Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | EMPREITADA GARANTIA BANCÁRIA CONSÓRCIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.–Os membros do consórcio não exercem uma actividade em comum, pois cada um continua a exercer uma actividade própria, embora concertada com as actividades dos outros membros. 2.–Do contrato de consórcio regulado no DL. 231/81, de 28.7, não nasce um novo ente jurídico próprio, com vida jurídica nova, diferente dos consorciados, o qual não tem personalidade jurídica, permanecendo cada um dos seus membros responsável pelos actos que lhe forem imputáveis. 3.–Todavia, tendo os consorciados, para além da garantia bancária prestada por cada um, dado uma garantia pessoal, ao obrigarem-se solidariamente pelas dívidas do consórcio, perante a dona da obra cada membro do consórcio assumiu a obrigação global como própria. 4.– Consequentemente, ainda que uma das empresas do consórcio tenha sido excluída deste, tal não é oponível à dona da obra com quem aquele celebrou um contrato de empreitada, mantendo-se a garantia bancária prestada por aquela até à recepção definitiva da obra. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: I.– Massa Insolvente da ... ... - Gestão de Projectos de Engenharia, S.A., instaurou a presente acção declarativa com processo comum, contra (1) ... - Gestão de Produção de Energia, S,A, (2) ... HYDRO GMBH, e (3) ... HYDRO GMBH, pedindo que: - A 1ª ré seja condenada a cancelar a garantia bancária número 2531,000572,993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S,A, devolvendo-a a esta instituição de crédito; Se assim não se entender, a autora peticiona a condenação: - Da 1.ª ré a ordenar ao banco emitente da garantia bancária número 2531.000572.993, ou seja, à Caixa Geral de Depósitos, S.A. a redução do valor da referida garantia bancária para o montante correspondente ao valor dos trabalhos executados na empreitada referente ao «Aproveitamento Hidroelétrico do Baixo Sabor», ou seja, para a quantia de C 688.348,67 (seiscentos e oitenta e oito mil trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos); Por último, se assim não se entender, a autora pede a condenação: - Das 2ª e 3ª rés a pagar à autora, com fundamento em enriquecimento sem causa, o valor correspondente a uma eventual execução da garantia bancária número 2531.000572.993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., por parte da 1ª ré. Alegou, em síntese, que no âmbito da sua actividade comercial, a ... ... - Gestão de Projectos de Engenharia, S.A. (que, por facilidade de expressão, passaremos a designar por autora) e a segunda e terceira rés, anteriormente denominadas de Va ... ... ... Gmbh e Va ... Hydro Gmbh, celebraram, em 15.09.2008, um contrato de consórcio tendente à apresentação conjunta de proposta de negociação e execução conjunta de um contrato de fornecimento de equipamentos para o aproveitamento hidroeléctrico do Baixo Sabor, promovido pela primeira ré; que no seguimento do concurso, foi adjudicado pela primeira ré, enquanto dona da obra, ao Consórcio constituído entre a autora e a segunda e terceira rés o contrato de fornecimento de equipamento para o aproveitamento hidroeléctrico do Baixo Sabor; que para garantia do cumprimento do contrato, a autora prestou por solicitação da primeira ré a garantia bancária no valor de €2.309.540,70, emitida pela Caixa Geral de Depósitos com o nº 2531.000572.993, e correspondente a dez por cento (10%) do valor total da empreitada a receber pela autora; que em 18.05.2012, a autora foi excluída do Consórcio identificado e foi obrigada a abandonar a obra; que entre a data da adjudicação da obra, em 1.01.2009, e a data de saída forçada em virtude da exclusão do Consórcio, a autora executou trabalhos que consubstanciam o pagamento pela primeira ré de €6.883.486,76; que a autora, caso tivesse executado a obra e permanecesse no Consórcio, iria ser paga pelos trabalhos integralmente executados no montante de €23.095.408,00 e a garantia bancária que prestou corresponde a 10% (dez por cento) deste valor; que, apesar de interpelada pela autora, a primeira ré não procedeu ao cancelamento da garantia bancária prestada, nem no limite à redução do seu valor junto da instituição de crédito emitente, a Caixa Geral de Depósitos; que por sentença de 14.06.2012, transitada em julgado, do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, no Processo nº 484/12.4TYLSB, a ... ... foi declarada insolvente; que o valor da garantia bancária emitida pela Caixa Geral de Depósitos está reconhecido, no âmbito do processo de insolvência da autora, como crédito sob condição a favor daquela instituição de crédito; que a manutenção da aludida garantia bancária prestada pela autora nunca poderá exceder o valor correspondente a 10% dos trabalhos, efectiva e realmente, por si executados, sob pena de servir para garantir o cumprimento de obrigações alheias, ou seja, de obrigações da segunda e terceira rés, enquanto executantes de todos os trabalhos remanescentes e pelos mesmos responsáveis; que caso não se entenda ser de condenar a primeira ré a proceder ao cancelamento da garantia bancária emitida pela Caixa Geral de Depósitos nº 2531.000572.993, deve esta ré ser condenada a pedir a correspondente redução para o valor de 10% dos trabalhos executados, €688.348,67; que a segunda e terceira rés, caso venha a ser executada a mencionada garantia bancária, irão beneficiar de um enriquecimento sem causa correspondente ao valor dos trabalhos não realizados pela autora. Na contestação, a primeira ré ... pugna pela improcedência do pedido, alegando, além do mais, que a recepção definitiva da obra só ocorre no final do período de garantia dos trabalhos, o qual tem como limite máximo cinco anos contados da recepção provisória, nos termos da cláusula 8ª do Contrato de Fornecimento e que a exclusão de um dos membros do consórcio celebrado entre a autora e as 2ª e 3ª rés não exime aquela de manter as garantias, sendo os membros do consórcio solidariamente responsáveis para com a 1ª ré; e que o valor dos trabalhos