Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2777/20.8T8SNT-F.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
ERRO MATERIAL
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário[1]:
1. Os erros materiais da sentença passíveis de retificação nos termos do art. 614º do CPC restringem-se aos que resultam de divergência, revelada pelo próprio teor da sentença, entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito, e que não interferem na substância, fundamentação ou sentido da decisão.
2. A lista de crédito reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência corresponde a ato predestinado a integrar decisão judicial através da prolação de sentença homologatória de verificação de créditos, mas que é passível de ser previamente modificada em resultado da apreciação judicial das impugnações que à lista sejam apresentadas, ou oficiosamente pelo juiz por efeito da sindicância e da correção de erro manifesto nela contido.
3. Os créditos, respetivos montantes e qualificação reconhecidos pelo administrador da insolvência e que não sejam objeto de impugnação são, salvo caso de erro manifesto, julgados verificados por mero efeito da homologação judicial da lista de créditos sem que na sentença se imponha a identificação e descrição de cada um dos créditos por aquela reconhecidos.
4. O resultado determinado pela omissão do dever de sindicância de erro manifesto contido na lista de créditos não é passível de se reconduzir a erro material da sentença, mas sim a erro de julgamento cuja correção, como tal, está limitada à impugnação do erro por via do recurso da sentença.
5. A classificação como comum de um crédito que foi reclamado como garantido por erro de escrita do administrador da insolvência na elaboração da lista de créditos não configura erro material retificável nos termos do art. 614º do CPC na medida em que se analisa em erro na classificação e consequente graduação do crédito da recorrente como comum que, como tal, implicaria alteração substancial do resultado/sentido da decisão, precisamente, na ordem de pagamento dos créditos que a sentença em questão tem por objeto definir e regular, efeito que extravasa do âmbito do art. 614º do CPC.

[1] Da responsabilidade da relatora, cfr. art. 663º, nº 7 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. No âmbito do processo de insolvência de Jorge Baidek[1], declarada por sentença proferida em 16.03.2020, no cumprimento do art. 129º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas em 16.06.2020 o Sr. administrador da insolvência remeteu aos autos lista de créditos por ele reconhecidos, nestes termos:
 
2. Mais juntou comprovativo de envio da lista aos credores nela reconhecidos através de comunicação eletrónica remetida na mesma data (16.06.2020).
3. Na ausência de impugnação ou qualquer outra intervenção processual, por sentença de 09.12.2020 foi proferida a seguinte decisão, que não foi objeto de recurso:
Nesta conformidade, decide-se:
A) Homologar a relação de créditos reconhecidos apresentada 16-06-2020, sob a ref. Citius REFª: 35795633, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em consequência julgando verificados
todos os créditos dela constantes.
B) Graduar os créditos reconhecidos, para distribuição do produto da venda do imóvel apreendido, nos seguintes termos:
- em primeiro lugar haverá que dar pagamento aos créditos da Fazenda Nacional referentes a
IMI atinentes ao imóvel apreendido nos autos vencidos nos 12 meses anteriores à instauração dos
 presentes autos de insolvência (art.ºs 122º do CIMI, 748º, 686º, n.º 1, e 744º, n.º 1, do Código Civil e
 98º, n.º 1, al. b), do CIRE, já que se trata de um privilégio imobiliário especial e prefere à hipoteca nos
 termos do art.º 751º do Código Civil);
- em segundo lugar haverá que dar pagamento ao credor hipotecário, até ao limite das garantias (já que se trata de garantias reais e confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do imóvel sobre que incide com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo -art.ºs 686º, n.º 1, e 696º do Código Civil);
- em terceiro lugar haverá que dar pagamento aos créditos com natureza comum, que serão pagos na proporção respetiva.
4. Concluída a liquidação (assim declarado em 15.02.2024 pelo AI no respetivo apenso), elaborada a conta de custas do processo de insolvência (em 02.04.2024), e prestadas e julgadas as contas da liquidação (requerimento de 02.08.2024 e sentença de 28.09.2024, respetivamente[2]), notificado para o efeito o AI juntou cálculo da respetiva remuneração variável e proposta de rateio final (requerimento de 10.12.2024). Questionada pelo Ministério Público a legalidade do cálculo da remuneração variável e ordenada a notificação deste requerimento ao AI para a respeito se pronunciar (despacho de 08.01.2025), por este foi reduzido o valor da remuneração variável, que foi fixado por despacho de 21.02.2025.
5. Notificado para o efeito, com insistência, em 02.05.2025 o AI juntou nova proposta de rateio final para acolher a alteração do montante disponível para pagamento aos credores decorrente da alteração do valor da remuneração variável, nos seguintes termos:
6. Em 05.05.2025 o sr. escrivão auxiliar lavrou termo com o seguinte teor:
“(…) ao proceder à análise da proposta de rateio junta aos autos, suscitaram-me as seguintes dúvidas:
· Na rubrica “distribuição nos termos do”, constam pagamentos já efetuados aos credores, no entanto não foi junto aos autos qualquer rateio desses pagamentos;
· Na proposta de rateio consta o crédito do credor Fonteos, Sa, como garantido, no entanto na lista definitiva de credores e na sentença de verificação e graduação consta como comum.
A fim de esclarecer as dúvidas supra expostas, contactei telefonicamente, o Sr. AI, tendo o mesmo referido que irá verificar a situação e oportunamente irá informar os autos em conformidade.
7. Em resposta às dúvidas suscitadas pela secretaria, em 14.05.2025 o AI informou, pela primeira vez nos autos, que a pedido do credor Hefesto procedeu a rateio parcial (que refletiu no rateio final) e que em 28.09.2023 procedeu aos pagamentos por ele previstos (à Fazenda Nacional, no montante de €2.688,65, a Fonteos, SA, pelo montante de €64.481,12, e a Hefesto STC, SA, pelo montante de €1.338.768,12); mais confirmou que na lista definitiva de créditos o credor Banco Santander Totta consta reconhecido como comum e que a lista foi homologada nesses mesmos termos por sentença de 07.12.2022, mas que se tratou de lapso de escrita seu na medida em que este credor reclamou o seu crédito como garantido por hipoteca sobre o (único) imóvel apreendido para a massa insolvente. Concluiu requerendo a correção da referida sentença ao abrigo do art. 614º do CPC. Juntou lista de créditos retificada.
8. Submetido o dito requerimento ao contraditório dos credores, o Ministério Público pronunciou-se pelo seu não provimento (requerimento de 21.05).
9. Na sequência da oposição deduzida pelo Ministério Público o AI veio juntar requerimento de reclamação de créditos apresentado pelo credor Banco Santander Totta, documentos que a acompanharam, e comprovativo da data em que lhe foi remetido (21.04.2020)
10. Por requerimento de 30.05.2025, EOS Financial Solutions Portugal, SA - nova designação da sociedade Fonteos, SA que em 22.09.2022 requereu e por sentença proferida em 07.12.2022 foi habilitada a intervir nos autos em substituição do credor Banco Santander Totta (apenso D) -, veio aos autos alegar não haver dúvida que o crédito em causa é garantido e, por referência ao erro de escrita assumido pelo AI na sua qualificação como comum, mais alegou que ao tribunal cabe sempre verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos inscritos na lista que vai homologar e contrariar a incorreta inscrição nela realizada pelo AI, nos termos do art. 130º do CIRE, e concluiu requerendo seja graduado como crédito garantido para ser pago nos termos constantes do mapa de rateio. Juntou documentos, os já apresentados pelo AI e a certidão predial do imóvel.
11. Em 14.07.2025 foi proferida decisão que, incidindo sobre os pedidos apresentados pelo AI e pelo credor EOS, indeferiu a retificação da sentença de verificação e graduação de créditos, com subsequente prolação de despacho a ordenar ao AI a apresentação de “nova proposta do mapa de rateio final que seja conforme com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso B, bem como ter em conta o decidido para efeitos de correcção de eventuais pagamentos que tenha feito indevidamente, os quais também apenas agora deu conta nos autos (cf. termo da secretaria de 05-05-2025 e requerimento de 14-05-2025).”
12. É desta decisão que pelo credor EOS vem interposto o presente recurso, requerendo “a alteração da decisão Recorrida, por uma que mantenha o mapa de Rateio junto aos autos que reconheceu o crédito da aqui Recorrente como Garantido”.
Apresentou conclusões que, não obstante como tal epigrafadas, longe de o serem, apresentam-se prolixas, não cumprindo minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art. 639º, nº 1 do CPC posto corresponderem à reprodução da motivação do recurso. Não obstante a assinalada deficiente prestação processual da recorrente, que agrava o exercício de depuramento das questões do recurso, é possível identificar as que por ele vêm submetidas a apreciação, razão pela qual se prescindiu do despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos do art. 639º, nº 3 do CPC[3], procedendo-se aqui à transcrição das que permitem cumprir aquele desiderato:
(…)
XIV. Atento o exposto até aqui, cumpre-nos evidenciar o seguinte: em momento algum é referido na sentença de verificação e graduação de créditos que o credor Fonteos seria graduado como credor comum.
XV. Em momento algum é identificado ou nomeado os credores garantidos tão só identificado o imóvel sob o qual impende as garantias hipotecárias, nem são elencadas as hipotecas que incidem sob o imóvel apreendido nos autos.
XVI. Estamos em crer que todas as partes acolheram a interpretação do conteúdo da sentença vertido no termo de apreciação do rateio final, não tendo, contudo, tal interpretação, respaldo no texto da sentença de verificação e graduação de créditos.
XVII. O que traduziu no pagamento à aqui Recorrente enquanto hipotecária nos termos do art.º 174 e que aquando da junção do mapa de rateio final em 19/12/2024, mereceu a sindicância do Tribunal, que não levantou qualquer questão.
XVIII. Ainda que assim não se entenda, e sem conceder, caso seja a sentença de verificação e graduação de créditos entendida como enquadrando o crédito da aqui Recorrente como credor comum, não pode tal deixar de se considerar um evidente erro de escrita.
