Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11681/25.2T8SNT.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário[1] (elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2]):
1. São requisitos do arresto preventivo, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito.
2. Assim, sempre que o requerente pretenda a apreensão judicial de bens com vista a assegurar o “statu quo”, para que ele não se altere em condições tais que não seja suscetível a reintegração, formulará tal pretensão ao tribunal com a alegação dos factos que tornem provável a existência do crédito do requerente - crédito esse que deverá ser atual - e justifiquem o receio da perda de garantia patrimonial.
3. Relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial exige-se um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.
4. O critério de avaliação deste requisito não pode assentar em simples conjeturas, devendo, ao invés, basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação pendente ou a instaurar posteriormente.
5. Por conseguinte, só existe justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito, quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer que está iminente a lesão do direito, a perspetivar, justificada e plausivelmente, o perigo de ser vir a tornar inviável, ou altamente precária, a realização da garantia patrimonial do crédito do requerente.
6. Mas, pese embora a maior simplicidade que se impõe pelas regras próprias e pelos objetivos específicos de qualquer procedimento cautelar, o juízo acerca do justificado receio de perda da garantia patrimonial não deve ser fruto de arbitrariedade, antes deve ser tomado a partir de factos.
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[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
S e A instauraram o presente procedimento cautelar de arresto contra V, Lda, alegando, em síntese, que esta acordou com aqueles a resolução do contrato-promessa de compra e venda junto com o requerimento inicial.
No âmbito desse acordo de resolução «a Requerida ficaria obrigada a entregar aos Requerentes, de forma faseada, ou integral o valor de 30.000,00 € (trinta mil euros), até ao dia 30 de outubro de 2023», o que, até à presente data não ocorreu, apesar de interpelada para o efeito, o que os impossibilita de comprarem outro terreno para construção.
A Requerida tem algumas dívidas a credores, o que demonstra a sua incapacidade para cumprir com a generalidade das suas obrigações, até porque se não consegue liquidar valores de acima de 5.000,00€, muito menos consegue liquidar o valor de 30.000€ aos Requerentes.
É inequívoca a existência de um crédito dos requerentes sobre a requerida, que se pode considerar elevado.
Inexistem dúvidas que existe um sério, concreto e evidente perigo de que, sem a presente providência, a Requerida dissipe bens móveis não sujeitos a registo que logrem obter na ação em causa, ou venha mesmo a requerer a sua insolvência.
Encontram-se pendentes várias ações judiciais contra a requerida.
Tais factos levam os Requerentes a acreditar que a Requerida poderá recorrer à venda precipitada do património não sujeito a registo, com o intuito de realizar rapidamente capital, uma vez que os bens em questão são facilmente transportáveis e transacionáveis, podendo a todo o momento ser alienados ou dissipados.
À requerente apenas são conhecidos os bens existentes nas suas instalações.
Os requerentes concluem assim:
«Pelo exposto, deve a presente providência ser julgada procedente por provada e, SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA (art. 393.º, n.º 1, do CPC):
Ser decretado o arresto de bens móveis sujeitos ou não a registo que se encontrem nas suas instalações sitas ____, ou em qualquer outro lugar onde se venha a apurar que a Requerida tenha bens ou instalações, até perfazerem o valor da dívida para com os Requerentes, acrescida das demais despesas com o arresto, nomeadamente, agente de execução, remoção, transporte e armazenamento de bens.
(...)».
*
Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nos termos e com fundamento no exposto, julga-se o presente procedimento cautelar de arresto totalmente improcedente e, em consequência, decide-se absolver a requerida V, Lda. do pedido contra si formulado nos presentes autos».
