Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00008485 | ||
Relator: | ALMEIDA E SOUSA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA PROCURAÇÃO PODERES DE REPRESENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL199211120045166 | ||
Data do Acordão: | 11/12/1992 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | CJ ANOXVII 1992 TV PAG123 | ||
Tribunal Recurso: | T J V FRANCA CAMPO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 99/90 | ||
Data: | 12/16/1991 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART236 N1 ART268 ART410 ART830 N1 ART1159. | ||
Legislação Estrangeira: | CC ITALIA ART1708. | ||
Jurisprudência Nacional: | AC RP DE 1960/05/22 IN JR 1960 PAG660. AC RC DE 1989/04/11 IN CJ T3 PAG659. AC RL DE 1992/05/07 IN CJ T3 PAG175. | ||
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Sumário: | A procuração que confere poderes para vender engloba, implicitamente, os de prometer vender. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. (A) e sua mulher (B) instauraram, na comarca de Vila Franca do Campo, a presente acção declarativa com processo sumário, contra (C) e mulher (D), alegando os seguintes factos. Em 4/12/85, os réus prometeram vender aos autores o imóvel identificado na petição, pelo preço de 750000 escudos, que já receberam. Os réus, através do seu procurador, comprometeram-se a outorgar a competente escritura, logo que os autores os interpelassem para tal efeito. Todavia, os réus, apesar de interpelados, negam-se a fazê-lo. Baseando-se nestes factos, os autores requerem no final do seu articulado a execução específica, para tanto invocando os arts. 827 e 410 do Código Civil, nos termos dos quais os réus devem ser condenados. Efectuadas as citações legais, os réus contestaram, alegando que o documento junto com a petição (fls. 3) não foi por eles assinado, mas sim pelo seu procurador (P) ao qual retiraram a procuração que lhe haviam passado, quando emigraram, por mau uso. O (P) de resto, não teve nunca poderes para fazer contratos-promessa de compra e venda em representação dos réus, como pode ver-se do texto da procuração que juntam com a contestação (doc. de fls. 9-10). Os autores não têm, assim, qualquer direito em relação aos réus, designadamente a execução específica. Nestes termos - concluem - deve a acção ser julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido. Tendo-se procedido a julgamento na primeira instância, foram considerados provados os seguintes factos: A - A fls.3 consta o documento dado por integralmente reproduzido, datado de 4-12-1985, denominado contrato- -promessa, que celebraram entre si os réus como vendedores e os autores como compradores, pelo qual (P) declara, na qualidade de procurador dos réus, prometer vender aos autores, o imóvel constante de uma casa baixa de telha, com três divisões para moradia e uma dependência, sita ao Grotilhão da freguesia de Ponta Garça, norte e nascente com Frias, sul José e poente via pública, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1494, com as seguintes cláusulas: 1. - O preço é de 750000 escudos, que os réus recebem com a assinatura do mesmo contrato e de que dão quitação. 2. - A escritura definitiva será relaizada logo que os compradores o exijam. 3. - Os vendedores reconhecem aos compradores o direito de execução expecífica. B - A fls. 9 - 10 consta um documento, dado por integralmente reproduzido, pelo qual os réus nomeiam seu procurador o referido (P) o qual tem a data de 8/7/1983. C - Os réus foram interpelados pelos autores para outorgar a escritura de compra e venda referida no documento em causa. D - Apesar de tal interpelação os réus negam-se a fazê-lo. Perante estes factos, a acção foi julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido. Recorreram, porém, os autores, e, alegando, concluíram nos seguintes termos: a) Um procurador com poderes de negociar a venda em nome do seu constituinte, pode e deve, celebrar contrato de promessa de compra e venda que esboce os elementos essenciais do negócio definitivo, salvo se o mandante o excluir expressamente. b) O contrato de promessa de compra e venda de imóvel apesar de contrato autónomo, em si, é essencialmente um acto preparatório do contrato definitivo, devido à evolução económico-social e legislativa, entretanto acontecida. c) A boa fé prevalece sobre a má fé, e os recorridos agiram de má fé, pois haviam concordado com a promessa e mudaram de vontade com intuitos especulativos. d) A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 262 e 1159 do Código Civil, pelo que deve ser revogada. Posto isto há que decidir. Dão-se como provados todos os factos como tal considerados na sentença recorrida, embora se imponha uma alusão mais detalhada ao conteúdo da procuração outorgada pelos réus ao seu mandatário (P). Essa procuração encontra-se a fls. 9-10 destes autos, foi junta pelos próprios réus com a sua contestação, foi outorgada em 8/7/1983, no cartório Notarial de Vila Franca do Campo, contendo as assinaturas dos mesmos réus. Não foi arguida a falsidade de tal instrumento. Trata-se de uma procuração muito extensa, em que os outorgantes conferem inúmeros poderes ao seu representante, que por isso se não reproduz na íntegra. Nessa procuração, os réus começam por dizer perante o Notário que "nomeiam seu procurador (P) (...) ao qual conferem os poderes necessários para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os bens deles outorgantes". Numa outra passagem do mesmo documento, declaram os réus que conferem ao seu referido procurador poderes para "comprar, vender, permutar ou hipotecar bens ou direitos móveis ou imóveis; fazer ou aceitar confissões de dívidas, ao juro, condições, obrigações e garantias que entender convenientes". A douta sentença recorrida entendeu que, contendo a procuração poderes especiais para celebrar a compra e venda de imóveis, não atribui ao procurador poderes para a celebração de um contrato-promessa de um imóvel. E desenvolve esta ideia dizendo que é diferente o objecto dos dois contratos. Assim, o contrato-promessa tem por objecto um facto positivo, enquanto que na compra e venda as partes querem já vender e comprar. Além disso, os dois tipos de contratos estão sujeitos a diferente regime, nomeadamente quanto à forma e efeitos. Diferente é também a regulamentação para o não- -cumprimento do contrato. Estamos assim - continua a mesma decisão - em presença de dois contratos distintos e autónomos e não perante um contrato (o de compra e venda) que inclua em si os elementos de um outro (o contrato-promessa de compra e venda), como se de um "minus" se tratasse em relação ao de maior abrangência. A procuração de fls. 9-10 concede ao (P) poderes especiais para comprar e vender bens imóveis. E, dentro desses poderes, apenas cabem os acessórios, mas necessários, para a execução da compra e venda. Ora, o contrato-promessa de compra e venda não é acessório do contrato de compra e venda, pelo que não podemos considerar aquele como necessário à execução deste. Assim, tendo o (P) celebrado o contrato-promessa ao abrigo da procuração junta aos autos, fê-lo sem os necessários poderes de representação. Tal contrato-promessa só seria eficaz em relação aos réus, se estes o ratificassem, nos termos do art. 268 do Código Civil. E essa ratificação não foi provada nem alegada pelos autores. Alicerçando-se nestes argumentos, reproduzidos no essencial, a douta sentença da primeira instância julgou a acção improcedente, não sem antes citar jurisprudência no mesmo sentido (Ac. R.P., 22/5/60, in JR, ano VI, pág. 660; e Ac. R.C., 1-4-89, in C.J., ano XIII, 3, pág. 58). Em abono de tal solução encontrámos ainda o acórdão da Relação do Porto, de 22/5/68, publicado na J.R., ano XIV, tomo III, pág. 659 e seguintes. O raciocínio, porém, parece-nos demasiado formal. Será uma subtileza jurídica dizer-se que o mandante que outorga procuração ao seu mandatário, dando-lhe plenos poderes para venda de todos os seus bens, móveis ou imóveis, indiscriminadamente, já não lhe concede poderes para a celebração da simples promessa de venda. Quem pode vender, também pode prometer vender. Assim o terão interpretado os autores ao ser-lhes exibida a procuração de fls. 9-10 e ao ser emitida pelo procurador a declaração constante do contrato- -promessa de fls.3. Dos termos da procuração e de tal contrato se deduz que este foi o sentido que os declaratários lhe atribuíram e o próprio declarante também. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236 n. 1 do Código Civil). Foram tantos e tão relevantes os poderes conferidos pelos réus ao seu procurador, que tornam inconcebível a intenção de lhos negarem para a realização de simples contratos-promessa. Aliás, no domínio da transacção imobiliária urbana quase se institucionalizou a celebração do contrato- -promessa, antes da outorga do contrato-prometido. É que, o contrato-promessa já cria um vínculo entre as partes, com ele passa a existir uma mais forte garantia de que será efectuado o contrato definitivo. O contrato-promessa, embora preliminar do contrato- -prometido, está intimamente relacionado com este, destina-se a assegurá-lo, e, a não se entender assim, ficará reduzido a simples excrescência legislativa. Muitas vezes, não fora o contrato-promessa, e uma ou ambas as partes não celebrariam já o contrato definitivo. Tão generalizado e tão útil se mostra o contrato- -promessa, no domínio em que estamos situados - - transmissão onerosa da propriedade imobiliária urbana - que hoje nem faria sentido que alguém concedesse a outrém poderes para vender os seus bens, sem lhos conferir para, previamente, os prometer vender. Todas estas considerações surgem com a sua força máxima num caso como o dos autos. É que, como já vimos, na cláusula 3 do contrato- -promessa, foi reconhecido aos compradores o direito à execução específica, além de no próprio acto de celebração desse contrato, os promitentes-compradores terem pago a totalidade do preço, que os promitentes- -vendedores receberam e de que deram quitação (cfr. cláusula 1., não obstante o erro de escrita nele contido). E foi ainda estipulado que a escritura definitiva seria realizada logo que os compradores o exigissem (cláusula 2a.). Raramente deparamos com um contrato-promessa que tanto se aproxime do contrato-definitivo. Em nome da autonomia privada as partes convencionaram o direito à execução específica, os autores entregaram todo o preço e a escritura do contrato definitivo seria outorgada quando eles o exigissem (porventura, logo no dia seguinte). A partir desse momento, os autores passaram a ter o direito que o n. 1 do art. 830 do Código Civil lhes reconhece, ou seja, o de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. Os réus, como sustentam nos autos, apenas outorgaram ao seu procurador poderes para vender, e não para prometer vender? Pois bem. É mesmo essa a pretensão dos autores ao intentarem a presente acção: eles querem que os réus vendam, não que se fiquem pela simples promessa que, recebida a totalidade do preço, se recusam a cumprir. Mais. Para que os réus vendam, os autores nem sequer precisam duma declaração de vontade nesse sentido, pois podem obter a prolação duma sentença que se sobreponha a essa declaração (citado art. 830 n. 1 do Código Civil). Voltando ainda ao argumento que tenta distanciar o contrato-promessa do contrato definitivo, considerando- -os distintos e autónomos, não existindo (ao que parece) qualquer conexão entre eles. Não é essa a lição a tirar do n. 1 do art. 410 do Código Civil, que dispõe: "À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devem considerar extensivas ao contrato-promessa". Do assim preceituado, é lícito concluir que é mais o que aproxima os dois contratos, do que aquilo que os afasta. Em regra, ao contrato-promessa são aplicadas as disposições legais relativas ao contrato prometido, e só por excepção o contrário se verifica. Como referimos, a decisão recorrida encontra apoio nalgumas decisões dos nossos Tribunais. Mas apoio, jurisprudencial e doutrinal, vem também ao encontro da solução adoptada no presente acórdão. Assim, o acórdão da Relação de Lisboa, de 7/5/92, publicado na Col. Jur., ano XVII, tomo III, pág. 175. O sumário deste acórdão é do teor seguinte: "A procuração que confere poderes a alguém para celebrar um contrato de compra e venda de imóvel, inclui implicitamente nesses poderes a faculdade para outorgar o respectivo contrato-promessa". É certo que a hipótese tratada neste aresto não é coincidente com a dos presentes autos; ela é, digamos assim, a inversa da que ora se discute. No acórdão em questão, foi o promitente-comprador que interveio no contrato-promessa representado por um procurador, ao qual havia concedido poderes para comprar bens móveis e imóveis, direitos prediais e quaisquer outros bens. E discutia-se se, contendo a procuração poderes para comprar, era lícito ao procurador celebrar o contrato-promessa correspondente. O mesmo acórdão optou pela afirmativa, decidindo que o contrato-promessa era plenamente eficaz relativamente ao mandante, sem necessidade de ratificação. As razões aí invocadas justificativas de uma tal decisão assumem igual relevância quando encaramos o reverso da medalha, ou seja, aquela hipótese em que o contraente que intervem na realização do contrato através do seu procurador é o promitente-vendedor. A doutrina construiu a figura do "iter negotii", que começa a ter relevância jurídica com as negociações preparatórias do contrato (dando origem à responsabilidade pré-contratual), passa pelos negócios preparatórios ou preliminares - entre os quais o contrato -promessa - e culmina com o contrato definitivo. Este, o contrato definitivo, é a meta final, por isso presente desde o primeiro momento, que só ele pode justificar toda a protecção que a lei - atenta e também ela presente desde a primeira hora - lhe dispensa, designadamente impondo às partes o dever inexorável da boa fé e punindo-as pela sua falta. Retiremos ao "iter negotii" o contrato definitivo, e o resto, sem existência própria, perderá sentido. Sobre a matéria, escolhemos, no campo doutrinário, o Prof. Almeida Costa, que considera o contrato- -promessa como o negócio preliminar ou preparatório mais forte, "porquanto envolve relativamente a um ou a todos os intervenientes a obrigação de concluir determinado contrato nos termos estabelecidos" (vide Contrato-Promessa - Uma síntese do regime actual, ed. 1990, pág. 24). São do mesmo Professor as seguintes palavras (ob. cit., pág 23): "Várias razões estão na base da utilização do contrato-promessa. Com ele se procura assegurar a realização do contrato prometido, num momento em que existe algum obstáculo material ou jurídico à sua imediata conclusão...". "Afigura-se que, em nossos dias, mercê das circunstâncias económicas e financeiras, só muito raro o contrato-promessa encontrará justificação no facto de as partes ainda não terem uma última decisão quanto à conveniência do contrato prometido, quer dizer, não pretenderem comprometer-se definitivamente. Na verdade, ao menos do lado que, entre nós, a lei protege de modo especial, o que se deseja com a obtenção da promessa é, por sistema, garantir a celebração do contrato visado". Estas palavras confirmam as nossas anteriores considerações. Na jurisprudência estrangeira, decidiram que a procuração que confere poderes para comprar ou vender, inclui também poderes para a celebração dos respectivos contratos-promessa, os acórdãos do Supremo Tribunal Italiano, de 24/4/80 e de 28/11/81, citados por Ângelo Luminoso, in Mandato, Commissione, Spedizione, pág. 134, nota 63. E tais decisões baseiam-se no art. 1.708 do Codice Civile, que, na sua essência corresponde ao art. 1.159 do Código Civil Português. Igual posição é sustentada pelo autor italiano Carlo Santagata - in "Mandato", págs. 520-521, em anotação ao art. 1.708 do Codice Civile, citando, como tendo decidido em tal sentido o acórdão do Supremo Tribunal Italiano n. 2.680, de 24/4/80, que diz ter sido publicado na Rev. Not., 1980, pág. 1.587. Pelo exposto, acordam neste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença proferida na primeira instância. E, assim, decidem que a procuração outorgada pelos réus ao referido (P) conferida a este poderes para prometer vender em representação deles, pelo que o contrato-promessa de fls. 3 é válido e eficaz relativamente aos mesmos réus. Mais decidem, em obediência ao disposto no art. 830 n. 1 do Código Civil, que a declaração negocial dos réus promitentes-vendedores faltosos é substituída pelo presente acórdão, ficando assim constituída para todos os efeitos legais a compra e venda definitiva do prédio identificado no contrato de fls. 3 nos seguintes termos: "Imóvel constante de uma casa baixa de telha, com 3 divisões para moradia e uma dependência, sita ao Grotilhão, freguesia de Ponta Garça, confrontando do norte e nascente com Frias, do sul com José e do poente com a via pública, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1.494.". O preço da transacção é o convencionado na cláusula 1. do referido contrato, ou seja, o de 750000 escudos (setecentos e cinquenta mil escudos), já entregue pelos autores ao dito (P) como procurador dos réus. Custas na primeira e na segunda instância a cargo dos réus-apelados. Lisboa, 12 de Novembro de 1992. António de Almeida e Sousa. Joaquim Henriques de Matos. Rui de Almeida Mira.(?) |