Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1917/15.3T8CSC.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: DIVÓRCIO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Em acção em que a Autora pede o divórcio nos termos do art. 1781º do Código Civil, pedindo o Réu igualmente o divórcio em sede de reconvenção, cabe ao tribunal apurar apenas factualidade de que decorra a verificação de uma situação que se integre numa das alíneas desse preceito.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


M... intentou a presente acção de divórcio sem consentimento contra o seu marido A..., invocando a ruptura definitiva do casamento.

Na tentativa de conciliação agendada nos presentes autos, não foi possível a reconciliação, nem a obtenção dos acordos necessários para a dissolução do casamento.

Foi o Réu citado para contestar o que fez nos termos de fls. 29 e ss., impugnando na essencialidade os factos vertidos na petição inicial, mas reconhecendo a saída de casa da A. desde a data de maio de 2015, como momento da separação dos cônjuges.

Foi proferida sentença decretando o divórcio por ruptura definitiva do casamento entre Autora e Réu.

Foram dados como provados os seguintes factos:
1.Autora e  Réu contraíram casamento um com o outro em 7 de Abril de 1979, sem convenção antenupcial.
2.Dessa união nasceram dois filhos, actualmente maiores de idade, P... e M...
3.Em circunstâncias não concretamente apuradas, em maio de 2015 a A. saiu da casa de morada de família e aí não voltou a pernoitar.
4.Tanto a autora como o réu não têm o propósito de reestabelecer a comunhão de vida em conjunto.

Inconformado recorre o Réu, concluindo que:

-O ora Recorrente não pode conformar-se com a aliás douta Sentença proferida nos presentes Autos, não porque este não pretenda o decretamento do seu divórcio para com a ora Recorrida, mas porque é confrontado com uma Sentença que carece da devida e indispensável fundamentação e, bem assim, da apreciação de questões suscitadas nos Autos, desde logo pelo aqui Recorrente;
-Efectivamente, o Recorrente encontra-se face a uma Sentença que não se encontra devidamente fundamentada, de facto e de Direito, deixando por resolver as questões em contradição/ confronto, suscitadas pelas partes e que, pelo menos para efeitos de uma posterior demanda, deveriam ser acauteladas, devendo o Tribunal a quo pronunciar-se sobre as mesmas;
-Aliás, a verdade é que, nos termos e para os efeitos das alíneas b) e d) do número 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil,  (é nula a sentença quando (...) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (...) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar  (...) ", o que não se pode deixar de alegar, para os devidos efeitos legais;
-Ora, a douta Sentença proferida, apesar de aparentar não ser omissa no que respeita à especificação dos fundamentos de facto e de Direito em que se sustenta - porquanto identifica ambos, nomeadamente nos seus pontos ('III. Fundamentação de facto" e ('IV Fundamentação de direito" -, na verdade não apresenta devidamente tais fundamentos, não se debruçando sobre os mesmos, conforme resulta demonstrado da leitura e análise do teor da “Fundamentação de facto" e, bem assim, da Motivação e da Fundamentação de direito vertidas na Sentença da qual ora se recorre;
-Ora, sucede que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não se debruçou sobre as questões suscitadas pelas partes, desde logo, aquelas que o foram pelo ora Recorrente em sede de Reconvenção e que são merecedoras da tutela do Direito.
-De facto, o Recorrente bem sabe - e esclareça-se tal facto, desde já - que não mais existem divórcios decretados com base na culpa dos cônjuges, mas tal não obsta a que o Tribunal se pronuncie ou diligencie por conhecer o verdadeiro mérito dos Autos e a real causa de pedir, devendo, pois, debruçar-se sobre as questões trazidas à colação nos Autos;
-Nos presentes Autos, estão em causa condutas da ora Recorrida, então Autora, que devem ser apreciadas, nomeadamente para efeitos de uma demanda posterior - como, aliás, o ora Recorrente já esclareceu, em sede de Reconvenção, ser sua pretensão -, a fim de responsabilizar a Recorrida pelos danos que causou ao Recorrente e que são merecedores de tutela pelo Direito;
-Tanto assim o é que, dispõe o número 1 do artigo 483.° do Código Civil, que,  "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" e, bem assim, prevê o número 1 do artigo 496.° também do aludido Código que, "na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito";
-A falta de apreciação da factualidade vertida na Reconvenção deduzida nos presentes Autos, pelo douto Tribunal de I." Instância, no mínimo condiciona o propósito de o aqui Recorrente vir demandar a Recorrida pela prática de condutas geradoras da obrigação de indemnizar o Recorrente, porquanto o douto Tribunal a quo nem sequer se pronunciou quanto às mesmas - em qualquer sentido -, não obstante o ora Recorrente ter descrito tais condutas ao longo da sua Reconvenção, ter enquadrado as mesmas fáctica e legalmente, ter enunciando as normas legais violadas pela ora Recorrida e, bem assim, ter expressamente vertido as consequências que das mesmas advieram, por forma a permitir uma adequada análise e pronúncia pelo douto Tribunal a quo, mas que não logrou obter - condutas, essas, que vão devidamente explanadas em sede de Reconvenção e, de igual modo, nas Motivações do Recurso ora interposto;
-A verdade é que jamais a aqui Recorrida adoptou uma postura distinta, tanto mais que fundamentou a sua pretensão de divorciar-se do ora Recorrente, num chorrilho de mentiras que foram impugnadas em sede de Contestação;
-Foram violadas, pela ora Recorrida, nomeadamente, as seguintes disposições legais, vertidas no Código Civil: artigo 1671.°, artigo 1672.°, artigo 1673.°, número 2, artigo 1674.°, artigo 1675.°, artigo 1676.°, artigo 1724.°, entre outras;
-Ora, inequívoca e evidentemente resulta que todos estes comportamentos tiveram um impacto deveras negativo na vida do aqui Recorrente, não só a nível financeiro/material, mas, sobretudo, emocional e que o devastaram, sendo certo que todos estes factos e episódios deploráveis foram suscitados em sede de Reconvenção, não só porque a aqui Recorrida serviu-se de factos falsos para sustentar a sua pretensão de divórcio - afigurando-se premente a reposição da verdade dos factos -, mas também porque as suas práticas são merecedoras de censura pela Ordem Jurídica Portuguesa e preenchem os requisitos da obrigação de indemnização, pelo menos por danos não patrimoniais, conforme será devidamente demonstrado em sede própria;
-Acontece, então, que o Tribunal a quo admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo aqui Recorrente, "uma vez que o pedido reconvencional obedece a todas as exigências legais", mas, por outro lado - e contraditoriamente -, resulta evidente que em momento algum o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o mesmo, deixando em plena obscuridade a apreciação das questões suscitadas em sede de Reconvenção e novamente explanadas no presente Recurso;
-A tudo o que supra vai exposto, acresce, ainda, clarificar que, certamente por lapso, resulta da douta Sentença proferida que "consideram-se já provados por documento e acordo os factos constantes dos artigos 1º, 2° e da petição inicial ", porquanto em momento algum foi provado por documento e, muito menos, pór acordo, o vertido no artigo 3.° da Petição Inicial, que, aliás, foi devidamente impugnado no artigo 4.° da Contestação do aqui Recorrente;
-Destarte, resulta evidente que nao poderia ter sido proferida a douta Sentença da qual ora se recorre, nos termos em que o foi, porquanto a mesma padece das causas de nulidade previstas nas alíneas b) e d) do número 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, sendo, pois, evidente a necessidade de sanar tal nulidade que a enferma; - Nestes termos e nos demais em Direito aplicáveis, deve a Sentença proferida ser declarada nula, por não se encontrar devidamente fundamentada e ser omissa em questões que deveriam ter sido apreciadas pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto nas supra mencionadas alíneas b) e d) do número 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil. 

A Autora contra-alegou impugnando os argumentos do recurso.

Cumpre apreciar.

Nos termos do art. 1781º d) do Código Civil, “são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (...) quaisquer factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.

Ou seja, nesta acção de divórcio, não só o tribunal não declara nem gradua as culpas dos cônjuges, ou de um deles, na dissolução do matrimónio, como não estabelece o incumprimento dos deveres conjugais que possam àqueles ser imputados.

Os fundamentos do divórcio, nestes casos, são apenas os previstos no art. 1781º.

Alega o recorrente que não está provada, nem por documento nem por acordo, a matéria que integra o nº 3 da factualidade dada como provada.

Tal nº 3 tem o seguinte teor:
Em circunstâncias não concretamente apuradas, em Maio de 2015, a Autora saiu da casa de morada de família e aí não voltou a pernoitar”.

Este facto, alegado pela Autora foi confirmado pelo Réu no art. 43º da sua contestação. A Autora, fosse por que razão fosse, deixou a casa de morada de família. O Réu alega que posteriormente, durante duas semanas, a Autora ia à mesma casa tomar o pequeno-almoço e jantar, mas não alega nunca que ela aí tenha voltado a pernoitar.

Logo, e contrariamente ao vertido no nº 14º das conclusões da apelação, esteve bem o Mº juiz a quo ao dar como provada esta matéria.

Pretende ainda o recorrente que a sentença é nula por não se encontrar devidamente fundamentada e por ser omissa quanto a questões que deviam ter sido apreciadas pelo Tribunal.

Ora a matéria dada como provada assenta em documentos (fls. 14) e no acordo das partes.

Quanto à fundamentação jurídica, o Mº juiz a quo conheceu dos pedidos de divórcio nos termos do art. 1781º do Código Civil, quer da Autora quer do Réu, este deduzido em reconvenção.

A causa de pedir, como vimos, tem de integrar factualidade que se enquadre em qualquer uma das alíneas desse art. 1781º.

Ora, ficou demonstrada a causa de pedir prevista na alínea d) desse preceito e que resulta do nº 4 da factualidade provada:
“Tanto a Autora como o Réu não têm o propósito de restabelecer a comunhão de vida em conjunto”.

Situação que é óbvia face aos pedidos de divórcio de ambos os cônjuges.

Assim, o tribunal conheceu dos pedidos formulados e do fundamento de tais pedidos.

Não existe qualquer omissão de pronúncia.

O que o recorrente pretende é que o tribunal a quo tivesse conhecido da factualidade por si invocada, descrevendo os vários episódios da vida em comum com a Autora e das condutas que levaram à ruptura do casamento. Todavia, para efeito do presente processo, esses factos são irrelevantes na medida em que são desnecessários para demonstrar que nem Autora nem Réu têm o propósito de reatar a vida em comum.

Nos termos gerais de direito, nada obsta a que o Réu venha a propor acção peticionando indemnização da Autora por violação dos deveres conjugais no decurso do matrimónio, o mesmo se podendo dizer, de resto, em relação à Autora. E em tal acção serão, aí sim, discutidos e sujeitos a prova e a apreciação jurídica os factos tendentes a fundamentar eventual indemnização que venha a ser peticionada, quer pelo ora Réu quer pela ora Autora.

Mas não na presente acção, na qual, insiste-se, os fundamentos para o divórcio são os previstos nas alíneas a) a d) do art. 1781º do Código Civil.

-Conclui-se assim que:
-Em acção em que a Autora pede o divórcio nos termos do art. 1781º do Código Civil, pedindo o Réu igualmente o divórcio em sede de reconvenção, cabe ao tribunal apurar apenas factualidade de que decorra a verificação de uma situação que se integre numa das alíneas desse preceito.

Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.



LISBOA, 7/12/2016



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Decisão Texto Integral: