Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
856/08.9TAOER.L1-5
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: PROVA
APRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: I - Não pode olvidar-se como os tribunais superiores têm chamado a atenção que uma das grandes limitações do tribunal de recurso quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efectuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto directo com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
II - Este tribunal não pode censurar a decisão do tribunal recorrido por este ter dado prevalência às declarações prestadas na audiência pelas ofendidas com fundamentos que não pode sindicar, pois “não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite:
III - São os elementos racionalmente não explicáveis de que fala o Professor Figueiredo Dias (“Lições de Direito Processual Penal”, 135 e segs.) ou os aspectos que só podem ser percepcionados, apreendidos e valorados por quem os presencia (a que se referia o Professor Castro Mendes).
IV - Não obstante, o papel fiscalizador do tribunal da relação não fica inteiramente prejudicado, pois sempre pode apreciar se a valoração dos depoimentos foi feita de acordo com as regras da lógica e da experiência, isto é, se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório de que o Colectivo dispôs.
V - O juiz não pode deixar-se fascinar por uma tese, uma versão, deve evitar convicções apriorísticas que levam a visões lacunares e unilaterais dos acontecimentos.
O juiz deve fazer a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, tem de avaliar as provas, não arbitrariamente ou caprichosamente, mas em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
A liberdade do convencimento que conforma o modelo da livre apreciação, se tem que ser expressão de uma convicção pessoal, não é uma liberdade meramente intuitiva, é antes um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza da decisão.
VI – Sabendo-se que a violência de são vítimas as mulheres ocorre sobretudo no seio do agregado familiar, escapando em larga medida ao conhecimento público, tem vindo a receber progressivamente aceitação geral a ideia de que estando em causa crimes cuja prática é menos visível ou rodeado até de certo secretismo os depoimentos dos ofendidos devem merecer especial relevo probatório.
VII – O que não quer significar, porém, que se deva ter como certo que o acusado mente e a(o) ofendida(o) conta sempre a verdade, mas sim que o tribunal deve estar particularmente atento às declarações e à atitude de um e de outro, pois são eles, especialmente a(o) ofendida(o) quem forma as bases em que vai assentar a convicção do julgador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - Relatório

No âmbito do processo comum que, sob o n.º 856/08.9 TAOER, corre termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal da Comarca de Oeiras,  H…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público e pronunciado pelo Sr. Juiz de Instrução pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de violência doméstica e outro de maus tratos previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 152.º, n.º 1, al. a), e 152.º-A, n.º 1, al. a), do Cód. Penal.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, por acórdão de 16.07.2010 (fls. 793 e segs.), foi o arguido condenado pela prática de:

§ um crime de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

§ um crime de maus tratos previsto e punível pelo artigo 152.º-A, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.


Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.

Inconformado, veio o arguido interpor recurso do acórdão condenatório para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, de que extraiu as seguintes conclusões (em transcrição):

1.º — O presente recurso vem interposto do acórdão proferido, em sede de Primeira Instância, pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, que julgou procedente, por provado, o despacho de pronúncia e que, em consequência, condenou o Arguido, em autoria material e em concurso real, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, e na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal; e, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; que julgou o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, em consequência, condenou o Arguido e Demandado a pagar à Ofendida e Demandante S… o montante de 7.500,00 EUR (sete mil e quinhentos euros) e à Ofendida e Demandante R… o montante de 3.000,00 EUR (três mil euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal de 4% a contar da data do acórdão e até integral pagamento; que suspendeu a execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sob a condição de o Arguido, no prazo de 6 (seis) meses, pagar às Ofendidas e Demandantes os montantes indemnizatórios em que foi condenado. No entanto,
2.º — Salvo o devido respeito, o entendimento sufragado no acórdão recorrido merece ser censurado, pois, além de injusto, decidiu em sentido contrário à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
3.º — O sentido do acórdão recorrido foi influenciado, em grande medida, pela pressão social e mediática para a prolação de decisões condenatórias no âmbito deste tipo de processos em detrimento da prova produzida.
4.º — O Tribunal recorrido, perante depoimentos contraditórios quanto ao relacionamento entre o Arguido, as Ofendidas e outro filho do casal, relevou aqueles que foram no sentido de imputar ao ora Recorrente comportamentos agressivos e irrelevou outros que afirmaram categoricamente não ter presenciado, em momento algum, qualquer manifestação de agressividade de H… para com aqueles.
5.º — A decisão recorrida está exclusivamente assente no depoimento prestado pelas Ofendidas.
6.º — O Recorrente crê que os factos identificados na decisão sobre a matéria de facto inserta no acórdão recorrido sob os números: 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 25., 26., 27., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50., 53., 54., 55. e 56. foram incorrectamente julgados, devendo, ao contrário do sucedido, ter sido considerados como não provados.
7.º — Existem 2 (duas) versões diferentes relativamente ao comportamento do Recorrente para com as Ofendidas.
8.º — O Tribunal a quo dispunha de prova bastante para concluir que, à luz da lisura comportamental descrita pelas testemunhas que arrolou, muito dificilmente poderia ter praticado os factos que são imputados.
9.º — O Julgador não pode neste tipo de ilícitos cingir-se aos depoimentos prestados pelas supostas vítimas e/ ou pelos respectivos familiares.
10.º — O Tribunal a quo irrelevou por completo o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pelo Recorrente.
11.º — As testemunhas arroladas pelo Recorrente referiram todas elas ter relações de grande proximidade com o dissolvido casal, em diversos momentos, e não ter, em circunstância alguma, presenciado sinais de agressividade ou violência daquele para com o respectivo agregado familiar. Neste sentido,
12.º — Depuseram as testemunhas: V… L…, J… C…, P… B…, P… F…, C… L…, M… P…, A… R…, A… M… e P… M…, arroladas pelo Recorrente; e I… S… e R… J…, indicadas na acusação (depoimentos parcialmente transcritos no corpo da presente motivação).
13.º — As Ofendidas tem interesse confesso na condenação do Recorrente. Aliás,
14.º — As Ofendidas deduziram pedido de indemnização civil contra o Recorrente. Assim,
15.º — É manifesta a parcialidade das respectivas declarações, assim como o interesse económico na condenação do Recorrente.
16.º — O Tribunal a quo deveria ter recorrido a elementos de prova que corroborassem objectivamente as declarações prestadas pelas Ofendidas. Contudo,
17.º — Tal não foi efectuado.
18.º — De nada vale argumentar que as declarações prestadas pelas Ofendidas beneficiaram de confirmação pelas testemunhas indicadas na acusação (e parentes daquelas), pois partilham obviamente do interesse daquelas na condenação do Recorrente.
19.º — O Arguido e ora Recorrente prestou declarações, negando a prática dos factos que lhe são imputados.
20.º — Se o Tribunal recorrido irrelevou tais declarações por suposta parcialidade, derivada do interesse na absolvição, teria necessariamente de irrelevar pelas mesmas razões as declarações prestadas pelas Ofendida. Pois,
21.º — De outro modo, teria sempre de as relevar e, em consequência, absolvê-lo da prática dos crimes que lhe surgem imputados.
22.º — Dispunha o Tribunal a quo de elementos de prova, para além do depoimento prestado pelas testemunhas que se encontram numa relação de parentesco com as Ofendidas, com vista à confirmação (ou não) das declarações prestadas por aquelas.
23.º — A testemunha I… S… afirmou aos minutos: 09:19 e 09:28 do depoimento que, em 16 (dezasseis) de Março de 2010, prestou perante o Tribunal a quo, não encontrar correspondência entre as imputações feitas ao Arguido e ora Recorrente e o indivíduo H… que conhece.
24.º — As testemunhas I… S…, R… J…, J… C…, P… B…, P… F…, C… L…, M… P…, A… R…, A… M… e P… M… não assumem qualquer interesse na condenação ou na absolvição do Recorrente.
25.º — Os depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas na conclusão anterior são perfeitamente coerentes, claros, consistentes e esclarecedores; os quais foram confirmados uns pelos outros.
26.º — Improcedem as razões invocadas na decisão recorrida para não dar crédito à prova resultante do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pelo Recorrente.
27.º — A testemunha P… F… limitou-se a responder às perguntas que lhe foram feitas pelo Tribunal, pelo Mandatário das Demandantes Civis, pelo Defensor do Arguido e pelo Ministério Público.
28.º — À testemunha P… F… não foi, por nenhum dos aludidos sujeitos, perguntado se tinha estado com as Ofendidas no dia 05 (cinco) de Maio de 2008.
29.º — Por tudo o referido, devem dar-se como não provados os factos referidos na conclusão “6.º — “, absolvendo-se, em consequência, o Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado. Sendo assim,
30.º — Por outro lado, deve dar-se como provado, pelo menos, o seguinte facto: “- Que a ofendida S… e o arguido, em Setembro de 2007, tivessem acordado se divorciar por mútuo consentimento, em face da deterioração do casamento, com a preocupação de evitar que a deterioração da relação conjugal alastrasse ao relacionamento com os filhos menores, tendo alcançado um princípio de entendimento relativamente a todos os elementos da vida conjugal: os alimentos (aos menores e ao cônjuge), a regulação do poder paternal e o destino da casa de morada de família, sendo o divórcio requerido por mútuo consentimento, bem como que o processo decorreria, tanto quanto possível, à margem dos filhos menores, tendo sido discutido, em concreto, os termos do acordo, relativos aos vários elementos da vida conjugal, necessários ao requerimento de divórcio por mútuo consentimento e que, sem nada que o fizesse prever, a ofendida passou a evitar o assunto e o consenso pareceu ter desaparecido.”, pois
31.º — Tal factualidade resultou, em sede de audiência de discussão e julgamento, claramente confirmada pela testemunha P… F… (vide no que a esta parte diz respeito o respectivo depoimento parcialmente transcrito no corpo da presente motivação).
32.º — A indemnização arbitrada ao Recorrente não tem razão de ser, uma vez que o mesmo deveria ter sido absolvido. Acresce que,
33.º — Eventuais juros de mora incidentes sobre as indemnizações arbitradas apenas poderão ser contabilizados após o trânsito em julgado da respectiva decisão e não, como determinado na decisão recorrida, desde a data do acórdão.
34.º — As medidas concretas das penas que foram aplicadas ao Arguido e ora Recorrente são excessivas e exageradas, não obedecendo, nem cumprindo com os fins a que as penas se destinam.
35.º — Resultam dos autos elementos suficientes para permitir a realização de um juízo de prognose favorável à reintegração social do Recorrente, pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado as penas pelos limites mínimos as quais se mostrariam suficientes para promover a recuperação social do Recorrente e dissuadi-lo de semelhantes conduta.
36.º — Nos termos do disposto nos artigos 71.º e 77.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena a aplicar deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como de todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente.
37.º — O Recorrente não apresenta quaisquer antecedentes criminais.
38.º — O Recorrente tem actividade laboral regular.
39.º — O Recorrente tem assumido as suas responsabilidades parentais, designadamente o pagamento das pensões de alimentos a que se comprometeu (e apenas não vai para além disto por falta de colaboração dos menores).
40.º — O Recorrente vive integrado familiar e socialmente.
41.º — O Tribunal a quo ao condenar o Recorrente nas penas concretas em questão não considerou todos os elementos que jogam a favor dele.
42.º — Não é adequada aos fins de prevenção geral e especial, por manifestamente elevadas, a fixação das medidas das penas a que procedeu o Tribunal a quo.
43.º — Não se impõe in casu medida de prevenção especial, por manifesta falta de fundamento para a sua aplicação, pelo que é de afastar a aplicação do disposto na alínea f) do número 2 do artigo 71.º do Código Penal.
44.º — Pelo exposto, conclui-se que o acórdão recorrido, ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, a) e n.° 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.°-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos, e, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, violou o disposto nos artigos 40.°, 71.°, 72.°, 73.° e 77.° do Código Penal.
45.º — O Tribunal a quo violou, no acórdão recorrido, o disposto nos artigos 40.°, 71.°, 72.°, 73.° e 77.° do Código Penal, sendo certo que os deveria ter melhor interpretado e assim condenar o ora Recorrente, em penas parcelares mais baixas, e em cúmulo, na pena única, não superior a 3 (três) anos, suspensa na sua execução.
46.º — Conclui-se que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e no artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), ambas as disposições constantes do Código Penal e nos artigos 40.°, 71.°, 72.°, 73.° e 77.° também do Código Penal. Por conseguinte,
47.º — Devem Vossas Excelências levar a efeito a revogação do acórdão recorrido, que julgou procedente o despacho de pronúncia e, em consequência, a absolvição do Recorrente dos crimes que lhe são imputados.
Pretende, assim, que, no provimento do recurso, seja revogado o acórdão recorrido, “com as legais consequências”.