*
Inconformados, os requerentes interpõem o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«A- A sentença recorrida julgou improcedente o procedimento cautelar de arresto requerido pelos ora apelantes, por entender não se encontrar verificado o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial;
B- O Tribunal “a quo” reconheceu expressamente a existência do crédito invocado (€30.000,00), tendo a requerida apenas pago €10.000,00 e incumprido o restante;
C- Foram demonstrados factos concretos reveladores de risco sério de frustração da garantia patrimonial, designadamente, incumprimento parcial da dívida, múltiplas ações judiciais pendentes contra a requerida, avaliação de risco “elevado failure” emitida por entidade especializada, ausência de atividade visível e encerramento do espaço comercial e a fácil alienação de bens móveis;
D- Consideram os apelantes que a factualidade constante do ponto A.2 – Factos não indiciados - A. “A cessação da actividade comercial da requerida e a sua insolvência são iminentes”, foi incorretamente julgada, devendo ao invés ter sido dada como facto provado e/ou “facto indiciário”;
E- A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao desvalorizar esses indícios, exigindo prova quase plena de iminência de insolvência ou encerramento de atividade, quando a lei (arts.º 391º e 392º C.P.Civil) apenas exige o receio fundado e objetivamente justificado;
F- O princípio da instrumentalidade impõem que, perante indícios sérios e consistentes de risco para o crédito, se decrete o arresto para salvaguardar a eficácia da futura execução;
G- A jurisprudência reconhece que basta um quadro indiciário consistente para integrar o “justo receio de perda da garantia patrimonial”, não sendo exigível prova plena da insolvência iminente;
H- O Tribunal “a quo” violou, assim, os artigos 391º e 392º do C.P.Civil e o artigo 601º do C.Civil, bem como os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da instrumentalidade das providências cautelares;
I- Deve, por isso, ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que decrete o arresto requerido, garantindo-se aos apelantes a preservação da garantia patrimonial do seu crédito».
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa decidir:
- se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- se estão verificados os pressupostos para o decretamento do procedimento cautelar de arresto.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou indiciariamente provado que:
«1. Entre a requerida e os requerentes, identificados como “PRIMEIRO CONTRAENTE” e “SEGUNDOS CONTRAENTES”, foi celebrado um acordo intitulado “ACORDO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, através de documento particular com reconhecimento das assinaturas dos outorgantes, datado de 08-09-2023.
2. Nos termos da cláusula “PRIMEIRA” do referido acordo: “1. Pelo presente acordo, o PRIMEIRO e os SEGUNDOS CONTRATANTES fazem cessar o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre ambos em 16 de Novembro de 2021, sobre uma parcela de terreno […]”; e “2. Este acordo inicia a produção dos seus efeitos, designadamente a resolução a partir de 8 de Setembro de 2023”.
3. Nos termos da cláusula “SEGUNDA” do referido acordo: “1. Pelo presente acordo cessação todas e quaisquer obrigações, deveres ou créditos que tenham sido criadas no âmbito do contrato supra referido.”; e “2. Ficando o PRIMEIRO CONTRATANTE obrigado a entregar aos SEGUNDOS CONTRATANTES, de forma faseada, ou integral o valor de 30.000,00 € (trinta mil euros) até ao dia 30 de Outubro de 2023”.
4. Em Novembro de 2023, por conta do acordo referido em 1., a requerida realizou um pagamento aos requerentes no valor de € 10.000,00, realizado por transferência bancária, não havendo pago qualquer outro montante.
5. Os requerentes encetaram diversos contactos telefónicos, desde Outubro de 2023 e em datas não concretamente apuradas, com o representante legal da requerida, H, com vista ao pagamento do valor remanescente daquele referido em 3.
6. Do documento elaborado pela sociedade I, Lda. intitulado “Relatório Avaliação de Risco Plus” e datado de 16-07-2025, encontram-se listadas as seguintes acções judiciais intentadas contra a requerida:
(a) “Acção de processo comum” com o n.º de processo ____/__.3T8SNT, com o valor reputado de € 70.000,00;
(b) “Acção executiva sumária” com o n.º de processo ____/__.8T8SNT, com o valor reputado de € 5.256,33;
(c) “Execução entrega / prestação” com o n.º de processo ____/__.7T8SNT, com o valor reputado de € 23.673,97; e
(d) “Acção executiva sumária” com o n.º de processo ____/__.9T8SNT, com valor reputado de € 5.472,11.
7. Em tal documento, é reputado à requerida um risco de failure [leia-se, fracasso, da sua actividade comercial] elevado».
3.1.2 – (...) e não provado que:
«A. A cessação da actividade comercial da requerida e a sua insolvência são iminentes».
*
3.2 – Fundamentação de direito:
3.2.1 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Os apelantes consideram que o enunciado descrito em 3.1.2.A, em vez de provado, devia ter sido considerado não provado.
Acontece que o referido enunciado não constitui um facto jurídico, sendo, por isso, insuscetível de ser aditado à matéria de facto indiciariamente provada (e nem sequer devia constar do elenco dos factos não provados), pois mais não configura do que uma proposição de natureza conclusiva ou, se se quiser, do que um juízo de cariz conclusivo e valorativo.