XIX. Erro esse retificável a todo o tempo, sob pena de dele resultar uma flagrante e incorrecta aplicação do direito ao caso, com prejuízo efectivo para a Credor Hipotecária.
XX. Entende, a Aqui Recorrente, estar a ser, deliberadamente, coartada da sua qualidade de Credora Hipotecária, em virtude de um erro que considerando o lapso temporal, se já não está em tempo de ser sanado, então, também não deve, salvo melhor opinião, estar em prazo para ser invocado, de acordo com a aplicação da equidade nas decisões dos Tribunais.
XXIV. Face ao exposto não há dúvidas sobre a titularidade e a natureza garantida do crédito em causa, tendo, apenas, a omissão ou incorrenta referência quanto à sua natureza, resultado na perda da referida garantia, com a qual a Recorrente não pode conformar-se.   
XXVII. A decisão proferida resultou na incorrecta qualificação da Credora enquanto comum, quando a mesma é detentora de garantia.
XXIX. De acordo com a decisão do Tribunal, a quo a aqui Recorrente será graduada enquanto comum, por um lapso admitido nos autos, independentemente da natureza do seu crédito, ferindo assim o principio da tutela jurisdicional efectiva e da confiança nas decisões dos tribunais.
XXX. Esta condição resulta da natureza do crédito (averbamento da hipoteca na CRP) independentemente da Sentença de Verificação e Graduação de Crédito.
XXXI. Com a decisão proferida a aqui Recorrente vê perdida a sua garantia patrimonial, traduzindo-se na diminuição do seu crédito e na violação do direito da aqui Recorrente que é o direito à realização efetiva dos seus créditos enquanto Credora hipotecária.
XXXV. Cabia ao douto Tribunal a quo ter solicitado ao administrador de insolvência esclarecimentos a fim de sindicar a conformidade com a natureza dos créditos reclamados em função dos documentos juntos com a lista do 129.º do Cire, para posteriormente proferir decisão.

II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº2 e 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso corresponde às decisões por ele impugnadas, é delimitado pelo objeto destas, definido pelo teor das conclusões de recurso e, sem prejuízo das questões que oficiosamente cumpra conhecer, destina-se a reponderar e, se for o caso, a anular, revogar ou modificar as decisões objeto de censura e não a apreciar e a criar soluções sobre questões de facto e/ou de direito que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, não estando o tribunal de recurso adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações mas apenas das questões de facto ou de direito que, não estando cobertas pela força do caso julgado, se apresentem relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC).
Assim, considerando o teor da decisão recorrida e os requerimentos sobre os quais incidiu, conforme conclusões enunciadas cumpre apreciar:
A) Da possibilidade legal de retificação/alteração da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos para que o crédito do recorrente nela passe a figurar graduado como crédito garantido por hipoteca sobre o imóvel apreendido e liquidado no processo de insolvência, e de o crédito da recorrente ser pago como crédito garantido.
Caso a questão precedente mereça resposta positiva,
B) Aferir se existem condições processuais para a Relação proferir decisão em substituição do tribunal recorrido nos termos previstos pelo art. 665º, nº2 do CPC (através da prolação de decisão que opere a retificação da sentença de graduação de créditos nos termos requeridos, o que pressupõe e implica proceder à apreciação de mérito do requerimento de reclamação de créditos remetido pelo credor Banco Santander Totta ao AI nos termos do art. 128º, nº1 do CIRE) ou se, no caso, está limitada à função de cassação da decisão recorrida e, assim, à revogação desta, e em que termos.

III – Fundamentação de Facto
Para além das incidências processuais descritas, com pertinência ao caso mais se anotam as seguintes:
1. Com a apresentação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em 16.06.2020 o AI juntou aos autos lista provisória de créditos a que alude o ar. 154º com o seguinte teor:
2. A referida lista foi notificada a todos os credores, sendo o credor Banco Santander na pessoa da respetiva mandatária, sem que nada tenha sido dito ou requerido a respeito do teor do relatório e da lista provisória de créditos.
3. Em 08.04.2020 o AI juntou auto de apreensão com descrição do imóvel inscrito no registo em benefício do insolvente, e em 15.09.2020 juntou certidão predial permanente referente ao mesmo, contendo inscrição dos seguintes ónus[4]:
- por apresentações 94 e 95 de 29.01.2008, hipotecas em benefício da Caixa Geral de Depósitos para garantia dos montantes máximos de €1.003.267,23 e €772.000,00;
- por ap. de 16.09.2008, hipoteca em benefício do Banco Popular Portugal para garantia do montante máximo de €155.000,00;
- por apresentações de 29.01.2010, 05.04.2010, 15.03.2011, 20.10.2015 e 12.10.2016, penhoras em benefício da Fazenda;
- por apresentação de 07.10.2016, penhora em benefício do Banco Popular Portugal;
- por apresentação de 14.07.2018, penhora em benefício da Caixa Geral de Depósitos;
- por apresentação de 09.09.2019, penhora em benefício do Banco Santander Totta, SA.

III – Fundamentação de Direito
1. Em sede de alegações a recorrente afirma que é titular de um crédito sobre a insolvente garantido por hipoteca sobre o imóvel apreendido e vendido nos autos e que, apesar de isso não resultar do texto da sentença de graduação de créditos, foi por todas as partes assim entendido, como é manifestado pelos pagamentos realizados nos termos do art. 174º do CIRE sem que dúvida alguma fosse suscitada quanto à natureza garantida do seu crédito, criando a confiança nas partes na consolidação da tramitação do processo, perante a qual a decisão recorrida se apresenta como decisão surpresa.
Perante a citada argumentação, para uma clara definição do âmbito das questões aqui submetidas a apreciação cumpre esclarecer que não está aqui em causa apreciar da bondade dos termos do rateio parcial organizado pelo AI após a venda o imóvel em agosto de 2023, nem dos pagamentos que efetivamente realizou ao abrigo do mesmo, da natureza ou eficácia destes, nem tão pouco se a eventual manutenção da graduação do crédito da recorrente operada na sentença de verificação e graduação dos créditos produz efeitos sobre a subsistência desses pagamentos, ou se dela decorre a exigibilidade da sua restituição à massa insolvente se e na medida em que exceda o que à recorrente caberia de acordo com aquela sentença. Questões que aqui não cumpre apreciar por não terem sido essas as submetidas à apreciação do tribunal a quo nem por ele conhecidas, tendo-se limitado a indeferir a ‘retificação’ da graduação operada pela dita sentença e a determinar ao AI a apresentação de novo mapa de rateio conforme à ordem de pagamento por aquela decretada.
2. Como se deixou enunciado, em causa está aferir se, como defende a recorrente, ocorre lapso de escrita e omissão de sindicância judicial de erro da lista passível de retificação nos termos do art. 614º, nº 1 e 3 do CPC, com consequente alteração da graduação do seu crédito operada pela sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos em apenso B; ou se, como o tribunal recorrido julgou, o apontado lapso de escrita não é passível de retificação naqueles termos por consubstanciar alteração substancial do conteúdo da decisão legalmente vedada pelo trânsito em julgado da mesma, e porque a apontada omissão do dever de sindicância judicial de erro contido na lista conduz a erro de julgamento que, como tal, só por via do recurso da sentença poderia ter sido corrigido.
3. Cumpre apreciar.
Como é sabido, as decisões judiciais transitam e formam caso julgado logo que não sejam suscetíveis de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. art. 628º do CPC). Quando assim sucede, prevê o art. 619º, nº 1 do CPC que Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º. O caso julgado traduz a força obrigatória da estabilidade das sentenças ou dos despachos que recaiam sobre a relação controvertida objeto da ação ou sobre a relação processual nela constituída, e tem como finalidade imediata evitar que em novo processo ou no mesmo processo o tribunal possa validamente apreciar e considerar um direito, situação ou posição jurídicas em termos distintos dos já concretamente definidos por anterior decisão, vinculando o tribunal e os destinatários da decisão a essa mesma decisão. Conforme o caso, produz um efeito positivo, de autoridade de caso julgado, que vincula ou impõe ao tribunal a consideração de uma decisão de mérito na apreciação do mérito do objeto de outra decisão posterior; ou um efeito negativo, de exceção de caso julgado, que proíbe/impede que o tribunal volte a decidir – do mesmo modo ou de modo distinto - uma questão já decidida. O caso julgado tutela a definitividade das questões objeto de decisão judicial e, com esta, a estabilidade das relações jurídicas por ela reguladas e nos termos em que o foram e a segurança e confiança no resultado assim gerado.
Em coerência com o caso jugado, mas sem que com este se confunda, sob a epígrafe “Extinção do poder jurisdicional e suas limitações o art. 613º, nº 1 do CPC dispõe que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.” O nº 2 salvaguarda a possibilidade de retificação de erros materiais, de suprimento de nulidades e de reforma da sentença nos termos dos arts. 614º e ss. Sob a epígrafe “Retificação de erros materiais”, no art. 614º, nº 1 do CPC prevê-se que “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
A respeito do erro da sentença passível de retificação nos termos do art. 614º, socorremo-nos da clarividência de exposição, eloquência e atualidade dos ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[5] (com subl. nosso): “O esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa significa que, lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela.//Respeitado esse núcleo fundamental do pronunciamento do tribunal sobre as pretensões das partes, o juiz mantém ainda o exercício do poder jurisdicional para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes.//Entre as questões secundárias (…) contam-se (…) os erros materiais nela contidos (…).// Os erros materiais, do tipo descrito no artigo 249º do Código Civil (…), que não interferem na substância ou na fundamentação da decisão (…). Mais anotam[6] que “Os erros materiais (lapsos calami) de que trata o nº 2 do artigo 666º[7] não se confundem, evidentemente, com os erros de julgamento (que o juiz não pode rectificar e que só podem ser impugnados mediante interposição de recurso). Com a mesma clarividência, na definição e circunscrição do erro material em confronto com o erro judicial, J. Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa[8] definem o primeiro como “a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos elementos da decisão ou do processo, a discrepância com os dados verdadeiros, podendo presumir-se, por isso, uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito. Realçam que “Como se trata de uma rectificação, não é permitido (como o permite a anulação) alterar o que ficou decidido (subl. nosso). Sobre o âmbito do erro judicial referem o erro na determinação da norma aplicável e a incorreta qualificação jurídica dos factos, com consequente erro na escolha da norma aplicável. No discernimento do erro material passível de retificação, A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa[9] anotam que “é preciso que, ao ler o texto, se veja que há erro e logo se entenda o que se queria dizer”, em sintonia com a previsão do art. 249º do CC, que descreve o erro de cálculo ou de escrita passível (apenas) de retificação como aquele que é “revelado no próprio contexto da declaração (…).”
4. Em causa no presente recurso está a sentença de graduação de créditos proferida em processo de insolvência que prosseguiu para liquidação e que, como tal, tem como finalidade a satisfação dos créditos sobre a insolvência por recurso ao produto dos bens e direitos do devedor insolvente, a distribuir pelos credores de acordo com a ordem e proporção que a cada um deles couber e que ao tribunal cabe definir.[10]
Para melhor enquadramento do pedido de retificação em causa nos autos procede-se a breve enquadramento da finalidade e especificidades processuais da tramitação do incidente de verificação de créditos por apenso a processo de insolvência, no qual o legislador do CIRE refletiu com maior expressividade o objetivo de maior simplificação do processado e de alargamento da desjudicialização de atos ou atividade no cumprimento do objeto do processo, que o destacam do regime geral do processo comum declarativo. Desde logo, as que decorrem da natureza instrumental da sentença nele proferida relativamente ao objeto legal do processo de insolvência (lato senso) e do facto de este ser cumprido através dos autos principais e de outros apensos (vg. apreensão de bens e liquidação). Mas, de sobremaneira, as especificidades processuais que decorrem do facto de o ato processual que instaura o apenso de verificação e graduação de créditos corresponder à lista de créditos reconhecidos devida elaborar e apresentar pelo Administrador da Insolvência.
Prevê-se nos arts. 128º e 129º do CIRE que as reclamações de créditos são (imperiosamente) endereçadas ao AI para que, em substituição dos requerimentos de reclamação de créditos apresentadas pelos credores, do apenso de verificação e graduação de créditos conste apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, procedimento que, a par com o regime de prazos legais sucessivos e a prolação de sentença homologatória em caso de ausência de impugnações, conduz a óbvia simplificação processual de carácter administrativo. Assim, prevê o art. 129º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento. E prevê o art. 130º, nº 3 que, Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
Destas normas resulta que as listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentadas pelo AI correspondem a ato predestinado a integrar decisão judicial através da prolação de sentença homologatória de verificação de créditos, mas que é passível de ser previamente modificada em resultado da apreciação judicial das impugnações que à lista sejam apresentadas, ou de ser modificada ex officio pelo juiz por efeito da sindicância e da correção de erro manifesto nela contido.
Sendo a atividade processual devida exercer pelo AI funcionalmente perspetivada ao cumprimento daquele desiderato legalmente pressuposto, os termos da elaboração da lista de créditos não é arbitrária, antes obedece a requisitos de conteúdo, precisamente, os previstos pelo nº 2 do art 129º, pelo que dela deverão constar, entre outros e ao que aqui releva, a natureza ou classificação do crédito como comum, garantido, privilegiado, ou subordinado e, tratando-se de crédito com preferência de pagamento, a sua natureza, geral ou especial e, neste caso, os concretos bens sobre os quais incide. Exigências que se inserem na lógica sistemática do processamento da reclamação, verificação e graduação de créditos porquanto, conforme dispõe o citado art. 130º, nº 3, na ausência de impugnações, e salvo caso de erro manifesto, o juiz limita-se à homologação da lista de créditos, tal qual como reconhecidos pelo AI, e à subsequente graduação de créditos de acordo com o direito aplicável aos termos que naquela constam descritos. Assim, os créditos, respetivos montantes, e qualificação que aos mesmos seja reconhecida pelo AI e que não sejam objeto de impugnação, são, salvo caso de erro manifesto, julgados verificados por mero efeito da homologação judicial da lista de créditos sem que na sentença se imponha a identificação e descrição de cada um dos créditos por aquela reconhecidos.
A sindicância do erro manifesto previsto pelo art. 130º, nº 3 do CIRE corresponde a um poder-dever do juiz para, no confronto com os elementos contidos na própria lista ou outros que constem dos autos de insolvência (lato senso), verificar a conformidade substancial e formal dos créditos inscritos na lista que vai homologar, se necessário for, solicitando ao AI informações para esclarecimento do lapso ou erro que daquele confronto resulte e definição dos termos em que o mesmo deve ser corrigido. Em qualquer caso, sem prejuízo do oportuno mas prévio cumprimento do contraditório se da referida oficiosidade resultar alteração ao teor da lista de créditos tal qual como a mesma foi apresentada pelo AI[11] [12]. Assim, os erros aqui em causa correspondem apenas aos que resultem da globalidade dos atos e diligências que integram o processo de insolvências, e o dever da sua consideração e correção oficiosa pelo juiz não vai além do previsto pelos arts. 5º, nº2, 411º e 412º do CPC. Ou seja, desde que existam elementos que contrariem ou permitam pôr em causa a correção da lista de créditos elaborada pelo AI. “No caso de se tratar de erro formal que deva ser corrigido e não afecte os direitos das partes pode logo ser corrigido sem afectar a imediata prolação da sentença homologatória. Tratando-se de erro substancial cuja correcção implique actividade processual significativa, deve o juiz diferir a prolação da sentença, ouvir as partes e o administrador da insolvência sobre a matéria, e determinar, se for caso disso, a elaboração pelo último de nova lista.”[13]
5. Serve o exposto para confirmar o acerto da decisão recorrida na parte em que rejeitou o poder-dever de sindicância judicial do erro manifesto contido na lista de créditos como fundamento para pedido de retificação da sentença nos termos do art. 614º do CPC na medida em que o resultado determinado pela omissão desse dever não é passível de se reconduzir a erro material da sentença mas sim a erro de julgamento por (eventualmente) contrário ou distinto do que resultaria da consideração e valoração dos elementos disponíveis nos autos. Como tal, o tribunal que o cometeu não o pode conhecer e corrigir por impedido pelo esgotamento do seu poder jurisdicional, estando a sua correção limitada à impugnação do erro por via do recurso da sentença.
Serve igualmente para concluir que o apontado erro de escrita contido na lista de créditos – e que a sentença de verificação e graduação de créditos incorporou ou reproduziu por via da sua homologação - não configura erro material retificável nos termos do art. 614º do CPC na medida em que se analisa em erro na classificação e consequente graduação do crédito da recorrente como comum que, como tal, implicaria alteração substancial da decisão, precisamente, na ordem de pagamento dos créditos que, precisamente, a sentença em questão tem por objeto definir e regular, efeito que extravasa do âmbito do art 614º do CPC, e o que bastaria para o indeferimento da pretensão da recorrente.
Ainda que assim não fosse, trata-se de erro que não resulta da lista de créditos elaborada e junta pelo AI - na qual, sob a epígrafe “Montante dos créditos e a sua natureza”, o crédito da recorrente consta claramente incluído na coluna dos créditos comuns[14] -, nem tão pouco resulta dos demais elementos disponíveis/cognoscíveis no processo aquando da prolação da sentença que a homologou, designadamente, da certidão de ónus e encargos do único imóvel apreendido para a massa insolvente da qual, em benefício do Banco Santander Totta, constava inscrita apenas uma penhora. Com efeito, e ainda que ao caso não releve, o requerimento de reclamação de créditos que este endereçou ao AI só foi junto aos autos após a junção aos autos do mapa rateio final elaborado pelo AI. Nesta senda mais se realça que só na sequência das dúvidas que deste mapa foram suscitadas pela secretaria é que o AI comunicou aos autos que já procedeu a pagamentos a credores por recurso a parte do produto do imóvel nos termos do art. 178º do CIRE, sendo certo que os fez ao arrepio do nº 3[15] desta norma posto que não submeteu o mapa de rateio parcial a prévia sindicância judicial para os realizar se e depois de considerados justificados pelo juiz[16].
Finalmente também não fica por referir que, ao contrário do que era passível de ser conhecido ou cognoscível pelos demais interessados e, ao que interessa, pelo juiz, agindo com a devida diligência o credor que reclamou nos autos o crédito atualmente titulado pela recorrente estava em condições de, previamente à prolação da sentença reclamada conhecer, prevenir e requerer a correção do erro que agora lhe é imputado posto que em 16.06.2020 foi notificado pelo AI da lista provisória de créditos que na mesma data este remeteu aos autos (com o relatório a que alude o art. 155º), assim como na mesma data lhe foi por este comunicada a lista de créditos definitiva que remeteu a juízo, sendo que uma corresponde ao teor da outra.[17]
Com o mesmo sentido, acórdão a Relação de Coimbra de 10.03.2025 (I -  O erro ou lapso que pode ser rectificado, ao abrigo do art. 667º, nº 1, do anterior CPC – ou 614º, nº 1, do actual CPC – é apenas o erro material cuja existência pressupõe uma divergência entre a vontade real do juiz e aquilo que escreveu na sentença (o juiz escreveu coisa diversa daquela que queria escrever) e que não se confunde com o erro de julgamento (que ocorre quando o juiz disse aquilo que pretendia, mas julgou ou decidiu mal).//II – Para que o erro material possa ser rectificado, ao abrigo das normas citadas, é ainda necessário que o mesmo seja manifesto, ou seja, é necessário que ele seja apreensível externamente através do contexto da sentença ou despacho, de tal forma que possa ser percebido por outrem (e não apenas pelo juiz que os proferiu) que o juiz escreveu coisa diversa daquela que pretendia e que, como tal, o erro em causa não é um erro de julgamento.), acórdão da Relação de Évora de 30.06.2022 (V – Se, porém, nem mesmo assim tais omissões ou lapsos evidentes não forem detetados, e posteriormente corrigidos, deverá imperar a inalterabilidade do caso julgado, sob pena de, em todas as situações e a todo o tempo, serem postos em causa os princípios da certeza e segurança jurídicas.), acórdão da Relação de Lisboa de 14.09.2023 (I) Para que seja qualificado como “manifesto” – nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º do CPC – o lapso ou erro material deve ser apreensível externamente através do contexto da decisão, de tal forma que possa ser percebido por outrem (que não apenas pelo juiz que a proferiu) que o julgador escreveu coisa diversa da que pretendia, não se tratando de um erro de julgamento.//II) O objeto do lapso ou erro material – erro de escrita, erro de cálculo ou inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto (cfr. artigo 249.º do CC) - ostensivo ou manifesto não é, pois, o conteúdo do acto decisório, mas sim, a sua expressão material.), acórdão a Relação de Guimarães de 29.05.2024 (I - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, bem como uma proposta de graduação dos credores reconhecidos, que tenha por referência a previsível composição da massa insolvente.//II - Nessa hipótese, não havendo impugnações por parte dos interessados, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que o juiz se limita a homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos em atenção ao que consta dela, podendo ainda, caso concorde com a proposta de graduação elaborada pelo administrador da insolvência, homologar esta.//III - Apenas assim não deve suceder se a lista e enfermar de erro manifesto, de natureza formal ou substantiva, o que constitui um afloramento do princípio do inquisitório justificado pela necessidade de salvaguardar a par conditio creditorum.//IV - O erro, para ser manifesto, deve resultar da mera análise da lista apresentada pelo administrador da insolvência e dos elementos objectivos disponíveis nos autos.//V - Se o juiz proferir sentença de homologação da lista e da proposta de graduação de créditos só pode voltar a pronunciar-se sobre a questão para retificar erros materiais, suprir nulidades ou reformar a sentença, devendo observar o disposto, a propósito de cada uma dessas situações, nos arts. 614.º a 617.º do CPC.//VI - O erro que permite a retificação nos termos referidos é o erro na declaração que se apresente manifesto de modo que quem lê o texto percebe claramente qual o seu efetivo sentido.), acórdão da Relação de Coimbra de 28.01.2025 (1. Existirá lapso manifesto sempre que as circunstâncias sejam de molde a fazer admitir, sem sombra de dúvida, que o juiz foi vítima de erro material (v. g., erro de escrita): quis escrever uma coisa, e escreveu outra.//2. É o “erro na expressão”, não no pensamento, sendo necessário que do próprio conteúdo da sentença ou despacho, ou dos termos que o precederam, se depreenda claramente que se escreveu coisa diferente do que se queria escrever.//3. Se assim não for, a aplicação do art.º 614º do CPC é ilegal, importando evitar que, à sombra desta disposição legal, o juiz se permita emendar erro de julgamento, que é espécie diversa de erro material e deverá ser impugnado mediante interposição de recurso.), e acórdão da Relação de Lisboa de 25.03.2025 (1. Os factos a que devem atender as partes para questionarem a correção da decisão proferida quanto à verificação e graduação de créditos são os elencados na lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, sendo estes os “factos” que, quando não impugnados, serão considerados pelo juiz por ocasião da prolação de sentença.//(…)// 5. Não existe justificação para alteração da decisão de verificação e graduação de créditos quando, por ocasião da sua prolação, nenhum elemento objetivo indiciava a existência de erro, grosseiro ou manifesto, passível de reclamar a intervenção fiscalizadora do juiz ou de impulsionar o exercício do seu poder-dever de solicitar esclarecimentos necessários à tomada de decisão.).
Resta concluir em conformidade, pela improcedência do pedido de retificação/alteração da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos.
6. Retomando o antes exposto, na ausência de impugnações ou de correção oficiosa de erros manifestos, a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo AI integra e define o alcance e limites da sentença homologatória que sobre a mesma incide e, assim, do caso julgado por esta formado nos termos do art. 621º do CPC. Por outro lado, o art. 173º do CIRE faz depender a distribuição (parcial ou final) do produto da liquidação da existência de sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, o que vale por dizer que dele apenas podem constar os créditos verificados por aquela sentença, pelo valor em que o foram, e pela ordem de pagamento em que os graduou[18], o que basta para se concluir pela improcedência da pretensão da recorrente, de manutenção do mapa de rateio que o AI remeteu aos autos prevendo o pagamento do seu crédito como garantido, isto é, com preferência de pagamento sobre os créditos comuns, posto não encontrar respaldo na sentença que foi proferida nos autos, já transitada em julgado.

V – Decisão
Em conformidade com o exposto os juízes da 1ª secção acordam em julgar o recurso improcedente, com consequente manutenção da decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente (art. 527º, nº 2 do CPC).

Lisboa, 11.11.2025
Amélia Sofia Rebelo
Nuno Teixeira
Renata Linhares de Castro
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[1] A pedido do credor Caixa Geral de Depósitos.
[2] Anota-se que o único bem da massa insolvente objeto de liquidação foi vendido em 25.08.2023 pelo preço de €2.010.875,23, que foi pago à massa insolvente, e em sede de prestação de contas, apresentadas pelo AI em 02.08.2024, aquele corresponde ao (único) valor relacionado a título de receitas (portanto, sem qualquer acréscimo a título de juros bancários vencidos).
[3] Considera-se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, no sentido de considerar que a ausência de resposta ou de resposta cabal ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões não ter efeito preclusivo nos termos da referida norma sempre que, ainda assim, estas permitam apreender as questões que o recorrente pretende submeter à apreciação do tribunal superior (entre outros, acórdão do STJ de 30.11.2023).
[4] Nos autos em apenso A.
[5] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed. Revista e atualizada, pags. 684-685.
[6] Nota de rodapé (5), pag. 685-686.
[7] Correspondente ao art. 614º, nº 2 do CPC atualmente em vigor.
[8] Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, p. 629-630.
[9] CPC Anotado, GPS, vol. I, Almedina, 2ª ed., p. 761.
[10] Com interesse, acórdão da Relação do Porto de 10.01.2012 proferido no processo nº 444/11.2TBPRG-D.P1, disponível no site da dgsi
[11]   Nesse sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, ed. 2009, pg. 456; e Fátima Reis Silva, Algumas Questões Processuais no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, págs. 76-77.
[12] Corresponde esse ao entendimento que tem sido perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, desde o icónico acórdão de 25.11.2008 (proc. nº. 08A3102, disponível na página da dgsi) até aos mais recentes acórdãos , conforme trecho que se transcreve do proferido em 17.04.2018 (proc. nº 4247/11.6TBBRG-B.G1-A.S2, disponível para consulta na página ECLI): Mesmo que não haja impugnação por banda de qualquer interessado, o juiz pode e deve filtrar a menção do crédito constante da lista apresentada pelo administrador da insolvência, apreciando as suas características, procedendo à sua qualificação jurídica e aferindo se as garantias referidas pelo administrador se mostram conformes com as regras de Direito aplicável.//É este, de facto, o entendimento que predomina na doutrina e na jurisprudência e que rebate a ideia de um efeito cominatório pleno decorrente da falta de impugnação da lista apresentada pelo administrador da insolvência, impondo ao juiz, nesse caso, uma decisão meramente homologatória. Não é a inexistência de impugnações da lista que dita a inexistência de erros na sua elaboração.
[13] Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 4ª edição, 2009, p. 338.
[14] Seguido, nessa coluna, dos créditos da Autoridade Tributária no montante de €976.298,00, do Instituto da Segurança Social no montante de €21,40, e da Parvalorem no montante de €42.087,84.
[15] Estabelece que Findo o prazo referido no número anterior [prazo de 15 dias subsequente à publicação, pelo AI, do mapa de rateio parcial na área de serviços digitais dos Tribunais], o processo é concluso ao juiz que decide, no prazo de 10 dias, sobre os pagamentos que considere justificados.
[16] Dos autos sequer resulta se o AI procedeu ou não à publicação do mapa de rateio parcial que, na sequência do contacto feito pela secretaria do tribunal recorrido, veio comunicar e juntar aos autos.
[17] Circunstância/conhecimento que de forma relevante distingue factual e processualmente o caso sub iudice daquele que foi objeto de apreciação no acórdão da Relação de Évora de 07.06.2018, assim sumariado: “É admissível a correcção da sentença de verificação e graduação de créditos que tem na sua base uma omissão do administrador judicial na elaboração da lista dos créditos reconhecidos ao abrigo do disposto no artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[18] Entre outros, acórdão desta Relação e secção de 24.01.2023 (proc. nº459/09.0TYLSB-T.L1), assim sumariado: “1. O plano e mapa de rateio, quer se trate de rateios parciais, quer do rateio final (arts. 178.º e 182.º do CIRE), delimitando o pagamento aos credores, para além dos pressupostos legais a que deve obedecer (arts. 178.º e 182.º) e das condicionantes previstas nos arts. 179.º, 180.º e 181.º do CIRE, deve refletir a solução ou soluções preconizadas na sentença de verificação e graduação de créditos (artigos 136º e 140º do CIRE), constituindo, a final, a concretização/execução dessa decisão; deve, pois, respeitar a hierarquia dos créditos a satisfazer, de acordo com a graduação determinada na sentença, tendo em conta a identidade do credor e o valor do crédito respetivo, fixados nessa decisão: não pode prever o pagamento de crédito que não foi julgado verificado, nem pode prever o pagamento em montante inferior ou superior ao fixado pelo juiz (cfr. o art. 173.º do CIRE).