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Na 1.ª instância, o digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta à motivação do recurso interposto, concluindo nos seguintes termos:

1 – A intervenção do Tribunal de recurso em sede de avaliação da decisão proferida sobre matéria de facto não visa a reapreciação sistemática e global da prova produzida em audiência mas antes a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.
2 – É esse o corolário lógico do princípio de livre apreciação que enforma a valoração da prova até porque na formação da convicção do julgador não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, relevando, e muito, elementos intraduzíveis e subtis decorrentes de aspectos da produção de prova que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.
3 – Os meios probatórios considerados pelo Tribunal a quo suportam claramente a decisão tomada, em qualquer dos seus aspectos, e não estando em causa, como manifestamente não está, uma apreciação arbitrária da prova produzida ou a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, antes se permitindo, por via da fundamentação expressa, o controlo efectivo da motivação, basta que se atente nos meios de prova enunciados no acórdão e no que deles resulta para que se conclua pela justeza da decisão que emerge do julgamento da matéria de facto.
4 – É correcta a subsunção jurídica do acervo fáctico provado às infracções criminais por que foi condenado o arguido, ora recorrente, como correctas e adequadas se configuram, em função da sua gravidade objectiva, da culpa evidenciada e respectivo grau, das exigências de prevenção, gerais e especiais, e dos demais critérios definidores dos artigos 71º e 77º do Código Penal, as penas aplicadas, parcelares e unitária.
5 – Verificando-se in casu os pressupostos de que a lei faz depender a suspensão da execução da pena nenhum reparo suscita também este segmento da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no seu conjunto, aqui se compreendendo o condicionalismo que a acompanha.
6 – Nenhuma censura merece a decisão recorrida que, como tal, deverá ser integralmente mantida. 
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Também a demandante civil respondeu à motivação do recurso, manifestando o entendimento de que a prova foi correctamente apreciada pelo tribunal que decidiu bem a matéria de facto, tal como é correcta a sua qualificação jurídica, as penas (parcelares e única) são justas, pois satisfazem as exigências de prevenção e foram fixadas em função da culpa, e por isso o acórdão deve manter-se nos seus precisos termos.
                                                             * 
Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que manifesta a sua concordância com a posição tomada pelo Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.
                                                             *
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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No requerimento de interposição de recurso, o recorrente afirma que este tem por fundamento “erro notório na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto na alínea c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal”. 
Porém, lidas a motivação e respectivas conclusões, constata-se que nenhuma (mas rigorosamente nenhuma) referência é feita a este vício da decisão.
Esta é uma situação recorrente e, apesar de ser vasta e esclarecedora a jurisprudência sobre o assunto, ainda se confunde o erro notório na apreciação da prova (que tem de resultar sempre do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum) com o erro de julgamento da matéria de facto (só) detectável pela análise da prova produzida e valorada na audiência em primeira instância.
Acontece que doutrina e jurisprudência estão em total sintonia neste ponto: são de conhecimento oficioso os vícios da decisão em matéria de facto (os vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal), mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, 1052; na jurisprudência, por mais recente, o acórdão do STJ de 09.06.2010,www.dgsi.pt/jstj).
Vejamos, então, se a decisão recorrida enferma do referido vício.
Do art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal decorre que o erro notório é um vício da decisão que, para se ter por verificado, exige que nele confluam os seguintes requisitos:
§ a notoriedade do erro e
§ que este resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, notado sem qualquer esforço.
Notório é o erro indiscutível, facilmente perceptível pelo comum dos observadores, que é facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas, de tal modo que não haja motivo para duvidar da sua ocorrência[1].
Há erro notório “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” (acórdão do STJ de 04.10.2001 (CJ/Ac STJ, IX, T. III, 182)[2].
O recorrente não nos diz onde vislumbra o erro notório (aliás, como já se referiu, limita-se a invocá-lo no requerimento de interposição do recurso) e também nós não o descortinamos.
Bem pelo contrário, nada permite afirmar que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, decorra a existência de tal erro. O que se evidencia é a falta de notoriedade de qualquer erro da sentença.
Na realidade, o que o recorrente faz é impugnar a decisão sobre matéria de facto, que considera incorrectamente julgada porque o tribunal teria apreciado e valorado mal a prova produzida em audiência.
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Definido pelas conclusões da motivação (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj), o objecto do recurso centra-se nas seguintes questões:

§ O alegado erro do tribunal na apreciação e valoração que fez da prova produzida, designadamente dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente.
§ Falta de fundamento para a indemnização civil arbitrada à demandante S….
§ Desde quando são devidos juros de mora.
§ Doseamento das penas aplicadas.
§ Falta de fundamento para a condição imposta na suspensão da execução da pena de prisão.  
II – Fundamentação
Para uma correcta decisão das questões colocadas à apreciação deste tribunal, é fundamental conhecer a factualidade em que assentam as condenações proferidas, pelo que aqui se reproduzem (ipsis verbis) os factos que o tribunal recorrido deu como provados e não provados:
Factos Provados:

1. O arguido H… e a ofendida S… contraíram matrimónio no dia 7 de Março de 1992;
2.  Na constância deste casamento, nasceram dois filhos, R… , em 20 de Fevereiro de 1993, e B…, em 4 de Maio de 1996;
3. No entanto, o arguido, desde o início desta relação e até ao dia 5 de Maio de 2008, altura em que a ofendida saiu de casa, dirigia-se-lhe, apelidando-a de «estúpida, mentirosa, incompetente» entre outras expressões do mesmo teor;
4. Atingindo-a, ainda, na sua integridade física, através de torções de braços, apertões no pescoço e estalos na face, causando-lhe dores e marcas, tais como hematomas;
5. Por vezes, a ofendida desmaiava, na sequência dessas agressões, devido ao seu débil estado físico e de saúde, uma vez que sofre de fibromialgia, doença que é do conhecimento do arguido;
6. Tais comportamentos verificavam-se, regra geral, no interior da residência que ambos habitavam, juntamente com os seus filhos, sita na Rua do C…, nº ... - …, em C..., e na presença dos menores;
7. Efectivamente, e em data não apurada, quando a menor R… tinha três meses de idade, encontrando-se a ofendida S… em plena via pública, trazendo a filha ao colo, foi atingida por um estalo, desferido pelo arguido, que justificou tal comportamento pelo facto daquela ter saído à rua e não ter ido a casa dos sogros, sita ao lado da sua, para mostrar a bebé;
8.  Por essa altura, ou seja, quando a menor R… era ainda bebé de colo, a ofendida e a sua irmã S… R… foram às compras;
9. Quando chegaram a casa, o arguido pediu o talão das compras à ofendida e chamou-a ao escritório, após o que fechou a porta;
10. Ali, na sequência de discussão, desferiu-lhe, pelo menos, um estalo, deixando-lhe marcas dos dedos na face;
11.  Decorrido cerca de um ano após este episódio, quando se encontravam no interior da cozinha, encontrando-se também presente a irmã da ofendida, S… R…, estando S… a descascar batatas, o arguido entrou naquela divisão e foi buscar leite ao armário;
12. No entanto, como não havia nenhum pacote, começou a discutir com a ofendida, sua esposa, imputando-lhe a culpa de não haver leite, uma vez que, como não trabalhava, tinha que controlar os géneros para casa. Ao mesmo tempo, começou a pisar-lhe os pés e a torcer-lhe as orelhas.
13. De seguida, após lhe ter retirado a faca das mãos, levou-a para a casa de banho e voltou a atingi-la com palmadas na zona da face e dos braços.
14. Pelo que, quando a ofendida saiu da casa de banho, trazia ainda as marcas provocadas pelas agressões.
15. Noutra ocasião, quando a menor R… tinha cerca de três ou quatro anos de idade, encontrando-se na sala, o arguido levou a ofendida S… para o quarto, sito no andar de baixo, onde a atingiu na sua integridade física, causando-lhe dores;
16. Ainda noutra ocasião, em data não apurada, quando seguiam no interior do veículo automóvel juntamente com os filhos, o arguido e a ofendida começaram a discutir. A determinada altura, o arguido obrigou a ofendida a sair do carro e seguiu viagem, deixando-a apeada na rua, apenas tendo regressado para a ir buscar decorrido algum tempo.
17. Numa ocasião, quando a menor R… tinha dez anos de idade, na sequência de uma discussão violenta, a ofendida S… pegou nos seus filhos e dirigiu-se para a porta da rua com o objectivo de sair de casa. No entanto, foi impedida de o fazer pelo arguido, que lhe desferiu um murro na cara, fazendo com que perdesse os sentidos.
18. Quando voltou a si, verificou que o arguido se encontrava a discutir com a sua filha R…, proibindo-a de solicitar auxílio para a mãe, que se encontrava prostrada no chão.
19. A partir de determinada altura, designadamente de Janeiro de 2008, o arguido retirou os cartões de crédito e de multibanco à ofendida.
20. Dado que o arguido apenas lhe entregava, mensalmente, a quantia de € 300,00, com a qual tinha que fazer face, entre outras, às despesas de vestuário, suas e dos filhos, e às actividades extra-curriculares dos menores, a ofendida, que não exercia qualquer actividade profissional, uma vez que se dedicou, em exclusivo, aos cuidados da casa e da família, sempre que precisava de dinheiro, tinha que lhe pedir.
21. No dia 14 de Fevereiro de 2008, ao fim da tarde, quando a ofendida se encontrava a confeccionar o jantar, o arguido, sem qualquer motivo que o justificasse, começou a desferir-lhe estalos e murros, ao mesmo tempo que a apelidava de «puta, cabra, filha da puta».
22. No dia 5 de Maio de 2008, cerca das 19h00, no interior da residência, o arguido solicitou a S… os documentos de identificação dos filhos.
23. Na altura, a ofendida respondeu que lhos entregaria mais tarde.
24. Saindo da casa com a irmã.
25. Quando regressou de novo com a irmã, o arguido voltou a pedir-lhos. No entanto, a ofendida, receando que aquele tivesse acesso às contas poupança das menores, não procedeu à sua entrega, pelo que o arguido, impedindo-a de voltar a sair, disse-lhe «enquanto não me entregares os documentos, não sais de casa!». De seguida, agarrou-a pelos pulsos, utilizando de força, após o que a empurrou contra a ombreira da porta da cozinha, que dá acesso à sala, fazendo com que embatesse ali com a cabeça e o ombro, tendo-lhe desferido, ainda, um estalo na cara.
26. Altura em que o menor B…, que presenciara tal comportamento, se colocou entre ambos, para evitar mais agressões, retirando o arguido da sua frente.
27. S… acabou por intervir, de modo a fazer cessar as agressões e, quando conseguiu libertar a ofendida, levou-a para sua casa, juntamente com os menores.
28. Sendo que não regressaram à casa de morada da família.
29. Como consequência destas agressões, a ofendida S…, beneficiária nº ... SS, sofreu hematoma no couro cabeludo na região occipital mediana, de cerca de 2x2 cm, hematoma do ombro direito, bem como pequena equimose na face anterior do punho à esquerda, de cerca de 1x1 cm, lesões estas que lhe determinaram um período de dois dias de doença, sendo o primeiro com incapacidade para o trabalho.
30. O arguido também costumava discutir e desferir estalos e pontapés na filha R…, sem qualquer razão que o justificasse ou de forma desproporcionada relativamente às falhas por ela cometidas.
31. Bastando pois que fizesse barulho ou tropeçasse num fio do computador.
32. Nessa altura, ou a mandava sair da sala, com a justificação de que queria ver televisão ou descansar, ou lhe desferia estalos na cara.
33. Efectivamente, em data não apurada, no ano de 2008, o arguido desferiu várias palmadas nas nádegas da sua filha R…, pelo facto de ter tropeçado no fio do computador.
34. Também era costume repreendê-la, quando se encontravam na presença de terceiros, pela maneira como comia, pelo que fazia, etc.
35. Fazendo com que esta ficasse a chorar, incomodada e com vergonha.
36. De facto, em data e circunstâncias não apuradas, quando a menor R… tinha dez anos, o arguido desferiu-lhe socos e pontapés, tendo ainda o hábito de lhe torcer os braços enquanto lhe ralhava.
37. Noutra ocasião, quando a menor tinha doze anos, encontrando-se de férias no Algarve, o arguido desferiu-lhe bofetadas e pontapés, causando-lhe hematomas na perna direita, até à zona do joelho e um outro na perna esquerda, pelo simples facto de ter entornado verniz das unhas em cima da colcha.
38. Ainda em data não determinada, há cerca de três ou quatro anos, por referência à presente data, em circunstâncias não apuradas, quando se encontravam em casa, o arguido desferiu várias palmadas na perna direita da menor R…. De seguida, agarrou-a e levou-a para o quarto dela, fechando a porta. Ali, continuou a desferir palmadas nas pernas, fazendo com que esta gritasse de dor.
39. Face a tal comportamento, S… R… dirigiu-se ao arguido e disse-lhe para acabar com aquelas agressões, tendo-lhe este respondido que «não tinha nada a ver com aquilo e que se fosse embora».
40. Quando os menores precisavam de dinheiro, tinham que lho pedir com um ou dois dias de antecedência, sob pena de não o dar.
41. Sendo que, após terem sido alvo de agressões e a chorar, as ofendidas eram obrigados a sentar-se à mesa e comer, mesmo que se encontrassem presentes outras pessoas para além do agregado familiar.
42. Assim como a ofendida S…, na sequência das agressões de que tinha sido vítima, na presença dos filhos, era obrigada a confeccionar e servir as refeições, mesmo a chorar e com dores, e a sentar-se à mesa e comer.
43. O arguido sempre manifestou uma personalidade autoritária e agressiva, quando contrariado.
44. Ao actuar da forma supra descrita, e noutras ocasiões que as ofendidas S… e R… tiveram que suportar, o arguido pretendeu atingi-las na sua integridade física, bem como na sua honra e consideração.
45. Para, deste modo, as molestar física e psicologicamente.
46. Causando-lhes medo e inquietação.
47. O que conseguiu, assim como lhes retirou o sossego e a paz de espírito.
48. Muito embora tivesse perfeito conhecimento de que se encontrava vinculado para com as ofendidas - sua esposa e filha - aos deveres de respeito e cooperação.
49. No entanto, ao invés, o arguido manifestou os comportamentos descritos, consequência da sua personalidade autoritária, bem sabendo que a sua actuação para com a sua esposa e filha era cruel, o que quis.
50. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
51. A lesada sofre de fibromialgia, doença dolorosa não inflamatória, caracterizada por dores musculares difusas, fadiga, cansaço e dor em pontos dolorosos específicos sob pressão.
52. Esta doença causa muito sofrimento aos seus portadores, dificuldades de locomoção e restrições sérias para a movimentação do corpo ou parte dele.
53. Apesar de ter conhecimento deste facto, o arguido não se inibia de agir da forma supra descrita.
54. Antes pelo contrário, tendo conhecimento da doença que afectava a sua mulher, o arguido aproveitava-se do seu estado físico e de saúde para a agredir, sabendo que esta não conseguiria reagir às agressões perpetradas e que isto lhe provocaria sofrimento e dor.
55. O arguido não se inibia de diminuir, agredir e humilhar S... R... em frente aos filhos e familiares, conforme supra descrito, o que provocava naquela sofrimento psicológico, vergonha e humilhação.
56. Os filhos do casal assistiam às constantes agressões e humilhações cometidas pelo pai contra a mãe, sendo, muitas vezes, a filha, vítima do arguido, que lhe desferia estalos e pontapés sem qualquer razão que o justificasse, sendo, igualmente, repreendida em frente a outras pessoas pela maneira como comia, pelo que fazia, o que lhe provocava tristeza, angústia e humilhação, que manifestava, chorando.
Relativa à matéria das contestações e das condições pessoais do arguido:

57. A participação criminal que deu origem aos autos sub judice foi apresentada no dia 2 de Maio de 2008 e, no âmbito daquela, requereu a ofendida S… a a aplicação da medida de proibição de permanência na residência.
58.  No âmbito do processo especial de divórcio, que, entretanto, a ofendida S… propôs, pela via litigiosa, através da apresentação da competente acção judicial, foi feita a convolação para processo de divórcio por mútuo consentimento, no mês de Novembro de 2008.
59. No âmbito do aludido processo de divórcio por mútuo consentimento, acordou o arguido na prestação de alimentos ao cônjuge e aos menores e ainda na comparticipação no pagamento da renda do imóvel que passou a funcionar como a casa de morada de família para a ofendida e para os menores, vindo aquele a cumprir com as responsabilidades que assumiu no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento.
60. Ainda no âmbito do referido processo de divórcio por mútuo consentimento, a ofendida aceitou e comprometeu-se a desistir de todas as queixas, de índole criminal ou outra, que apresentou contra o ora arguido e, bem assim a fazer tudo quanto estivesse ao seu alcance para promover o arquivamento dos respectivos processos.
61. Antes de Janeiro de 2008, a ofendida S… utilizava para efectuar o pagamento das despesas domésticas os cartões de débito e de crédito de que dispunha e que se encontravam associados a contas bancárias tituladas pelo Arguido.
62. Tais contas bancárias sempre foram provisionadas pelo arguido.
63. O arguido entregou os montantes e efectuou os pagamentos, que infra se identificam e discriminam:

 

TOTAL Transferências Pagamentos Valores
Conta Bancária respeitantes a dispendidos com
S… S… O Cartão de
(C.G.D., S.A.) (Serviços e Crédito Auchan
Telecomunicações) (Supermercado)
SET./ 749,09 EUR 400,00 EUR 25,00 EUR 369,09 EUR
2007
OUT./ 1.387,41 EUR 550,00 EUR 25,00 EUR 812,41 EUR
2007
NOV./ 1.151,74 EUR 700,00 EUR 25,00 EUR 426,74 EUR
2007
TOTAL Transferências Pagamentos Valores
Conta Bancária respeitantes a dispendidos com
S… S…O cartão de
(C.G.D., S.A.) (Serviços e Crédito Auchan
Telecomunicações) (Supermercado)
DEZ./ 1.576,63 EUR 750,00 EUR 25,00 EUR 801,63 EUR
2007
JAN./ 2.249,83 EUR 1.150,00 EUR 30,00 EUR 1.069,83 EUR
2008
FEV./ 1.118,37 EUR 560,00 EUR 30,00 EUR 528,37 EUR
2008
MAR./ 1.632,39 EUR 500,00 EUR 137,19 EUR 995,20 EUR
2008
ABR./ 1.019,51 EUR 490,00 EUR 30,00 EUR 499,51 EUR
2008


64. O arguido efectuou pagamentos, decorrentes da utilização de cartões de crédito Auchan Supermercado, na ordem dos 1.300,00 EUR (mil e trezentos euros), por mês.
65. O arguido é natural de Angola, sendo que os progenitores emigraram para aquele país cerca de quatro anos antes do arguido nascer.
66. É o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de crescimento decorrido junto dos progenitores e do irmão, bem como de alguns tios e primos que habitavam próximo.
67. O arguido frequentou o sistema de ensino em Angola até aos dez anos de idade, onde completou a instrução primária.
68. Com a revolução de 1974, o agregado familiar regressou a Portugal, sendo que o progenitor, seis meses depois, foi convidado para ir trabalhar para o Brasil, onde era técnico da Siemens, tendo existido nova emigração do agregado familiar para esse país, onde o arguido completou o 7º ano de escolaridade.
69. Por volta dos 14 anos de idade do arguido, a família estabeleceu-se definitivamente em Portugal.
70. Integrado no sistema de ensino em Portugal concluiu apenas o 8º ano de escolaridade, reprovando no nono ano.
71. Com 17 anos de idade, começou a trabalhar na empresa que o pai geria, “I… – Equipamentos Médico Hospitalar, Lda”, como auxiliar técnico de assistência informática, realizando, paralelamente, formações profissionais na área da informática e de marketing.
72. O arguido conheceu S… em contexto laboral, quando tinha 22 anos de idade, tendo casado seis anos depois, passando a residir numa casa perto da residência do agregado familiar de origem, em C....   
73. Amigos do casal, que com o mesmo conviviam, caracterizam o arguido como um indivíduo calmo, trabalhador, ponderado e equilibrado, marido dedicado e um pai interessado no processo educativo dos filhos, sendo o elemento responsável pela manutenção, em termos financeiros, do agregado familiar.
74. Ao nível profissional, o arguido exerce funções na empresa “I…”, onde trabalha, há 28 anos, sendo actualmente responsável pelo Departamento de Informática.
75. Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer averbamento.

Factos não provados:

- Que o arguido tenha atingindo a ofendida S… através de pontapés;
- Que, em data não apurada, há cerca de sete ou oito anos, quando a ofendida S… se encontrava a confeccionar o almoço, o arguido, sem qualquer razão que o justificasse, começou a beliscar-lhe as orelhas, acabando por lhe desferir pontapés e estalos, ao mesmo tempo que a apelidava de «estúpida, puta, incompetente» e que, de seguida, tenha agarrado numa fava de cozinha que lhe apontou, perseguindo a ofendida até ao quarto, local para onde esta fugiu;
- Que os factos supra descritos, no dia 14 de Fevereiro de 2008, tenham ocorrido na presença da amiga A… C….
- Que com a sua conduta, o arguido tenha atingido o filho B…, tanto na sua integridade física, bem como na honra e consideração, provocando-lhe uma profunda tristeza, que manifestava, chorando, vivendo em constante ansiedade e angústia, com medo do arguido.
- Que, no dia 5 de Maio de 2008, o arguido se tenha limitado a peticionar à ofendida S… os documentos de identificação dos seus filhos, que necessitava para requerer a emissão de cartões de débito pré-pagos, provocando, assim, uma discussão e agressões perpetradas pela própria ofendida S…, na pessoa do arguido, aproveitando, então, tal episódio para concretizar uma saída de casa já previamente planeada e motivada pela existência de um relacionamento extra-conjugal com terceiro.
- Que, no dia 5 de Maio de 2008, a ofendida S… tenha respondido ao arguido que não lhe facultava os documentos, porque este não lhe dava “outras coisas", sem, contudo, concretizar o que seriam tais “outras coisas".
- Que, no dia 5 de Maio de 2008, percorrendo a ofendida S… os 1,5 metros que a separava de H… e, munida de um enrolador de trela do cão, em plástico, tenha atingido o arguido, por duas ou três vezes, no braço esquerdo.
- Que, no dia 5 de Maio de 2008, o arguido, para se defender, tenha pegado no braço direito da ofendida - cuja mão segurava o aludido enrolador de trela - e a tenha afastado para junto dos armários da cozinha.
- Que, no dia 5 de Maio de 2008, a ofendida S… tenha abandonado, logo depois, pelo seu próprio pé e sem evidenciar qualquer problema, a casa de morada de família.
- Que a ofendida S… e o arguido, em Setembro de 2007, tivessem acordado se divorciar por mútuo consentimento, em face da deterioração do casamento, com a preocupação de evitar que a deterioração da relação conjugal alastrasse ao relacionamento com os filhos menores, tendo alcançado um princípio de entendimento relativamente a todos os elementos da vida conjugal: os alimentos (aos menores e ao cônjuge), a regulação do poder paternal e o destino da casa de morada de família, sendo o divórcio requerido por mútuo consentimento, bem como que o processo decorreria, tanto quanto possível, à margem dos filhos menores, tendo sido discutido, em concreto, os termos do acordo, relativos aos vários elementos da vida conjugal, necessários ao requerimento de divórcio por mútuo consentimento e que, sem nada que o fizesse prever, a ofendida passou a evitar o assunto e o consenso pareceu ter desaparecido.
- Que o valor de 300,00 euros tenha sido acordado entre arguido e a ofendida S…, em Setembro de 2007, e já na preparação do processo de divórcio, como adequado ao suprimento das despesas do agregado familiar e a vigorar até ao momento em que o divórcio se consumasse, porquanto aquela tinha na sua posse cartões de débito e de crédito em seu nome e associados a contas bancárias tituladas pelo arguido e por referência aos quais aquela tinha inclusivamente a tendência para abusar.
- Que, na sequência das conversas mantidas entre o arguido e a ofendida, sobre o divórcio, esta decidiu, como forma de expressar a ruptura do casamento, retirar do dedo anelar a aliança de casamento.
- Que, perante tal conduta assumida pela ofendida, o arguido solicitou a devolução dos cartões de débito e de crédito associados a contas bancárias por ele tituladas.
- Que o arguido nunca foi, e continua a não o ser, pessoa de se fazer acompanhar por grandes quantias de dinheiro ou de guardar dinheiro em casa.
- Que, sempre que precisa de dinheiro, o arguido levanta a quantia de que precisa numa máquina ATM, utilizando, para o efeito, os cartões de débito ou de crédito.
- Que no dia 7 de Maio de 2008, foi a ofendida quem procedeu ao resgate dos montantes depositados nas contas de poupança (a prazo) dos filhos menores do casal.
- Que toda a situação foi premeditadamente criada pela ofendida S…, que criou o atrito e depois fomentou a discussão.
- Que o arguido foi provocado pela ofendida.
- Que a versão dos factos arquitectada pela ofendida visava somente retirar proveitos no âmbito do processo especial de divórcio, que, entretanto, propôs, pela via litigiosa.
- Que o arguido tudo fez para lograr a convolação do referido processo de divórcio litigioso em processo de divórcio por mútuo consentimento.

A) O invocado erro do tribunal na apreciação e valoração da prova.
A prova produzida em audiência impunha conclusão diversa daquela a que chegou o tribunal quanto à culpa do recorrente?
Por outras palavras, o tribunal fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida e só por isso deu como provados os factos descritos sob os n.ºs 3 a 21, 25, 26, 27, 29 a 50 e 53 a 56 do acórdão, quando se impunha decisão contrária, ou, pelo menos, um non liquet?
Antes de respondermos a estas questões nucleares, impõe-se começar por fazer uma breve abordagem ao tema dos poderes do tribunal de recurso quando é chamado a sindicar a decisão sobre matéria de facto proferida no tribunal “a quo”.
Abordagem que se justifica porque, quer o arguido/recorrente, quer o Ministério Público suscitam essa questão: o primeiro, na medida em que pretende que este tribunal reaprecie toda a prova produzida em audiência e censure a valoração feita, em 1.ª instância, dessa prova (e que, em seu entender, deve ser, precisamente, em sentido contrário à que foi efectuada e levar à sua absolvição); o segundo, porque cita e acolhe a posição expressa no acórdão de 19.06.2008 (processo n.º 5719/07), desta Relação, em que se defende que a intervenção, neste âmbito, do tribunal de recurso deve cingir-se à detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, estando-lhe vedado criticar o tribunal recorrido por ter dado prevalência a determinada prova, em detrimento de outra.
Como é bem sabido, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto pode fazer-se por duas vias: invocando vícios da sentença, enunciados no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, ou a existência de erro de julgamento, detectável pela análise da prova produzida e valorada na audiência de 1.ª instância.
Como já referimos, os vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, podendo, naturalmente, ser invocados pelos sujeitos processuais, são de conhecimento oficioso.
Quanto ao erro de julgamento em matéria de facto, o n.º 3 do art.º 412.º faz recair sobre o recorrente os seguintes ónus[3]: o de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
É com base nesta norma que se tem defendido, una voce, que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo tribunal de recurso, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida.
Duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso.
Mas se o recurso que incide sobre matéria de facto implica a reponderação, pelo Tribunal da Relação, de factos pontuais incorrectamente julgados, essa reponderação não é realizada se este tribunal se limitar a ratificar ou “homologar” o julgado (por exemplo, com a simples constatação, a partir do acolhimento da fundamentação, da correcção do factualmente decidido), em vez de fazer um verdadeiro exercício de julgamento, embora de amplitude menor.
Como faz notar o Supremo Tribunal de Justiça seu acórdão de 30.11.2006 (www.dgsi.pt/jstj), “em sede conhecimento do recurso da matéria de facto, impõe-se que a Relação se posicione como tribunal efectivamente interveniente no processo de formação da convicção, assumindo um reclamado «exercício crítico substitutivo», que implica a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrentes, da convicção adquirida em 1.ª instância pela do tribunal de recurso, sobre todos e cada um daqueles factos impugnados, individualmente considerados, em vez de se ficar por uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento”[4].
É esse exercício que procuraremos fazer de seguida, mas não pode olvidar-se que uma das grandes limitações do tribunal de recurso quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efectuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto directo com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
Os tribunais superiores têm, justamente, chamado a atenção para esse condicionamento, pois é bem verdade que “a sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v.g., quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio” (acórdão do STJ de 19.12.2007, www.dgsi.pt/jstj).
Queremos com isto dizer que este tribunal não pode censurar a decisão do tribunal recorrido por este ter dado prevalência às declarações prestadas na audiência pelas ofendidas com fundamentos que não pode sindicar, pois “não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir” (acórdão do STJ, de 15.07.2008, www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons. Souto Moura).
São os elementos racionalmente não explicáveis de que fala o Professor Figueiredo Dias (“Lições de Direito Processual Penal”, 135 e segs.) ou os aspectos que só podem ser percepcionados, apreendidos e valorados por quem os presencia (a que se referia o Professor Castro Mendes, citado na resposta do Ministério Público) e que não podem ficar gravados ou registados para serem reapreciados por outro tribunal.
Não obstante, o papel fiscalizador deste tribunal não fica inteiramente prejudicado, pois sempre pode apreciar se a valoração dos depoimentos foi feita de acordo com as regras da lógica e da experiência, isto é, se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório de que o Colectivo dispôs.
Analisemos, então, o processo de formação da convicção do tribunal recorrido para se verificar da razoabilidade do decidido em matéria de facto.
Começou o tribunal por fazer um resumo das declarações prestadas pelo arguido na audiência, fazendo, ainda, menção aos documentos que este apresentou com a contestação e posteriormente.
É verdade que, como refere o recorrente, o tribunal não procedeu ao exame crítico dessas declarações, mas, logo após a súmula efectuada, vem uma frase bem eloquente sobre a credibilidade que ele mereceu do tribunal:
Refira-se que – escreveu-se no acórdão condenatório – relativamente aos factos que lhe são imputados ao arguido nestes autos a prova que se fez é inequívoca quanto à sua verificação”.
É contra esse juízo negativo que o recorrente se insurge, pois, na sua perspectiva, “à luz da lisura comportamental descrita pelas testemunhas por ele arroladas, não poderia, em circunstâncias algumas, ter praticado os factos que lhe são imputados”.
Mas – acrescenta o recorrente – se o tribunal recorrido não deu o devido relevo às suas declarações “por suposta parcialidade de quem as prestou”, então as declarações das ofendidas deviam ser vistas pelo mesmo prisma, pois elas têm interesse económico na sua condenação.
Por isso que “o tribunal a quo deveria ter procurado a corroboração objectiva das declarações prestadas pelas Ofendidas com recurso a outros elementos de prova”. Esses elementos de corroboração nunca poderiam ser as testemunhas B… , S… S…, S… R…, E… R… e C… S…, pois sendo, todas elas, parentes das ofendidas, partilham do mesmo interesse na sua condenação.
As testemunhas por si arroladas, essas sim, merecem crédito porque “não assumem qualquer interesse na absolvição ou na condenação do Recorrente, nem pretendem retirar do julgamento dos presentes autos qualquer benefício material ou de outra natureza” e “teria o Tribunal recorrido decidido acertadamente se tivesse procurado nos depoimentos prestados por estas testemunhas a corroboração (ou a não corroboração) das declarações – que considerou determinantes para a adopção da decisão em crise – prestadas por S… R… e R…. Não o tendo feito, decidiu mal o Tribunal a quo”.
É bem sabido que, em situações como a sub juditio, tendem a formar-se dois campos antagónicos e as testemunhas, ainda que inconscientemente, tendem a alinhar por um dos lados e, inevitavelmente, a sua isenção e imparcialidade é afectada, o que torna a tarefa do julgador mais difícil, complexa e delicada.
Para avaliar a credibilidade de uma testemunha, é importante conhecer com precisão a sua posição e as suas relações de interesse, de amizade ou de parentesco com os sujeitos processuais para descobrir qual é a possível vantagem que procura obter com um depoimento mentiroso, ou menos verdadeiro.
Essa é uma das razões por que o art.º 347.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal manda que se inquira a testemunha sobre as suas relações pessoais, familiares e profissionais com os participantes e pelo seu interesse na causa.
Como é que o recorrente pode afirmar que as testemunhas que arrolou não têm qualquer interesse na sua absolvição ou na sua condenação?
Sendo pessoas com quem convive(ia), pessoas das suas relações, nomeadamente de relações de amizade, é evidente que “torcem” pela sua absolvição e é normal que assim seja.
Sendo na apreciação da prova que se decide a concreta aplicação do direito, é imperioso rodear esta tarefa de especiais cuidados.
Na apreciação da prova, o juiz deve, antes de mais, evitar o convencimento apriorístico.
O juiz não pode deixar-se fascinar por uma tese, uma versão, deve evitar convicções apriorísticas que levam a visões lacunares e unilaterais dos acontecimentos.
O juiz deve fazer a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, tem de avaliar as provas, não arbitrariamente ou caprichosamente, mas em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
A liberdade[5] do convencimento que conforma o modelo da livre apreciação, se tem que ser expressão de uma convicção pessoal, não é uma liberdade meramente intuitiva, é antes um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza da decisão.
É um facto indesmentível que, durante muitos anos e até há bem pouco tempo, a violência doméstica era um fenómeno de todos conhecido (difícil mesmo era haver quem não conhecesse casos de mulheres espancadas pelos maridos ou pelos companheiros), mas que não era encarado com a seriedade que a gravidade dessas situações impunha.  
Apesar de ser, geralmente, reconhecido que o fenómeno da violência no seio do agregado familiar atinge mais de metade das mulheres, a taxa de denúncia era baixíssima e isso acontecia porque, além do mais, as vítimas sentiam que o mais provável é que a sua denúncia acabasse em nada por não terem quem atestasse as agressões e às suas declarações não era dado o devido relevo probatório.
Como se refere no II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003 (D.R., Série I – B, de 07.07.2003), “os testemunhos das mulheres são tidos como pouco credíveis pela sociedade em geral e, por isso, muitas mulheres sentem-se prisioneiras isoladas no seu mundo de violência. Muitas vezes, de vítimas transformam-se em acusadas; poucas acreditam na possibilidade de se libertarem da perseguição dos agressores ou de que estes venham a ser punidos”. 
Existe agora uma maior sensibilidade para as questões relacionadas com o fenómeno da violência doméstica (que não se limita à violência sobre as mulheres) e essa nova atitude tem já concretizações, quer a nível legislativo, quer a nível da jurisprudência.  
Também é de todos sabido que a violência de que são vítimas as mulheres ocorre, sobretudo, no seio do agregado familiar, eclode com elevada frequência e de maneira particularmente intensa no seio da família, no designado espaço doméstico, a casa de morada da família, e por isso escapa, em larga medida, ao conhecimento público.
Daí que tenha vindo, progressivamente, a merecer aceitação geral a ideia de que, estando em causa crimes cuja prática é menos visível e é mesmo rodeada de um certo secretismo que as quatro paredes de uma casa proporciona (é o que acontece, entre outros, com os crimes sexuais e os maus tratos)[6], os depoimentos dos ofendidos devem merecer especial relevo probatório[7].
Mas, note-se bem, com isto não se pretende significar que se deva ter como certo que o acusado mente e a (o) ofendida(o) conta sempre a verdade, mas sim que o tribunal deve estar particularmente atento às declarações e à atitude de um e de outro, pois são eles, especialmente a (o) ofendida(o), quem fornece as bases em que vai assentar a convicção do julgador.
Apesar de o arguido não estar obrigado a dizer a verdade, as suas declarações podem constituir um importante elemento de prova.
Se o arguido decide prestar declarações sobre os factos e fá-lo de forma convincente, se faz uma narração consistente, coerente e verosímil do que aconteceu, por que não haverá o tribunal de dar-lhe crédito?
As declarações do arguido são, a um tempo, meio de defesa e meio de prova, cujo valor probatório o tribunal aprecia livremente.
Como se refere no acórdão recorrido, o arguido negou, no essencial, a prática dos factos. Negou que alguma vez, ao longo dos 16 anos que durou o casamento, tivesse exercido qualquer tipo de violência sobre a mulher e/ou sobre os filhos.
A postura de negação sistemática é habitual nestas situações, mesmo quando, como é caso, são vários os episódios de violência física relatados com pormenor pela vítima e atestados por várias pessoas.
Mas há que ser cauteloso e evitar visões maniqueístas das situações: nem sempre o arguido é o demónio e a(o) ofendida(o) o anjo, a vítima cândida, inocente e indefesa que merece todo o crédito.
Concretizando, a ofendida S… não será, propriamente, aquela pessoa em quem se possa acreditar sem quaisquer reservas.
Vem referido no acórdão (estando a afirmação apoiada em documento) que, no âmbito dos acordos efectuados para a convolação do divórcio litigioso para divórcio por mútuo consentimento, ela se comprometeu a fazer “tudo quanto estiver ao seu alcance para promover o arquivamento” dos processos de natureza criminal pendentes e não honrou o compromisso assumido.
No episódio do dia 5 de Maio de 2008, é inaceitável e incompreensível a sua atitude de recusar ao arguido, que lhos pediu, a entrega temporária dos documentos de identificação dos filhos. Permitiu, assim, que ficasse a pairar a ideia de que não será, de todo, infundada a acusação de ter provocado, intencionalmente, a situação de agressão física de que foi vítima.
Por último, não podem ser ignoradas as referências a uma relação extra-conjugal da ofendida S… (e não foi, apenas, o arguido a referir-se-lhe) que teria sido a causa próxima de toda esta situação conflitual.
O tribunal “a quo” não menosprezou, certamente, esses elementos e, assim mesmo, entendeu que ela era merecedora de inteiro crédito, pois elegeu como meio de prova credível, fundamental na formação da sua convicção, as suas declarações.
Compreender a decisão, e a ela aderir, de eleição de um meio de prova como sendo mais credível do que outro, é precisamente o primeiro momento em que a livre apreciação da prova como processo objectivado e motivado se impõe» (Paulo Saragoça da Mata, “A livre apreciação da prova e a fundamentação da sentença”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 257).
O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão dizendo que “nas declarações que prestou, a ofendida S…, de forma séria, verdadeira, sentida e consistente, descreveu os maus tratos físicos e psicológicos a que o arguido a submeteu durante o casamento, concretizando a existência de agressões e injúrias” e este tribunal não tem como sindicar tal justificação, pois falta-lhe a imediação.
Além disso, como também vem referido na fundamentação do acórdão em crise, o tribunal recorrido considerou que as suas declarações foram corroboradas, não só por outra prova subjectiva (declarações da, também ofendida, R… e depoimentos de B…, S… S…, S… R…, E… R… e C… S…), mas também por prova objectiva (documentos clínicos).
Também em relação à ofendida R…, o tribunal ponderou devidamente a existência de factores susceptíveis de afectar a sua credibilidade, referindo expressamente a animosidade que ela manifestou em relação ao arguido, seu progenitor, a quem apontou características desvaliosas da sua personalidade, e considerou que tal não era suficiente para pôr em causa a veracidade das suas declarações.
O depoimento da testemunha B… tem um particular peso persuasivo porque ele não tem outro motivo para a sua animosidade em relação ao progenitor que não seja o facto de este ter agredido fisicamente e insultado a mãe e a irmã.
Por outro lado, o tribunal recorrido ponderou os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrente em termos que não nos merecem censura:
Disse, a propósito, o tribunal:
“Na verdade, o narrado pelas testemunhas J… C… (amigo do arguido e padrinho de casamento), P… e P… F… (amigos do casal), A…  e P… Melo (amigos do casal e padrinhos da menor R…), C… L… (amiga do arguido, conhecida do casal), A… R… e M… P… (tios da ofendida S...), V… L… e J… L… (respectivamente irmão e pai do arguido, que moram em casas contígua a este) coincidiu no essencial.
Efectivamente, narraram as mesmas testemunhas que nunca reconheceram qualquer sinal de agressividade ou violência designadamente no arguido no que respeita à ofendida S... e aos menores, ostentando o mesmo um trato agradável e normal. Evidenciaram, por igual forma, nunca terem vislumbrado, enquanto amigos do familiares/amigos do casal quaisquer sinais de agressões na ofendida S... e nos menores, assinalando, paralelamente, que o único comportamento digno de nota para com os mesmos menores se traduzia na disciplina e educação normal em qualquer pai.
Esta prova testemunhal arrolada pelo arguido tentou, de facto, transmitir uma lisura da sua conduta, mas a mesma terá, necessariamente, que ser considerada restrita aos contactas e momentos em que as testemunhas em causa privaram com o agregado familiar, o que, obviamente, não permitirá assacar equivalente rectidão de comportamento na restante vida do arguido e, mormente, no espaço privado em que se traduz o próprio seio do agregado familiar. Com efeito, o lugar de comissão do tipo de actos ilícitos aqui em causa é o lar, espaço exclusivo e excludente, onde convivem relações de afectividade, mas também de dependências. É sabido que a convivência aumenta o risco de actos violentos, e a efectividade, bem como as dependências (económica, social e psicológica) aumentam a capacidade de resistência à violência.
Saliente-se, a propósito, que não obstante todas estas testemunhas terem afirmado que nunca vislumbraram quaisquer sinais de agressões na ofendida S…, por parte do arguido, o certo é que a testemunha P… B… afirmou em julgamento, por reporte ao episódio ocorrido no dia 5 de Maio de 2008, dia em que a testemunha e a mulher (P… F…) celebram o dia do respectivo casamento, que o arguido e a ofendida S…, depois dos acontecimentos ocorridos no interior da casa de morada de família, procuraram o apoio daquele casal, tendo a testemunha P… B… estado com o arguido e a mulher P… F… ido ter ao Hospital com a ofendida S…. Este facto não foi referido em julgamento pela testemunha P… F…, que foi peremptória em afirmar nunca ter presenciado na ofendida S… qualquer sinal de agressão, o que, em face das lesões que aquela apresentava naquele dia, atestadas no auto de exame médico supra referido, na sequência de uma discussão conjugal, que despoletou a saída de casa e a ruptura definitiva do casal, é mais do que suficiente para colocar em crise a credibilidade da substância do depoimento da testemunha em causa e, por arrastamento, de todas aquelas que, contrariamente ao apurado, apesar do convívio regular com o casal, nunca de nada se aperceberam”.