executados pela autora foi de apenas €2.845.000,00. Por sua vez, a segunda e terceira rés suscitam a excepção dilatória da ineptidão da petição na parte que lhes diz respeito, por total omissão de factos ou afirmações que sustentem os pedidos formulados, pugnando por consequência pela sua absolvição da instância nos termos do artigo 577º alínea b) e artigo 278º nº 1 alínea b) do C.P.C. Além disso, estas rés defendem que são partes ilegítimas, na medida em que, face à forma como são descritos os factos, não têm interesse directo em contradizer, nos termos do artigo 30º do C.P.C., excepção dilatória que conduz igualmente à absolvição da instância nos termos dos preceitos já citados. As rés impugnam por último alguns dos factos descritos na p.i. Pelo despacho de fls. 316/317 fixou-se à causa o valor de €2.309.540,70. Após convite, a autora apresentou articulado de resposta à matéria das excepções. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual após se julgarem improcedentes as excepções da ineptidão da p.i. e da ilegitimidade passiva e se decidiu julgar improcedentes a acção e absolver os réus dos pedidos. Não se conformando com tal decisão, interpôs a autora o recurso agora sob apreciação, apresentando as seguintes conclusões: 1.– Para garantia do cumprimento do contrato foi, a pedido da Autora (e só da Autora), emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. a favor da 1ª Ré a garantia bancária n.º 2531.000572.993, no valor de € 2.309.540,70 (dois milhões, trezentos e nove mil, quinhentos e quarenta euros e setenta cêntimos), correspondente a 10% (dez por cento) do valor total da empreitada a receber pela Autora em referência aos trabalhos por si a executar (€ 23.095.408,00 (vinte e três milhões, noventa e cinco mil e quatrocentos e oito euros)), partindo, naturalmente, do pressuposto que a Autora executaria, em consórcio com as 2ª e 3ª Rés, a empreitada em equação. 2.– Em 18 (dezoito) de Maio, de 2012, a Autora foi excluída do consórcio acima identificado. 3.– Entre a data de adjudicação da obra ora em equação, em 1 (um) de Janeiro, de 2009, e 21 (vinte) de Maio, de 2012, data do abandono da obra, pela Autora, em virtude da exclusão desta do consórcio, a Autora executou trabalhos que consubstanciaram o pagamento, pela 1ª Ré, de € 6.883.486,76 (seis milhões, oitocentos e oitenta e três mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos). 4.– O valor da garantia bancária prestada pela Autora correspondia, conforme contratualmente estipulado, a 10% (dez por cento) do montante total da empreitada a que teria direito com a execução de todos os trabalhos que lhe eram imputáveis, ou seja, a 10% (dez por cento) de € 23.095.408,00 (vinte e três milhões, noventa e cinco mil e quatrocentos e oito euros). 5.– Nos termos do n.º 2.13.1 do Caderno de Encargos, que faz parte do título contratual de que emerge a obrigação de prestação de garantia bancária, e para o qual remete o texto da garantia bancária em apreço, está, expressamente, referido que, esta se destina a garantir o cumprimento das obrigações contratuais de quem, efectivamente, cumpre com o contrato e a empreitada a este referente. 6.– Ou seja, a prestação e manutenção da caução justifica-se para garantir a correcta e idónea execução dos trabalhos adjudicados ao empreiteiro e por este executados, isto é, executados por quem requer e mandata a entidade emitente da garantia bancária a proceder à emissão desta, ou seja, pela Autora. 7.– Assim, a ratio da prestação e manutenção da garantia bancária pela Autora funda-se na manutenção enquanto empreiteira na obra em apreço, designadamente, enquanto membro do consórcio a quem foi adjudicada a empreitada para o aproveitamento hidroeléctrico do Baixo Sabor. 8.– Ao ser excluída do consórcio, a Autora, obrigada a abandonar a obra, em decorrência de tal exclusão, não se mantém mais na relação contratual, que cessa, estabelecida com a 1ª Ré enquanto membro do referido consórcio; 9.– E, assim, esvazia-se o sentido para a manutenção da garantia bancária prestada pela Autora, no âmbito do contrato de empreitada em questão, porquanto, a razão justificativa para a existência de tal garantia bancária desaparece. 10.– Não releva, nesta matéria, a solidariedade (aventada pelo Tribunal a quo para justificar tudo e algo mais) que, eventualmente, exista entre os membros do consórcio, porquanto, a repercussão prática desta solidariedade verifica-se nas relações internas entre os membros do consórcio e nas eventuais garantias prestadas entre estes e putativo de direito de regresso entre os mesmos (por obrigações assumidas em nome de outro membro do consórcio) e não na relação com o Dono de Obra e na assunção de responsabilidades a que o membro excluído (in casu, a Autora) deixa de estar vinculado. 11.– De resto, assume-se uma contradição do Tribunal a quo que utiliza a mesma fundamentação (a solidariedade decorrente do contrato de consórcio) para eximir a 1ª Ré de proceder ao cancelamento da garantia bancária (ou reduzir a mesma) e, depois, para eximir as 2ª e 3ª Rés de qualquer enriquecimento sem causa no âmbito do benefício obtido com a existência de uma garantia bancária prestada pela Autora ao abrigo de um contrato entretanto resolvido. 12.– Ou seja, o custo pertence, inteiramente, à Autora, independentemente de ter executado ou não a obra. 13.– Perante o Dono de Obra (1ª Ré) e, consequentemente, para efeitos de cumprimento de obrigação de prestação de garantia bancária referente aos trabalhos que seriam executados e assumidos pela Autora, são as 2ª e 3ª Rés quem assume tal obrigação; 14.– Conquanto, não pode à Autora ser exigido garantir aquilo que não executou, sob pena de estar a garantir obrigações alheias, o que não é, decididamente, a finalidade de uma garantia bancária que se expressa na garantia (perdoe-se a redundância) do cumprimento de obrigações próprias. 15.– Nestes termos, deve a 1ª Ré ser condenada ao cancelamento da garantia bancária número 2531.000572.993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. Ainda que assim não se entenda, o que se admite, sem se conceber, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que: 16.– Sem prejuízo do acima exposto, insofismável é que, no limite, a Autora nunca poderá manter uma garantia bancária por um valor correspondente superior a 33% (trinta e três por cento) dos trabalhos, efetivamente, executados por si, no âmbito da empreitada em questão. 17.– Ou seja, se legalmente, a Autora está, efectivamente, obrigada a prestar caução pelos trabalhos por si executados; 18.– E, contratualmente, a Autora está vinculada a prestar uma garantia bancária correspondente a 10% dos trabalhos por si executados; 19.– O valor da garantia bancária em apreço nunca poderá ser superior a 10% do montante de € 6.883.486,76 (seis milhões, oitocentos e oitenta e três mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), ou seja, superior a € 688.348,67 (seiscentos e oitenta e oito mil, trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos). 20.– A manutenção da referida garantia bancária terá que verificar-se por um valor correspondente ao valor dos trabalhos, efectiva e realmente, realizados pela Autora; Ainda que assim não se entenda, o que se admite, sem se conceber, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que: 21.– Conforme acima referido, não obstante a exclusão definitiva da Autora do consórcio adjudicatário da empreitada relativa ao aproveitamento hidroeléctrico do Baixo Sabor e, consequentemente, ao abandono da mesma, com a inexecução da totalidade dos trabalhos que lhe estavam confiados, a Autora mantém uma garantia bancária no valor de € 2.309.540,70 (dois milhões, trezentos e nove mil, quinhentos e quarenta euros e setenta cêntimos); 22.– Porquanto, caso a execução da garantia bancária em equação se verifique, a Autora sofrerá um prejuízo equivalente àquele que a Caixa Geral de Depósitos, S.A. terá com o pagamento decorrente do accionamento da garantia bancária. 23.– O valor da garantia bancária emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e ora em discussão está reconhecido, no âmbito do processo de insolvência da Autora, como crédito sob condição a favor daquela instituição de crédito. 24.– Ou seja, caso se verifique uma execução da referida garantia bancária, o valor correspondente a tal execução e ora reconhecido como crédito sob condição da Caixa Geral de Depósitos, S.A. sobre a Autora tornar-se-á efetivo e, consequentemente, o prejuízo decorrente de tal execução tornar-se-á, inevitavelmente, num prejuízo sofrido pela Autora. 25.– Pelo acima exposto, não tendo a Autora realizado a totalidade dos trabalhos a que estava obrigada, e tendo os mesmos sido executados, exclusivamente, pelas 2ª e 3ª Rés, deveriam ser estas a prestar garantia tendente a satisfazer a 1ª Ré no ressarcimento de eventuais danos decorrentes de defeitos em trabalhos executados pelas 2ª e 3ª Rés. 26.– Pelo que, o valor correspondente ao enriquecimento injustificado das 2ª e 3ª Rés consubstancia-se na quantia correspondente ao valor pelo qual a garantia bancária em questão vier a ser executada pela 1ª Ré. 27.– Na realidade, o valor pelo qual a garantia bancária em questão vier a ser executada pela 1ª Ré, caso não se entenda estarem verificados os pressupostos para o cancelamento ou redução da garantia bancária em análise, o que se concebe, sem se conceder, consubstancia-se num enriquecimento injustificado para as 2ª e 3ª Rés. 28.– Isto porque, a garantia bancária em questão garantirá prejuízos decorrentes de trabalhos não prestados pela Autora, mas, prestados pelas 2ª e 3ª Rés. 29.– Conforme dispõe o n.º 1, do artigo 473º, do Código Civil, "aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou". 30.– No caso concreto, dúvidas não resta que estão preenchidos os requisitos de cuja verificação cumulativa depende a obrigação de restituir com base no enriquecimento sem causa. 31.– Com efeito, o enriquecimento das 2ª e 3ª Rés consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, consubstanciada no facto de não responderem pelo valor equivalente aos prejuízos eventualmente tidos pela 1ª Ré decorrente de trabalhos prestados pelas 2ª e 3ª Rés; 32.– Sem que para esse ganho tenha fundamento, na medida em que, a garantia bancária em questão satisfaz uma obrigação própria da Autora e não obrigações próprias das 2ª e 3ª Rés do contrato de empreitada em questão. 33.– Por fim, a vantagem patrimonial da Ré resultou num sacrifício económico correspondente suportado pela Autora (ficou correlativa mente empobrecida), na medida em que pagará um montante decorrente de incumprimento cometido pelas 2ª e 3ª Rés. Nestes termos, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverão V. Exas. revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra que condene: - A 1ª Ré a cancelar a garantia bancária número 2531.000572.993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., devolvendo-a a esta instituição de crédito; Ainda que assim não se entenda o que, sem se conceder, se concebe por mero dever de patrocínio: - A 1ª Ré a ordenar ao Banco emitente da garantia bancária número 2531.000572.993, ou seja, à Caixa Geral de Depósitos, S.A., a redução do valor da referida garantia bancária para o montante correspondente ao valor dos trabalhos executados na empreitada referente ao "Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor", ou seja, para a quantia de € 688.348,67 (seiscentos e oitenta e oito mil, trezentos e quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos); Ainda que assim não se entenda o que, sem se conceder, se concebe por mero dever de patrocínio: - As 2ªs e 3ªs Rés, com fundamento em enriquecimento sem causa, o valor correspondente a uma eventual execução da garantia bancária número 2531.000572.993, emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., pela 1ª Ré. A 1ª Ré ..., S.A. apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1.