Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO ROMBA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO REVISÃO DA INCAPACIDADE FACTOR DE BONIFICAÇÃO IDADE DESVALORIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/13/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1-Só há lugar à revisão da incapacidade nas situações tipificadas na lei dos acidentes de trabalho, entre as quais não se conta o atingimento da idade de 50 anos (que permite a aplicação do factor de bonificação). 2-O factor de bonificação resultante da idade de 50 anos só funciona ou na fixação inicial da incapacidade ou, em caso de revisão (em qualquer das situações tipificadas), desde que médico-legalmente seja verificada alteração da desvalorização anteriormente atribuída. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. I-Relatório: Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é A. AA e R.“BB, S.A.”, foi esta, pela sentença de fls. 262/265, confirmada pelo acórdão deste tribunal de fls. 296/307, condenada a pagar ao A., com efeitos desde 7/4/2012, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 466,05, correspondente à IPP de 5,40% que ao mesmo foi reconhecida em consequência do acidente de trabalho ocorrido em 7/4/2011. Requerida pelo sinistrado, em 23/9/2014 revisão da incapacidade, foi, pela decisão de fls.407/408, na sequência do exame pericial a que foi submetido, alterada para 8,10% a IPP de que o mesmo padece e condenada a R. a pagar ao A. o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 227,53. A BB, não conformada, recorreu, formulando a final as seguintes conclusões: (…) aa) Havia fundamento legal e toda a razão para o Exmo. Juiz a quo, na decisão do incidente e no uso dos poderes que a lei lhe confere quanto à fixação da incapacidade, ter divergido da opinião emitida pelo perito médico no exame de revisão a que procedeu. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser substituída a decisão proferida pelo tribunal a quo, mantendo-se a IPP determinada aquando da remição da pensão. O recorrido não contra-alegou. O M.P. junto deste tribunal emitiu o parecer de fls. 244, a que ambas as partes responderam. O objecto do recurso, como decorre das precedentes conclusões, consiste em saber se é de manter o factor de bonificação na IPP fixado ao sinistrado no âmbito da revisão de incapacidade. Para além dos factos referidos no relatório, que nos dispensamos de repetir, resultam dos autos ainda os seguintes: a- o acidente dos autos consistiu em traumatismo da coluna lombar ocorrido quando o sinistrado, então com 47 anos, no exercício das suas funções se assistente operacional ao serviço do Centro Hospitalar Lisboa Central, EPE (Hospital de S. José) procedia à transferência de uma doente obesa da maca da ambulância para a maca hospitalar, de que resultou hérnia discal L4-L5, tendo sido submetido a cirurgia; b- aquando do acidente o sinistrado encontrava-se já afectado de desvalorização de 10% em consequência de um outro acidente de que haviam resultado lesões na coluna lombar, ao nível L3-L4, também objecto de cirurgia; c- as sequelas do acidente dos autos, reportadas à data da alta (6/4/2012) foram, tanto no exame médico singular, como no colegial, integradas no capítulo I art. 1.1.1.c) da TNI, variáveis em abstracto entre 0,05 e 0,15, e fixadas em 0,60, que, por incidir apenas sobre a capacidade restante, redundou em IPP de 0,054; d- na sentença foi ordenada a notificação do empregador para continuar a dar cumprimento à determinação relativa ao não levantamento de pesos superiores a 3kg por parte do sinistrado na execução das suas tarefas, conforme parecer da junta médica, coincidente com o parecer do médico do trabalho. e- Na acção emergente de contrato de trabalho que correu termos, sob o nº (…) do 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, em que eram partes o A. e o respectiva empregador, foi em 7/3/3013 posto fim ao litígio por acordo nos termos que constam de fls. 125/126, judicialmente homologado, no qual consta designadamente: “ (…) 4. O A. sofreu acidente de trabalho em 7/4/211, do qual resultaram lesões na coluna lombar, tendo sido operado a hérnia discal traumática L4-L5 em 20/5/2011, pelo seguro de acidentes de trabalho; 5-. Atentas as lesões descritas, o A. não pode realizar trabalhos de esforço físico e de carga e executar as funções de maqueiro no serviço de urgência e serviço de apoio a doentes, que impliquem passagens, acompanhamento e transporte de doentes com necessidades de assistência; Assim, A. e R. acordam que o A. não deverá retomar as funções de maqueiro no serviço de urgência e no serviço de apoio a doentes em virtude dos esforços físicos a que ficaria sujeito, em termos de carga e de esforço, devendo exercer funções sem esforço físico com a mesma remuneração de assistente operacional; O A. irá executar as funções de apoio às áreas clínicas (admissão à consulta) ou nas áreas de apoio logístico em funções de execução de tarefas de apoio, elementares, sem comportar esforço físico. (…)”. f- No relatório da perícia de clínica forense realizada no âmbito do incidente de revisão, o Exº perito médico admitiu, perante o resultado dos exames complementares de diagnóstico, como etiologia mais provável para as queixas apresentadas pelo sinistrado – ocorrência esporádica da sensação de formigueiro, encortiçamento, choques eléctricos – as alterações degenerativas com redução de calibres foraminais, nomeadamente a nível L5/S1 já constatadas em anteriores exames imagiológicos (…) pelo que não será de admitir a existência de agravamento significativo em relação ao seu estado à data da última avaliação – entendendo, portanto, ser de manter a desvalorização então proposta afectada agora, atenta a idade do sinistrado, pelo factor de bonificação previsto na al. a) do nº 5 das Instruções gerais da TNI aplicável. Manteve pois a integração no capítulo I art. 1.1.1.c) da TNI, fixando a IPP em 0,081. g- O sinistrado nasceu em 29 de Fevereiro de 1964. Apreciação. Tendo o acidente dos autos ocorrido já na vigência da L. 98/2009, de 4/9, é esta a lei aplicável. Dispõe o respectivo artigo 70.º, sob a epígrafe “Revisão”. 1-Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2-A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3-A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano. No caso a revisão foi requerida pelo sinistrado, que entende que a IPP atribuída não é suficiente, que se alterou, estando sem possibilidade de trabalhar alegando, por outro lado, que fizera 50 anos, o que implica alteração da IPP. Tramitado o incidente nos termos do art. 145º do CPT, o Sr. Perito médico considera mais provável que as queixas do sinistrado se devam às lesões degenerativas que o mesmo apresenta concluindo pela inexistência de agravamento; porém, atenta a idade do sinistrado, procede à aplicação do factor de bonificação previsto na al. a) do nº 5 das Instruções gerais da TNI, fixando a IPP em 8,1%, o que, não tendo sido requerido exame por junta médica, nem a mesma considerada necessária pelo julgador, mereceu a concordância do Sr. Juiz. A recorrente insurge-se contra tal entendimento, sustentando que tal bonificação só pode ter lugar no momento da fixação da incapacidade ou quando, em sede de revisão, se provar efectivo agravamento, não podendo resultar apenas do atingimento, entretanto, da idade de 50 anos. Vejamos se lhe assiste razão. Entre as Instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI) aprovada pelo DL 352/07, de 23/10, conta-se a do n.º 5 al.a) que dispõe “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor. (…)” Verifica-se, da matéria constante da al. e- da factualidade supra elencada (mais precisamente o acordo a que chegaram o sinistrado e respectiva empregador no processo emergente de contrato de trabalho, no sentido de o mesmo passar a exercer funções, que não exijam esforço físico, com a mesma remuneração de assistente operacional), que foi reconvertido o posto de trabalho do sinistrado, o que significa que este era reconvertível em relação ao posto de trabalho, afastando a 1ª situação determinante da majoração do coeficiente de incapacidade através do factor de bonificação 1,5 prevista na mencionada instrução 5 alínea a). A questão que vem suscitada nos autos é a de saber se é de considerar preenchida a segunda situação ali prevista, atento o facto de o sinistrado ter atingido, após a data da alta e consequente fixação da incapacidade permanente, os 50 anos de idade. Colocando-se a questão da aplicação do factor de bonificação no âmbito da avaliação da incapacidade e exigindo esta, atenta a complexidade e especificidade técnica que lhe subjaz, conhecimentos especiais de que o julgador, em geral, não está apetrechado, pressupõe necessariamente a produção de prova pericial, de natureza médico-legal (cfr. art. 145º nº 1 do CPT), meio de prova que está sujeito à livre apreciação do tribunal, podendo as respectivas conclusões ser afastadas desde que com a devida fundamentação. No caso, não possuem os autos quaisquer elementos que permitam contrariar a opinião do perito médico que procedeu ao exame de revisão de que a etiologia mais provável para as queixas apresentadas pelo sinistrado sejam as alterações degenerativas já anteriormente detectadas e que não é de admitir a existência de agravamento das sequelas do acidente. Não havendo agravamento da incapacidade resultante do acidente, afigura-se-nos que não terá aplicação o factor de bonificação, só pelo simples facto de o sinistrado ter entretanto atingido os 50 anos de idade, pois, se assim fosse, seria desnecessária a sujeição do sinistrado a exame médico-legal. A ter sido essa a vontade do legislador ter-se-ia que concluir que as pensões por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho seriam sempre automaticamente revistas, por força da bonificação da desvalorização, logo que os sinistrados atingissem a idade dos 50 anos, independentemente de os interessados o requererem ou não (à semelhança do que sucede com a actualização das pensões), cabendo ao M.P., enquanto defensor da legalidade, promover o controlo do respectivo cumprimento. Não cremos que seja isso, de forma alguma, o que resulta da lei, pelo contrário o que decorre do citado art. 70º da LAT (nº 98/2009), é que a revisão só pode ter lugar, a requerimento e desde que se verifique modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho. Trata-se, pois, de situações típicas, taxativamente delimitadas. A norma constante da parte final do ponto 5 a) das Instruções gerais da TNI é uma norma instrumental para a fixação do grau de incapacidade, que não se confunde com a norma da lei substantiva que define quais as situações que podem dar lugar à revisão das prestações. Se só há lugar à revisão da incapacidade nas situações tipificadas na lei dos acidentes de trabalho, entre as quais não se conta o atingimento da idade de 50 anos (que permite a aplicação do factor de bonificação), somos levados a concluir que o factor de bonificação resultante da idade de 50 anos só funciona ou na fixação inicial da incapacidade ou, em caso de revisão (em qualquer das situações tipificadas), desde que médico-legalmente seja verificada alteração da desvalorização anteriormente atribuída, o que no caso não sucede. Em suma, não acompanhamos a decisão recorrida, que deve ser revogada e substituída por outra que, julgando improcedente o incidente de revisão, mantenha o grau de incapacidade e consequentemente os valores da pensão e do capital de remição inicialmente fixados. Decisão. Pelo exposto se acorda em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e, em substituição, julga-se improcedente o incidente de revisão, com a manutenção do grau de incapacidade atribuído, assim como dos valores da pensão e do capital de remição inicialmente fixados. Custas pelo recorrido. Lisboa, 13 de Janeiro de 2016 Maria João Romba Paula Sá Fernandes Filomena Manso | ||
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