Hoje em dia, não tem nada de excepcional ou surpreendente a revelação de acções criminosas praticadas por pessoas em relação às quais nunca nos ocorreria que fossem capazes de as levar a cabo, porque as tínhamos na conta de cidadãos impolutos, fieis ao direito, incapazes de cometer crimes.
Por outro lado, por muitas vezes que as testemunhas estivessem na companhia do arguido e da ofendida S…, isso sempre representaria uma pequena parte da vida do casal.
O recorrente mencionou, em especial, o facto (constante do elenco de factos não provados) que constitui o primeiro parágrafo da página 15 do acórdão, como devendo figurar nos factos provados, pois teria apoio no depoimento da testemunha P… F….
A ofendida S… negou esse facto e o depoimento daquela testemunha, sendo merecedor, como é, de reservas, não pode fundamentar uma decisão em sentido contrário à do tribunal “a quo”.
Em suma, nada há a censurar na opção do Colectivo, pois o tribunal “a quo” fez uma análise e uma valoração da prova de acordo com as regras da lógica e da razão, explicou o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório e porque o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou (cfr. acórdão TC n.º 27/2007, DR, II, de 23.02.2007).

B) Doseamento das penas aplicadas ao recorrente.

Como já, oportunamente, se assinalou, o recorrente questiona as penas parcelares que lhe foram aplicadas e, bem assim, a pena única, por as considerar excessivas.
O tribunal recorrido fundamentou assim a determinação da medida das penas parcelares aplicadas ao arguido:
“Ponderadas, agora, a culpa do arguido e as legais exigências de reprovação e prevenção geral do crime, como mais ponderados os legais critérios que presidem à determinação da medida concreta da pena e se encontram plasmados no art. 71º do C.P., e, bem assim, observando:
a) O grau de ilicitude dos factos é elevado, atento o modo de cometimento dos crimes, as naturais consequências que daí decorrerão na formação da respectiva personalidade dos filhos menores, que assistiram aos factos, o período de tempo durante o qual os crimes ocorreram, em especial no crime de violência doméstica, que teve por vítima S…, com quem o arguido foi casado durante cerca de 16 anos;
b) Quanto à intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo;
c) Quanto às condições pessoais do arguido, observa-se a sua primariedade e inserção em termos sócios - profissionais, não beneficiando de qualquer outra circunstância atenuante, como a mera confissão ou o simples arrependimento.

Em conformidade com o exposto, afiguram-se-nos, finalmente ajustadas as seguintes penas:
- 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de violência doméstica;
- 2 anos de prisão pelo crime de maus-tratos”;

Como se refere na sentença recorrida, e decorre do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, é em função do binómio prevenção-culpa que se há-de encontrar a medida da pena, assim se satisfazendo a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a exigência de que a vertente pessoal do crime limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Tende a ser consensual na jurisprudência o acolhimento da doutrina[8] de que a pena visa finalidades, exclusivamente, preventivas (de prevenção geral e de prevenção especial), cabendo à culpa a função de impedir excessos, sendo pressuposto (não pode haver pena sem culpa) e limite inultrapassável da pena (em caso algum a medida desta pode ultrapassar a medida da culpa).
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Prevenção geral positiva ou de integração, tendo-se em vista uma concepção integrada de intimidação que actue dentro do campo marcado por padrões ético-sociais de comportamento que a ameaça da pena visa justamente reforçar.
É esta ideia de prevenção geral positiva, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.
São as exigências de prevenção geral que hão-de definir a “moldura da prevenção” (em que o quantum máximo da pena corresponderá à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar), dentro da qual cabe à prevenção especial (por regra, positiva ou de (res)socialização) determinar a medida concreta.
A determinação da medida da pena em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto e as chamadas consequências extratípicas) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado, etc.
A violência no seio da família assume proporções alarmantes e se é certo que o problema dos maus tratos do cônjuge não se resolve apenas com a repressão penal, não é menos verdade que tais comportamentos terão de ser severamente punidos, sem o que se frustrará a finalidade precípua das penas que é a protecção de bens jurídicos.
Mas, atenção! Ao contrário do que, por vezes, se proclama ou se sugere, não se verifica um recrudescimento do fenómeno da violência doméstica e em particular da violência contra as mulheres.
O que acontece é que a maior transparência das relações familiares confere visibilidade a actos que antes ficavam escondidos no universo fechado em que a família se estruturava.
Não é exagero nenhum qualificar a violência doméstica como um flagelo social e é um dado adquirido que os maus tratos do marido ou do companheiro sobre a mulher são a principal forma de violência doméstica em Portugal.
A finalidade preventivo-especial da pena é evitar que o agente cometa, no futuro, novos crimes. Evitar a reincidência, portanto.
Sendo primordial a função de socialização, a tarefa que se impõe ao juiz é averiguar se o agente está carecido de socialização.
Recordemos o que o tribunal deu como provado a este respeito:
§ o arguido é natural de Angola;
§ é o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de crescimento decorrido junto dos progenitores e do irmão, bem como de alguns tios e primos que habitavam próximo;
§ frequentou o sistema de ensino em Angola até aos dez anos de idade, onde completou a instrução primária;
§ com a revolução de 1974, o agregado familiar regressou a Portugal, sendo que o progenitor, seis meses depois, foi convidado para ir trabalhar para o Brasil, onde era técnico da Siemens, tendo existido nova emigração do agregado familiar para esse país, onde o arguido completou o 7º ano de escolaridade;
§ por volta dos 14 anos de idade do arguido, a família estabeleceu-se definitivamente em Portugal;
§ integrado no sistema de ensino em Portugal concluiu apenas o 8.º ano de escolaridade, reprovando no nono ano;
§ com 17 anos de idade, começou a trabalhar na empresa que o pai geria, a “I… – Equipamentos Médico Hospitalar, Lda”, como auxiliar técnico de assistência informática, realizando, paralelamente, formações profissionais na área da informática e de marketing;
§ conheceu S… em contexto laboral, quando tinha 22 anos de idade, tendo casado seis anos depois, passando a residir numa casa perto da residência do agregado familiar de origem, em C...;        
§ amigos do casal, que com o mesmo conviviam, caracterizam o arguido como um indivíduo calmo, trabalhador, ponderado e equilibrado, marido dedicado e um pai interessado no processo educativo dos filhos, sendo o elemento responsável pela manutenção, em termos financeiros, do agregado familiar.;
§ ao nível profissional, o arguido exerce funções na empresa “I…”, onde trabalha, há 28 anos, sendo actualmente responsável pelo Departamento de Informática.
§ o seu certificado de registo criminal não regista qualquer condenação.
Perante este quadro factual, legítimo é concluir que o arguido não revela carências de socialização, está perfeitamente integrado na sociedade e, tirando os factos por que foi julgado, apresenta-se como um cidadão fiel ao direito.  
Ora, quando assim acontece, como nos diz o Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit, 244), “tudo será questão, em termos de prevenção especial, de conferir à pena uma função de suficiente advertência do agente, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, ou mesmo que com ele coincida. Se é certo que esta função de advertência joga o principal papel em tema de penas de substituição, ela pode relevar igualmente, e de forma decisiva, no âmbito de medida da pena”.
Essa é uma primeira razão por que as penas parcelares se revelam excessivas, particularmente a pena pelo crime de violência doméstica, que não está longe do seu limite máximo. 
Um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando, mais uma vez, o ensinamento do Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit, 245), porque a culpa jurídico-penal é “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto]. 
Deste modo, não pode ser indiferente para apurar o grau de culpa e, logo, para a determinação da medida judicial da pena o tipo de violência usado contra as vítimas, o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências.
O grau de ilicitude da conduta do arguido não pode ser menosprezado, tendo em consideração a natureza dos bens jurídicos violados.
Presentemente, é consensual a ideia de que a utilização da violência, nomeadamente contra as mulheres, as crianças e os idosos constitui uma violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Por outro lado, a ofendida S… sofre (já sofria quando estava casada) de fibromialgia e o arguido, sabendo disso, não se inibiu de a molestar fisicamente, o que torna a sua conduta mais censurável.
No entanto, estes casos de maus tratos estão longe, muito longe mesmo, de serem dos mais graves que surgem nos tribunais.
Repare-se que em quase todas as situações de violência física exercida sobre a ofendida S… as consequências foram sempre de pouca monta, não indo além de uns pequenos hematomas e escoriações (veja-se, por exemplo, as lesões sofridas em consequência dos factos ocorridos no dia 05.05.2008).
Nunca o arguido utilizou contra as ofendidas qualquer instrumento (de natureza contundente ou outra) ou arma de qualquer espécie.
Fez sempre, e só, uso das mãos e, na maior parte das situações, as agressões físicas traduziam-se em simples “palmadas”, “estalos” e “torções” de braços.
Só numa situação o arguido foi particularmente violento, pois atingiu a S… com um murro na face, fazendo-a perder os sentidos.
No que respeita à ofendida R…, as condutas agressivas do arguido situam-se na zona de fronteira entre o que pode considerar-se o exercício do poder de correcção dos pais sobre os filhos e o que deve considerar-se actuações com relevância criminal.
É sabido que as vítimas de maus tratos ficam (frequentemente) irremediavelmente marcadas (com traumas irreversíveis, bloqueio da afectividade, etc.).
Do que se apurou, não resulta que as ofendidas tenham ficado particularmente traumatizadas, nomeadamente, não precisaram de acompanhamento psicológico, embora manifestem, ainda, a sua revolta contra o arguido.
Por isso que as penas aplicadas excedem, claramente, o limite da culpa do arguido.
Atentas as exigências de prevenção (geral) e tendo em conta que não é significativamente elevado o grau culpa do arguido, mostram-se adequadas as seguintes penas:
§ pelo crime de violência doméstica, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
§ pelo crime de maus tratos, a pena de 18 meses de prisão.
                                                             *  
Não pode ficar por aqui a apreciação da decisão do tribunal recorrido em matéria de penas, cabendo agora verificar se é adequada a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, uma vez que temos concurso efectivo de crimes.
O tribunal “a quo” limitou-se a dizer o seguinte sobre a pena do concurso:
“Ponderados, agora, os factos no seu conjunto, e por haver lugar a imposição de pena única ao arguido e observado o conjunto dos factos, as circunstâncias de vida do mesmo e a personalidade que evidencia, nos termos do art. 77º do CP, reputa-se adequada às suas condutas a pena única de 4 e 6 meses de prisão”.           
Importa, pois, deixar aqui uma nota importante:
Os tribunais superiores, acolhendo, ainda, o pensamento do Professor Figueiredo Dias e depois de uma chamada de atenção deste (Op. Cit., 291), vêm advertindo e decidindo que constitui nulidade da sentença a falta de uma “especial fundamentação” da pena do concurso, já que a lei também estabelece um critério especial e é em função desse critério que esta (pena única) há-de ser determinada.
Diz-se, v.g., no acórdão do STJ de 30.06.2010 (Relator: Cons. Fernando Fróis), www.dgsi.pt/jstj, a este propósito, que “a medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP”.
No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão do mesmo STJ, de 30.06.2010 (Relator: Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt/jstj que acrescenta: “ embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo preceito, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)”.
Com uma perspectiva diversa (por mais exigente) quanto ao conteúdo e extensão desta fundamentação, temos o acórdão do STJ de 21.04.2010 (Relator: Cons. Santos Cabral), pesquisável no mesmo sítio, em que se pode ler:  
“I - O STJ tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir à vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A explanação dos fundamentos que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena à luz de princípios fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.
II - Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentam as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa, o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta, a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria, sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões
”.
Ainda com interesse para o caso, o acórdão do STJ, de 24.02.2010 (Relator: Cons. Raul Borges), que se pronuncia expressamente pela nulidade da decisão que não contiver a referida fundamentação:
O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP”.
Embora a fundamentação da sentença recorrida contenha referências ao ilícito global e à personalidade do arguido que importam para a determinação da pena do concurso (e por isso se afigura forçado considerar que a decisão está inquinada pelo aludido vício), impõe-se fazer notar que a lei é mais exigente (como é salientado pela doutrina e pela jurisprudência citadas), não se bastando com alusões vagas e genéricas ou com afirmações que não são mais que a reprodução das palavras da lei.
Como é bom de ver, a pena única aplicada não poderá manter-se, pois foram substancialmente reduzidas as penas parcelares, o que faz com que a moldura do concurso também se altere (para muito menos) nos seus limites mínimo máximo.
Tendo em consideração que o limite mínimo coincide com a medida da mais elevada das penas parcelares aplicadas e o limite máximo é o da soma dessas penas parcelares aplicadas a cada crime, com o limite absoluto de 25 anos (n.º 2 do artigo 77.º), a moldura penal do concurso é de 2 anos e 6 meses a 4 anos de prisão.
Como já foi aflorado, é, ainda, em função da culpa e das exigências de prevenção geral positiva ou de integração que, dentro destas molduras penais, se há-de chegar a uma pena unitária.
Além disso, há que ter presente o critério especial previsto no art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Cód. Penal: é, também, pelo binómio "factos - personalidade do agente" que chegaremos à concretização da pena unitária[9].
Não podendo menosprezar-se a gravidade da violação jurídica cometida, os factos, apreciados na sua globalidade, evidenciam, no entanto, um grau de ilicitude não muito elevado, pelas razões já expostas.
Uma pessoa violenta não pode considerar-se uma pessoa bem formada.
O arguido revela características da sua personalidade que são desvaliosas: deu-se como provado que “sempre manifestou uma personalidade autoritária e agressiva, quando contrariado”.
Quem não se inibe de utilizar a violência física e psíquica contra as pessoas mais próximas (no caso, a mulher e uma filha menor) é uma pessoa mesquinha e cobarde porque se aproveita da relação de dominação e de força contra alguém que está, necessariamente, fragilizado.
No entanto, não há motivo algum para se concluir que o arguido tem uma personalidade com tendência para delinquir.
O arguido não tem antecedentes criminais e tudo indica que a sua agressividade manifestava-se, apenas, no seio da família, sendo, portanto, o seu comportamento criminoso uma conduta isolada.
 De assinalar é o facto de o recorrente estar a cumprir as obrigações que assumiu, quer perante a ex-cônjuge, que perante os filhos (pagando a todos pensões de alimentos e comparticipando no pagamento da renda do imóvel arrendado para habitação deles).
Em suma,
§ sendo o ilícito global de gravidade mediana;
§ não havendo razões para se concluir que os ilícitos cometidos são o resultado de uma tendência criminosa do arguido, antes se tratando de um comportamento isolado, circunscrito ao âmbito familiar,
§ mas não ignorando algumas características desvaliosas da sua personalidade;
§ não sendo significativamente elevado o limite da culpa,
§ mas face às necessidades de prevenção geral de integração que se fazem sentir,
justifica-se a pena única de 3 anos de prisão, alterando-se, nesta parte, a sentença recorrida. 

C) A suspensão da execução da pena de prisão e o regime de prova.  
O tribunal “a quo” decidiu suspender a execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada, mas, não só condicionou a suspensão ao pagamento da indemnização arbitrada às ofendidas como determinou que fosse acompanhada de regime de prova.
O recorrente insurge-se contra o que designa por “medida de prevenção especial, por manifesta falta de fundamento para a sua aplicação, pelo que é de afastar a aplicação do disposto na alínea f) do número 2 do artigo 71.º do Código Penal” (conclusão 43.ª).
A referência àquela norma só pode ser um lapso, pois nela não está prevista qualquer medida de prevenção especial.
No entanto, na motivação do recurso, o recorrente defende que, a manter-se a condenação, que esta seja reduzida para a pena de 3 anos de prisão e que a suspensão da execução não seja acompanhada de regime de prova, “por desnecessário”.
Deduz-se, então, que o recorrente não questiona a condição do pagamento, às ofendidas, dos montantes indemnizatórios, mas rejeita o regime de prova.
Nos termos do n.º 3 do art.º 53.º do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é sempre acompanhada de regime de prova quando o condenado não tinha, ainda, completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou, independentemente da idade, quando a pena de prisão (cuja execução é suspensa) tiver sido aplicada em medida superior a três anos.
Cremos que foi por assim o determinar a lei que o tribunal recorrido ordenou o regime de prova.
Uma vez que se decide agora reduzir a pena para 3 anos de prisão, não se justifica a manutenção do regime de prova, pois, como se evidenciou, o arguido não revela carências de socialização.

D) A indemnização civil arbitrada à demandante S... e os juros de mora.
O tribunal condenou o arguido/demandado a pagar à demandante S… a quantia de € 7 500,00 e à sua representada, a menor R…, a quantia de € 3 000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, montantes esses a que acrescerão juros de mora à taxa legal a contar da data da condenação e até integral pagamento.
O recorrente diz que essa indemnização (que, na realidade, são duas) “não tem razão de ser, uma vez que o mesmo deveria ter sido absolvido”.
O recorrente limitou-se a esta singela afirmação (conclusão 32.ª), sem adiantar qualquer razão para a sua discordância, mas está subentendido que é porque entende que (quase) todos os factos da acusação, que também constituem suporte dos pedidos cíveis, deviam ter sido considerados não provados e não propriamente porque o direito ao ressarcimento não existe.
Na responsabilidade civil aquiliana (que é a que aqui está em causa, pois desde a entrada em vigor do Código Penal de 1982 que ficou assente que a indemnização por danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil – art.º 129.º do actual Código Penal), a obrigação de indemnizar (ou o correspondente direito à indemnização) depende da verificação de vários pressupostos de facto que constituem a causa de pedir da respectiva acção indemnizatória (seja esta exercida autonomamente ou enxertada em acção penal). Concretamente, no âmbito da responsabilidade civil subjectiva a obrigação de indemnizar só surge se o autor alegar e provar os factos em que se traduzem os pressupostos de que depende a aplicação do citado art.º 483.º do Cód. Civil: prática de um acto ilícito, culpa do lesante, existência de danos indemnizáveis e nexo de causalidade adequada entre aquele e estes.
A matéria factual apurada evidencia que todos estes pressupostos se verificam no caso: a actuação do arguido/demandado, mais que ilícita, é criminosa, a sua acção foi dolosa e originou danos indemnizáveis (o sofrimento físico e psicológico, a vergonha e a humilhação das demandantes) e patenteia-se o necessário laço causal entre estes e aquela (actuação).
Uma vez que o arguido/demandado não põe em causa os montantes indemnizatórios fixados, resta-nos abordar a questão dos juros.
O recorrente entende que “eventuais juros de mora incidentes sobre as indemnizações arbitradas apenas poderão ser contabilizados após o trânsito em julgado da respectiva decisão e não, como determinado na decisão recorrida, desde a data do acórdão”.
A propósito da questão, que era controvertida, do momento a partir do qual são devidos juros de mora, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação” [10].
Ora, a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelas lesadas é uma indemnização actualizada, pelo que os juros de mora devidos contar-se-ão desde a data da decisão em primeira instância, que, neste ponto, decidiu correctamente.

III – Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
A) julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência,
1. alterar a medida da pena pelo crime de violência doméstica previsto e punível pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Cód. Penal, que agora se fixa em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. alterar a medida da pena pelo crime de maus tratos previsto e punível pelo art.º 152.º-A, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, que se fixa em 18 (dezoito) meses de prisão;
3. alterando a medida da pena única, condenar o arguido H…, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena de 3 (três) anos de prisão, pena esta cuja execução se suspende por igual período, sendo a suspensão sob a condição de pagar às lesadas S… e R…, no prazo de seis meses, os montantes indemnizatórios que lhes foram arbitrados.

B) Em tudo o mais, julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se o decido no acórdão recorrido.

O recorrente pagará taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC (artigos 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, na redacção anterior ao Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e 87.º, n.º 1, al. b), do Código das Custas Judiciais, ainda aqui aplicável).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).   

Lisboa, 23 de Novembro de 2010

Neto de Moura
Alda Tomé Casimiro
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[1] Há nesta definição uma aproximação ao conceito de factos notórios do processo civil (cfr. art.º 514.º do Cód. Proc. Civil), que não nos parece descabida. Assim também, o acórdão do STJ de 06.04.1994, CJ XIX, T. II, 185).
[2] Para uma exaustiva delimitação (negativa e positiva) do erro notório na apreciação da prova, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, 1102-1103.
[3] Além da indicação das provas a renovar, se for caso disso.
[4] No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 15.10.2008 (www.dgsi.pt/jstj; Relator: Cons.Henriques Gaspar) em que se escreveu que “a reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global e muito menos um novo julgamento da causa, também se não poderá bastar com declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do julgamento da decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada (ou, melhor, uma nova ponderação), em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados, para, por esse modo, confirmar ou divergir da decisão recorrida (cf. Ac n.º 116/07 do TC, de 16-02-2007, DR, II série, de 23-04-2007, que julgou inconstitucional a norma do art. 428.º, n.º, 1 do CPP «quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos da prova produzida.
[5] Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I vol, 199 e ss.), “uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada “verdade material”.
[6] Estudos conhecidos revelam que é a casa-família o espaço por excelência onde a violência sobre as mulheres é exercida.
A par de um certo secretismo que rodeia a prática destes ilícitos, factores como a dependência emocional e material da vítima em relação ao maltratante e sentimentos de vergonha, medo e conformismo dificultam sobremaneira a descoberta da verdade.
[7] Cfr, entre outros, os acórdãos da Relação Porto, de 06.03.91 (C.J. 1991, Tomo II, 287), da Relação Coimbra, de 06.01.2010 (www.dgsi.pt/jtrc) e da Relação Lisboa, de 06.06.2001 (www.dgsi.pt/jtrl).
[8] Cujo expoente máximo é, sabidamente, o Professor Figueiredo Dias (cfr. a sua obra “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, 75 e segs., que, neste ponto, seguimos de perto).
[9] Como, exaustivamente, se explica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.2008 (CJ/Acs. STJ, Ano XVI, Tomo I/2008, 181), “para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa”.
 
Sobre a valoração da personalidade do agente na determinação da pena conjunta, diz-se no mesmo aresto: “…deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis”.
É, de resto, isso mesmo que afirma o Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit., 291): “Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
[10] Diário da República, I Série-A, n.º 146, de 27.06.2002.