ª– A Recorrente não recorre sobre a matéria de facto determinada na sentença, aceitando-a. 2.a– Nenhuma razão tem a Recorrente quando alega que a garantia bancária por si prestada no âmbito do Contrato de Fornecimento de Equipamentos em causa nos autos visa "garantir o cumprimento de quem, efectivamente, cumpre com o contrato e a empreitada a este referente", que "a ratio da prestação e manutenção da garantia bancária pela Autora funda-se na manutenção enquanto empreiteira na obra em apreço, designadamente, enquanto membro do consórcio" e que "ao ser excluída do consórcio, ( ... ) a razão justificativa para a existência de tal garantia bancária desaparece" . 3.ª– Resulta dos pontos 7 e 8 da matéria de facto assente que" Conforme disposto no ponto 2.13 das Condições Gerais do Caderno de Encargos ( ... ) a referida caução garante o bom cumprimento das obrigações contratuais do adjudicatário (i.e. Consórcio) durante o período de garantia, só sendo libertada aquando da recepção definitiva dos trabalhos (Cfr. Cláusula 8.6.5. do Caderno de Encargos). Ir; 4.ª– E resulta também daí que "No âmbito da mesma cláusula 8.6, a recepção definitiva ocorre no final do período de garantia dos trabalhos, a qual, nos termos da cláusula 8.5 do mesmo documento e da cláusula 8. a do Contrato de Fornecimento, terá como limite máximo 5 (cinco) anos, contados da receção provisória.". 5.ª– Conforme disposto no ponto 9 da matéria de facto "A recepção definitiva dos equipamentos ainda não ocorreu." - e está longe de ocorrer, sendo certo que a ocorrência da recepção definitiva não é alegada nem é a causa de pedir da Recorrente na presente acção. 6.ª– Razão pela qual as garantias prestadas pelo consórcio adjudicatário permanecem válidas e exigíveis nos termos contratuais e só no momento da recepção definitiva se poderá aferir do efectivo cumprimento ou incumprimento das obrigações contratuais e da consequente necessidade - ou desnecessidade - de accionar a caução. 7.ª– Por outro lado, ao abrigo da regra constante do n." 1 do artigo 435.° do Código Civil, a exclusão da Recorrente do consórcio adjudicatário, enquanto resolução desse contrato de consórcio relativamente à Recorrente, não pode prejudicar a 1ª Ré, que é terceira a esse contrato. 8.ª– Também no contrato de consórcio se dispõe expressamente que a exclusão de um membro do consórcio, por incumprimento, não o exime de manter as garantias por si prestadas para com a l.ª Ré. 9.ª– Conforme resulta do ponto 10 da matéria de facto - "Segundo consta do Contrato de Consórcio ( ... ) "na eventualidade de uma das partes (a Parte Faltosa) sofrer dificuldades financeiras ou se tornar insolvente ( ... ) então as outras partes ( ... ) terão o direito, para além de qualquer outro direito ou reparação, de excluir total ou parcialmente a parte Faltosa de prosseguir a sua participação no Consórcio ( ... ) e poderão ainda assumir os seus interesses nos termos do presente Acordo, sem que, contudo, a Parte Faltosa fique desobrigada em relação a qualquer das suas indemnizações, compromissos ou garantias nos termos do presente Acordo?", 10.ª– Resultando ainda do ponto 11 da matéria de facto que "E ainda, nos termos da sua Cláusula 17.6 do Contrato de Consórcio, consta que "uma Parte Faltosa permanecerá vinculada a todas as garantias, compromissos e cauções que tenha concedido a terceiros relativamente ao Projeto"", sendo certo também que a Recorrente não impugnou a sua exclusão do consórcio, pelo que se conformou com ela e com as suas consequências legais e contratuais. 11.ª– A Recorrente incorre num erro crasso sobre o conceito de solidariedade quando afirma que "a repercussão prática desta solidariedade verifica-se nas relações internas entre os membros do consórcio ( ... ) e não na relação com o Dono da Obra", pois a solidariedade passiva visa, pelo contrário, proteger os interesses do credor. 12.ª– Além de que os restantes membros do consórcio, ao terem assumido a responsabilidade pelo desenvolvimento dos trabalhos da Recorrente, ao abrigo da solidariedade contratual, impediram um incumprimento das obrigações da Recorrente que poderia conduzir ao accionamento da respectiva garantia bancária e não apenas à sua não libertação, pelo que a libertação da garantia, para além de não ter qualquer fundamento jurídico, seria moralmente inaceitável e abusiva. 13.ª– Quanto ao pedido de redução da garantia bancária, e a juntar ao acima exposto, as cauções prestadas pelos membros do consórcio visam garantir o valor total de 10% do preço contratual correspondente ao valor total da empreitada, pelo que a redução da garantia prestada pela Recorrente, determinaria uma redução do montante garantido em claro prejuízo para a 1. a Ré, ou, em alternativa, a 2ª e 3ª Rés, que se veriam obrigadas a compensar tal redução, saindo penalizadas pelo seu cumprimento do contrato - situação inadmissível pelos mais básicos padrões de justiça. 14.ª– Do acima exposto resulta, sem margem para dúvidas, a necessária improcedência das pretensões da Recorrente, por manifestamente infundadas, conforme decidiu o Tribunal a quo. Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis deve ser o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e mantida a sentença de que se recorre. As 2ª e 3ª Rés também apresentaram contra-alegações, concluindo nos seguintes moldes: i.– No que respeita ao pretendido cancelamento da garantia bancária, são as próprias Condições Gerais do Caderno de Encargos no ponto 2.13 que referem que a caução prestada pelos membros do consórcio durante o fornecimento dos equipamentos e durante o período de garantia só é libertada com a recepção definitiva dos trabalhos. O que ainda não aconteceu. ii.– Também na cláusula 17.6 do Contrato de Consórcio é referido que a parte faltosa permanecerá vinculada a todas as garantias, compromissos e cauções concedidas. iii.– Vide pontos 7 a 11 dos factos provados. iv.– Ou seja, as disposições contratuais aplicáveis são de uma enorme clareza. v.– Tendo a sua justificação no facto óbvio no facto da garantia bancária assegurar a boa execução dos trabalhos por si (ou pelos seus subfornecedores) efectuados. Sendo que esse propósito obviamente que vai para além da data em que a Autora foi excluída do contrato de consórcio (permanecendo, como vimos, até à recepção definitiva da obra). vi.– Vem ainda a Autora pedir a redução da garantia bancária para o valor de € 688.348,67, alegadamente, 10% do valor dos trabalhos por si executados. vii.– Aquilo que estava contratualmente previsto era que a Autora e as segunda e terceira Rés caucionassem globalmente o valor de 10% do preço da empreitada. viii.– Logo, o raciocínio da Autora, assente em 10% do valor dos trabalhos por si executados, também não tem qualquer base contratual. ix.– Depois, como muito bem refere a sentença recorrida, a Autora nem sequer teve a preocupação de, na sua Petição Inicial, concretizar os trabalhos efectuados, o que eventualmente poderia determinar qual o valor dos trabalhos por si executados ou pelos seus subfornecedores. x.– Por fim, e quanto ao alegado enriquecimento sem causa das segunda e terceira Rés, não se pode a Autora colocar-se agora na posição cómoda de quem (i) recebeu uma quantia para fazer os seus trabalhos; (ii) não executou uma parte muito significativa desses mesmos trabalhos; (iii) deixou elevados prejuízos às Rés e aos subfornecedores com quem contratou e agora, sem fundamento contratual ou legal, como que inventa uma tese jurídica baseada na figura jurídica do enriquecimento sem causa, para pedir o cancelamento da garantia bancária. xi.– Aliás, se existisse o cancelamento da garantia bancária, como pretende a Autora, tal iria muito provavelmente aumentar ainda mais os prejuízos das segunda e terceiras Rés (para além daqueles que tiveram que suportar fruto do incumprimento da ... ..., como vimos acima) que teriam que prestar novas garantias perante a primeira Ré, se esta assim o pretendesse. xii.– Assim, e em conclusão, não só não está demonstrado o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento de outro, decorrentes do mesmo facto, como também não está demonstrada a ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial por eles envolvida. xiii.– Sendo que, desde logo, a Autora falha no cumprir da obrigação que impende sobre aquele que invoca o enriquecimento sem causa, o qual tem o ónus de alegar e provar a inexistência de causa, como facto constitutivo do invocado direito à restituição (de acordo com o artigo 342°, nº1, do CC). xiv.– Também as considerações da Autora de que as segunda e terceira Rés estarão a beneficiar da existência da garantia bancária (pelo facto dos trabalhos alegadamente terem sido por si realizados) é puramente especulativa e não assente em factos articulados pela Autora. Esta, na verdade, nem sequer descrimina que trabalhos estão em causa o que demonstra a superficialidade e total falta de fundamento da sua pretensão. xv.– Em suma, deve improceder na totalidade o recurso apresentado pela Autora e ser mantida a douta sentença recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II.– As questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar: - se é caso de cancelar o valor da garantia bancária prestada pela ... ... - Gestão de Projectos de Engenharia, S.A. a favor da 1ª ré (pedido principal); - ou se é caso de reduzir essa garantia (1º pedido subsidiário); - ou se ocorre uma situação de enriquecimento sem causa das 2ª e 3ª rés à custa da ... ... - Gestão de Projectos de Engenharia, S.A. (2º pedido subsidiário) * III.– Factos considerados provados em 1ª instância (por documento e acordo das partes): 1.– A 1ª Ré (..., dona da obra) é concessionária da utilização privativa dos recursos hídricos da albufeira do Baixo Sabor para produção de energia hidroeléctrica, ao abrigo do "Contrato de Concessão relativo à Utilização dos Recursos Hídricos para Captação de Águas Superficiais destinadas à Produção de Energia Hidroeléctrica" celebrado com o Estado Português em 26 de Junho de 2008 (Ctr. art. 7.g da Contestação da 1ª Ré). 2.– No âmbito dessa utilização a 1 ª Ré promoveu o Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor (doravante "AHBS"), que consiste "num empreendimento para produção de energia elétrica, composto, como elementos principais, por duas barragens no mesmo rio e a pouca distância uma da outra ... " (Ctr. ert. 8. g da Contestação da 1ª Ré). 3.– A ... ... e as 2ª e 3ª Rés celebraram, a 15 de Setembro de 2008, um Contrato de Consórcio (dr. doc. 3 da Petição Inicial) tendente à apresentação conjunta de proposta, negociação e execução conjunta de um Contrato de Fornecimento de equipamentos para o AHBS. 4.– O referido Contrato de Fornecimento de equipamentos para o AHBS, foi celebrado a 25 de Fevereiro de 2009, entre a 1ª Ré, na qualidade de "Dono da Obra" e o Consórcio ... Hydro/ ... ... na qualidade de fornecedor (cfr. doc. 2 da Petição Inicial). 5.– No âmbito do referido Contrato de Fornecimento, o consórcio obrigou-se ao "fornecimento - incluindo estudo e projectos, fabrico, transporte, montagem e ensaios - dos equipamentos, materiais e serviços para o AHBS' (Cláusula 1.ª do Contrato de Fornecimento, cfr. Doc. 2 da Petição Inicial). 6.– Conforme consta do ponto 16.3 do Programa de Concurso do Contrato de Fornecimento, junto pela 1 ª Ré, como documento nº 1 da sua Contestação, (que cfr. Cláusula 2.1. do Contrato de Fornecimento fazem dele parte integrante), o Adjudicatário (o consórcio) obrigou-se a "prestar a Caução do Contrato, no valor de 10% do preço total do contrato, mediante entrega de garantia bancária ou de seguro-caução, nos termos do modelo anexo ao presente PC, sem o que a adjudicação não produzirá efeito". 7.– Conforme disposto no ponto 2.13 das Condições Gerais do Caderno de Encargos (que cfr. Cláusula 2.1. do Contrato de Fornecimento fazem dele parte integrante), a referida caução garante o bom cumprimento das obrigações contratuais do adjudicatário (i.e. Consórcio) durante o período de garantia, só sendo libertada aquando da recepção definitiva dos trabalhos (Cfr. Cláusula 8.6.5. do Caderno de Encargos). 8.– No âmbito da mesma cláusula 8.6, a recepção definitiva ocorre no final do período de garantia dos trabalhos, a qual, nos termos da cláusula 8.5 do mesmo documento e da cláusula 8.ª do Contrato de Fornecimento, terá como limite máximo 5 (cinco) anos, contados da recepção provisória. 9.– A recepção definitiva dos equipamentos ainda não ocorreu (Cfr. Art. 19.º da Contestação da 1ª Ré). 10.– Segundo consta do Contrato de Consórcio, que rege as relações internas entre os seus membros, "na eventualidade de uma das partes (a Parte Faltosa) sofrer dificuldades financeiras ou se tornar insolvente (..) então as outras partes (..) terão o direito, para além de qualquer outro direito ou reparação, de excluir total ou parcialmente a parte Faltosa de prosseguir a sua participação no Consórcio (..) e poderão ainda assumir os seus interesses nos termos do presente Acordo, sem que, contudo, a Parte Faltosa fique desobrigada em relação a qualquer das suas indemnizações, compromissos ou garantias nos termos do presente Acordo" (Cfr Tradução Livre da cláusula 17.4 do Contrato de Consórcio, junto como doe. 3 da Petição Inicial). 11.– E ainda, nos termos da sua Cláusula 17.6 do Contrato de Consórcio, consta que "uma Parte Faltosa permanecerá vinculada a todas as garantias, compromissos e cauções que tenha concedido a terceiros relativamente ao Projecto" (Tradução livre da Cláusula). 12.– As garantias foram prestadas pelos membros do Consócio, ao abrigo do ajustado na cláusula 3.ª do Contrato de Consórcio (junto à Petição Inicial como Doe. 3.º), na proporção do seu "Âmbito de Trabalhos" (tradução livre do termo "Scopes of Works"). 13.– Tendo assim os membros do Consórcio acordado que cada um deles asseguraria a prestação da garantia bancária correspondente ao valor dos trabalhos a seu cargo, para que as garantias assegurassem, no seu conjunto, 1 0% do preço contratual, conforme exigido pelo Programa de Concurso, no seu ponto 16.3 (Cfr. doc. 1 da Contestação da 1 ª Ré). 14.– Nesse sentido, a ... ... constituiu uma garantia bancária no valor de €2.309.540,70 (dois milhões, trezentos e nove mil, quinhentos e quarenta euros e setenta cêntimos), a favor da 1ª Ré, dona da obra (cfr. Doc. 4 da Petição Inicial). 15.– Consta da referida garantia bancária que a mesma é "constituída nos termos e para os efeitos especificados na Cláusula 2. 13 das Condições Gerais, conforme se estipula na Cláusula 16 do Programa de Concurso", ou seja, para garantir o bom cumprimento das obrigações contratuais do adjudicatário (i.e. Consórcio) durante o período de garantia, só sendo libertada aquando da recepção definitiva dos trabalhos. 16.– Conforme ajustado na Cláusula 13.1.1 do contrato de consórcio, "Relativamente ao Cliente, as Partes acordam aceitar uma responsabilidade solidária pelo cumprimento de todos os termos e condições do Contrato" (Tradução livre do Contrato de Consórcio, junto à Petição Inicial como doc. n.º3) 17.– No "Acordo de Cooperação para Projecto de Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor" (junto à contestação da 1ª Ré como doc. n.º 2), na sua cláusula 4.3, consta que "As Partes terão a responsabilidade solidária perante o Cliente por suas obrigações decorrentes do Contrato". 18.– Internamente, a Cláusula 13.1.3 do Contrato de Consórcio consagra que "Na eventualidade de o Cliente considerar uma Parte responsável por danos, especialmente em virtude de um incumprimento, atraso ou cumprimento deficiente do contrato, sem que tal Parte seja internamente responsável pelos mesmos, a Parte responsável pela reclamação reembolsará a Parte em causa de todas as despesas que esta tiver de suportar com o cumprimento das suas obrigações perante o Cliente" (Tradução livre do Contrato de Consórcio, junto à p.i. como doc. n.º3). 19.– A 7 de Maio de 2012 a ... ... foi excluída pelas 2ª e 3ª Rés do Consórcio (cfr. Doc. 5 da Petição Inicial). 20.– Conforme consta na carta enviada pela 2.ª e 3.ª Rés à 1ª Ré, estas invocaram como fundamento (Cfr. Doc. n.º 5 da Contestação da 1ª Ré) os "(i) atrasos reiterados da ... ... no envio de notas de compra necessárias para a prossecução do projecto, (ii) não pagamento de dívidas vencidas a fornecedores,' (iii) cessação ou suspensão da prestação de trabalhos de diversos trabalhadores da Autora, devido a incumprimentos salariais, (iv) não pagamentos de custos de gestão da obra, com risco para o progresso dos trabalhos (v) desvio de cerca de 5 milhões de euros recebidos da 1.ª Ré para outros fins que não o projecto, em violação do compromisso assumido no contrato de consórcio de alocar todos os montantes recebidos pela 1. ª Ré ao projecto': 21.– Em 14 de Junho de 2012, a ... ... foi declarada insolvente, em virtude de sentença, já transitada em julgado, proferida pelo 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, no processo n.º 484/12.4TYLSB (Cfr. Doc. 9 junto à Petição Inicial). 22. A 1 ª Ré pagou à ... ... a totalidade do montante faturado no âmbito do contrato de fornecimento no valor de C 6.883.486,73 (artigo 10º da petição). * IV.–Da questão de Direito: Da (eventual) responsabilidade da 1ª ré: Flui dos autos que a 1ª ré ... lançou um concurso para o fornecimento de equipamentos para o Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor ("AHBS"). Do programa do concurso constava (ponto 6.5) que “No caso de a adjudicação ser feita a um agrupamento de empresas, estas associar-se-ão obrigatoriamente antes da celebração do contrato, em regime de responsabilidade solidária (…)” – vide fls. 128. Com vista à apresentação conjunta de proposta, negociação e execução conjunta de um Contrato de Fornecimento de equipamentos para o AHBS, a autora ... ... e as 2ª e 3ª Rés celebraram, a 15 de Setembro de 2008, um Contrato de Consórcio ... Hydro/... ... (fls. 52 a 72 dos autos). No dia 25 de Fevereiro de 2009 foi celebrado entre a 1ª ré e o Consórcio um contrato de fornecimento (fls. 37 a 50), tendo este último se obrigado ao "fornecimento - incluindo estudo e projectos, fabrico, transporte, montagem e ensaios - dos equipamentos, materiais e serviços para o AHBS' (Cláusula 1.ª). O contrato celebrado entre a autora e as 2ª e 3ª rés constitui um contrato de consórcio externo, como resulta do mesmo e da restante factualidade apurada. O contrato de consórcio mostra-se regulado no DL. 231/81, de 28.7, que o define como: “O contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectivos referidos no artigo seguinte”. Os membros do consórcio não exercem uma actividade em comum, pois cada um continua a exercer uma actividade própria, embora concertada com as actividades dos outros membros. “O consórcio diz-se externo quando as actividades ou os bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade” – art. 5º, n.º 2.– Do contrato de consórcio não nasce um novo ente jurídico próprio, com vida jurídica nova, diferente dos consorciados, o qual não tem personalidade jurídica, logo não é susceptível de por si estar em juízo, permanecendo cada um dos seus membros responsável pelos actos que lhe forem imputáveis – cfr. Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades, 2ª edição, Almedina, pag. 94; Ac STJ de 17 de Junho de 2014, Fonseca Ramos (Relator), acessível in www.dgsi.pt. Dispõe o art. 19º, n.º1 e 3, do diploma legal citado, que: “1.–Nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros não se presume a solidariedade activa ou passiva entre aqueles membros. (…) 3.–A obrigação de indemnizar terceiros por facto constitutivo de responsabilidade civil é restrita àquele dos membros do consórcio externo a que, por lei, essa responsabilidade for imputável, a menos que haja estipulação própria quanto à distribuição desse encargo.”. Todavia, no caso em apreciação, quer no contrato de consórcio (cláusula 13.1.1) – regula as relações internas dos consorciados -, quer no contrato de fornecimento (em face do clausulado no ponto 6.5 do programa do concurso) – regula as relações entre o consórcio e a 1ª ré - estabeleceu-se a responsabilidade solidária dos consorciados pelo cumprimento das obrigações para com a 1ª ré. Tendo sido adoptado o regime da solidariedade passiva, e independentemente da circunstância de serem diferentes as quotas de cada um dos consorciados quanto à execução dos trabalhos, para a 1ª ré o que releva é a prestação de uma garantia do montante de 10% do preço dos trabalhos adjudicados, para garantia do bom cumprimento das obrigações contratuais do adjudicatário (i.e. Consórcio), independentemente de qual dos consorciados a prestasse. O que vale por dizer que os membros do consórcio afastaram a aplicação da regra do art. 19º, nº1, DL.231/81, de 28.7, ou seja, os consorciados afastaram a não presunção da regra da solidariedade, e, consequentemente, excluíram também o regime estabelecido no n.º 3 – “A obrigação de indemnizar terceiros por facto constitutivo de responsabilidade civil é restrita àquele dos membros do consórcio externo a que, por lei, essa responsabilidade for imputável, sem prejuízo de estipulações internas quanto à distribuição desse encargo.” Por outra via: Apurou-se que os membros do Consórcio acordaram que cada um deles asseguraria a prestação da garantia bancária correspondente ao valor dos trabalhos a seu cargo, para que as garantias assegurassem, no seu conjunto, 10% do preço contratual, conforme exigido pelo Programa de Concurso, no seu ponto 16.3. Nesse sentido, a ... ... constituiu uma garantia bancária no valor de €2.309.540,70, a favor da 1ª Ré, dona da obra (fls. 74 dos autos). Consta do texto da garantia bancária o seguinte: A CGD, a pedido da firma ... ... – Gestão de Projectos de Engenharia, SA, neste texto designada por adjudicatária, declara prestar a favor da ... – Gestão da Produção de Energia, SA, uma garantia autónoma no valor de €2.309.540,70, que constitui a caução necessária para a celebração do contrato de fornecimento dos equipamentos para o Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, nos termos e para os efeitos especificados na Cláusula 2.13 das Condições Gerais, conforme se estipula na Cláusula 16 do Programa de Concurso. Por força desta garantia, a CGD obriga-se a fazer a entrega à ...– Gestão da Produção de Energia, SA das importâncias até ao valor global acima referido, que esta solicitar por escrito, incluindo a repetição do indevido. A CGD compromete-se a pagar à ...– Gestão da Produção de Energia, SA a importância que esta lhe exigir em conformidade com o parágrafo anterior, procedendo a esse pagamento no prazo de cinco dias úteis após o primeiro pedido escrito que dele lhe faça a ...– Gestão da Produção de Energia, SA. A CGD compromete-se a pagar a importância que a ... – Gestão da Produção de Energia, SA lhe exigir, sendo-lhe deixar de o fazer sob qualquer pretexto ou fundamento, nomeadamente, de que não está demonstrada a mora, a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da adjudicatária. A CGD não pode, outrossim, opor à ...– Gestão da Produção de Energia, SA quaisquer meios de defesa que a adjudicatária possa porventura prevalecer-se em face dela. Esta garantia permanece válida até à recepção definitiva. Assim, a garantia prestada pela autora assumiu a modalidade on first demand. Nestas, há da parte do garante a obrigação de pagar a quantia estabelecida com base no mero pedido, solicitação ou interpelação do beneficiário, sem que lhe seja permitido invocar qualquer excepção fundada na relação fundamental entre o beneficiário e o seu devedor. Como costuma invocar-se na gíria bancária, o carácter autónomo do funcionamento desta garantia significa: «pediu, pagou»; o garante não pode contestar o pagamento que lhe foi exigido (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuseta da Ponte; Garantias do Cumprimento, 5ª edição, pág. 136). Acontece que a garantia bancária foi prestada pela autora como garantia do bom cumprimento das obrigações contratuais do adjudicatário (i.e. Consórcio) atá à recepção definitiva da obra e não apenas das obrigações assumidas pela autora, ainda que o montante da garantia autónoma tenha sido calculada nas relações internas entre os consorciados em função do valor da obra que cada uma executaria. Na verdade, para além da garantia autónoma, a autora deu uma outra garantia pessoal, ao obrigar-se solidariamente com as demais consorciadas pelas dívidas do consórcio (perante a ré cada membro do consorcio assumiu a obrigação global como própria). Significa isto que, contrariamente ao sustentado pela apelante, as garantias prestadas por cada um dos consorciados respondem pelo cumprimento das obrigações assumidas por todas as empresas agrupadas para com a 1ª ré, a qual pode exercer os seus direitos integralmente contra qualquer deles (art. 512º, n.º 1, do C.C.). E ainda que a 7 de Maio de 2012 a autora tenha sido excluída do consórcio pelas 2ª e 3ª rés e que no dia 18 de Maio de 2012 tenha abandonado a obra – facto a que a 1ª ré é alheia -, a garantia não caducou, pois que a sua validade perdura até à recepção definitiva da obra. Como se refere na sentença recorrida: “A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles (artigo 512º nº 2 do C. C.). E relativamente aos efeitos da resolução do contrato, no nº 1 do artigo 435º é expressamente ressalvado que não prejudica os direitos adquiridos por terceiro”. Não se esvaziou assim o sentido para a manutenção da garantia bancária prestada pela Autora, no âmbito do contrato de empreitada em questão, tanto mais que ao que tudo indica a empreitada foi levada a cabo pelos demais consorciados e não foi alegado ter ocorrido a recepção definitiva da obra. Até lá a autora é responsável perante a 1ª ré pelos danos decorrentes de eventual incumprimento contratual dos consorciados, enquanto responsável solidária. Por outro lado, a garantia também não pode ser reduzida, sob pena da 1ª ré ver afectada a sua garantia. É que como deixámos expresso, nas relações com a 1ª ré (dona da obra) a autora assumiu uma obrigação própria e não alheia, não estando apenas contratualmente vinculada a prestar uma garantia bancária correspondente a 10% dos trabalhos por si executados. E o contrato celebrado entre a 1ª ré e o Consórcio ainda se mantém em vigor. Por conseguinte, tendo a autora se obrigado perante a 1ª ré nesses moldes, e não tendo ocorrido a recepção definitiva da obra, não pode a mesma se libertar da garantia bancária que prestou ou ver reduzida o seu valor, sem que simultaneamente outro membro do consórcio preste idêntica garantia, situação que não se verifica, nem tal foi sequer alegado. Improcede, por isso, a pretensão deduzida pela autora relativamente à 1ª ré. Quanto à pretensão deduzida contra a 2 e 3ª rés: A questão posta pela apelante prende-se com as relações internas entre os membros do consórcio. Ora, não obstante não ser conjunta a execução dos trabalhos assumidos por cada uma das empresas consorciadas, estabeleceu-se no Contrato de Consórcio que "na eventualidade de uma das partes (a Parte Faltosa) sofrer dificuldades financeiras ou se tornar insolvente (..) então as outras partes (..) terão o direito, para além de qualquer outro direito ou reparação, de excluir total ou parcialmente a parte Faltosa de prosseguir a sua participação no Consórcio (..) e poderão ainda assumir os seus interesses nos termos do presente Acordo, sem que, contudo, a Parte Faltosa fique desobrigada em relação a qualquer das suas indemnizações, compromissos ou garantias nos termos do presente Acordo" (Cfr Tradução Livre da cláusula 17.4 do Contrato de Consórcio). E na Cláusula 17.6 do Contrato de Consórcio consta que "uma Parte Faltosa permanecerá vinculada a todas as garantias, compromissos e cauções que tenha concedido a terceiros relativamente ao Projecto" (Tradução livre da Cláusula). Deste modo, foi a autora que no âmbito da sua liberdade contratual se vinculou, perante a dona da obra, a garantir como obrigação própria a obra no seu conjunto, ainda que parte da mesma fosse realizada pelos demais consorciados. Bem como foi ela quem, perante os demais consorciados, se obrigou a manter a garantia que viesse a prestar ainda que se tornasse insolvente ou fosse excluída do consórcio. Não pode agora a apelante queixar-se daquilo a que voluntariamente se obrigou até à recepção definitiva da obra. É claro que até lá recaem sobre si os custos da garantia prestada, mas sib imputet. Apenas se a final se vier a apurar que as 2ª e 3ª rés incumpriram culposamente as obrigações assumidas perante a 1ª ré e esta accionar a garantia prestada pela autora é que poderá ocorrer uma situação danosa para esta. Todavia, nessa eventualidade, a autora terá direito de regresso contra as 2ª e 3ª rés, na parte em que satisfizer a parte que a estas vier a competir – art. 524º do CC. E facultando a lei à autora, caso ocorra uma situação desse tipo, direito a ser indemnizada por força do estabelecido naquele normativo, não lhe assiste o direito à restituição fundada no instituto do enriquecimento sem causa – art. 474º do CC. Como se refere na sentença recorrida, “(…) ainda que a autora tenha sido excluída do Consórcio e abandonado a obra, sem chegar a concluir os trabalhos da empreitada que lhe incumbiam, o eventual direito a indemnização que lhe assista, se a garantia prestada for accionada, deverá ser aferido com base na responsabilidade contratual da segunda e terceira rés, por violação das obrigações assumidas no Contrato de Consórcio e não em função do instituto do enriquecimento sem causa, de aplicação subsidiária. Aliás, internamente, a cláusula 13.1.2 do contrato consagra o direito de regresso nas relações entre membros, na «eventualidade de o Cliente considerar uma Parte responsável por danos, especialmente em virtude de um incumprimento, atraso ou cumprimento deficiente do contrato, sem que tal Parte seja responsável pela reclamação reembolsará a Parte em causa de todas as despesas que esta tiver de suportar com o cumprimento das suas obrigações perante o Cliente». De resto, no momento actual ainda não ocorreu a execução da garantia prestada e, consequentemente, as 2ª e 3ª rés não tiveram qualquer enriquecimento à custa a autora. Improcede, pois, “in totum” a apelação. *** V.–Decisão: Pelo exposto decide-se: 1.– Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida; 2.– Custas pela apelante; 3.– Notifique. Lisboa, 12 de Dezembro de 2017 (Manuel Ribeiro Marques – Relator) (Pedro Brighton – 1º Adjunto) (Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta) |