Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5722/20.7T8LSB.L1-1
Relator: ELISABETE ASSUNÇÃO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
INQUÉRITO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).
1 - A pendência de uma ação de anulação da deliberação de amortização da quota de uma sociedade, já executada em parte, é prejudicial relativamente a uma ação com processo especial de inquérito judicial intentada inicialmente pelo titular da quota que posteriormente faleceu e cuja quota foi amortizada por deliberação da sociedade.
2 - Essa relação de prejudicialidade determina que a ação especial de inquérito judicial seja suspensa nos termos do art.º 272º, n.º 1, do CPC, até que seja proferida decisão final transitada em julgado na ação de anulação.
3 - O caso julgado constitui um impedimento a que seja proferida nova decisão de mérito sobre a questão.
4 - A autoridade de caso julgado tem como efeito positivo impor uma anterior decisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. Relatório
F…, ao abrigo do disposto no art.º 1048.º e seguintes do CPC, intentou ação especial de inquérito judicial contra Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda. e R…, pedindo, a final, a prestação, por escrito, da seguinte informação:
a) Em que é que foi gasto o montante de 430.000,00 € pago à Mira Torre, Lda., em 7 de outubro de 2016, pela Fundação Aga Khan discriminadamente;
b) Onde estão refletidas, nas contas da sociedade, as vendas de imóveis efetuadas nos anos de 2010 a 2016, nomeadamente (i) a venda, em 4 de maio de 2012, do 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua O…, em Lisboa, pelo preço de 170.000,00 €, (ii) as vendas, em 2014, de três lugares de estacionamento no mesmo prédio (frações T, R e S, por um total de 15.000,00 €), (iii) as vendas, em 2010, 2014, 2015 e 2016, de sete lugares de estacionamento no prédio urbano sito no lote 1 da mesma rua (frações AQ, AL, AN, AO, AM, AP e AR, por preços que totalizam 72.000,00 €), bem como (iv) a venda, em 29 de dezembro de 2011, de um lote de terreno para construção, com o n.º 39, no S…, Alenquer, pelo preço de 152.000,00 €;
c) Onde se encontram contabilisticamente os créditos por suprimentos, no montante de 87.567,30 € que o requerente detém sobre a sociedade desde 2007, e que eram no montante global de 424.593,30 €, sendo que apenas parte deles (337.026,00 €) foi convertida em prestações suplementares;
d) Onde se encontram refletidas, nas contas da sociedade, as diversas provisões que o requerente realizou, de 2011 a 2018, para fazer face às despesas da mesma, quer através de cheques à ordem da Mira Torre, Lda., quer em numerário, as quais totalizam a importância de 339.060,00 € (o requerente, no doc. n.º 12, indicou, por lapso, um total de 356.060,00 €);
e) O motivo pelo qual o aumento de capital realizado em dinheiro, em 2011, no
montante de 80.480,86 €, e registado, na Conservatória do Registo Comercial, pela apresentação … de …, não se encontra refletido nos balanços da sociedade dos exercícios de 2011 e seguintes;
f) Qual o custo médio mensal, nos anos de 2015 a 2018, discriminadamente, dos
serviços de telecomunicações contratados pela sociedade com a Vodafone, qual o respetivo local de instalação, que serviços são esses, quais os telefones móveis incluídos e a quem estão atribuídos;
g) Qual o custo médio mensal, nos anos de 2015 a 2018, discriminadamente, dos serviços de telecomunicações contratados pela sociedade com a MEO, qual o respetivo local de instalação, que serviços são esses, quais os telefones móveis incluídos e a quem estão atribuídos.
h) Qual o custo médio mensal, nos anos de 2015 a 2018, discriminadamente, dos
serviços de telecomunicações contratados pela sociedade com a NOS, qual o respetivo local de instalação, que serviços são esses, quais os telefones móveis incluídos e a quem estão atribuídos.
Para o efeito o requerente alegou, em síntese, que é, conjuntamente com R…, sócio e gerente da sociedade Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda., sendo que, a partir de 2008, o requerente deixou de ter intervenção na gestão da sociedade em causa, tendo começado a pedir informações sobre a gestão da Mira Torre, Lda. a R…, que não lhas dava.
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Por despacho de 05.05.2020, foi ordenada a citação dos requeridos, tendo R… deduzido oposição, em 17.06.2020.
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Por virtude do óbito do Requerente F… foi declarada suspensa a instância.
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Por decisão proferida em 09.10.2023, transitada em julgado, I… foi declarada habilitada para, na qualidade de herdeira e sucessora de F…, prosseguir nos autos de inquérito judicial como Requerente.
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Em 10.01.2024 foi proferida decisão nos autos no seguintes termos:
“Assim, uma vez que o Requerente F… era sócio gerente da sociedade requerida à data da propositura do presente inquérito judicial, não lhe assiste o direito à informação consagrado nos arts. 214º e 292º do Código das Sociedades Comerciais pelo que não pode o mesmo requerer inquérito judicial à sociedade.
Destarte, pelo exposto, julga-se improcedente, por não provado, o pedido de inquérito de informações deduzido contra Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda. e R….
Custas pela Requerente – artigo 1052.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”  
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Foi interposto recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida.
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Em 15.04.2024, foi proferida Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento da ação com processo especial de inquérito judicial.
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Em 02.04.2025, a requerida Mira-Torre veio apresentar oposição, pedindo, no que ora nos interessa, que seja determinada a suspensão da instância nos termos do art.º 272º, do CPC.
Alegou para o efeito, em síntese, que:
- Em assembleia geral da sociedade, realizada em 22.02.2021, foi aprovada a amortização da quota do de cujus, sendo que na mesma data o facto foi levado a registo comercial;
- A amortização da quota do ex sócio falecido foi feita sem redução do capital social e com a manutenção da totalidade do capital social (28.0000,00 €) na esfera jurídica do sócio R…, sendo que na sequência, no dia 24.02.2020, foi realizada uma assembleia geral na qual o sócio único da sociedade, R…, deliberou favoravelmente a transformação da primeira requerida numa sociedade comercial unipessoal por quotas, tendo, no dia 26.02.2020, o facto sido levado a registo comercial;
- Em 06.03.2020, I…, na arrogada qualidade de representante comum dos herdeiros contitulares da quota deixada pelo de cujus, requereu um Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais contra a sociedade, visando suspender as deliberações tomadas na assembleia geral de 22.02.2021, sendo que no âmbito do referido Procedimento Cautelar, em 08.03.2022, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença datada de 01.07.2021, de suspensão da execução das deliberações aprovadas na assembleia geral de 22.02.2021;
- I… propôs ainda contra a sociedade (entre outras), uma Ação de processo comum, de declaração de nulidade e /ou anulabilidade das supra aludidas deliberações tomadas nas Assembleias Gerais realizadas em 22.02.2021 e em 24.02.2021, que corre termos no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 8187/21.2T8LSB, ação esta que está suspensa por determinação judicial.
Concluiu dizendo que, neste momento, à luz do regime legal (societário e processual) aplicável, incluindo o disposto no n.º 3 do artigo 381.º do CPC, a deliberação de amortização/extinção da quota que era titulada pelo de cujus continua válida, está registada na certidão comercial da sociedade produzindo todos os seus legais efeitos e que, neste momento, e desde as deliberações tomadas na assembleia geral de 22.02.2022, de amortização da quota que anteriormente era detida pelo Autor, sem redução do capital social, e de aumento do valor da quota do sócio remanescente para € 280.000,00, a quota que antes era titulada pelo de cujus, já não existe.
Em requerimento de 29.04.2025, veio I… pronunciar-se, no que ora nos interessa, sobre a requerida suspensão da instância, dizendo, em síntese, que as deliberações de amortização da quota do de cujus foram cautelarmente suspensas, por decisão proferida no procedimento cautelar apenso à ação de impugnação de deliberações sociais em apreço, decisão essa confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 08.03.2022, que transitou em julgado em 29.03.2022 e que, por esse motivo, a quota não foi extinta e os sucessores do sócio falecido são sócios, sendo que a quota integra a herança indivisa do sócio falecido.
Concluiu dizendo que a ação de impugnação de deliberações sociais n.º 8187/21.2T8LSB não é causa prejudicial da presente ação, nem a sua pendência constitui motivo justificado para que seja ordenada a suspensão da instância nos presentes autos.
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Em 22.07.2025, foi proferida decisão nos autos com o seguinte dispositivo:
“Termos em que declaro suspensa a instância destes autos, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do Código Processo Civil, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no Proc. n.º 8187/21.2T8LSB do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5.
Notifique, comunique ao Tribunal e solicite, o oportuno, envio de certidão da sentença, com nota de trânsito.”
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Inconformada com esta decisão veio a requerente, em 15.09.2025, interpor recurso da mesma, pedindo a final que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos.
Apresentou as seguintes conclusões:
“1.ª – Estando cautelarmente suspensa a eficácia das deliberações de amortização da quota deixada pelo falecido sócio F… (cfr. factos provados n.ºs 10 e 11 do despacho recorrido), com base na sua nulidade, foi ultrapassado o prazo de 90 dias para a efetivação da amortização, previsto no art. 225.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que os herdeiros desse sócio retomam na plenitude os seus direitos societários, nos termos do art. 227.º, n.º 2, do mesmo Código.
2.ª – A suspensão da execução dessas deliberações de amortização da quota deixada por F… visou permitir aos herdeiros do sócio falecido o reassumirem na plenitude os seus direitos societários, entre os quais o direito à informação, e não ficarem com os mesmos suspensos por tempo indeterminado.
3.ª – Neste momento, os herdeiros de F… são sócios da sociedade requerida e a suspensão da presente ação, com fundamento numa pretensa prejudicialidade da ação n.º 8187/21.2T8LSB, corresponderia a fazer tábua rasa da decisão cautelar de suspensão.
4.ª - A legitimidade substantiva do falecido requerente é caso julgado.
5.ª - A legitimidade substantiva (e, logo, a legitimidade processual) da ora apelante também é caso julgado.
6.ª – A ação de impugnação de deliberações sociais n.º 8187/21.2T8LSB não é causa prejudicial da presente ação, nem a sua pendência constitui motivo justificado para que seja ordenada a suspensão da instância nos presentes autos.
7.ª – As partes têm o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, do C.P.C. e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
8.ª – Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou as normas dos artigos 2.º, n.º 1, e 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, normas essas que devem ser interpretadas e aplicadas com o sentido que resulta das conclusões anteriores.”
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Em 03.10.2025, foram apresentadas contra-alegações por Mira Torre – Construções Imobiliárias, Unipessoal, Lda., e R…, pedindo a final que se mantenha a decisão proferida.
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Em 15.10.2025, foi proferido despacho de admissão do recurso interposto, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.

2.  Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do CPC, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
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Considerando o acima referido é a seguinte a questão a decidir no presente recurso:
- Se a ação n.º 8187/21.2T8LSB, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 5, é causa prejudicial da presente ação, determinativa da suspensão da instância na mesma, até que seja proferida decisão transitada em julgado naquela ação.

3. Fundamentos de facto
Os constantes do Relatório supra e os dados como provados na decisão proferida pelo tribunal a quo nos seguintes termos:
1. Mira Torre - Construções Imobiliárias, Lda., pessoa colectiva n.º 50019399, tem sede na Rua Manuel Martins da Hora, n.º 11, R/C - Frente Direito, 1750-172 Lisboa.
2. Tem por objecto social a exploração de estabelecimentos hoteleiros com restaurante; indústria de construção civil, empreitadas gerais, compra e venda de propriedades rústicas ou urbanas e representações; transporte em veículos ligeiros até
2500Kg; organização de actividades de animação turística.
3. Foi constituída em 1971 e teve como sócios fundadores, todos nomeados gerentes aquando da respectiva constituição:
i) F…, que adquiriu a quota na qualidade de casado no regime da comunhão geral de bens com M…;
ii) J…;
iii) Jo…;
iv) C…;
v) H…;
vi) R…;
vii) M…;
viii) A….
4. Por Ap. 50/921209 mostra-se registada a cessão da quota no valor de Esc.6.400.000$00, pertencente a J… para R….
5. Em 7.7.2011 mostra-se registado o aumento do capital social da requerida, para o valor de €280.000,00, dividido em duas quotas, no valor de €140.000,00 cada uma, tituladas por F… e R….
6. Após essa data, F… e seu filho, R…, passaram a ser os únicos sócios e gerentes da requerida, que se vinculava pela assinatura dos dois.
7. Pela Ap. 1/20210112, foi registada a cessação de funções de gerente de F…, por óbito.
8. Por menção de depósito 154/2021-02-22 foi registada a amortização da quota de F….
9. Por Ap.26 de 20210305 mostra-se registada a alteração do contrato de sociedade passando a ter a denominação “Mira Torre – Construções Imobiliárias, Unipessoal, Lda.” Certidão da matrícula a fls. 81 e ss. e 116 e ss.
10. No Proc. 8187/21.0T8LSB – A, Procedimento Cautelar, do Juízo de Comércio de Lisboa -J5, foi proferida sentença a suspender a deliberação de amortização da quota de F…, datada de 22.02.2021.
11. Por Acórdão de 08.03.2022 o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença.
Adita-se ainda o seguinte facto com interesse para a decisão da causa, nos termos dos artºs 662º, n.º 1, 663º, n.º 2 e 607º, n.º 4, do CPC, tendo em consideração o teor do documento n.º 7 junto com a oposição apresentada pela sociedade requerida, no qual consta como documento n.º 15, uma cópia da petição inicial da ação 8187/21.2T8LSB:
12. I… intentou contra Mira Torre – Construções Imobiliárias, Unipessoal, Lda. ação declarativa, que corre termos no Juiz 5, do Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 8187/21.2T8LSB, pedindo a final que ação seja julgada procedente e que:
“a) deve ser declarada a nulidade das deliberações sociais supra referidas nos artigos 16.º e 18.º desta petição, de amortização da quota do falecido sócio F…, tomadas na reunião de 22 de fevereiro de 2021 da assembleia geral de sócios da ré, ou, quando assim não se entenda, devem tais deliberações ser anuladas;
b) deve ser ordenado o cancelamento do registo da amortização da referida quota no registo comercial da ré, correspondente à Menção Dep. 154/2021-02-22;
c) deve ser declarada a nulidade das decisões acima referidas nos artigos 48.º e 49.º desta petição, tomadas pelo sócio R… em 24 de fevereiro de 2021, de transformação da sociedade em sociedade comercial unipessoal por quotas e modificação do seu pacto social, ou, quando assim não se entenda, devem tais decisões ser anuladas;
d) deve ser ordenado o cancelamento do registo da alteração do contrato de sociedade da ré para sociedade unipessoal por quotas, com reformulação do pacto social, correspondente à Inscrição 8 - AP. 26/20210305, constante do registo comercial da ré, tudo com as legais consequências.”

4. Apreciação do mérito do recurso
Prevê o art.º 269º, do CPC, como um dos casos de suspensão da instância, o facto de o tribunal ordenar essa suspensão (n.º 1, al. c).
Refere, por sua vez, o disposto no art.º 272º, nºs 1 e 2, no que ora nos interessa que:
“1 – O Tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 – Não obstante a pendência de causa prejudicial não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”
Na espécie, dúvidas não existem que a ação em apreço, considerada como causa prejudicial do prosseguimento dos presentes autos, já está proposta, não existindo, da alegação das partes e dos factos provados, razões para entender que aquela foi unicamente intentada para se obter a suspensão no presente processo.
Igualmente, face ao estado destes autos, e as partes não o questionam, este processo está ainda numa fase em não se equaciona se os prejuízos da suspensão superam as vantagens da mesma.
O pressuposto submetido à apreciação deste tribunal reporta-se à questão de verificar se existe o nexo de prejudicialidade determinativo da suspensão da instância na presente ação, tendo por referência a ação que corre os seus termos sob o n.º 8187/21.2T8LSB, pendente no Juízo de Comércio de Lisboa, juiz 5.
Escreveu Alberto dos Reis, em ensinamentos que se mantêm atuais, que: “Uma causa prejudicial é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, acrescentando, mais à frente, que: “[A] razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência de julgamentos.”[1]
Referem, por sua vez, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, relativamente a esta questão que: “… deve comprovar-se uma efetiva relação de dependência, de tal modo que a apreciação esteja efetivamente condicionada pelo que venha a decidir-se na ação prejudicial, a qual constitui um pressuposto da outra decisão.”[2]
Na jurisprudência menciona-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.05.2023, que: “Entendendo-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar numa ação possa influenciar ou afetar o julgamento ou decisão da outra, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser.”[3]
Também no atual Acórdão desta mesma Relação, de 09.10.2025, se enuncia sobre esta matéria que: “Para que ocorra suspensão judicial da instância, prevista na 1ª parte, do nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, por pendência de causa prejudicial, é mister que se comprove uma real e concreta relação de dependência, em que a decisão a proferir na causa prejudicial afecte o julgamento da causa dependente, ou seja, que a apreciação do litígio nesta seja condicionado pelo que venha a decidir-se naquela.”[4]
Feito este enquadramento, vejamos o caso em concreto.
Está em apreciação, como alegada causa prejudicial, uma ação declarativa na qual foi pedida a declaração de nulidade de deliberações sociais (ou a anulabilidade) de amortização da quota do falecido requerente nestes autos, e de transformação da sociedade em sociedade comercial unipessoal por quotas e modificação do seu pacto social e ainda o cancelamento dos registos correspondentes.
A referida ação foi antecedida de um procedimento cautelar no qual se obteve a suspensão da execução da deliberação de amortização da quota do de cujus tomada em 22.02.2021.
A presente ação é um processo especial de inquérito judicial para prestação de informações ao falecido sócio, sendo que foi habilitada nos autos, para prosseguir os seus termos, a ora recorrente.
Importa esclarecer que o que cumpre avaliar e decidir neste recurso é se a enunciada ação constitui ou não causa prejudicial relativamente à ação ora em crise, sendo que no âmbito dessa análise importa apurar quais os efeitos da suspensão da execução das deliberações operada por via da procedência do procedimento cautelar em apreço.
Elenca o art.º 380º, do CPC, que:
“Se alguma associação ou sociedade seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”
Concluímos assim, de forma clara, que a suspensão da execução das deliberações obsta à execução das mesmas, na sua totalidade ou na parte que ainda se impõe executar, e é isso que importa aqui considerar nos autos, ou seja a execução das deliberações objeto da ação principal, datadas de 22.02.2021, encontra-se suspensa por virtude da procedência do procedimento cautelar intentado pela recorrente.
E uma dessas deliberações é uma deliberação que aprovou a amortização da quota do falecido sócio F…, sendo que é na ação de anulação que se encontra pendente que se irá decidir se os herdeiros do falecido mantêm ou não a qualidade de sócios (em contitularidade da quota do falecido) da sociedade comercial aqui requerida.
Diz a recorrente que foi ultrapassado o prazo de 90 dias para efetivação da amortização, pelo que os herdeiros retomam na plenitude os seus direitos societários, fundando-se no disposto no art.º 225º, n.º 2, do CSC. Invocam por sua vez os contra- alegantes o disposto no art.º 227º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
Desde já se esclarece que se entende não estar em causa a situação prevista em qualquer dos enunciados normativos legais (n.º 2, do art.º 225º e 227º, n.º 3, do CSC).
No caso, já foi decidida pela sociedade a amortização da quota e foi deliberada e aprovada essa amortização, tendo inclusivamente essa amortização sido de imediato comunicada à requerente, não existindo razões para pôr em causa, por ora[5], a sua eficácia, nos termos do art.º 234º, n.º 1, do CSC.
Não estamos aqui assim na situação prevista nestes normativos legais em que a sociedade ainda não decidiu relativamente ao destino da quota. A sociedade, neste caso, como vimos, decidiu e concretizou, através de deliberação dos sócios, a amortização da quota do falecido. E a amortização, efetuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores, diz o n.º 1, do art.º 225º, do CSC, retrotrai os seus efeitos à data do óbito.
A suspensão de que fala o art.º 227º, nºs 2 e 3, do CSC, é a suspensão durante o referido período de 90 dias, que, no caso, não está em causa, repete-se, porque a sociedade já decidiu amortizar a quota, deliberando nesse sentido (cf. art.º 246º, n.º 1, al. b), do CSC), comunicando essa amortização à recorrente e inclusivamente registando esse facto.
Tal como enuncia João Paulo Remédio Marques, referindo-se ao artigo 227º, do CSC: “A norma (…) cura do regime jurídico a que a quota fica submetida medio tempore entre a data da morte (ou seja entre a data da abertura da sucessão do sócio da SQ) e a deliberação da sociedade sobre as providências de que esta pode lançar mão ou que lhe podem ser impostas pelos sucessores do sócio…”.[6]
Ou como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2022:
“Durante tais 90 dias - ou seja, durante o tempo que medeia entre a morte do sócio e a tomada ou não tomada pela sociedade de alguma das providências que lhe são facultadas - os direitos e obrigações componentes da quota ficam, de acordo e nos termos do disposto no art. 227.º do CSC, suspensos.”[7].
São realidades diferentes, como se assinala no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 24.10.2023, a “efetivação da medida” a que alude o n.º 2 do art.º 225.º do CSC e, “liquidação do valor da quota a pagar a quem a ele tiver direito como contrapartida da medida de amortização da quota”[8], sendo que, no caso, a primeira claramente já ocorreu (com a deliberação de amortização), apenas faltando, ao que tudo indica, a segunda, estipulando o legislador o prazo de 90 dias apenas para a primeira (para a segunda regula o art.º 235º, do CSC).
Ora na situação em análise o que se encontra suspenso são os efeitos da execução da deliberação da amortização da quota, por via do procedimento cautelar, não estando em causa, reitera-se, a suspensão, durante o prazo de 90 dias, para a sociedade decidir o destino sobre a quota não transmitida para os sucessores do falecido, por razões que no caso não relevam.
Quanto à citação feita pela recorrente do Acórdão anterior proferido no âmbito destes autos, nada se retira no sentido pretendido pela recorrente, encontrando-se sim o acórdão, nesse momento, “apenas e só”, a avaliar se ocorre dano apreciável com a execução da deliberação de amortização da quota.
A deliberação de amortização  tem como efeito a extinção da quota do sócio, nos termos do art.º 232º, n.º 2, do CSC, com ressalva dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.
Nas palavras de Ferrer Correia: “Amortização é o negócio jurídico pelo qual a sociedade extingue determinada quota com todos os direitos e obrigações inerentes (mas sem prejuízo, como está bem de ver, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas).”[9]
No entanto, no caso, importa atentar que a execução da referida deliberação, encontra-se suspensa, tendo-se entendido no acórdão que decidiu o procedimento cautelar, na linha do já decidido na primeira instância, que: “se trata de deliberação que não se consome no acto que a torna válida e eficaz mas que produz efeitos que se prolongam no tempo, ou seja, não é de execução instantânea mas sim de execução continuada, isto é, não se esgota com a sua formalização.”.[10]
Assentes estes pressupostos, importa considerar que no caso está em causa um inquérito judicial para prestação de informações.
Consagra o art.º 21º, n.º 1, al. c), do CSC que todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.
Diz, por sua vez, o art.º  214º, n.º 1, do CSC que:
“1 - Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.”
Estipula ainda o art.º 216º, n.º 1, do CSC, que:
“1 - O sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.
2 - O inquérito é regulado pelo disposto nos nºs 2 e seguintes do artigo 292.º.”
Estes normativos conferem legitimidade ao sócio para requerer inquérito judicial para prestação de informações, nos termos previstos nos artºs 1048º a 1052º, do CPC, sendo que, no caso, está em apreciação, neste momento, o direito de os herdeiros do sócio falecido de exercerem esse mesmo direito na qualidade de contitulares da quota daquele, através da representante recorrente.
Assim a legitimidade dos citados herdeiros, através da sua representante, para obterem as informações pretendidas dependerá da detenção da qualidade de sócios e da manutenção da mesma, sendo que é através do processo especial de inquérito judicial que irão exercer esse direito que é conferido ao sócio (“interessado”, nas palavras do art.º 1048º, n.º 1, do CSC).
Como afirma João Paulo Remédio Marques: “Uma coisa parece certa: apenas quem for sócio na data da propositura desta ação especial disfruta de legitimidade processual ativa – só podendo esta tutela jurisdicional ser exercida enquanto o sócio mantiver essa qualidade, não estando esta faculdade jurídica processual ao alcance do ex-sócio, depois de ter sido excluído, exonerado ou transmitido a sua participação social.”[11]
Também Diogo Lemos da Cunha, a propósito desta questão, refere que: “A legitimidade processual ativa cabe ao «interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade» (art. 1048.º, n.º 1, do CPC), com a precisão de que para determinar o «interessado», somos forçados a recorrer às situações em que a lei substantiva confere o direito a requerer tal instituto. Desta feita, todo aquele que for titular do direito à informação, tem necessariamente legitimidade ativa para promover o inquérito judicial à sociedade (…) o direito à informação e, consequente, recurso ao inquérito judicial, é atribuído aos sócios em relação à sociedade.”[12]
Concluímos assim que a referida qualidade de “interessado” mencionada no art.º 1048º, do CPC, depende de o requerente ser sócio, mantendo essa qualidade.
Ora, no caso, o que o tribunal recorrente entendeu é que discutindo-se em ação pendente essa qualidade de sócio do requerente falecido, estando agora em causa uma quota social da contitularidade dos herdeiros do mesmo, deve a ação ser suspensa até que seja decidido se esses direitos se mantêm na contitularidade desses herdeiros.
E importa concluir que assiste razão ao tribunal recorrido. O interessado que requereu o inquérito fê-lo na qualidade de sócio da sociedade em apreço, sendo que posteriormente a ora recorrente foi admitida a intervir, nos termos já referidos.
A qualidade de sócio do requerente inicial, quota agora na contitularidade dos seus herdeiros, encontra-se a ser discutida naquela ação considerada prejudicial, face à amortização da quota do sócio. Ora se, como vimos, é o sócio que pode requerer inquérito judicial, importa aguardar saber se essa qualidade se mantém, ainda que na contitularidade dos herdeiros do sócio falecido, porque só a manutenção dessa qualidade autoriza esses herdeiros, representados pela representante comum, ora recorrente, a obterem as informações pretendidas.
Neste sentido, vejam-se as referências feitas no Acórdão desta mesma Relação de 12.04.2011, em que estava em causa precisamente uma situação de suspensão da instância em processo de inquérito judicial, em virtude de pendência de causa prejudicial, sendo esta uma ação de anulação de uma deliberação de amortização da quota do sócio na sociedade: “É verdade que se a final lhe vier a ser dada razão, o requerente poderá retomar, porventura, as qualidades de que foi desapossado. Porém, este é um efeito que está dependente de decisão judicial.
O facto de a eventual declaração de invalidade das deliberações produzir efeitos retroactivos (art. 289º, nº 1, do CC) não determina que, no interim, continue a ser reconhecida ao interessado alguma das posições jurídicas de que foi afastado. Ao invés, enquanto a sentença de anulação não for proferida, tudo se passará como se o requerente não tivesse a qualidade de sócio…
(…)
encontrando-se executada, nos seus aspectos essenciais, a deliberação de amortização da quota do requerente, não pode este pretender que o processo de inquérito prossiga os seus termos normais como se mantivesse intacta a qualidade de sócio.”[13]
Concluímos, utilizando as palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, acima citado, datado de 09.10.2025, que aqui a apreciação do litígio nesta sede está condicionada pelo que venha a decidir-se naquela e isto independentemente do decidido no procedimento cautelar em apreço, que apenas teve como efeito a suspensão, na parte ainda não operada, da execução da deliberação de amortização da quota do falecido, no caso o pagamento da contrapartida em falta, cabendo aqui ainda referir que as deliberações tomadas pela sociedade, em 24.02.2021, de transformação da sociedade em sociedade unipessoal por quotas e modificação do seu pacto social não foram objeto de suspensão.
Quanto às referências feitas pela recorrente relativamente ao facto de a legitimidade do falecido requerente constituir caso julgado, não lhe assiste igualmente razão.
Está em causa nos autos a apreciação de uma questão de legitimidade substantiva do requerente e agora dos contitulares da quota representados pela recorrente para prosseguir a ação, numa vertente muito própria, ou seja, está em causa saber se os mesmos mantêm ou não a qualidade de sócios que lhe dá “acesso” a pedir e a obter informações da sociedade e portanto uma questão de mérito da causa.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.10.2018:
“A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.”[14]
Nos termos do art.º 619º, n.º 1, do CPC, no que ora nos interessa: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º…”.
Esta norma regula os termos do caso julgado material, impondo que uma decisão transitada que decida sobre o mérito da causa, no âmbito da relação material controvertida, fique desde logo a ter força obrigatória dentro do processo.
Importa, desde logo, como o próprio preceito impõe, ter em consideração o disposto nos artºs 580º e 581º, importando delimitar as partes, o pedido e a causa de pedir.
A questão que se coloca em primeiro lugar, nesta avaliação, é sobre o objeto das decisões em análise, que na perspetiva da recorrente decidiram anteriormente sobre a questão da legitimidade ativa na presente ação.
Vejamos:
A questão conhecida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi a de saber, na linha da decisão proferida anteriormente pelo Tribunal recorrido, se o sócio e também gerente poderia requerer inquérito judicial. Não estava em causa, pois, a apreciação do mesmo objeto da questão ora colocada de legitimidade substantiva respeitante à manutenção ou perda da qualidade de sócios dos contitulares da quota em virtude da deliberação de amortização da quota do de cujus.
Não se verifica assim caso julgado, nesta perspetiva, uma vez que a apreciação de mérito efetuada não teve o mesmo objeto.
O mesmo quanto à questão da legitimidade da ora recorrente. Essa legitimidade foi reconhecida na qualidade de cabeça de casal e de representante dos herdeiros contitulares da quota do falecido e não relativamente ao facto ora em apreciação de a quota do sócio primitivo poder ser ou não estar extinta, porque amortizada.
Uma palavra ainda sobre a autoridade de caso julgado.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.06.2019:
“[O] caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão).”[15]
Também Rui Pinto faz a distinção entre o efeito negativo e positivo do caso julgado, dizendo que:
“A força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado. O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.”[16].
Ora também aqui não se verifica esta situação com referência a nenhuma das decisões mencionadas, não constituindo o decidido nas mesmas pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que ora se impõe regular, ou seja, se os contitulares da quota do sócio falecido mantêm a qualidade de sócios, após a amortização da quota em referência e como tal são titulares de legitimidade substantiva para obter as informações pretendidas.
Por último, uma referência à menção feita pela recorrente ao disposto nos artºs 2º, n.º 1, do CPC e 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ao seu direito a obter uma decisão em prazo razoável.
Neste âmbito importa ter consideração que na averiguação do que seja o prazo razoável de uma ação cumpre verificar, não só mas também, se a tramitação da mesma é adequada e a razoabilidade do prazo da decisão, atendendo ao caso em concreto.[17]
Ora na espécie, e quanto ao primeiro pressuposto, entendendo-se que a tramitação processual adequada para os autos será suspender a instância nos termos decididos, o mero facto de se determinar essa suspensão não pode permite concluir que a decisão a proferir, a final, não o será num prazo razoável, tanto mais que o próprio legislador, neste tipo de suspensão, teve em consideração que a suspensão não deve ser ordenada: “quando a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.” (art.º 272º, n.º 2, 2ª parte, do CPC).
Para além disso, o relevante aqui é a delonga inerente ao termo da ação que é  considerada causa prejudicial, que é uma delonga imprevisível mas que, dentro da razoabilidade, terá que ser tolerada, face aos motivos admitidos, desde logo pelo legislador, de suspensão da instância no caso.
Improcede também aqui a alegação da recorrente.
Importa assim manter a decisão proferida.
A recorrente deverá suportar as custas devidas face ao seu decaimento (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil).

5. Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas desta Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas a suportar pela recorrente.
Registe e Notifique

Lisboa, 11-11-2025,
Elisabete Assunção
Fátima Reis Silva
Ana Rute Costa Pereira
_______________________________________________________
[1] Cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, Coimbra Editora, respetivamente págs. 268 e 272.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, pág. 349.
[3] Proc. n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1, Relator Jorge Dias, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Proc. n.º 917/23.4T8SNT-A.L1-2, Relator Arlindo Crua, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Estando ainda pendente a ação principal em referência.
[6] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. III, 3ª edição, 2023, Almedina, pág. 475.
[7] Proc. n.º 2180/18.0T8OAZ.P1.S2, Relator António Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Proc. n.º 3179/18.1T8OAZ.P1, Relator Anabela Dias da Silva, disponível em www.dgsi.pt.
[9] A Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada segundo o Código das Sociedades Comerciais, disponível em https://portal.oa.pt/, pág. 695.
[10] Acórdão datado de 08.03.2022, Proc. n.º 8187/21.2T8LSB-A.L1-1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Obra citada (nota 6), pág. 334.
[12] O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, disponível em https://portal.oa.pt/, págs. 351 e 352.
[13] Proc. n.º 1207/10.8TBSCR.L1-7, Relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Proc. n.º 5297/12.0TBMTS.P1.S2, Relator Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt
[15] Proc. n.º 355/16.5T8PMS.C1, Relatora Maria Catarina Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, 2018, pág. 6., disponível em https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/.
[17] No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.05.2020, Relatora Ana Celeste Carvalho entendeu-se que:  “O direito à decisão da causa em prazo razoável, também referido como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo.
(…)
A
razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo, o comportamento do recorrente e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros.”, disponível em www.dgsi.pt.