Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
108/11.7TELSB.L1-3
Relator: VASCO FREITAS
Descritores: SENTENÇA CONDENATÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1.O artigo 374º nº 3 al. b) do Cod. Proc. Penal não exige que se faça uma descriminação fáctica e temporal dos crimes que o arguido vai absolvido ou condenado, sendo que basta que tal descrição seja efetuada na fundamentação de direito,

2.Tendo prestado TIR, a notificação do arguido considera-se legalmente efectuada, mesmo que a respectiva carta de notificação venha devolvida com os dizeres “já não mora cá”, e que a não comunicação da alteração da morada tenha sido da responsabilidade defensor do arguido, nada impedindo que se proceda à realização do julgamento na ausência deste.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


Na ...ª Secção da Instância ... Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foram submetidas a julgamento as arguidas I.F. e C.S.C., devidamente identificadas nos autos, tendo no final sido proferido acórdão que decidiu:

Absolver.
A arguida I.F. pela prática, dos cinco crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, pelos quais vinha acusada;
Arguida C.S.C. pela prática, de dois crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, pelos quais vinha acusada;

Condenar.
-a arguida C.S.C. pela prática, de 3 (três) crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um, e em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão
a arguida C.S.C. no pedido de indemnização cível movido por ICS  Valente N.daC.eS..., no pagamento à demandante de uma indemnização no valor de € 4.816,00 por danos patrimoniais e € 250,00 por danos não patrimoniais

Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a arguida, C.S.C. pretendendo a sua absolvição, ou o reenvio do processo para novo julgamento, ou se assim não for de entender que lhe seja suspensa a pena adequada aplicada, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1ª-Foi a Arguida acusada  de 5 crimes de idêntica natureza, praticados em momentos   distintos e contra pessoas diferentes;
2ª-A  sentença limita-se a dizer que a Arguida C.S.C.  vai absolvida pela prática de   2   crimes, pelos quais vinha acusada;  e que vai condenada pela prática de 3 crimes de auxílio  material p. e p. no art.  232° Código   Penal,  com referência aos crimes de burla informática e   acesso   ilegítimo   p.   e   p., respetivamente,   pelos   art.   221°   do   Código   Penal   e   7o   da   Lei   n° 109/2009 de 15 de Setembro, na pena de 9 meses   de   prisão   por   cada   um.
3ª-No  dispositivo da sentença não se  especifica  nem  se  identificam  os crimes dos   quais   a   Arguida foi  absolvida, nem aqueles em  que aconteceu a condenação;
4ª-Assim, a Arguida sabe,  apenas, que foi absolvida em 2 dos 5 crimes de  2 crimes  de  vinha   acusada e que foi condenada em  3, não sabendo em quais aconteceu a absolvição e em quais   aconteceu a condenação, circunstância que não lhe permite tomar posição quanto  aos crimes pelos quais   foi   condenada;
5ª-Facto   que   contraria   o   disposto   no   art.   374°   3,   alínea   b)   do   Código  de Processo   Penal   e   conduz   à   nulidade   da   sentença   nos   termos   do   art.  379° n°1 da mesma lei, nulidade  essa   que,   ora   e   aqui,   expressamente,   se   invoca.

6ª-Ao contrário do sustentado   pelo tribunal a quo, a Arguida Recorrente não estava    regularmente    notificada   para   a
 audiência,   tão    pouco   tinha   sido notificada  da   Acusação;   situações que eram perfeito conhecimento do tribunal a quo, pois tanto a carta de notificação da   Acusação, como a carta de notificação do  despacho  que a recebeu e  designou dia para o   julgamento,   foram   devolvidas   e estão   nos   autos,   com  as  seguintes   menções:
-A   carta   de   notificação   da   Acusação   que   se   encontra   a   fls.   321,   com menção   "não mora cá ninguém com este nome";
-A carta com o despacho que recebeu a  Acusação  e  designou datas para   o julgamento,   que   se   encontra   a   fls.   com   as   menções   "   desconhecido"   e   "não   mora cá";

7ª-Pelo que o   tribunal a quo não devia,  nem podia ter dado início ao julgamento, nem   permitido a sua continuação na ausência da Arguida,  devendo, antes,  ter   despachado   no   sentido   do adiamento da audiência, para que   fosse efetuada  a  notificação da Arguida e tomadas as   medidas   que   assegurassem   a   sua presença   no julgamento.
8ª-Estando em causa crimes de auxílio material para à prática de burla informática   e   acesso   ilegítimo   a   contas   bancárias   de   terceiros,   cuja   prova indiciária assentava basicamente, para não dizer exclusivamente, nas movimentações   bancárias   das   contas   bancárias   de   terceiros   para   as   contas   das Recorrente   e   posterior   transmissão   dos   valores   a   indivíduos   não   identificados, salvo o   devido   respeito   por   posição   diversa,   impunha-se   e   era   imprescindível   a presença   da   Arguida;
9ª-Presença   essa   sem   a   qual,   não   poderia   o   tribunal   a   quo   fazer   qualquer juízo   culpabilidade   da   Arguida,   designadamente   se   seria   uma   atuação   inocente   ou culposa,   se   culposa   a   nível   de   dolo   ou   de   negligência   censurável,   se   dolosa   qual   o nível   de   dolo   que   teria   caracterizado   as   suas   atuações.
10ª-Deste   modo,   o   tribunal   a   quo   não   deveria   ter   consentido   o   início   e, posteriormente  o   prosseguimento   do   julgamento   na   ausência   da   Recorrente,   tanto mais   que   conforme   se   referiu,   estava   documentado   nos   autos,   logo,   o   Tribunal tinha   a   obrigação de   saber,   que   a   Recorrente   ainda   não   havia   sido   notificada   e   por conseguinte,   não   tinha   conhecimento,   nem   da   acusação,  nem   do   despacho   que   a recebeu   e   designou   dia   para   o julgamento;
11ª-Termos em que, tendo  o  julgamento sido realizado na ausência da Arguida, deverá ser   declarada a nulidade insanável prevista no art.  119,   c)   do   CPP, que   determina   a   nulidade   de   todo   o   julgamento   e   de   todos   os   atos   subsequentes, nos   termos   do   art.   122°,   n°   1   do   mesmo   diploma   legal,   a   qual   deve   ser   declarada por   violação   dos   arts.   332°,   n°   1,   333°   n°   1   e   n°   2,   116°   n°   2   e   61°,   n°   1   a)   todos   do CPP.
12ª-Com   base   na   débil   prova   produzida   em   julgamento,   que   consistiu, basicamente,   na constatação de que dinheiros de contas de terceiros foram transferidos para as   contas   bancárias   da   Recorrente   contra   a   vontade   dos   legítimos titulares   e   não   tendo   a   Recorrente   sido   ouvida, nem   sido   produzida  qualquer outra prova  que atestasse  a  que título  e  com   que   ânimo   foi   a   sua   intervenção   nos   factos em   julgamento,   mais   concretamente,   se   sabia,   previu   ou   podia   prever   que   as   suas contas   iriam   ser   utilizadas   para   a   prática   de   atos   ilícitos,   designadamente,   serem utilizadas   para   desvio   de   dinheiros   de   contas   de   terceiros   contra   a   vontade   dos titulares;
13ª-Não   podia   nem   devia   o   tribunal   a   quo   ter   considerado   como   provada  a prática   pela   Recorrente   dos   3   crimes   pelos   quais   foi   condenada,  devendo,   sim,   ter absolvido   a   Recorrente   de   todos   os   crimes   de   que   vinha   acusada.
14ª-O   tribunal   a   quo   não   procedeu   à   investigação   necessária   à   determinação da situação pessoal, económica e social do Arguida/Recorrente, elementos essenciais   para   a   determinação   da   modalidade   da   sanção   e   do   quantum   da   pena, conforme   resulta   do   n°   2   al.   d)   do   art0   71°   do   C.P.,   pelo   que,   a   sentença   padece, nesta parte,   do   vício   da   insuficiência   da   matéria   de   facto.
15ª-Tendo  o julgamento   decorrido   na   ausência   da   Arguida/Recorrente   e   não tendo   sido   elaborado   relatório   social,   nada   ficou   provado   acerca   da   situação económica   e   social   da   Arguida.
16ª-Assim,   porque   o   Tribunal   a   quo   não   procedeu   à   investigação   necessária à   determinação   da   situação   pessoal,   económica   e   social   da   Arguida/Recorrente,   a sentença   padece,   nesta   parte,   do   vício   da   insuficiência   da   matéria   de   facto;
17ª-Pelo   que,   caso   também   não   vingue   a   tese   da   revogação   da   sentença condenatória   e   sua   substituição   por   decisão   absolutória,   o   processo  deverá   ser remetido   ao   Tribunal   a   quo,   nos   termos   do   art.   371°   do   C.P.P.,   onde   deverá   ser reaberta   a   audiência   e   investigados   os   factos   em   falta   e,   em   face   deles,   ser determinada   a   sanção.
18ª-Ainda   que   se   confirmasse   a   acusação   em   toda   na   sua   plenitude,   nem mesmo   assim   estaria   justificado   o   recurso   à   solução   radical   de   aplicação,   desde logo,   de   pena   efetiva   de   privação   de   liberdade;
19ª-Termos   em   que,   caso   faleça   todo   o   acima   referido,   e   seja   de   manter   a pena   de   prisão   aplicada   à   Recorrente,   deverá   a   mesma   ser   suspensa   na   sua execução.
Assim fazendo. V. Exas estareis a realizar total, inteira, devida   e   costumada.
Justiça.
Disposições violadas:   arts.   332°,   n°   1,   333°   n°   1   e   n°   2,   116°   n°   2   e   61°,   n°   1 a)   e   97°   n°   4   todos   do   CPP;   art.   32°   n°s   5,   1,   6   e   7,   bem   como   o   art.   205°,   todos   da Constituição   da   República   Portuguesa,   assim   como   o   art.   333°   n°   3   do   CPP;   e ainda   do   art.   371°   do   CPP;   Princípio   fundamental   de   Direito   in   dúbio pro   reo.”
*

O recurso foi admitido.
*

Na resposta, o Mº Pº pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso, e manutenção da decisão recorrida.
*

Nesta Relação, a Exma Srª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, secundando o MºPº na 1ª instância e aderindo à fundamentação da resposta por ele apresentada.
*

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre decidir.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.

São os seguintes, para o que aqui interessa, os factos que o Tribunal colectivo deu como provados:

-I-
1.-Os serviços homebanking disponibilizados pelos bancos, permitem que os seus clientes, através da Internet (ou telefone), possam aceder e efectuar operações bancárias nas contas bancárias de que são titulares
2.-Para o efeito, a cada cliente registado nos serviços homebanking são atribuídos códigos e credenciais únicas, pessoais e intransmissíveis destinados a atestar a autenticidade e a legitimidade do acesso e das ordens efectuadas nas contas bancárias de que são titulares, nomeadamente a realização de transferências bancárias.
3.-No entanto, através de sofisticadas técnicas informáticas, vulgarmente denominadas phishing, indivíduos ou grupos de indivíduo conseguem capturar e recolher, sub-repticiamente, esses dados de acesso, contra a vontade e sem conhecimento dos seus titulares.
4.-Para o efeito recorrem, nomeadamente,
- à canalização dos clientes bancários que pretendem aceder aos serviços homebanking para sites idênticos aos desses serviços onde aqueles, julgando tratar-se do verdadeiro site do banco, inserem os respectivos códigos e credenciais, fornecendo esses dados a terceiros
-ao envio de mensagens de correio electrónico como sendo provenientes do banco, onde solicitam a introdução dos dados de acesso aos serviços homebanking a pretexto de se tratar de procedimentos de segurança
-à contaminação dos computadores utilizados pelos clientes bancários com vírus do tipo “cavalo de Tróia” (trojans) permitindo a monitorização da actividade desses computadores e obter os dados de acesso aos serviços homebanking.
5.-Os dados de acesso obtidos dessa forma são, depois, utilizados por esses indivíduos para, à revelia dos respectivos titulares, aceder a contas bancárias alheias e ordenar transferências de fundos para contas bancárias de indivíduos que, mediante contrapartidas pecuniárias, as disponibilizam para esse efeito e assumem a incumbência de os transmitir aos destinatários que lhes forem indicados.

-II-
6.-A arguida C.S.C. é titular das contas bancárias nº 08………..0 na CGD, domiciliada no balcão de Vila Franca de Xira e nº 9………….1 no BPI, domiciliada no balcão de Benfica.
7.-No dia 20-12-2010, com a quantia de € 100,00, a arguida C.S.C. abriu, em seu nome, a conta 0………………..10 no BANIF, domiciliada no balcão da R. Conde de Redondo, em Lisboa.

-III-

A.
8.MLF é titular da conta nº 0……………..400 da Caixa Geral de Depósitos - balcão de Belém, Lisboa que podia movimentar através dos serviços homebanking da CGD.
9.Em Outubro de 2010, quando pretendia aceder à aludida conta bancária através dos serviços homebanking da CGD, MLF recebeu uma mensagem aparentemente oriunda da CGD, mas na realidade proveniente de indivíduos desconhecidos, onde lhe era solicitado a confirmação de todas as coordenadas do seu cartão matriz associado àqueles serviços.
10.-Julgando tratar-se de mensagem enviada pela CGD, MLF satisfez o que lhe era solicitado, acabando por fornecer esses dados àqueles indivíduos.
11.-No dia 21-12-2010, utilizando os códigos e coordenadas de acesso que àquela conta através do serviço homebanking da CGD atribuídos a MLF, esses indivíduos acederam à referida conta n.º 0…………..400 da CGD e debitaram a quantia de € 980,00 à revelia da sua titular.
12.-A referida quantia foi, no mesmo dia, transferida para a conta nº 0…………….000 da CGD, titulada pela arguida C.S.C. que, previamente à realização dessas operações, colocou à disposição daqueles indivíduos para recepção desses fundos.
13.-Ainda no mesmo dia 21-12-2010, após a efectivação daquela transferência, a arguida C.S.C. debitou aquela quantia da conta da arguida C.S.C. e diligenciou pela sua transmissão ao destinatário que lhes foi indicado, recebendo a contrapartida pecuniária acordada.

B.
14.-A sociedade “NV-TRS, Unipessoal, Lda.”, da qual NV é sócio-gerente, é titular da conta nº 3………….0 do BANIF, domiciliada no balcão de Capelas, estando habilitada a movimentá-la através do serviço de homebanking do BANIF.
15.-Em circunstâncias não apuradas, indivíduos desconhecidos lograram capturar, através de phishing, os códigos e credenciais de acesso àquela conta bancária através dos serviços homebanking do BANIF
16.-No dia 18-01-2011, utilizando os códigos e credenciais de acesso àquela conta através do serviço homebanking do BANIF atribuídos àquela sociedade, esses indivíduos acederam por essa via à referida conta bancária n.º 3………….0 do BANIF e debitaram as quantias de € 1.300 e de € 2.000, à revelia da sociedade e do seu sócio gerente
17.-As referidas quantias foram, no mesmo dia, transferidas para a conta n.º 0…………….0 do BANIF titulada pela arguida C.S.C.  que, previamente à efectivação dessas operações, colocou à disposição daqueles indivíduos para recepção desses fundos.

C.
18.-FSC é titular da conta n.º 7…………….7 do BANIF, domiciliada no balcão de Matosinhos, que pode movimentar através do serviço de homebanking do BANIF.
19.-Em data não apurada não posterior a 18-01-2011, quando pretendia aceder, através do serviço homebanking do BANIF, à aludida conta bancária, FSC recebeu sucessivas mensagens provenientes de indivíduo desconhecido, mas aparentemente oriundas do BANIF, que solicitavam a inserção da totalidade dos códigos e coordenadas de acesso àquela conta bancária.
20.-Julgando tratar-se de mensagem proveniente do BANIF, FSC forneceu aqueles dados a indivíduos cuja identidade não se logrou apurar.
21.-No dia 18-01-2011, utilizando os códigos e coordenadas de acesso àquela conta através do serviço homebanking do BANIF atribuídos a FSC, aqueles indivíduos acederam por essa via à referida conta n.º 3………………0 do BANIF e debitaram a quantia de € 1.000, à revelia do seu titular.
22.-Essa quantia foi transferida, no mesmo dia para a referida conta n.º 0………………..0 do BANIF titulada pela arguida C.S.C.  que, previamente à efectivação dessas operações, colocou à disposição daqueles indivíduos para recepção desses fundos.
23.-Ainda no dia 18-01-2011, após a efectivação dessas transferências oriundas das contas n.º 3………………0 e nº 7……………..7 do BANIF no montante total de € 4.300, a arguida C.S.C.  debitou naquela conta o valor de € 2.213 que encaminhou para o destinatário que lhes foi indicado, recebendo a contrapartida pecuniária acordada.
24.-Só não conseguiu debitar o restante montante de € 2.087 por ter sido suspensa a movimentação a débito sobre aquela conta.

D.
25.-ICS e SCS são titulares da conta n.º 6……………..1 do BPI, balcão de Monte dos Burgos, em Ramalde-Porto, que podem movimentar através do serviço de homebanking do BPI.
26.-Em 09-05-2011, quando pretendia aceder ao serviço homebanking do BPI, SCS recebeu uma mensagem de indivíduo desconhecido, mas aparentemente oriunda do BPI, a solicitar informações atinentes ao seu telemóvel, a fim de efectuar o download de ficheiros com procedimentos de segurança para realização de operações por essa via.
27.-Julgando tratar-se de mensagem proveniente do BPI, SCS forneceu as informações solicitadas e efectuou o aludido download através do qual aqueles indivíduos desconhecidos capturaram dados necessários para aceder à aludida conta via homebanking
28.-No dia 10-05-2011, utilizando os códigos e credenciais de acesso à aludida conta através do serviço de homebanking do BPI, esses indivíduos desconhecidos acederam à referida conta bancária n.º 6………………….1 do BPI e debitaram a quantia de € 4.816, à revelia das suas titulares.
29.-A referida quantia foi, no mesmo dia, transferida para a conta n.º 9………….1 do BPI domiciliada no balcão de Benfica, titulada pela arguida C.S.C.  que, previamente à efectivação dessas operações, colocou à disposição daqueles indivíduos para recepção desses fundos.
30.-Ainda no mesmo dia 10-05-2011, após a efectivação dessa transferência de € 4.816, a Arguida C.S.C.  debitou esse montante na conta n.º 9…………..1 do BPI que encaminhou para o seu destinatário, recebendo as contrapartidas pecuniárias acordadas.

E.
31.-NMM é titular da conta n.º 1………………….1 do BPI, balcão de Alto Seixalinho – Barreiro que podia movimentar através do serviço homebanking daquele banco
32.-No dia 05-05-2011, quando pretendia efectuar, através do serviço homebanking do BPI, uma transferência a débito sobre a aludida conta bancária, NMM recebeu uma mensagem proveniente de indivíduos desconhecidos, mas aparentemente oriunda do BPI, que solicitava informações atinentes ao seu telemóvel a fim de efectuar o download de um ficheiro com um código necessário à efectivação da operação que pretendia efectuar.
33.-Julgando tratar-se de mensagem proveniente do BPI, NMM forneceu as informações ali solicitadas e efectuou o aludido download através do qual aqueles indivíduos desconhecidos capturaram dados necessários para aceder e ordenar operações na aludida conta via homebanking
34.-No dia 10-05-2011, utilizando os códigos e credenciais de acesso àquela conta através do serviço de homebanking do BPI atribuídos a NMM, esses indivíduos acederam por essa via à referida conta bancária n.º 1……………….1 do BPI e debitaram a quantia de € 1.400, à revelia do seu titular.
35.-Essa quantia, foi no mesmo dia, transferida para a conta n.º 9……………..1 do BPI titulada pela arguida C.S.C. que, previamente, à efectivação dessa operação, colocou à disposição daqueles indivíduos para recepção desses fundos.
36.-A arguida C.S.C.  não logrou proceder ao levantamento da referida quantia porquanto, em 11-05-2011, NMM informou o BPI que a transferência tinha sido efectuada à sua revelia, vindo a ser-lhe estornado o referido montante em Junho de 2011.

-IV-

37.-A Arguida C.S.C.  previu e quis agir do modo acima descrito com o intuito concretizado de auxiliar indivíduos não identificados a aproveitarem-se do benefício económico que obtinham, locupletando-se de quantias que ilegitimamente debitavam de contas bancárias alheias contra a vontade dos seus titulares, às quais acediam à sua revelia, assegurando a recepção desses fundos nas suas contas bancárias e a sua posterior transmissão para aqueles indivíduos.
38.- Sabia a Arguida C.S.C.  que tal conduta lhe estava vedada por lei e, tendo capacidade de se determinar segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de as realizar.

Do pedido de indemnização cível:
39.-ICS  ficou consternada quando se apercebeu de que lhe tinham retirado dinheiro da conta sem seu consentimento.
40.-Sofreu transtornos e aflição com a falta de dinheiro com a qual se debateu.

Das condições pessoais da Arguida I.F.
41.-A Arguida I.F. nasceu em Cabo Verde, onde viveu com a mãe e vários irmãos, nunca tendo o pai integrado o agregado, apesar do relacionamento que mantinha com o mesmo.
42.-A progenitora, vendedora de pescado, assegurava a subsistência da família.
43.-I.F.  estabeleceu uma relação de namoro aos 17 anos, da qual resultou um filho, que ficou entregue aos cuidados da avó materna.
44.-I.F.  frequentou a escola, concluindo o 1.º ciclo do ensino básico com cerca de 13 anos. Prosseguiu os estudos no ensino noturno, durante o qual concluiu o 6.º ano. Nesse período colaborava com a progenitora na venda de peixe.
45.-Posteriormente foi viver para junto de uma irmã, proprietária de um restaurante, onde ficou a trabalhar até aos 21 anos.
46.-Em 1997, com 22 anos, I.F.  veio para Portugal para trabalhar num restaurante na região de Leiria.
47.-Daí fugiu ao fim de oito meses, na sequência de problemas, como falta de condições de trabalho, incumprimentos contratuais e retenção de passaporte.
48.-Foi, então, viver para junto de um irmão, no concelho de Sintra e começou a trabalhar no sector da restauração, como empregada doméstica e empregada de supermercado demonstrando, apesar da mobilidade registada, uma atitude proativa.
49.-Em 2001 deslocou-se para o concelho da Amadora, tendo trabalhado algum tempo como empregada doméstica interna.
50.-Nesta altura teve mais um filho de outro relacionamento, pouco duradouro.
51.-Em 2002 arrendou um quarto no Bairro …………., onde veio a conhecer o actual companheiro, com quem passou a viver e de quem teve o seu terceiro filho, em 2009.
52.-À data dos factos em apreço no presente processo, em Dezembro de 2010, I.F. , com 35 anos de idade, vivia com o atual companheiro e os 3 filhos numa casa de autoconstrução no Bairro ………………., Amadora, tendo o filho mais velho chegado recentemente de Cabo Verde.
53.-I.F. trabalhava como cabeleireira num espaço que arrendara para o efeito no centro da Amadora e o companheiro trabalhava na construção civil, apresentando a situação económica algumas dificuldades, mas sendo suficiente para a subsistência do agregado.
54.-Em Agosto de 2011, I.F.  e o companheiro ficaram sujeitos a prisão preventiva, no âmbito do processo no qual seriam ambos condenados em pena de prisão efetiva. Os filhos ficaram entregues a familiares. Condenada em 2012 e após um percurso prisional ajustado beneficiou de liberdade condicional em Dezembro de 2013, medida que terminou em 24-10-2015 e que decorreu sem anomalias.
55.-No início de 2014 foi viver para casa do filho mais velho juntamente com os dois filhos mais novos, de 12 e 6 anos, na Amadora, situação que se mantém. O agregado regista uma situação económica precária, já que subsistem apenas dos rendimentos do trabalho na construção civil do filho mais velho, de 22 anos e de empregos de curta duração de I.F. , como cabeleireira, empregada doméstica ou na restauração.
56.-Entre Abril de 2014 e Fevereiro de 2015 beneficiou do Rendimento Social de Inserção. Atualmente trabalha em casas particulares como empregada doméstica, com remuneração horária (6€) e, aos fins-de-semana, pontualmente, como peixeira no mercado municipal, recebendo 50€ por cada fim-de-semana. Recebem ocasionalmente apoio de uma irmã de I.F. , em Cabo Verde. A arguida continua inscrita no Centro de Emprego e mantém a procura ativa de emprego.
57.Do seu Certificado de Registo Criminal constam duas condenações em pena de prisão efectiva, cumuladas na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 08/2006 e em 04/2009, de dois crimes de tráfico.

Das condições pessoais da Arguida C.S.C.
58.-Do Certificado de Registo Criminal da Arguida nada consta.
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Consignaram-se como factos não provados:
a)Em data não concretamente determinada anterior a 20-12-2010, a arguida I.F.  foi contactada por indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, no sentido de disponibilizar ou angariar contas bancárias para receberem fundos debitados em contas bancárias alheias, à revelia dos respectivos titulares, e assegurar a sua transmissão aos destinatários que lhe fossem indicados, através da Western Union ou de serviço idêntico, recebendo em contrapartida uma compensação pecuniária.
b)Animada pelo lucro fácil, a arguida I.F.  aceitou essa proposta que lhe foi apresentada.
c)Para o efeito, em data anterior a 20-12-2010, a arguida I.F.  propôs à arguida C.S.C. a cedência das suas contas bancárias nº ………………0 na CGD, domiciliada no balcão de Vila Franca de Xira e nº 9…………….1 no BPI, domiciliada no balcão de Benfica e que procedesse à abertura de conta no BANIF, em seu nome, para recepção de fundos debitados em contas bancários à revelia dos seus titulares, recebendo em contrapartida uma compensação pecuniária.
d)Visando a obtenção de contrapartidas pecuniárias, a arguida C.S.C. aderiu à proposta da arguida I.F. .
e)A quantia de € 100,00 usada pela Arguida C.S.C.  para abrir a conta 0…………….10 no BANIF, domiciliada no balcão da R. Conde de Redondo, em Lisboa foi-lhe entregue pela arguida I.F. , para tal efeito.
f)A Arguida C.S.C. disponibilizou à arguida I.F. os cartões Multibanco associados às referidas contas bancárias e os respectivos códigos a fim de diligenciar pela transmissão das aludidas verbas para os seus destinatários.
g)A Arguida I.F.  colocou as contas n.º ……………00 da CGD, n.º 9…………….1 do BPI e n.º 0……………10 do BANIF, tituladas pela arguida C.S.C. à disposição daqueles indivíduos para recepção de quaisquer fundos
h)A Arguida I.F.  debitou algum valor da conta da arguida C.S.C. .
i)As Arguidas diligenciaram, junto da Western Union ou de serviço idêntico, pela transmissão de alguma das quantias.
j)A Arguida I.F.  recebeu contrapartidas pecuniárias acordadas.
k)A Arguida I.F.  previu e quis agir do modo acima descrito com o intuito concretizado de auxiliar indivíduos não identificados a aproveitarem-se do benefício económico que obtinham, locupletando-se de quantias que ilegitimamente debitavam de contas bancárias alheias contra a vontade dos seus titulares, às quais acediam à sua revelia, assegurando a recepção desses fundos nas contas bancárias de C.S.C. e a sua posterior transmissão para aqueles indivíduos
l)Sabia a Arguida I.F.  que tal conduta lhe estava vedada por lei e, tendo capacidade de se determinar segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de as realizar.
*

FUNDAMENTAÇÃO.

A convicção sobre a matéria de facto dada como provada resultou da prova produzida em audiência a qual foi livremente apreciada de acordo com os critérios estabelecidos pelo art.º 127º do Código de Processo Penal.
Quanto à Arguida I.F. , a mesma negou a prática dos factos que lhe são imputados. Nenhuma das testemunhas à mesma se referiu. Da prova documental não é possível inferir qualquer intervenção desta Arguida no desenrolar dos factos. Como tal, a sua intervenção ficou por não provada.
A Arguida C.S.C. não compareceu em julgamento, não tendo o Tribunal conhecimento da posição da mesma sobre a matéria factual que lhe é imputada. Contudo, quanto à circulação do dinheiro pelas suas contas bancárias, operações de abertura e movimentação de tais contas, e sua titularidade, o Tribunal apoiou-se nos documentos disponíveis. Com efeito, o extracto da conta BANIF 0……………………...10 de C.S.C. Santos  a fls. 45-46 e 79, a ficha de assinatura e extracto dessa conta a fls. 73-82 (autos principais), os dados de operação de transferência de fls. 13, a informação do BPI a fls. 25-26 (apenso 3), a informação prestada pelo BPI a fls. 14-15 e a ficha de assinaturas e extracto da conta BPI 9…………..1 de C.S.C.  a fls. 23-26 (apenso 4), e as informações da CGD a fls. 39 e 48 e a ficha de assinaturas e extracto da conta CGD 0…………… 0 de C.S.C.  a fls. 75-78 (apenso 5) permitem a conclusão de que o dinheiro circulou nas contas desta Arguida, conforme constava da acusação.
As vítimas MLF, ICS, FSC, NMM e NV descreveram como se aperceberam dos movimentos nas suas contas, não autorizados, e como lograram perceber como fora possível que tivessem ocorrido. Descreveram ainda os passos subsequentes, na relação com os respectivos bancos, e consequências desses movimentos.
As operações bancárias estão documentadas, nomeadamente através do extracto da conta BANIF 3………….0 da sociedade "NV - TRS, Unipessoal, Lda. a fls. 11, do apenso 1, da nota de lançamento n.º 0…………4 sobre a conta BANIF 7……………..7 de FSC a fls. 12 e extracto dessa conta a fls. 13-14 do apenso 2, e os extractos da conta CGD 0…………………a fls. 31, 49 do apenso 5 conjugados com os elementos acima referidos das contas da Arguida C.S.C. .
Quanto ao conhecimento da Arguida C.S.C. , atento o leque temporal das operações e sua natureza, entende o Tribunal que a mesma delas teria que ter conhecimento e dado o seu acordo para que fossem realizadas. Aliás, tendo presentes os levantamentos documentados, subsequentes às transferências não autorizadas, entende-se que só a Arguida os poderia realizar, de forma conivente com os autores das operações fraudulentas. E, nessa medida, algum ganho teria que lhe ser assegurado de forma a permitir tal circulação financeira pelas suas contas, pois tanto o exigem as regras da experiência comum.
Por provar ficou que a tenha a Arguida efectuado alguma transferência de dinheiro, posto que não é de descartar a entrega, pessoal, dos valores, tanto mais que não está documentada qualquer transferência.
Foram ainda tidos em conta os Certificados de Registo Criminal de fls. 376 e 422 e o relatório social de fls. 424.
*

O Direito.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso afere-se da leitura da motivação que as questões a apreciar são as seguintes:
-nulidade do acórdão, por o dispositivo ter violado art. 374°3, alínea b) do   Código  de Processo Penal,  nos termos do art.  379° n°1 da mesma lei
-nulidade do julgamento por falta de notificação da arguida
-insuficiência da matéria de facto
-medida da pena

a)Da nulidade do acórdão.
Alega a recorrente que se verifica a nulidade do artº 379º nº 1 do CPP por o dispositivo do acórdão não especificar nem identificar os crimes   dos   quais   a   arguida   foi   absolvida, nem aqueles em que aconteceu a condenação.

Refere o artº 374º nº 3  e al. b) do CPP:
“ 3. A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a)....
b)A decisão condenatória ou absolutória”

No caso em apreço e conforme se constata até do Relatório do Acórdão recorrida, à arguida eram imputados a prática de 5 crimes de cinco crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.

Ora do dispositivo ressalta sem margem para dúvidas que desses 5 crimes de que vinha acusada, aquela foi absolvida de 2 crimes, sendo condenada pelos 3 restantes:
“DECISÃO
  Nestes termos, e atendendo à exposição precedente, julga este Tribunal Colectivo a acusação do Ministério Público procedente por provada, assim se decidindo:
-I-
1. Absolver .....
2. ....

-II-
1.-Absolver a Arguida C.S.C. pela prática, de dois crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, pelos quais vinha acusada;
2.-Condenar a Arguida C.S.C. pela prática, de 3 (três) crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um;
3.-Condenar a Arguida, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão
4.- ....
Não vemos francamente qual a omissão que a recorrente invoca sendo que o preceito legal não exige que se faça uma descriminação fáctica e temporal dos crimes que o arguido vai absolvido ou condenado.
Tal descrição deverá como é óbvio ser efetuada na fundamentação de direito, facto este que se verifica com clareza, especificando o acórdão ora sindicado, na sua parte final, não só  o momento temporal dos ilícitos pelos quais a arguida foi condenada, como o motivo porque considerou a efectivação de apenas três crimes de 3 (três) crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal:
Coloca-se agora a questão de saber quantas comissões temos do mesmo tipo de crime. Inexistem argumentos que permitam unificar todas estas condutas numa única resolução criminosa, nomeadamente devido ao afastamento temporal das acções. A primeira ocorre em 21.12.2010, seguem-se outras duas quase um mês depois, em 18.01.2011 e mais duas outras actuações, desta feita em 10.05.2011.
Ora, em duas ocasiões ocorrem duas transferências e, neste caso, entende o Tribunal que determinando-se a Arguida a auxiliar quem promoveu a transferência fraudulenta, a circunstância de receber, na mesma data mais do que uma transferência não implica mais do que uma comissão. Com efeito, a acção de levantamento e entrega das quantias transferidas para as suas contas (primeiro do BANIF, em segundo do BPI) será só uma e, nessa medida, o crime de auxílio material é, também ele, preenchido uma única vez em cada data.
De acordo com este raciocínio, conclui-se que a Arguida praticou o crime em apreço, três vezes, uma em 21.12.2010, outra em 18.01.2011 e uma última em 10.05.2011.”
Improcede assim este argumento recursório

b)Da nulidade do julgamento por falta de notificação da arguida.

A recorrente vem invocar que não foi notificada quer da acusação quer da realização da audiência, e que o Tribunal deveria ter atendido ao facto de as notificações terem sido devolvidas com a informação que ninguém morava na morada indicada.
Mais alega que teria mudado de residência e que teria dado a conhecer tal facto ao seu anterior mandatário, acrescentando ainda que o julgamento não deveria ter sido realizado na sua ausência, já que a sua presença era indispensável, não só para a sua defesa, como inclusivamente para que o Tribunal pudesse apurar o nível de dolo com que actuou.

Não tem razão a recorrente.

Compulsados os autos constatámos que a recorrente prestou Termo de Identidade e Residência na Policia Judiciária, e nesse mesmo TIR indicou o local de residência a fim de receber as notificações.

Para aquela morada foi enviada a notificação da acusação bem como da realização da audiência de julgamento, tendo vindo devolvidas com os dizeres “não ora cá ninguém com este nome” e “não mora cá”

Ora ao prestar TIR o arguido obriga-se não só a comunicar a mudança ou ausência do local indicado como residência - quando a mesma for superior a cinco dias - ao tribunal, bem como a indicar domicílio para receber as notificações - cfr. art. 196° do C.P.P..

No caso de alteração de domicílio, como teria sido eventualmente o caso a arguida podia e devia ter indicado a morada da nova residência não cabendo ao tribunal indagar da mesma.

A arguida sabia que, ao indicar uma residência no TIR, a notificação da data designada para a realização da audiência, seria enviada para a mesma. Assim, cabia ao arguido, uma vez que, como alega, mudou o seu domicílio, vir informar os autos sobre a alteração da sua morada.

As vicissitudes entre aquela e o mandatário são estranhas ao Tribunal, sendo que o Tribunal não só as desconhecia na altura, como até ao presente momento, nada foi apresentado como prova da versão apresentada.

Assim sendo, e sem delongas, podemos concluir não só que não há qualquer falta de notificação da arguida como o direito constitucional de defesa da mesma não foi violado com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 320-C/2000, de 15-12, uma vez que é dada a oportunidade - e o dever - ao arguido em apresentar nova morada para receber as devidas notificações.
Nesta parte, não assiste qualquer razão à arguida/requerente.

Por outro lado, o mandatário esteve presente em audiência, tendo tido oportunidade como aliás alegou no seu recurso de consultar os autos, nada tendo invocado nesse sentido junto do Tribunal, nem mesmo requerendo o adiamento da audiência com base na necessidade da presença da arguida.

O Tribunal decidiu iniciar o julgamento na ausência da arguida, por entender que a mesma tendo prestado TIR, estava notificada, como aliás supra se referiu, e se tal despacho foi considerado indevidamente fundamentado, deveria ter tal irregularidade (já que de tal se trata) ser de imediato arguida, nos termos do artº 123º do CPP, o que não ocorreu pelo que a mesma considera-se sanada.

Diga-se aliás que o Tribunal atendeu à pretensão do mandatário para que o julgamento   fosse   interrompido  para prosseguir   na   2ª  data com   as   declarações   da arguida   recorrente,  caso   ela  comparecesse. Neste caso, não poderá referir-se que o ilustre mandatário não teria tido tempo para estar a par das ocorrências processuais verificadas, mas nada invocou nesta 2ª audiência, e isto pelo simples facto que nada haverá que invocar como é óbvio.
Os argumentos que traz à colação, o ilustre, mandatário só teria tido conhecimento dos mesmos em momento posterior ao julgamento, inexistindo aliás qualquer indício que comprove a sustentabilidade da versão apresentada pela arguida, não tendo o Tribunal qualquer conhecimento dos mesmos.

Assim sendo, o Tribunal, não só justificou a realização da audiência, dado que considerou a arguida notificada, como teve em a possibilidade de mesmo assim vir a ser ouvida, suspendendo a audiência para uma 2ª data, o que não veio a ocorrer, dado o seu não comparecimento, situações estas aliás que não suscitaram na altura qualquer reparo pelo respectivo defensor.

A aceitar a tese da recorrente, a prestação do TIR, ficaria por assim dizer como que esvaziado no conteúdo do seu nºs 2 e 3 já que bastaria uma devolução de uma notificação com uma menção de o destinatário ali já não residir, para que se considerasse a notificação como não realizada e se iniciasse diligências de localização do arguido, com as subsequentes demoras processuais, situação esta que a prestação do TIR visa precisamente evitar.

O Dec.-Lei n° 320-C/2000, de 15 de Dezembro, veio introduzir diversas alterações no Cód. Proc. Penal, com vista a combater a morosidade processual.

Assim o n° 1 do art° 312° do Cód. Proc. Penal manda que o juiz, resolvidas que estejam as questões prévias ou incidentais, designe data para julgamento. E acrescenta no n° 2 do mesmo preceito legal:
"No despacho a que se refere o número anterior é, desde logo, igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do nº 1 artigo 333°, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do nº 3 do artigo 333°".

Por seu lado estatui o art° 333°:
"1.-Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2.-Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n°s 2 a 4 do artigo 117° a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas als. b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da ração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n° 6 do art° 117°.
3.-No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do nº 2 artigo 312°”.
4....
5....
Por sua vez, nos termos do artº 196º, nº 3 do CPP, a prestação do termo de identidade e residência implicou para o arguido obrigações, como sejam: a de que as notificações são efectuadas por via postal simples para a morada indicada; não mudar de residência ou dela se ausentar por mais de 5 dias, excepto se comunicar aos autos, no prazo de 5 dias, a nova residência; que o incumprimento dessas obrigações legitima a sua representação por defensor em todos os actos a que devesse estar presente, assim como a realização da audiência na sua ausência, nos termos daquele artº 333º.

Destes preceitos podem extrair-se as seguintes conclusões:
-Em princípio é obrigatória a presença do arguido na audiência;
-Se o arguido não estiver presente na audiência, para que foi devidamente notificado, implica que o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência;
-Se, ainda assim, não conseguir obter a sua comparência, o juiz deve decidir se é ou não absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência;
-Só se o juiz entender que a presença do arguido é absolutamente indispensável para o apuramento da verdade material desde o início é que a audiência é adiada.

No caso em apreço, não vemos que tenha ocorrido qualquer atropelo ou violação aos preceitos legais referidos.

Dado que o Tribunal “ a quo”  considerou , sem que houvesse qualquer oposição que a arguida se encontrava notificada, pelo que a audiência poderia recomeçar, sendo que haveria necessidade de fundamentação de despacho caso o Tribunal considerasse a presença do arguido indispensável e que como tal a audiência tivesse que ser adiada.

Note-se que o Tribunal, como supra se referiu, após a produção de prova não só suspendeu a audiência para uma 2ª data, como determinou a passagem de mandados de  detenção para assegurar a presença da arguida, pelo que não se pode alegar que não se fizeram as diligências  necessárias para o comparecimento desta.
E nada existe nos autos que leve a credibilizar a versão apresentada pela arguida, não bastando como é óbvio a sua mera invocação, para que se possa por em causa o procedimento adoptado pelo Tribunal.

Releva para o tema o Ac. 9/2012 de 08.03.2012, do STJ que veio a fixar jurisprudência no seguinte sentido: «Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do artº 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo».

Em suma, o Tribunal, considerou e bem, que a arguida se mostrava devidamente notificada, tendo dado possibilidades à mesma para que se apresentasse em julgamento a fim de querendo apresentar a sua defesa.

Por último refira-se que não vemos como é que a falta de comparência impossibilita a que o Tribunal tenha chegado ao apuramento dos factos nos termos em que o facto.

Na decisão recorrida todos os factos provados se harmonizam, não se detectando qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum, fazendo a indicação dos meios de prova e o respectivo exame crítico, acolhendo o que das versões lhe pareceu credível e plausível e explicando por que o fez, e fazendo uma reconstituição dos factos conjugando a prova produzida com as regras da experiência comum.

No que ao o dolo se refere, este  como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insusceptível de apreensão directa, e por isso tem de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência .

Sendo confessado pelo agente, esse conjunto de factos do mundo exterior há-de servir para conferir plausibilidade à admissão de culpa; na ausência de confissão, para evidenciar a sua existência.

Ora, lendo a motivação da decisão da matéria de facto, encontra-se devidamente explanada, ali referindo-se em moldes que não levantam quaisquer dúvidas, o raciocínio efectuado nesse âmbito pelo julgador:
“Quanto ao conhecimento da Arguida C.S.C. , atento o leque temporal das operações e sua natureza, entende o Tribunal que a mesma delas teria que ter conhecimento e dado o seu acordo para que fossem realizadas. Aliás, tendo presentes os levantamentos documentados, subsequentes às transferências não autorizadas, entende-se que só a Arguida os poderia realizar, de forma conivente com os autores das operações fraudulentas. E, nessa medida, algum ganho teria que lhe ser assegurado de forma a permitir tal circulação financeira pelas suas contas, pois tanto o exigem as regras da experiência comum.”

Por último, não tendo sido impugnada a matéria de facto nos termos do artº 412º nº 3 do Cod. Proc. Penal, mantém-se a mesma inalterada, sendo como é óbvio irrelevante as declarações que a arguida possa ter prestado durante o inquérito, declarações essas que não podem ser valoradas nos termos do artº 355º do CPP.

Não vemos assim qualquer violação aos normativos legais ou mesmo constitucionais invocados pela recorrente, pelo que improcedem os argumentos invocados.

c)Da insuficiência da matéria de facto.

A recorrente vem alegar que nos autos não existem elementos, designadamente o relatório social do arguido que sejam suficientes para decidir da questão escolher   a   sanção   entre   a   pena  privativa  de liberdade e pena   não   privativa   de liberdade, estabelecer a medida da pena, e ainda, se   se  tratando  de   pena   privativa de liberdade  se ela deve ser efetiva ou  ficar   suspensa   na   sua   execução   e   neste   caso em   que   condições.

O vício invocado, da insuficiência da matéria de facto para a decisão verifica-se quando, da factualidade vertida na decisão em recurso se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida ou quando o Tribunal recorrido, podendo e devendo fazê-lo, deixou e investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a dada por assente não permite, por insuficiente, a aplicação do direito ao caso.

Para invocar este vício, é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.

Por outro lado o vício em apreço há-de resultar do texto da própria decisão, como expressamente se refere no preceito que o prevê e sempre se poderá revelar a existência desse vício quando da sentença não conste justificação para a falta de investigação de tal matéria, sendo a mesma relevante para a boa decisão da causa.
Recorde-se que no nosso sistema processual penal, a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente.

E assim dispõe o artº. 369.º do CPP, no seu nº 1 que se da audiência de julgamento, “..dever ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente do tribunal lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social.”

O seu nº 2 dispõe por sua vez que “De seguida o mesmo presidente pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, deliberando e votando o tribunal sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar imediatamente, se não for entendida necessária aquela prova, ou após a produção da prova nos termos do art. 371.º, se entendida necessária”.

Importa, recordar que nos termos do artº 370º o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.

E que, para produção da prova complementar considerada necessária à aplicação de pena ou medida de segurança, tem lugar em audiência para o efeito reaberta (art. 371.º, n.º 1), ouvindo-se sempre que possível o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.

Por outro lado, o n.º 2 do art. 71.º do C. Penal manda atender também, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d), - à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime –al.e)- e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena - al.f).

Na situação sub judice, o tribunal recorrido nada mais apurou para além dos antecedentes criminais do arguido, o que apenas releva para efeitos da mencionada al. e) do artº 71º nº 2 do C. Penal.

Este poder-dever do tribunal de investigar autonomamente a verdade material (o que inclui a averiguação dos factos necessários para a oportuna fixação da pena) é essencial, no processo penal, na medida em que, por essa via, será possível alcançar as bases necessárias da própria decisão.

Vem isto a propósito de nada se ter apurado (ressalvada a referência à ausência dos antecedentes criminais da arguida), em termos fácticos, v.g. quanto à personalidade, condições pessoais, profissionais e económicas da arguida, seu posicionamento em relação aos crimes por si cometidos e comportamento posterior à prática desse crime.

Esses factos, que nem foram investigados pelo tribunal a quo, como lhe competia, ao abrigo do art. 340º do CPP, são essenciais para o julgador poder determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido e poder fundamentar a respectiva decisão que vier a proferir (cf. nomeadamente arts. 40º, nº 1 e 2, 70º e 71º do CP e arts. 124º, nº 1[19], 340º, 369º, 370º, nº 1, 374º, nº 2 e 375º, nº 1, do CPP.

Repare-se que, não obstante o julgamento ter ocorrido na ausência da arguida, o tribunal a quo, nem sequer oficiosamente produziu meios de prova no sentido de obter factos essenciais para a oportuna fundamentação de facto, caso tivesse (como teve), de determinar a medida das penas, a aplicar à arguida.

O tribunal da 1ª instância sempre podia solicitar relatório social para efeitos do art. 370º, nº 1, do CPP , sendo que o facto de os serviços de reinserção social eventualmente não poderem contactar pessoalmente com a arguida, não constitui obstáculo à elaboração do competente relatório social que, como é bom de ver, não é, nem deve ser, elaborado apenas com base em entrevista com a interessada.

Pelo exposto, se conclui que o acórdão recorrido padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão o que, nos termos do artº 426º nº 1 do C.P.P., tem como consequência que o processo deva ser reenviado para novo julgamento, restrito, porém, à averiguação da situação pessoal da arguida nas suas diversas vertentes, solicitando-se para o efeito o devido relatório social, com a produção de outras provas que venham a ser consideradas necessárias para a determinação da sanção, mantendo-se porém inalterada a decisão recorrida, nomeadamente na questão da culpabilidade da arguida.

Como é óbvio a o conhecimento da questão da medida das penas encontrar-se-á prejudicada.
*

IV–DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida C.S.C. , e, em consequência, ordenam o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos artºs. 426º e 426º-A do C.P.P., restrito à investigação dos factos acima mencionados relativos à situação pessoal da arguida, para efeitos da determinação da sanção a aplicar.
Sem tributação.


 
Lisboa, 28 de Setembro de 2016

(processado por computador e revisto pelo 1º signatário)

(Vasco Freitas)                     
(Rui Gonçalves)    
                

[1]( cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335  e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2]Ac. STJ ara fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95,
publicado no DR, série I-A de 28/12/95.