Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0062036
Nº Convencional: JTRL00014031
Relator: RODRIGUES CODEÇO
Descritores: MARCAS
Nº do Documento: RL199312020062036
Data do Acordão: 12/02/1993
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T CIV LISBOA 16J
Processo no Tribunal Recurso: 3045/921
Data: 02/10/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: P C IN LIÇÕES DE DIREITO COMERCIAL PAG448. V X IN PARECER EN CJ1991 T4 PAG79. F CORREIA IN DIREITO COMERCIAL V1 PAG345.
Área Temática: DIR COM - MAR PATENT.
Legislação Nacional: CPI40 ART37 ART40 ART41 ART79.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1993/01/27 IN COL JUR T1 PAG95.
Sumário: I - No nosso ordenamento jurídico nada obsta à admissibilidade do registo de marcas de forma, desde que estas sejam gratuitas ou arbitrárias, tenham capacidade distintiva e apresentem novidade.
II - A marca registada internacionalmente em um dos países que integram a União, constituída pela Convenção de Paris, tem de ser obrigatoriamente registada em Portugal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - Parfums Ungaro, SA, recorreu do despacho do Director do Serviço de Marcas do INPI, que recusou o registo da marca internacional n. 565755, por desprovida de característica distintiva.
Por sentença de 10 de Fevereiro de 1993, o Senhor Juiz do 16 Juízo Cível da comarca de Lisboa confirmou o referido despacho.
Dela, a presente apelação, tendo a requerente, na alegação para ela, produzido conclusões que, sem quebra da sua essência, abordam os seguintes temas:
- a admissibilidade de registo de "marca de forma" (conclusões A) a I) e M);
- a capacidade distintiva da marca em causa (conclusões J) e L);
- a existência de registo internacional da referida marca (conclusões N) e O));
- a inexistência da menção "marca plástica" no pedido de registo internacional; (conclusões P) a S)).
Para o Ministério Público, o recurso não merece provimento.
2 - Estão provados os seguintes factos:
- A empresa Parfums Ungaro, SARL, sediada em Neuilly-Sur-Seine, França, requereu protecção em Portugal para a sua marca internacional com o n.
565755;
- Essa marca apresenta o formato de um frasco cilindrico, com uma tampa lisa, onde está inscrita a palavra Ungaro, que se separa por uma trança que a envolve totalmente, apresentando relevos, em forma de leque, na parte inferior;
- Tal marca destina-se, designadamente, aos seguintes produtos da classe três;
"Savons, parfumerie, huiles essentielles, cosmétiques, lotions pour les cheveux, dentifrices";
- Por despacho de 10 de Março de 1992, o Director de Serviços de Marcas recusou a protecção requerida, invocando falta de capacidade distintiva.
3 - Importa, desde já, sublinhar que entendemos que, no nosso ordenamento jurídico, nada obsta à admissibilidade do registo de marcas de forma, desde que estas sejam gratuitas ou arbitrárias, tenham capacidade distintiva e apresentem novidade - cfr., neste sentido, Pinto Coelho, Lições de Dir. Com.,
(1957), 448; Nogueira Serens, Parecer na Col. Jurisp.
1991, IV, 59 e sgts.; Justino Cruz, Cod. Prop. Ind.,
176-177.
Novidade que coincidirá com a susceptibilidade de a marca se não confundir com outras anteriormente adoptadas para o mesmo produto ou para produtos semelhantes.
Capacidade distintiva que, por sua vez, significará a aptidão da marca para, em si mesma, individualizar o produto a que se destina.
Finalmente, a gratuitidade tem a ver, bem vistas as coisas, com o facto de as marcas de forma
- designadamente, as formas de recepientes dos produtos líquidos - não terem sido necessariamente concebidas ou criadas para desempenhar qualquer nova função na utilização do produto ou qualquer função ornamental - cfr., neste sentido, Vasco Lobo Xavier,
Col. cit., 1991, IV, 79.
Dentro destes limites, não temos qualquer sombra de dúvida em aceitar o registo das predidas marcas de forma.
E isto porque - como opina Nogueira Serens, Parecer citado, 76, cuja exposição estamos a seguir muito de perto - não só dos trabalhos preparatórios do Código de Propriedade Industrial, como também da letra do art. 79 deste diploma resulta que não se quis excluir esta tipologia de marcas.
Por outro lado, na fórmula por nós perfilhada, nenhumas interferências ou sobreposições se verificarão entre o estatuto jurídico das marcas (art. 79 e segts. do CPI) e o dos modelos de utilidade (art. 37 do CPI) e modelos e desenhos industriais (arts. 40 e 41 do CPI).
4 - Posto isto, volvamos a nossa atenção para a predita marca - "o juiz tem olhos para ver e tem que ver para depois julgar...", como lapidarmente escreve Pinto Coelho, Rev. Leg., Ano 93, 19 - para vermos se obedece aos requisitos apontados.
Antes de tudo, dir-se-á que se trata de um frasco de forma cilindrica, com uma tampa lisa e relevos na parte inferior, que, desde logo, repele a estandardização.
Para além disso, o que dele ressalta, de forma visível, saliente e predominante, captando, desde logo, a atenção do consumidor, é a palavra Ungaro.
Daí que quem o veja depressa o associe ao perfume "Ungaro" e logo o identificará como tal.
5 - Deste modo, o frasco em causa apresenta uma forma gratuita ou arbitrária, e, além disso, tem
- ao contrário do que se diz na sentença recorrida
(na esteira do que se afirma no despacho do Director do Serviço de Marcas) - capacidade distintiva e novidade.
Aliás, naquela - na sentença recorrida - apenas se focou o lugar de origem do produto, desprezando-se em absoluto, sem razão aparente, o formato, a concepção e a composição - a tampa, os relevos, etc. - do frasco.
Ora, obedecendo, como vimos, a marca em análise ao conjunto de requisitos atrás focados, deve a mesma ser registada em Portugal.
6 - Ocupemo-nos, agora, do registo internacional da marca em causa.
A este respeito convém ter presente, como mais saliente, que se encontra provado que a predita marca foi registada internacionalmente em França.
Ora, segundo o disposto no art. 6, quinques, A-1, da Convenção da União de Paris, de 20.03.1883, revista em Estocolmo em 14.07.1967 - aprovada em Portugal pelo Decreto n. 22/75, de 22 de Janeiro de 1975 - é admitida a registo, e como tal protegida nos outros países da União, qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registada no país de origem.
Entende-se que a marca registada internacionalmente em um dos países que integram a União, constituída pela referida Convenção de Paris, tem de ser obrigatoriamente registada em Portugal, para aqui gozar de protecção - cfr., neste sentido, Ac. STJ., de 27.Janeiro.1993, Col. Jurisp (Acordãos do STJ), I,
95.
E isto porque, como ensina Ferrer Correia, Liç. Dir.
Com., I, 345, nota 1), o direito convencional tem supremacia sobre o direito nacional - cfr., neste sentido, Corte-Real, Cod. Prop. Ind., 1974, 94;
Nogueira Serens, Parecer citado, 69.
Supremacia ou primado que, de qualquer modo, não pode nunca ser, entre nós negada ou obstaculizada, designadamente com o recurso a omissões formais facultativas, como é o caso de não se ter feito, no pedido de registo, menção à "marca plástica".
Deste modo, mesmo que aceitassemos que a nossa lei não admite o registo das chamadas "marcas de forma" a favor de nacionais, sempre o registo da marca em causa se tinha de efectuar por força do predito direito convencional.
7 - Nos termos expostos, decide-se:
- Conceder a apelação;
- Revogar a sentença recorrida;
- Ordenar que se efectue o registo solicitado.
Não são devidas custas.
Envie, oportunamente, fotocopia deste acórdão ao Serviço de Marcas.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1993.