24.-Até porque e mesmo atendendo ao princípio da livre apreciação da prova e às regras da experiência comum, não se pode, contudo, olvidar o princípio estruturante do processo penal de que para uma condenação se exige um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável e não uma mera probabilidade.
25.-Sendo certo que, na ausência desse juízo de certeza e na inexistência de provas seguras e inequívocas, valerá então sempre o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32.º da CRP) e a regra seu corolário, in dubio pro reo!
26.-Assim e face ao exposto e mesmo que se considere como provável segundo as regras da experiência que tenha sido a recorrente a autora do crime em apreço, não deixa, contudo, mesmo assim, de ser do mesmo modo razoável que possa ter sido outras pessoas as autoras desse ilícito, não se podendo, de todo, face à manifesta escassez de prova produzida, afastar essa hipótese.
27.-Pelo que, subsistindo dúvidas tão clamorosas e insanáveis sobre o sucedido, nomeadamente a intervenção ou responsabilidade da recorrente e não se podendo afastar a hipótese de não ter sido a mesma a autora do ilícito, mas sim outras pessoas, deveria pois o Tribunal “a quo” ter dado como não provados os factos das quais vinha acusada e na senda do princípio da presunção de inocência e in dubio pro reo ter decidido pela sua absolvição.
28.-E a ser assim... e por todos os fundamentos supra expostos, deve o douto acórdão ser substituído por decisão absolutória da arguida pela prática do crime de corrupção passiva, sendo assim feita a costumada Justiça.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser a recorrente absolvida da prática dos ilícitos pelos quais veio condenada, por não estarem preenchidos todos os elementos subjectivos e objectivos do tipo de tal ilícito.

3–Este recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1664.

4–O Ministério Público respondeu às motivações apresentadas defendendo a improcedência do recurso interposto pela arguida H.E.S.  e a parcial procedência dos recursos interpostos pelos arguidos J.B.A.  e  M.R.X.   (fls. 1725 e ss., 1705 e ss. e 1716 e ss.).

5–No decurso da sessão audiência de julgamento que se realizou no dia 30 de Março de 2016 (acta a fls. 18 e ss.), a defensora oficiosa da arguida  M.R.X.  requereu que fossem declarados nulos os depoimentos prestados na 1.ª sessão da audiência (acta a fls. 1365 e ss.) pelas testemunhas AFG ,  AJ e OJ, tendo o tribunal relegado o seu conhecimento para o acórdão final.

Neste, apreciando essa questão, o tribunal disse o seguinte:

Questão prévia:

Neste processo foram indicados como testemunhas pelo Ministério Público várias pessoas que assumem ou assumiram a posição de arguidos em processos penais conexos com este. Referimo-nos aos putativos corruptores activos. De todas essas testemunhas, apenas JC e LC compareceram acompanhados de Advogado e declararam ao Tribunal, após se identificarem, que eram arguidos num processo conexo e que não queriam prestar declarações como testemunhas nesta audiência, por ser esse um direito que lhes assiste. E ainda GP , também por ser arguida em processo conexo, disse não querer prestar declarações.

Todos os outros, ou seja AFG,  AJ e OJ compareceram na audiência, identificaram-se e prestaram o seu depoimento, sem qualquer incómodo ou constrangimento, e sem sequer terem mencionado ser arguidos num processo relacionado com este.

O Tribunal, porque à data desconhecia essa outra qualidade que também possuíam, não lhes perguntou se consentiam em ser testemunhas neste processo, uma vez que o artigo 133.º, n.º 2, CPP dispõe que “em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem”.

Na sequência, a defesa da arguida M.R.X.  requereu, como se pode ver da acta da audiência do dia 30/3/2016, pelas 9h30, a anulação dos depoimentos das testemunhas AFG ,  AJ e OJ O Tribunal relegou tal questão para ser conhecida a final. Ou seja, agora.

Ainda na sequência deste incidente, a Digna Magistrada do MP requereu para a acta que, independentemente da decisão a proferir sobre o requerimento da defesa, as referidas testemunhas fossem de novo chamadas, por forma a declarar expressamente se consentem ou não que as declarações por si já prestadas em audiência sejam valoradas em termos probatórios. O Tribunal, cautelarmente, deferiu a este requerimento, e as testemunhas foram chamadas de novo à audiência. Foi-lhes colocada a seguinte questão: se, quando foram inquiridos como testemunhas, tivessem sido advertidos de que se podiam recusar a depor, teriam prestado o seu depoimento, ou ter-se-iam recusado a depor? Foi notório que as testemunhas não perceberam o alcance ou o significado da pergunta, porque olharam uns para os outros, pediram para lhes ser de novo explicada a questão, e ficaram sem saber o que dizer. Passaram vários minutos assim, sendo óbvio que as testemunhas não percebiam bem o alcance da pergunta ou então não sabiam como responder, porque foram apanhados de surpresa, até que finalmente disseram que o que queriam era não voltarem a ser incomodados com este processo. E assim, acabaram por dizer, primeiro um, depois os outros, que, se soubessem, não teriam prestado declarações (ficou um resumo em acta).

O que está em causa neste momento, e neste incidente, é saber se os depoimentos prestados por essas testemunhas na audiência de julgamento podem ser usados para formar a convicção do Tribunal.

Esta questão só se coloca devido à norma jurídica constante do artigo 133.º, n.º 2, CPP, acima transcrita. Norma que visa tão só e exclusivamente a protecção de quem, sendo arguido num processo penal, pode ver-se na contingência de ser chamado a depor como testemunha num processo conexo, e aí ser obrigado a prestar depoimento e responder com verdade, sobre factos em relação aos quais, no primeiro processo, tem o direito ao silêncio e não está obrigado a responder com verdade. E logo aí, temos de concluir pela falta de legitimidade dos arguidos neste processo para suscitarem esta questão, que não diz respeito à sua defesa. Em causa está, tão só, o privilégio contra a auto-incriminação (art. 14.º, 3, g do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 – "qualquer pessoa acusada de uma infracção criminal terá direito, em pL. igualdade, pelo menos às seguintes garantias (...) a não ser forçada a testemunhar contra si própria ou a confessar-se culpada"). E assim, a não ser que se entenda que os arguidos em processo penal têm o direito de anular provas válidas desde que as mesmas possam levar à sua condenação, com base em normas jurídicas que visam proteger outras pessoas que não eles, entendimento que não sufragamos e totalmente falho de suporte legal, a pretensão da defesa dos arguidos estará votada ao fracasso.

É verdade que, na audiência de julgamento, quando aquelas três testemunhas foram identificadas, o Tribunal não lhes comunicou que só seriam testemunhas se expressamente consentissem nisso mesmo. Mas isso não afecta em nada a validade do depoimento que prestaram, por duas razões, uma formal e outra substancial.

A razão formal é que da comparação do texto do n.º 2 do artigo 133.º com o n.º 2 do artigo seguinte, resulta que, se neste último caso o legislador consagrou a obrigatoriedade, sob pena de nulidade, de o juiz advertir as pessoas referidas no n.º 1 da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento, já no caso que nos ocupa não tinha o julgador a obrigatoriedade de fazer esse aviso. E é óbvio que tem de ser assim, pois o julgador não sabe se a pessoa que está à sua frente é arguido em processo conexo com aquele. Não sabendo, não pode, por definição, perguntar-lhe se consente em ser testemunha. E foi exactamente o que sucedeu nestes autos. Quem sabe sempre é a própria testemunha/arguido.

E, indo à substância: a única razão para agora, a posteriori, invalidar os 3 referidos depoimentos, seria se, de alguma forma, a posição jurídica daquelas testemunhas tivesse ficado comprometida, ou que o seu referido “privilégio contra a auto-incriminação” tivesse sido espezinhado, por uma qualquer falha do tribunal. Mas podemos ter a certeza que tal não sucedeu. As testemunhas vieram, desacompanhadas de advogado, identificaram-se, prestaram o juramento legal de responder com verdade e prestaram o seu depoimento respondendo a todas as perguntas que lhes foram colocadas. Em nenhum momento revelaram o menor constrangimento em ter de responder a alguma das perguntas que lhes foram colocadas; em nenhum momento perguntaram se eram mesmo obrigadas a responder a uma determinada pergunta em concreto. Em nenhum momento disseram ao Tribunal que já tinham respondido a essas perguntas num outro processo, em que são arguidos. Em momento algum disseram ao tribunal que não queriam responder a uma determinada pergunta pois poderiam incriminar-se com essa resposta. E assim prestaram o seu depoimento, que ficou adquirido para o processo.

Em contraponto com esta posição destas três testemunhas, tivemos a postura das testemunhas JC e LC, que compareceram acompanhados de Advogado, e fizeram logo a declaração de não querer ser testemunhas (coisa que já tinham dito em requerimento escrito feito previamente chegar aos autos).

Pelo exposto, este Tribunal conclui que quando as três testemunhas agora em causa foram chamadas a depor nessa qualidade e prestaram o seu depoimento sem suscitar qualquer obstáculo, e sem assumir a posição que JC e LC assumiram, o fizeram de forma livre e não por estar por qualquer forma constrangidas. E logo consentiram em prestar o seu depoimento testemunhal. Nenhum direito seu foi violado. E por isso nenhuma razão formal ou substancial existe para invalidar três depoimentos testemunhais, prestados por pessoas com conhecimento directo dos factos, sobre o objecto do processo. A posição assumida pelas referidas testemunhas da segunda vez que compareceram, depois de muitas dúvidas e hesitações, e que ficou em súmula a constar da acta, não foi uma posição espontânea das referidas testemunhas. Foi construída artificialmente, na sequência de um requerimento da arguida M.R.X., a qual não tinha legitimidade para suscitar esta questão, e de um requerimento do MP, a que o Tribunal, cautelarmente, acedeu.~

Em conclusão, não foi cometida qualquer nulidade ou irregularidade ou qualquer outro vício processual prévio ao depoimento prestado pelas referidas testemunhas, que lhes retire validade formal ou substancial.

Pelo que o Tribunal decide indeferir ao requerido pela defesa da arguida M.R.X. , considerando tais depoimentos processualmente válidos.

Subsistem válidos os pressupostos processuais apreciados no despacho designativo do dia do julgamento, pelo que nada impede a apreciação da substância da causa.

II–FUNDAMENTAÇÃO:

6–Ao interporem os presentes recursos, os dois primeiros arguidos impugnaram não só a decisão proferida sobre o objecto do processo mas também aquela que versou sobre o requerimento formulado pela arguida  M.R.X.  numa das sessões da audiência.

E é precisamente sobre esta última decisão que deve começar a nossa apreciação uma vez que se trata de uma questão prévia que tem a ver com a possibilidade de o tribunal valorar os depoimentos prestados na audiência pelas testemunhas AFG ,  AJ e OJ.

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do Código de Processo Penal, estão impedidos de depor como testemunhas «[o] arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade», acrescentando o n.º 2 da mesma disposição legal que «[e]m caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem»[1] [2].

Para se compreender a distinção entre estes dois números daquele preceito legal há que ter em consideração que o Código de Processo Penal, depois de delimitar os casos de conexão de processos e de estabelecer as regras de competência específicas nessa situação, determina, no seu artigo 29.º, que «[p]ara todos os crimes determinantes de uma conexão, nos termos das disposições anteriores, organiza-se um só processo», acrescentando no número seguinte que «[s]e tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão». No seu artigo 30.º prevê as situações em que os processos que integram uma conexão podem ser separados, caso em que é prorrogada a competência do tribunal.

No caso presente, verificamos que, no despacho em que também foi deduzida acusação contra os arguidos, o Ministério Público ordenou a separação de processos para aí apurar a eventual responsabilidade criminal, entre outros, de AFG ,  AJ e OJ pela prática de crimes de corrupção activa[3].

Para a resolução da questão prévia apreciada pelo tribunal é, por isso, convocável o disposto no n.º 2 do citado artigo 133.º do Código de Processo Penal, atrás transcrito, uma vez que, embora distintos, os crimes de corrupção activa e passiva são, no caso, causa e efeito uns dos outros [alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º do Código], o que ninguém parece ter contestado até ter sido proferida a decisão recorrida.

Aí se estabelece que, em caso de separação de processos, os arguidos de crimes conexos só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem[4]. Acrescentamos nós que o impedimento aí estabelecido apenas vigora, tal como acontece na situação prevista no n.º 1, alínea a), desse artigo, enquanto essas pessoas mantiverem a qualidade de arguidos (ou, após a revisão do Código de 2007, se passarem a ter a qualidade de condenados). Não abrange, portanto, os casos em que, no momento em que depuseram, as indicadas testemunhas já não tinham a qualidade de arguidos por o processo contra elas instaurado ter sido arquivado, nomeadamente depois de ter ocorrido a suspensão provisória do processo, nos termos dos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal.

Significa isto que, para se decidir a questão relativa à existência ou não de uma proibição de produção e de valoração[5] dos indicados depoimentos[6], importa saber se as mencionadas testemunhas na altura ainda mantinham a qualidade de arguidos nos processos que foram instaurados contra elas. Sabemos apenas que no processo n.º 458/14.0T9ALM, instaurado contra uma outra testemunha (GP), o Ministério Público, por despacho de 7 de Janeiro de 2016, propôs a suspensão provisória do mesmo por 3 meses (ver fls. 1483 e 1484), não se sabendo se tal proposta mereceu a concordância do juiz de instrução e, em caso afirmativo, se a injunção proposta foi cumprida e o processo arquivado, e que o processo n.º 460/14.2T9ALM, instaurado contra JC e LC, se encontrava ainda pendente no dia 21 de Março de 2016. Nada foi apurado quanto ao estado dos processos instaurados contra as testemunhas AFG ,  AJ e OJ.

Pelo exposto, não pode este tribunal deixar de revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, antes de apreciar a questão suscitada pela arguida  M.R.X. , ordene a realização de diligências tendentes a apurar a situação dos processos instaurados contra os mencionados AFG ,  AJ e OJ, o que impõe a reabertura da fase de produção de prova da audiência e determina a consequente invalidade dos actos subsequentes a essa fase, razão pela qual não podem ser apreciados os recursos interpostos da decisão final do processo.

III–DISPOSITIVO:

Face ao exposto, acordam os juízes da ....ª secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelos arguidos J.B.A. e M.R.X. da decisão proferida quanto à possibilidade de valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas AFG ,  AJ e OJ, revogando essa decisão, a qual deve ser substituída por outra que previamente ordene a realização de diligências tendentes a apurar a situação dos processos instaurados contra as mencionadas testemunhas, o que impõe a reabertura da fase de produção de prova da audiência, com a consequente invalidade dos actos subsequentes a essa fase, e impede a apreciação dos recursos interpostos por todos os arguidos da decisão final do processo.
Sem custas.

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Lisboa, 22 de Fevereiro de 2017



(Carlos Rodrigues de Almeida)
(João de Moraes Rocha)



[1]Disposição que, como sustenta ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in «Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», 4.ª edição, UCP, Lisboa, 2011, p. 371, «não visa apenas proteger o arguido chamado a depor como testemunha do que, nessa qualidade, possa dizer em prejuízo da sua posição, mas também proteger o arguido do processo conexo», o que resulta do seu direito à descoberta da verdade como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que «aquele direito ficaria gravemente comprometido no caso de se admitir uma prova testemunhal prestada sob o constrangimento de o co-arguido chamado a depor como testemunha se encontrar acusado de factos com uma relação de conexão com aqueles sobre os quais tem de depor. Dito de outro modo, a falta de liberdade do depoimento da testemunha contamina de tal modo a prova testemunhal produzida que as garantias de defesa do arguido no processo em que foi produzida a dita prova ficam irremediavelmente feridas».
[2]Não se pode deixar de dizer que a nulidade expressamente cominada no n.º 2 do artigo 134.º se refere à falta de advertência por parte do tribunal, não se reportando ao regime das proibições de prova. É uma nulidade de um acto processual. Não se compreenderia, de resto, que a violação de uma norma muito mais relevante, como é a contida no artigo 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, fosse sancionada como uma mera irregularidade, não assumindo a sua violação qualquer relevo em termos de proibição de produção e valoração da prova.
[3]É o seguinte o texto integral do ponto 2 desse despacho:
2. Certidões
Não determino a extracção de qualquer certidão relativamente a RFG uma vez que colaborou, desde o início, com o Ministério Público e a Polícia Judiciária no sentido de permitir a recolha de prova no que tange à situação de que estava a ser vítima por parte dos arguidos, conforme resulta, de forma clara, de fls. 295 dos autos.
1. AG
Resulta, “ex abundante” dos autos que AG entregou à arguida MRX diversas importâncias pecuniárias, dado o não licenciamento da garagem na Rua F-A, bem como da situação relativa aos animais existentes nesse terreno.
Fê-lo com o deliberado propósito do processo ser “esquecido”.
Incorre na prática do crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 374.º do Código Penal (na redacção de 1995 e na da Lei 32/2010, de 02.09).
Porém, colaborou, de forma relevante com a justiça, para a prova e para a descoberta da verdade.
Nessa consonância e relativamente a esta situação extraia certidão de 146, 327, 328, 345, 973 a 975 e Apenso 2 (fls. 03, 04, 05, 06), para ser analisada em processo autónomo a ser registado e distribuído na complexidade “PR”.
2. CJ e OJ
Resulta, “ex abundante” dos autos que AG entregou à arguida MRX diversas importâncias pecuniárias, dado o não licenciamento das obras na moradia da Rua AF
Fizeram-no com o deliberado propósito do processo ser “arquivado”.
Incorreram na prática do crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 374.º do Código Penal (na redacção de 1995 e na da Lei 32/2010, de 02.09).
Porém, colaboraram, de forma (muito) relevante com a justiça para a prova e para a descoberta da verdade.
Nessa consonância e relativamente a esta situação extraia certidão de 16, 17, 41, 42, 43 e 44 para ser analisada em processo autónomo a ser registado e distribuído na complexidade “PR”.
3. JC e MC
Resulta, “ex abundante” dos autos que JC e MC entregaram à arguida MRX diversas importâncias pecuniárias, dado o não licenciamento das obras da piscina da sua moradia da HA.
Fizeram-no com o deliberado propósito do processo ser “arquivado”.
Incorreram na prática do crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 374.º do Código Penal (na redacção de 1995 e na da Lei 32/2010, de 02.09).
Porém, colaboraram, de forma (muito) relevante com a justiça para a prova e para a descoberta da verdade.
Nessa consonância e relativamente a esta situação extraia certidão de 976 a 981, para ser analisada em processo autónomo a ser registado e distribuído na complexidade “PR”.
4. GP
Resulta, “ex abundante” dos autos que GP entregou à arguida MRX diversas importâncias pecuniárias, dado o não licenciamento do seu lar “SSS”.
Fê-lo com o deliberado propósito do processo ser “bem encaminhado”.
Incorre na prática do crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 374.º do Código Penal (na redacção de 1995 e na da Lei 32/2010, de 02.09).
Porém, colaborou, de forma relevante com a justiça para a prova e para a descoberta da verdade.
Nessa consonância e relativamente a esta situação extraia certidão de 454 a 457, 769 a 774, para ser analisada em processo autónomo a ser registado e distribuído na complexidade “PR”.
[4]O que significa que não recai sobre as testemunhas qualquer dever de invocação do fundamento do impedimento, recaindo sobre o tribunal o dever de se certificar da existência do expresso consentimento, sendo que a separação de processos tinha sido ordenada em despacho que era necessariamente do conhecimento do tribunal.
[5]Que é a sanção geralmente aceite para a violação do estabelecido na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 133.º do Código de Processo Penal (ver, neste sentido, SEIÇA, António Alberto Medina de, in «O Conhecimento Probatório do Co-Arguido», Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 93 e 94, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in «Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», 4.ª edição, UCP, Lisboa, 2011, p. 373, e GASPAR, António Henriques e outros, in «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, Coimbra, 2014, p. 521).
[6]Que existe quer as testemunhas estejam conscientes da relevância da questão e dos direitos que lhes assistem, quer, por menos informados, não tenham essa consciência.