Por outras palavras, trata-se de uma conclusão, e esta apenas pode extrair-se de factos materiais, concretos e precisos, juridicamente relevantes e oportunamente incorporados no processo.
A este propósito, afirmam Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, que factos jurídicos ou juridicamente relevantes são factos atinentes, sobretudo, ainda que não em exclusivo, a ocorrências da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas[3].
Alberto dos Reis refere-se a factos materiais, definindo-os como as ocorrências da via real, isto é, fenómenos da natureza ou manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os atos e os factos dos homens, entendendo por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz de normas e critérios de direito[4].
Resulta também da lição de Anselmo de Castro, que são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos, sendo que só acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem integrar a fundamentação de facto de uma sentença, onde não podem figurar enunciados genéricos e abstratos nos termos descritos na norma de direito substantivo aplicável à resolução do caso concreto[5].
Para Leo Rosenberg, factos jurídicos são os acontecimentos (e circunstâncias) concretos, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico[6].
Em suma: o enunciado que os apelantes pretendem ver aditado à matéria de facto provada não constitui um concreto facto material juridicamente relevante, mas, antes, uma afirmação de natureza conclusiva, um juízo de cariz conclusivo e valorativo.
Ainda que assim não fosse, sempre seria de concluir que inexiste nos autos qualquer meio de prova (documental, testemunhal ou por declarações de parte), suscetível de demonstrar a veracidade de tal enunciado.
Improcede, assim, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.2.2 – Enquadramento jurídico:
Nos termos art. 619.º, n.º 1, do Cód. Civil que «o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo».
Dispõe o art. 391º:
«1. O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção».
Acrescenta o art. 392º, nº 1 do mesmo código que «o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência».
Decorre dos citados preceitos que o decretamento do arresto, providência cautelar conservatória especificada, consistente na apreensão judicial de bens do devedor, visando a garantia de um direito de crédito, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) a probabilidade séria do requerente ser titular de um direito de crédito sobre o requerido;
b) a existência de um fundado receio de que este venha a dissipar o seu património, assim inutilizando, consequentemente:
- o efeito útil da sentença condenatória a ser proferida na ação principal respetiva; ou
- a efetividade da execução.
Ou seja, para que o arresto seja decretado, é necessário que o requerente alegue e prove concretos factos jurídicos, materiais, que tornem provável a existência do crédito e a justificação do receio invocado, competindo-lhe ainda relacionar os bens que devem ser apreendidos e com todas as indicações necessárias à realização da diligência, conforme previsto no art. 392.º, n.º 1.
Nenhuma dúvida se coloca quanto à existência do crédito dos requerentes.
O mesmo não sucede, porém, quanto ao segundo dos referidos requisitos: o periculum in mora inerente ao decretamento do arresto.
Relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial, tal como referido no Ac. da R.L. de 08.01.2019, Proc. n.º 12428/18.5T8LSB.L1-7 (José Capacete), in www.dgsi.pt, citado, aliás, na sentença recorrida, exige-se um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.
É, assim, essencial a alegação e prova de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança desse provável crédito já constituído.
O critério de avaliação deste requisito não pode assentar em simples conjeturas mas, ao invés, basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação pendente ou a instaurar posteriormente. Trata-se, em todo o caso, de um juízo provisório que terá de assentar em critérios de mera verosimilhança.
Com efeito, a jurisprudência tem considerado a verificação de «periculum in mora», para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que existe, nomeadamente, a tentativa do devedor de alienar bens imóveis; o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; a demonstração de que o devedor se furta aos contactos e pretende vender o património conhecido; o acentuado défice entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de o mesmo ser facilmente ocultável; a descapitalização de empresas, através da transferência dos ativos, ou a prática de atos de alienação gratuita a favor de terceiros ou atos simulados de alienação ou de oneração.
Assim, só existe justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito, quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer que está iminente a lesão do direito, a perspetivar, justificada e plausivelmente, o perigo de ser vir a tornar inviável, ou altamente precária, a realização da garantia patrimonial do crédito do requerente.
Mas, pese embora a maior simplicidade que se impõe pelas regras próprias e pelos objetivos específicos de qualquer procedimento cautelar, o juízo acerca do justificado receio de perda da garantia patrimonial não deve ser fruto de arbitrariedade, antes deve ser tomado a partir de factos[7].
Afirma-se na sentença recorrida:
«No caso vertente, resulta indiciado à saciedade a existência de um crédito titulado pelos requerentes contra a sociedade requerida.
Com efeito, resulta do acervo fáctico uma relação obrigacional com causa na resolução de negócio pregresso, nos termos do qual a requerida ficou adstrita a prestar (restituir, um montante de sinal) o valor de € 30.000,00 até 30-10-2023 (factos 1. a 3. consignados supra).
Transcorrida essa data, a requerida satisfez apenas € 10.000,00, estando pendente de pagamento o valor remanescente de € 20.000,00, relativamente ao qual os requerentes envidaram diversos esforços (contactos telefónicos) com vista à sua realização (factos 4. e 5. acima identificados).
O juízo perfunctório quanto à existência do crédito encontra-se plenamente verificado.
Todavia, antecipando-se a decisão final da questio suscitada ao tribunal nos autos do presente procedimento, semelhante conclusão não pode ser alcançada relativamente ao requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial.
Conforme explanado no acórdão acima citado, o receio de perda da garantia patrimonial deverá ser justificado. Isto é, o julgador deverá encontrar um fundamento sério nos factos invocados e indiciados que permita estabelecer um juízo seguro de verosimilhança do receio invocado, não se bastando com inferências, conjecturas e asserções genéricas.
Salvo o respeito devido, tal constitui a hipótese dos presentes autos.
Senão, veja-se.
Os requerentes apresentam como fundamento do receio de perda da garantia patrimonial a existência de acções judiciais movidas contra a sociedade requerida. Além da patente falta de idoneidade do meio probatório utilizado (um relatório produzido por uma empresa, antes que certidões judiciais), ficaria sempre o tribunal por conhecer inúmeros factores que impactam seriamente na apreciação do requisito de procedência do arresto, desde logo, o estado da acção, o pedido e a circunstância de o valor atribuído corresponder ao valor que na mesma se pretende obter (na acção de processo comum listada), os fundamentos de defesa apresentados, entre outros.
Qualquer cidadão ou pessoa colectiva é susceptível de ser parte em acção judicial (nos termos do artigo 11.º do Código de Processo Civil), sem que tanto se traduza, por si só, num juízo quando à bondade ou procedibilidade da pretensão movida, nem a título indiciário (o que dependeria sempre de uma análise casuística global).
O facto contido em 7., a asserção contida no relatório produzido, constitui uma conclusão de uma entidade privada – que assenta, a mais das vezes, em tratamento automatizado de dados –, que não é consubstanciada por qualquer facto tangível, invocado ou não. Poderia ter sido junta informação contabilística e societária relevante para concretizar o juízo negativo quanto à actividade comercial da requerida, sendo que a conclusão do relatório é manifestamente insuficiente para apontar para um receio – justificado nos termos da lei – da perda da garantia patrimonial.
Por fim, é invocado de forma meramente genérica e conclusiva no requerimento inicial que os requerentes temem, justificadamente, que a requerida proceda à dissipação ou venda de bens móveis (sujeitos ou não a registo). Não apenas nenhum facto concreto é invocado para o efeito, como resultou da prova produzida que a requerida dispõe de património mobiliário e que os requerentes inferem (muito tenuemente) que este possa ter diminuído.
Em suma, no caso dos presentes autos o juízo de receio fundado de perda de garantia patrimonial assenta em meras conjecturas dos requerentes, não sustentadas em factos indiciários, ou outros, tendo-se por não verificado tal requisito.
Assim, não obstante o juízo da verosimilhança do crédito invocado, não se verificando o justo receio de perda da garantia patrimonial dos requerentes, necessariamente improcede o procedimento cautelar dos presentes autos, não se determinando o arresto dos bens da requerida».
Concordamos inteiramente com o assim afirmado e concluído pelo tribunal a quo, sendo que, acrescentar algo, mais não seria do que dizer a mesma coisa por outras palavras.
A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura, pelo que deve ser mantida.
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IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo do recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).

Lisboa, 18 de novembro de 2025
José Capacete
Luís Lameiras
João Novais
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[3] Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 406 e 407, e RLJ, Ano 122º, nº 3784, p. 219.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Ed., p. 209.
[5] Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, pp. 268-269.
[6] Tratado de Derecho Procesal Civil, tomo II, tradução espanhola de Angela Romera Vera, 1995, apud Montalvão Machado, O Dispositivo e os Poderes do Tribunal À Luz do Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2001, p. 113, nota 210.
[7] Cfr., neste sentido, o Ac. da R.L. de 20.05.2010, Proc. n.º 52/105T2MFR.L1-2 (Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt.