Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
198/23.0T8FNC-O.L1-1
Relator: ELISABETE ASSUNÇÃO
Descritores: ÓNUS DA PROVA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA INSOLVENTE
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).
1 - A factualidade inerente à prova de que está em causa um contrato com a natureza prevista no nº 11, do art.º 17º- E, do CIRE, de contrato executório essencial, é uma factualidade favorável à pretensão da autora, pois só fazendo esta essa prova, poderia, no caso, obter a procedência das suas pretensões; ou seja, é uma factualidade necessária à procedência das suas pretensões, desde logo relativamente à existência do próprio crédito.
2 - Não compete ao tribunal dar como “facto” provado que o contrato celebrado entre as partes era um contrato de execução continuada necessário à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, impondo-se sim, como o tribunal fez, concluir, face aos factos dados que provados, que assim era, conhecendo da questão em sede de apreciação de direito.
3 - A interpretação de que qualquer manifestação por parte do devedor empresa, perante um credor ou outro contratante, de que pretende a manutenção de um contrato nas condições estabelecidas no art.º 17º -E, n.º 10, do CIRE, por entender tratar-se de um contrato executório essencial para a empresa, necessitar sempre de autorização do administrador judicial provisório nomeado no PER, não colhe, impondo-se averiguar, caso a caso, a necessidade dessa autorização, face à previsão do disposto no n.º 5, do art.º 17º -E, do CIRE.
4 – Tendo sido feita pela Autora na ação, à devedora, uma declaração unilateral, após nomeação pelo juiz de administrador judicial provisório no PER, recebida por esta, declarando o contrato de locação celebrado entre ambas as partes resolvido, importa considerar que a própria lei impede, no caso, essa resolução, face ao disposto no art.º 17º -E, n.º 10, do CIRE, estando em causa um contrato executório essencial para a devedora e sendo o fundamento da resolução unicamente o não pagamento de dívidas constituídas antes do período de suspensão previsto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 17º -E, do CIRE.
5 - Essa resolução efetuada pela autora é ineficaz, permanecendo o contrato vigente e continuando a produzir todos os seus efeitos.
6 - O período de standstill previsto no art.º 17º -E, nºs 1 e 2, do CIRE, visa, desde logo, proteger a devedora relativamente às ações dos seus credores e estimular os mesmos a negociar com a devedora no PER, cooperando com esta, mas essa proteção só se justifica durante o período em que exista possibilidade de, negociando com esses mesmos credores, obter a recuperação da devedora;
7 - Concluindo a empresa, antecipadamente, que não é possível alcançar um acordo com os credores, esse período de suspensão, essa visada proteção, não deve manter-se.
8 - Tendo o administrador de insolvência denunciado o contrato de locação celebrado pela agora insolvente com a Autora da ação, as quantias vencidas, após a declaração de insolvência e até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia, constituem dívidas da massa insolvente, nos termos do art.º 51º, n.º 1, al. f), do CIRE.
9 – Constitui igualmente dívida da massa insolvente a obrigação constituída decorrente do atraso na restituição à Autora do bem locado, após a denúncia (art.º 51º, n.º 1, al. d), do CIRE).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
Em 02.08.2024, Ulma Portugal – Cofragens e Andaimes, Lda. intentou ação declarativa de condenação contra a Massa Insolvente da Sociedade Multimade, Lda., representada pelo  Administrador da Insolvência, P….
Alegou, em suma, que: (i) no exercício da atividade comercial de ambas, em 2021, a Autora e a insolvente celebraram um contrato de aluguer de material de apoio à construção, entregue na obra designada “Madeira-Funchal-Região da Madeira”; (ii) na vigência do contrato de aluguer, a locatária deixou de liquidar as correspondentes faturas mensais de aluguer emitidas pela Autora, pelo que, através de carta datada de 19.10.2022, comprovadamente recebida em 24.10.2022, esta lhe comunicou a resolução contratual; (iii) através de carta expedida em 28.10.2022, a locatária comunicou à Autora que tinha dado entrada de um PER no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Comércio do Funchal – Juiz 2, Processo n.º 5036/22.8T8FNC, e que o despacho inicial de nomeação de administrador judicial provisório tinha sido publicado em 19.10.2022; (iv) a locatária fez chegar à Autora uma declaração por si subscrita em 17.11.2022, declarando: “nos termos e para os efeitos do artigo 17.º-E, nºs 10 a 12, do CIRE que o contrato n.º 205945 celebrado com a Credora ULMA PORTUGAL - COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. é essencial para manutenção da sua atividade”; (v) por força desta comunicação e das disposições legais invocadas, o contrato de aluguer manteve-se em vigor e a Autora continuou a emitir e a enviar à locatária as correspondentes faturas mensais; (vi) o processo especial de revitalização foi encerrado sem aprovação de plano de recuperação; (vii) a locatária foi declarada insolvente, por sentença datada de 16.01.2023; (viii) não obstante ter sido notificado para o efeito, o Sr. Administrador da Insolvência não tomou posição acerca do “contrato de aluguer”, pelo que o mesmo continuou em vigor e em faturação; (ix) em sede de assembleia de credores realizada no passado dia 28 de Março de 2023, o Tribunal determinou a liquidação dos bens integrantes da massa insolvente, pelo que a Autora considerou o contrato de Aluguer cessado em 28.03.2023, estabelecendo a data de 27.03.2023 como último dia de faturação; e (x) entre 28 de Fevereiro e 2023 e 30 de Junho de 2023 venceram-se faturas no valor global de 17.319,16 €, sendo que o referido montante consubstancia uma dívida da massa insolvente. 
Pede a final que:
1. A MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE MULTIMADE, LDA. seja condenada a pagar à sociedade ULMA PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. a quantia de 17.319,16 €, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos (juros comerciais) até ao dia 02 de Agosto de 2024, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor de 10,5% desde 28.02.2023 (Aviso n.º 1672/2023, de 29/12), de 12% desde 01.07.2023 (Aviso n.º 14922/2023, de 09/08), de 12,5% desde 01.01.2024 (Aviso n.º 1850/2024, de 25/01) e de 12,25% desde 01.07.2024 (Aviso n.º 14751/2024/2, de 18/07), no valor global de 2.628,14€, bem como nos juros de mora vincendos até integral pagamento;
2. Os créditos referidos em 1. sejam qualificados como dívida da massa insolvente.
Em 24.09.2024, veio a Massa Insolvente da Sociedade Multimade, Lda., representada pelo Administrador da insolvência apresentar contestação.
Alegou, em síntese, que: (i) no âmbito do processo especial de revitalização e mesmo após a nomeação do administrador judicial provisório, a Autora e a insolvente trocaram comunicações de forma direta e sem o conhecimento do Administrador Judicial Provisório; (ii) o administrador da Insolvência só tomou conhecimento das referidas comunicações no dia 01.02.2023, depois da declaração de insolvência da insolvente, quando recebeu a comunicação da Autora; (iii) o administrador da insolvência respondeu ao email datado de 01 de Fevereiro de 2023, por email datado de 28 de Fevereiro de 2023, solicitando a identificação / marcas das vigas, dos pontais e dos cavaletes que fazem parte do contrato de aluguer, tendo em vista a “restituição dos materiais alugados”; (iv) através da referida comunicação e em resposta ao que tinha sido questionado, o administrador da insolvência confirmou a cessação do referido contrato, com a inerente restituição dos bens/equipamentos à Autora, tendo ficado apenas a aguardar as informações solicitadas quanto à sua identificação/ descrição para, posteriormente, apurar a sua localização e proceder à sua entrega; (v) a Autora só se pronunciou posteriormente, em 03.03.2023, depois de ter sido notificada do relatório elaborado pelo Administrador da Insolvência, nos termos previstos no artigo 155.º do CIRE, e ignorando a comunicação que lhe foi remetida; (vi) subsequentemente, em 14.03.2023, depois de ter sido questionado sobre a data para a devolução do material alugado, o Administrador da Insolvência informou a Autora, novamente através da sua ilustre Mandatária, que o levantamento dos bens poderia ser articulado com o Sr. A…, da Leiloeira L…, o qual colaborou nas diligências de localização e arrolamento de bens; (vii) o Sr. Administrador da Insolvência tomou posição acerca do contrato de aluguer, denunciando-o; (viii) o contrato de aluguer foi resolvido pela Autora, através de comunicação datada de 19.10.2022 e enviada no dia seguinte [20.10.2022], a qual foi recebida pela insolvente em 24.10.2022, pelo que se encontra cessado; (ix) a declaração que se encontra viciada é a que se encontra datada de 17.11.2022, alegadamente emitida pela insolvente na pendência do processo especial de revitalização, de forma direta e sem conhecimento nem autorização do Administrador Judicial, sendo, portanto, ineficaz e insuscetível de produzir quaisquer efeitos; (x) atendendo às consequências que podem advir para os credores da insolvência, numa situação em que a mesma venha a ser declarada, como sucedeu no caso concreto, gerando-se dívidas da massa insolvente, dúvidas não restam de que a “exigência de manutenção” era um acto de especial relevo e, como tal, tinha de ser previamente autorizado pelo Administrador Judicial Provisório; (xi) termos em que, não tendo a qualificação do contrato como alegadamente essencial à atividade da empresa sido precedida de autorização do administrador judicial provisório, como se impunha, deve tal declaração ser declarada como ineficaz, o que se alega e requer para os devidos e legais efeitos; (xii) em consequência, e face à ineficácia de tal declaração, importa reconhecer que a resolução do contrato de aluguer declarada pela Autora produziu os seus plenos efeitos, pelo que não são devidos quaisquer valores após essa declaração de resolução; (xiii) que caso assim não se entenda, sempre se dirá que os valores cujo pagamento é reclamado nos autos, a serem devidos (o que não se concede), não podem ser qualificados como dívida da massa insolvente, mas apenas como dívida da insolvência; (xiv) ainda que a Autora fosse titular de algum crédito sobre a massa insolvente, o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, tal crédito só inclui os valores vencidos até ao fim da suspensão, o que ocorreu com o encerramento do processo negocial, requerido em 16.12.2022; (xv) o administrador da insolvência denunciou o contrato no dia 28 de Fevereiro de 2023. 
Pede a final que a ação seja julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Foi realizada audiência prévia, na qual a autora respondeu à matéria das exceções perentórias invocadas pela ré na contestação.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 15.06.2025, foi proferida decisão nos autos, com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, o Tribunal decide julgar a presente acção declarativa comum instaurada pela sociedade ULMA PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. totalmente procedente e, por conseguinte:
1. Condenar a MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE MULTIMADE, LDA. a pagar à sociedade ULMA PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, LDA., a quantia de 17.319,16€, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos (juros comerciais) até ao dia 02 de Agosto de 2024, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor de 10,5% desde 28.02.2023 (Aviso n.º 1672/2023, de 29/12), de 12% desde 01.07.2023 (Aviso n.º 14922/2023, de 09/08), de 12,5% desde 01.01.2024 (Aviso n.º 1850/2024, de 25/01) e de 12,25% desde 01.07.2024 (Aviso n.º 14751/2024/2, de 18/07), no valor global de 2.628,14€, bem como nos juros de mora vincendos até integral pagamento; e
2. Qualificar os créditos referidos em 1. como dívidas da massa insolvente (cfr. artigo 51.º, n.º 1, alíneas d) e f), do CIRE).”
*
Inconformada com a referida decisão, veio a recorrente, em 07.07.2025, apresentar recurso, pedindo a final que seja revogada a decisão proferida, substituindo-se por outra que, julgando a ação improcedente, determine a absolvição da apelante do pedido.
Apresentou a recorrente as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a ação procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré, ora Apelante, a pagar à Apelada “a quantia de 17.319,16€, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos (juros comerciais) até ao dia 02 de Agosto de 2024, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor de 10,5% desde 28.02.2023 (Aviso n.º 1672/2023, de 29/12), de 12% desde 01.07.2023 (Aviso n.º 14922/2023, de 09/08), de 12,5% desde 01.01.2024 (Aviso n.º 1850/2024, de 25/01) e de 12,25% desde 01.07.2024 (Aviso n.º 14751/2024/2, de 18/07), no valor global de 2.628,14€, bem como nos juros de mora vincendos até integral pagamento”, créditos que qualificou como dívidas da massa insolvente (cfr. artigo 51.º, n.º 1, alíneas d) e f), do CIRE).
B. Com o devido respeito, entende a Apelante que o Tribunal a quo não andou bem na apreciação que fez do caso em análise nos presentes autos, nomeadamente no que respeita à matéria de direito.
C. A questão essencial nestes autos é a de saber se, no âmbito do PER, a Insolvente tinha, ou não, autonomia para emitir a declaração referida no ponto 11 dos factos provados – declaração que considera o contrato de aluguer de material de apoio à construção celebrado com a Apelada, em 26 de agosto de 2021, um contrato essencial para a manutenção da sua atividade – sem conhecimento nem prévia autorização do Sr. Administrador Judicial Provisório, nos termos do art.º 17.º, n.º 5 do CIRE.
D. Com todo o respeito, que é muito, entende a Apelante que o entendimento do Tribunal a quo não pode proceder e que aquele Tribunal não fez uma correta apreciação da matéria de direito em questão, conjugada com a matéria de facto considerada provada.
E. Embora o Tribunal a quo tenha considerado o contrato em causa como essencial para o exercício corrente da atividade da empresa e enquadrável no disposto no art.º 17.º-E n.º 11 do CIRE, a verdade é que, por um lado, tal conclusão, quanto à essencialidade do contrato, não resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, e, por outro, a referida essencialidade também não resulta, de forma automática, do facto de o contrato ter sido celebrado em data anterior à do início do PER e de se encontrar em vigor à data em que a declaração foi emitida.
F. Aparentemente, não terá sido vontade do legislador convergir a alusão ao preço dos "bens e serviços essenciais à atividade da empresa" (pelo menos, plenamente) com a noção de contratos executórios essenciais, “pois no n.º 11 do artigo 17.º-E do CIRE (imediatamente anterior ao preceito em análise e introduzido no CIRE através do mesmo ato legislativo) ofereceu-se a definição de "contratos executórios essenciais", não se utilizando tal definição no n.º 12.
A distinção parece pretender incentivar a prestação destes bens ou serviços essenciais, independentemente de esses bens e serviços serem enquadrados em contrato anterior, com as obrigações cumpridas (ou não) por alguma das partes.” (cf. artigo de Pedro Caetano Nunes, Rita Folhadela e Manuel Sequeira, “Pre-Packs e contratos executórios”, in VI Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação Catarina Serra, Almedina, 2024, pg. 535 a 537).
G. Com o devido respeito, o facto de o contrato em causa ter sido celebrado em
momento anterior ao PER, não permite concluir, sem mais, pela sua  essencialidade para o exercício corrente da atividade da empresa.
H. O n.º 11 do art.º 17.º-E do CIRE prevê um critério para definir a "essencialidade" de um contrato executório ("[os] necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa"), seguida de uma curta enunciação exemplificativa ("incluindo quaisquer contratos de fornecimento cuja suspensão levaria à paralisação das atividades do devedor"), o que pressupõe uma análise casuística, que obriga a que a qualificação como contrato executório essencial tenha de ser fundamentada, não bastando uma simples declaração nesse sentido.
I. No caso, a Insolvente limitou-se a declarar que o contrato celebrado com a Apelada era essencial para a manutenção da sua atividade, sem que apresentasse qualquer facto / justificação adequada que sustentasse essa essencialidade, pelo que mal andou o Tribunal a quo quando concluiu, sem mais, que o contrato celebrado com a Apelada era essencial para o exercício corrente da atividade da empresa, facto que nem sequer ficou provado.
J. Apesar do depoimento da testemunha A…, que declarou que a manutenção do contrato seria importante para manter a empresa em atividade, a verdade é que, pelas consequências que acarreta, tal análise não poderá ser efetuada somente pelo legal representante / gerente único da empresa que tem um interesse próprio nesta qualificação.
K. Prevê o art.º 17.º-E n.º 5 do CIRE que “Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos do n.º 5 do artigo 17.º-C, a empresa fica impedida de praticar atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização do administrador judicial provisório para a realização da operação pretendida.”
L. Para a qualificação de um ato como de especial relevo releva o artigo 161.º n.º 2, do CIRE, de acordo com o qual, nessa qualificação, é necessário atender-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa.”
M. O regime do artigo 161.º do CIRE encontra-se previsto para os processos de insolvência e, sendo aplicável aos processos especiais de revitalização, por força da remissão prevista no artigo 17.º-E, n.º 6, do CIRE, é necessário fazer uma interpretação da norma, ajustada ao processo especial de revitalização, pelo que, para se qualificar um ato como de especial relevo no âmbito deste processo, deve atender-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação do próprio processo, à influência que esse ato possa ter num eventual plano de recuperação a apresentar pela Devedora, assim como às implicações que esse ato possa vir a ter no futuro da Devedora e na satisfação dos credores da insolvência, caso não seja aprovado um plano e a empresa seja posteriormente considerada insolvente.
N. Estando a regra geral ínsita no n.º 2 do artigo 161.º do CIRE, com as adaptações que devem ser feitas ao processo especial de revitalização, o n.º 3 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, alguns atos que constituem especial relevo, os quais devem ser sujeitos a adaptação no caso do processo especial de revitalização: a alínea a), que trata da venda da empresa ou da totalidade das existências, parece não ser aplicável mas, uma das adaptações do regime dos atos de especial relevo ao processo especial de revitalização é a qualificação de um contrato como contrato executório essencial ou, pelo menos, a determinação quanto à essencialidade e manutenção de determinado serviço / contrato para a prossecução da atividade da empresa, a qual deve ser sujeita à prévia autorização do Administrador Judicial Provisório, cabendo à Devedora pedir essa autorização que, quando emitida, deve ser devidamente fundamentada, concretamente sobre as razões que levam à qualificação do contrato nos termos solicitados.
O. Se assim não fosse e se se considerasse um ato de gestão corrente a praticar pela Devedora, no limite, a Devedora poderia considerar todos os contratos celebrados pela empresa, que se encontrassem em vigor, como essenciais para a exercício corrente da sua atividade, beneficiando os titulares desses contratos de um crédito sobre a massa insolvente, em caso de não aprovação de um plano de recuperação e de posterior declaração de insolvência, com o impacto que isso teria nos restantes credores do processo de insolvência, incluindo os trabalhadores e os credores públicos.
P. No caso, a declaração da Devedora, subscrita em 17 de novembro de 2022, teve por base, apenas, as declarações do seu legal representante, sendo que, um mês depois, a própria Devedora reconheceu não estarem reunidas as condições para apresentação de um plano que permitisse a sua recuperação, tendo solicitado o encerramento do processo negocial e a prossecução do processo tendo em vista a declaração da sua insolvência,
Q. É evidente e notório que, na data em que a declaração foi emitida, nenhuma perspetiva de recuperação existia e se a mesma existisse, o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, seria irreal, fictícia, resultante de um desejo/uma pretensão injustificada da empresa e do seu sócio-gerente, mas sem correspondência com a realidade.
R. O depoimento da testemunha A…, prestado em 23.01.2025, é, por si, elucidativo da situação de insolvência da empresa à data em que a declaração em causa foi emitida, sem perspetivas da sua real e séria recuperação [cf. transcrição integrante da motivação das alegações].
S. Os esclarecimentos do Tribunal a quo [cf. transcrição igualmente integrante da motivação das alegações] são igualmente essenciais e demonstrativos de que, à data em que a declaração foi emitida não havia qualquer possibilidade de “sucesso” do PER, sendo evidente a situação de insolvência da empresa, que era do pleno conhecimento do gerente único da empresa, a qual ficou com a sua atividade bloqueada.
T. Neste contexto, a declaração sobre a essencialidade do contrato celebrado com a Apelada, para a continuação do exercício da atividade da Devedora, sendo um ato de especial relevo, para efeitos do disposto nos artigos 17º-E, nº 5 e 161º, nºs 1, 2 e 3 do CIRE, deveria ter sido precedida da autorização do Administrador Judicial Provisório.
U. Não o tendo sido, a declaração em causa deve ser considerada ineficaz, não tendo o ato em causa produzido quaisquer efeitos, pelo que os créditos dele resultantes não podem ser considerados como dívida da massa insolvente, em insolvência posteriormente declarada.
V. Assim, deve o Tribunal considerar ineficaz a declaração emitida pela Insolvente em 17 de novembro de 2022 e, em consequência, considerar que aos valores reclamados pela Apelante não se aplica o regime previsto no artigo 17.º-E, n.º 12, do CIRE,
W. Devendo, ainda, considerar-se válida e eficaz a resolução do contrato, nos termos comunicados pela Apelada, através de comunicação datada de 19.10.2022 e recebida pela Insolvente em 24.10.2022, data a partir da qual não são devidos quaisquer valores à Apelada.
X. Se assim não se entender, o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, importa também referir que o regime do artigo 17.º-E, n.º 12 do CIRE, nas situações em que é aplicável, o que não sucede no caso concreto, apenas o é durante o período de suspensão das medidas de execução (cf. n.º 10 do mesmo artigo), o qual termina quando terminarem as negociações ou quando estas forem interrompidas, do que decorre que, se a Apelada fosse titular de algum crédito sobre a massa insolvente, o mesmo só incluiria os valores vencidos até ao fim da suspensão, o que ocorreu com o encerramento do processo negocial, requerido em 16.12.2022 (cf. facto provado 12), sendo o remanescente qualificado como dívida da insolvência.
Sem prescindir,
Y. Conforme resulta da sentença recorrida, o Sr. Administrador Judicial Provisório denunciou o contrato de aluguer, de forma tácita, no dia 28 de fevereiro de 2023, depois de ter tomado conhecimento do mesmo e das comunicações trocadas diretamente entre a Insolvente e a Apelada, sem o seu conhecimento nem autorização.
Z. À semelhança da resolução, a denúncia constitui um outro modo de cessação de vínculos obrigacionais, sendo também unilateral, potestativa e recetícia e não tem eficácia retroativa, pelo que, se se entender que, à data da declaração da insolvência, o contrato de aluguer ainda estava em vigor, o que apenas se admite sem conceder, a existir alguma dívida da massa insolvente para com a Apelada, o que não se concede, sempre teria a mesma que ser limitada ao período que decorreu entre a data da declaração da insolvência e a data em que a denúncia se tornou eficaz,
AA. Do que resulta que, pelo menos no período anterior à declaração da insolvência e posterior à denúncia do contrato de aluguer, não tem a Apelada qualquer crédito sobre a massa insolvente.
BB. Assim, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se, em consequência, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e substituindo-a por outra que, julgando a ação improcedente, determine a absolvição da Apelante do pedido.
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Foram apresentadas contra-alegações pela Autora, em 30.07.2025, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo a sentença proferida e que, caso assim não se entenda, requer a ampliação do recurso ao abrigo do disposto no art.º 636º, n.º 1, do CPC, nos termos referidos nos nºs 21 a 31 das contra-alegações, julgando-se que o contrato de aluguer nunca foi denunciado validamente pelo Administrador da Insolvência com as legais consequências e condenação nos termos peticionados.
Apresentou conclusões nos seguintes termos:
1ª Ao contrário do que pretende a Recorrente, na douta Sentença recorrida o Tribunal a quo procedeu a uma completa e correta análise dos autos, tendo decidido e fundamentado adequadamente todas as questões de facto e de direito que se lhe colocaram, inexistindo quaisquer vícios que lhe possam ser assacados.
2ª Em sede de recurso de apelação, a Recorrente vem suscitar uma questão inteiramente nova que não levantou anteriormente nos autos: defende que, para ser legítimo o Tribunal julgar válida a declaração da então Revitalizanda Multimade de 17.11.2022 (em que comunica que o contrato de aluguer com a Autora é essencial para a sua atividade), seria necessário que estivesse provado nos autos que o contrato de aluguer em questão era de facto essencial para a atividade da Devedora (não bastando que a própria Devedora o tenha comunicado à Autora).
3ª Conforme entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, há muito consolidado, não podem ser apreciadas em sede de recurso questões, pois os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes invocadas, discutidas e decididas no processo, e que antes hajam sido submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido e não a criar soluções sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
4ª Ao advogar em sede de recurso que nos presentes autos devia ter sido provado que o contrato de aluguer era de facto essencial para a atividade da Devedora, a Recorrente incorre em erro na aplicação das regras do ónus da prova previstas no art. 342º do CC (era seu o ónus da prova e a alegação dos correspondentes factos impeditivos, o que a Recorrente não fez).
5ª Ainda que assim não fosse, o que por mera hipótese se pondera, a essencialidade do contrato de aluguer resulta de vários segmentos do processo, desde logo da própria declaração subscrita pelo gerente da empresa (o que por si só já é suficiente) e cuja veracidade/conteúdo, não só não foi impugnada/excecionada pela Ré, como foi por aquele confirmada em sede de julgamento com a caracterização do real interesse e indispensabilidade para a Devedora da manutenção do contrato e aluguer em causa.
6ª A Sentença Recorrida julgou corretamente ao considerar que a qualificação pela Multimade do contrato de aluguer como um contrato essencial para a atividade da empresa não carecia de autorização/concordância prévia do Administrador Judicial Provisório e, consequentemente, que essa mesma declaração é eficaz para efeitos de enquadramento no regime previsto no art.17º-E, nº 12, do CIRE.
7ª O comportamento da Recorrente, pretendendo a invalidade/ineficácia da declaração de essencialidade emitida pela própria devedora/Insolvente, envolve um evidente abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium, isto é, a conduta de uma parte que exerce um direito em contradição com uma sua conduta anterior, em que, fundadamente, a outra parte tenha confiado (art. 334º do Código Civil).
8ª A douta Sentença Recorrida julgou corretamente ao determinar que o período de suspensão das medidas de execução (art. 17-E, nº 1, do CIRE) terminou na data em que foi proferido o Despacho que declarou o encerramento do PER sem a aprovação do plano (16.01.2023), não sendo para o efeito relevante a data em que foi declarado encerrado o processo negocial.
9ª O Tribunal a quo julgou corretamente ao considerar que, apesar de a Autora ter de facto pretendido resolver o Contrato de Aluguer através da carta de 19.02.2022, tal resolução nunca operou em virtude de a então Revitalizanda Multimade ter declarado, nos termos e para os efeitos do art. 17º-E, nºs 10 a 12, do CIRE, que o contrato em questão era essencial para a sua atividade. Assim, o contrato de aluguer continuou em vigor sob a cominação, entretanto concretizada, de que as respetivas faturas são consideradas dívida da massa insolvente no presente processo de insolvência.
10ª O segmento recursivo a que correspondem as Conclusões Y a BB das alegações de recurso é ininteligível e, como tal, não deve ser apreciado pelo Tribunal ad quem.
11ª No presente recurso a Recorrente não impugna a parte decisória da Sentença recorrida que aplica o regime da locação como fundamento para a condenação no pagamento da última fatura (arts. 1038º, alínea a., e 1045º, nº 1, do CC: findo o contrato de aluguer, a Ré incumpriu o seu dever de restituição da coisa locada pelo que se encontra obrigada, a título de indemnização, a pagar o aluguer estipulado até ao momento da restituição), pelo que a mesma transitou em julgado, sendo insuscetível de revisão.
12ª A título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação em virtude de uma hipotética procedência do presente recurso (o que por mera cautela se pondera sem conceder), a Recorrida requer a este Venerando Tribunal da Relação que conheça do seguinte fundamento em que, apesar de vencedora, decaiu: o Tribunal a quo entendeu que o email do Administrador da Insolvência de 28.02.2023 [Facto Provado 18/Doc. 3 da Contestação] consubstancia uma denúncia tácita, válida e eficaz, do contrato de aluguer, que determinou a respetiva cessação nessa data.
13ª Caso seja necessário, o Tribunal da Relação deve apreciar este fundamento e decidir, em substituição, que o contrato de aluguer nunca foi denunciado validamente pelo Administrador da Insolvência nos termos e para os efeitos do art. 108º do CIRE, pelo que continuou em vigor até à cessação da atividade da Insolvente fixada judicialmente em 28.03.2023, sendo devidos todos os alugueres reclamados pela Autora e qualificáveis como dívida da massa insolvente.
14ª Face à factualidade patente nos autos, à proibição de resolução contratual estabelecida no art.17º-E, nº 10, do CIRE e à falta de denúncia contratual do Administrador da Insolvência, a Recorrida viu-se forçada a subsidiar a atividade da Devedora Multimade, com a inevitável consequência de que se deve manter a condenação da Ré a pagar à Autora, a título de dívida da massa insolvente, o preço dos bens essenciais à atividade da empresa alugados durante o período considerado, que não foram objeto de pagamento (nº 12 da mesma norma).
*
A recorrente apresentou resposta, em 19.08.2025, à matéria da ampliação, concluindo nos seguintes termos:
A. O Sr. Administrador da Insolvência compreendeu o alcance da comunicação da Recorrida, de 01 de fevereiro de 2023, tendo-se manifestado e adotado todos os procedimentos inerentes à cessação do contrato.
B. Do e-mail de 28 de fevereiro de 2023, pelo qual o Sr. Administrador da Insolvência, através da sua colaboradora C…, solicitou “com vista à restituição dos materiais alugados”, “o envio da identificação / marcas das vigas, dos pontais e dos cavaletes que fazem parte do contrato de aluguer”, decorre, de forma tácita, a vontade do Sr. Administrador da Insolvência de colocar termo ao contrato.
C. A Recorrida compreendeu e interpretou corretamente a vontade do Sr. Administrador da Insolvência, de colocar termo ao contrato, praticando atos concludentes com tal declaração, procedendo, nomeadamente, ao envio da listagem com os bens a devolver e tendo questionado o Sr. Administrador da Insolvência sobre a data da devolução do material.
D. A denúncia constitui um modo de cessação de vínculos obrigacionais, sendo unilateral, potestativa, recetícia, sem eficácia retroativa e, nos termos do art.º 217.º do CC, pode ser expressa ou tácita, não constando do art.º 108.º do CIRE qualquer exigência quanto à alegada forma expressa da declaração, para efeitos da sua validade e eficácia.
E. Conforme tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência, “a declaração tácita resulta de um comportamento concludente – aquele que, consideradas todas as circunstâncias, não deixa fundamento razoável para dúvidas” ou, conforme se considerou no acórdão do STJ de 06.05.98 (in BMJ, 477 – 414) “quando da prática de certos factos inequívocos se possa inferir que, conforme os usos da vida, foram praticados, com toda a probabilidade, com dado significado negocial.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.2019, processo 28/14.3TBOHP.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt)
F. No caso, é manifesta e inequívoca, a um qualquer declaratário médio, a denúncia tácita do contrato pelo Sr. Administrador da Insolvência e respetiva compreensão e aceitação por parte da Recorrida, que adotou os comportamentos concludentes com a correspondente declaração.
G. Termos em que, deverá manter-se a decisão do Tribunal a quo quanto a esta questão, e o entendimento de que o Sr. Administrador da Insolvência denunciou o contrato de aluguer, de forma tácita, no dia 28 de fevereiro de 2023, sendo, em consequência, julgado improcedente o pedido de ampliação do objeto do recurso.
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Em 16.10.2025, foi proferido nos autos despacho de admissão do presente recurso, de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
                                                                      
2. Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2, al. b), todos do CPC, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3, do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
1 - Questão prévia da consideração do articulado de resposta à resposta à matéria da ampliação apresentado pela recorrida.
2 - Saber se a recorrida é titular de um crédito sobre a recorrente no valor de 19.947,30 €, sendo 17.319,16 € de capital e 2.628,24 € de juros vencidos até 02.08.2024 e juros vincendos até integral pagamento;
3 - Saber se o referido crédito, a existir, constitui, na sua integralidade, dívida da massa insolvente.
                                                                      
3. Fundamentos de facto
Os constantes do Relatório, que se dão por integralmente reproduzidos, impondo-se ainda ter em consideração os factos dados como provados na sentença objeto de recurso, nos seguintes termos, corrigindo-se o facto 26º, nas remissões feitas para os artigos anteriores, face à constatação da existência de um manifesto lapso material nas menções feitas neste artigo:
1. A sociedade ULMA PORTUGAL – COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. foi constituída no dia 09 de Dezembro de 1981, tendo como objecto social o “comércio e montagem de estruturas metálicas e equipamento de apoio à construção civil, nomeadamente cofragens e andaimes.”;
2. A sociedade MULTIMADE, LDA. foi constituída no dia 17 de Agosto de 2010, tendo como objecto social “a construção civil e obras públicas; projectos de engenharia e arquitectura; gestão, planeamento e fiscalização de obras públicas e particulares de construção civil; consultoria de engenharia, arquitectura, design e decoração de interiores; coordenação de segurança e saúde em obra; serviços de transportes de mercadorias; certificação energética de edifícios; auditorias acústicas de edifícios; promoção imobiliária; arrendamento de bens imóveis; compra e venda de imóveis; avaliações imobiliárias; comércio e representação de marcas e revenda; criação e manutenção de jardins e espaços verdes; agricultura e serviços relacionados”.
3. No dia 26 de Agosto de 2021, entre a sociedade MULTIMADE, LDA. e a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. foi celebrado um acordo designado por “CONTRATO DE ALUGUER” de material de apoio à construção, entregue na obra designada “MADEIRA-FUNCHAL – REGIÃO DA MADEIRA”;
4. Da CLÁUSULA 4.ª do CONTRATO DE ALUGUER consta: “Prazo de pagamento: Pagamento a 90 dias após data de emissão da factura, através de confirming”.
5. Por requerimento datado de 30 de Setembro de 2022, veio a sociedade MULTIMADE, LDA. desencadear um processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.º 5036/22.8T8FNC, no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo de Comércio do Funchal;
6. Na vigência do CONTRATO DE ALUGUER, a sociedade MULTIMADE, LDA. deixou de pagar as facturas que se venceram entre 30 de Novembro de 2021 e 30 de Setembro de 2022, conforme infra:

7. Por despacho datado de 18 de Outubro de 2022, o Tribunal decidiu nomear como Administrador Judicial Provisório, o Sr. Dr. PEDRO MIGUEL CANCELA PIDWELL SILVA, no âmbito do processo especial de revitalização n.º 5036/22.8T8FNC;
8. Por carta datada de 19 de Outubro de 2022, e recepcionada no dia 24 de Outubro de 2022, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. comunicou à sociedade MULTIMADE, LDA. que “se considera resolvido o contrato de aluguer n.º 205945 respeitante ao aluguer de material de construção, por se verificar a mora no pagamento de diversas facturas emitidas no âmbito do mesmo, no valor total de 30.092,05€ (…).
A presente resolução pressupõe a cessação imediata de todos os efeitos do presente contrato e opera com a recepção desta notificação, pelo que deverão V. Exas. Proceder à restituição imediata de todo o material alugado que têm na vossa posse e que consta da listagem em anexo (…). Informamos que o incumprimento da obrigação de restituição da coisa locada findo o contrato, implica a constituição do locatário em mora e a consequente obrigação de pagamento de uma indemnização no valor dos alugueres estipulados elevados ao dobro até à integral restituição do material alugado (art. 1045.º do Código Civil)”;
9. Através de carta expedida em 28 de Outubro de 2022, a sociedade MULTIMADE, LDA. comunicou à sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. o seguinte:
“(…)

(…)
10. Por carta datada 11 de Novembro de 2022 e recepcionada no dia 17 de Novembro de 2023, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. comunicou à sociedade MULTIMADE, LDA. o seguinte:
“i. Por carta datada de 19.10.2022 e comprovadamente recebida em 24.10.2019 (em anexo), a nossa Constituinte comunicou-vos a resolução do contrato de aluguer n.º 205945, por falta de pagamento das respectivas facturas.
ii. Nessa mesma carta e sob as cominações legais e contratuais aplicáveis, foi solicitada a devolução imediata do material alugado, propriedade da Ulma, em concreto o constante da listagem anexa à carta no valor de € 83.588,60.
iii. Posteriormente a Multimade enviou à Ulma uma carta registada em que dava conhecimento da existência do Processo Especial de Revitalização, mas nada referiu sobre a devolução do referido material;
iv. Uma vez que, de acordo com o art 17º-E, n.ºs 10 e 11, do CIRE, os credores não podem resolver unilateralmente os contratos de fornecimento de bens essenciais ao funcionamento da empresa, vimos notificar-vos para que, no prazo de 5 dias, nos comuniquem se o contrato de aluguer em questão é, ou não, um contrato necessário à continuação do exercício corrente da atividade da empresa e cuja suspensão levaria à sua paralisação. A resposta poderá ser feita para o email da signatária desta carta p...@....pt.
v. A falta de uma resposta no prazo indicado será entendida no sentido de que o contrato em causa não é essencial, operando assim em definitivo a resolução do mesmo.
(…)”;
11. Em resposta a esta interpelação, a sociedade MULTIMADE, LDA. fez chegar à sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. uma declaração por si subscrita em 17 de Novembro de 2022 com o seguinte teor;
“MULTIMADE, LDA., contribuinte n.º 509525385, neste acto representada por gerente com poderes para o acto, actualmente Devedora no processo especial de revitalização n.º 5036/22.8T8FNC, a correr termos no Juízo de Comércio do Funchal – Juiz 2, declara nos termos e para os efeitos do artigo 17.º-E, n.os 10 a 12 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que o contrato n.º 205945 celebrado com a Credora ULMA PORTUGAL - COFRAGENS E ANDAIMES, LDA., contribuinte n.º 501246274, é essencial para a manutenção da sua actividade.”;
12. Por despacho datado de 16 de Dezembro de 2022 e proferido no âmbito do processo n.º 5036/22.8T8FNC, o Tribunal ordenou a imediata publicação da comunicação de encerramento do processo negocial no portal Citius, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1, in fine, do CIRE;
13. Por parecer datado de 29 de Dezembro de 2022 e junto ao processo n.º 5036/22.8T8FNC, veio o Sr. Administrador Judicial Provisório requerer que fosse declarada a insolvência da sociedade MULTIMADE, LDA.;
14. Atenta a não oposição da sociedade MULTIMADE, LDA., o Tribunal, por despacho datado de 16 de Janeiro de 2023, e proferido no âmbito do processo n.º 198/23.0T8FNC-A, declarou o referido processo especial de revitalização encerrado sem aprovação de plano de recuperação, nos termos do artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b), do CIRE;
15. Por sentença datada de 16 de Janeiro de 2023 e proferida no âmbito do processo n.º 198/23.0T8FNC, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo de Comércio do Funchal – Juiz 2, o Tribunal decidiu declarar o estado de insolvência da sociedade MULTIMADE, LDA.;
16. Por email datado de 01 de Fevereiro de 2023, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. enviou ao Sr. Administrador da Insolvência uma comunicação em que lhe dava a conhecer formalmente a existência do CONTRATO DE ALUGUER, informando o seguinte: “Relativamente ao assunto acima identificado, venho informá-lo que hoje lhe dirigi via CITIUS a comunicação e documentos em anexo que dizem respeito ao contrato de locação em vigor entre a nossa Constituinte Ulma Portugal (credora) e a insolvente.
Fico a aguardar uma resposta da sua parte relativamente a este contrato que se encontra a facturar mensalmente na sequência da comunicação da insolvente de que se trata de um contrato essencial para a sua actividade.
(…).”;
17. O Sr. Administrador da Insolvência interpretou a comunicação referida em 16. no sentido de a Autora solicitar ao Administrador da Insolvência que este lhe comunicasse se pretendia fazer cessar o contrato de aluguer celebrado com a Autora em 26 de Agosto de 2021 e, em caso afirmativo, que procedesse à devolução do material listado;
18. No dia 28 de Fevereiro de 2023, o Sr. Administrador da Insolvência, através da sua colaboradora C…, enviou um e-mail à Ilustre Mandatária da sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA., solicitando “com vista à restituição dos materiais alugados”, “o envio da identificação / marcas das vigas, dos pontais e dos cavaletes que fazem parte do contrato de aluguer”;
19. No dia 06 de Março de 2023, o Sr. Administrador da Insolvência, através da sua colaboradora C…, enviou um e-mail à Ilustre Mandatária da sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA., solicitando “o envio da identificação/marcas das vigas, dos pontais e dos cavaletes que fazem parte do contrato de aluguer, conforme comunicação electrónica remeda no dia 28-02-2023 (…)”;
20. No dia 06 de Março de 2023, a Ilustre Advogada da sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. enviou um e-mail ao Sr. Administrador da Insolvência, na pessoa da sua colaboradora C…, declarando o seguinte:
“(…).
Em resposta ao seu email, vimos informar que o equipamento em regime de aluguer a devolver à nossa Constituinte Ulma Portugal (conforme listagem em anexo já remetida a V. Exas), tem a descrição constante do PDF em anexo.
Mais informamos que os cavaletes e os pontais são de fabrico e marca Ulma, e as vigas são de marca Kaufmann ou Lana.
Para combinar a identificação e recolha dos equipamentos, poderão contactar a Dra. A, Diretora Financeira e de Logística da Ulma (…).”;
21. Por email datado de 14 de Março de 2023, depois de ter sido questionado sobre a data para a devolução do material alugado, o Sr. Administrador da Insolvência informou a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. através da sua ilustre Mandatária, que o levantamento dos bens poderia ser articulado com o Sr. A…, da leiloeira L…, o qual colaborou nas diligências de localização e arrolamento de bens;
22. Em sede de assembleia de credores realizada no dia 28 de Março de 2023, o Tribunal decidiu determinar (i) o prosseguimento dos autos para a liquidação dos bens integrantes da massa insolvente e (ii) o encerramento da actividade do estabelecimento comercial da insolvente;
23. Através de email datado de 18 de Abril de 2023, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS ANDAIMES, LDA., através dos seus advogados, interpelou o Sr. Administrador da Insolvência “(…) no sentido de obter o pagamento da dívida da massa insolvente (…) no montante total de 17.319,16€, (...) e que a seguir se discriminem:


24. Em virtude da comunicação datada de 17 de Novembro de 2022, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. continuou a emitir e a enviar à ora insolvente as correspondentes facturas (cfr. artigo 10.º da PI);
25. Em virtude do despacho proferido em sede de assembleia de credores realizada no dia 28 de Março de 2023, a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. considerou o CONTRATO DE ALUGUER cessado em 28 de Março de 2023, estabelecendo a data de 27 de Março 2023 como último dia de facturação;
26. As comunicações datadas (i) de 19 de Outubro de 2022 (cfr. FACTO 8.), (ii) 11 de Novembro de 2022 (cfr. FACTO 10.) e (iii) 17 de Novembro de 2022 (cfr. FACTO 11.) foram trocadas na pendência do processo especial de revitalização, directamente entre a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. e a sociedade MULTIMADE, LDA., sem o conhecimento e sem o parecer ou autorização prévia do então Administrador Judicial Provisório;
27. O Sr. Administrador da Insolvência só tomou conhecimento das referidas comunicações no dia 01 de Fevereiro de 2023, quando recebeu a comunicação da Autora;
28. Parte dos bens objecto do CONTRATO DE ALUGUER foram apreendidos no âmbito do processo de inquérito n.º 2799/22.4PBFUN, que correu termos no DIAP do Funchal, 3.ª secção;
29. Os bens objecto do CONTRATO DE ALUGUER foram restituídos à Autora em finais de 2023.
O tribunal deu como não provados os seguintes factos:
A) O Sr. Administrador da Insolvência não respondeu ao email datado de 01 de Fevereiro de 2023, nem tomou posição acerca do CONTRATO DE ALUGUER;
B) Através do email datado de 28 de Fevereiro de 2023, era intenção do Sr. Administrador da Insolvência confirmar a cessação do CONTRATO DE ALUGUER, com a inerente restituição dos bens/equipamentos à Autora, tendo ficado apenas a aguardar as informações solicitadas quanto à sua identificação/descrição para, posteriormente, apurar a sua localização e proceder à sua entrega;
C) A sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. não respondeu ao solicitado no email datado de 28 de Fevereiro de 2023.

4. Apreciação do mérito do recurso
i) Questão prévia de admissibilidade de articulado de resposta à resposta à
matéria da ampliação apresentado pela recorrida.
Apresentou a recorrente um articulado de resposta à matéria da ampliação do recurso.
Dispõe o art.º 637º, nºs 1 e 2, do CPC, no que ora nos interessa, que os recursos se interpõem por meio de requerimento e que esse mesmo requerimento contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento especifico da recorribilidade.
Nos termos do art.º 638º, n.º 5, do mesmo diploma legal, em prazo idêntico ao da interposição pode o recorrido responder à alegação do recorrente.
Sendo requerida pelo recorrido a ampliação do objeto do recurso, nos termos do art.º 636º, pode o recorrente responder à matéria da ampliação nos 15 dias posteriores à notificação do requerimento (n.º 8, do art.º 638º).
Findo os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, ordenando, no que ora nos interessa, a subida do recurso, nos termos do art.º 641º, n.º 1, do citado diploma legal.
Não prevê o Código de Processo Civil, neste caso, a existência de qualquer articulado de resposta, à resposta permitida à matéria de ampliação.
Assim sendo, o articulado de resposta apresentado pela recorrida é claramente inadmissível, não podendo a recorrida, a coberto dos princípios do contraditório ou da igualdade das partes, apresentar resposta não admissível processualmente. Não pode assim o mesmo ser considerado por este tribunal na apreciação do recurso a fazer.
Pelo exposto, porque processualmente inadmissível, não se considerará o articulado de resposta apresentado pela recorrida à resposta à matéria da ampliação.
II)
Em apreciação no presente recurso está um contrato celebrado entre a agora insolvente e a ora recorrida, contrato denominado “Contrato de aluguer” de material de apoio à construção, entregue na obra designada “Madeira-Funchal – Região da Madeira” (facto 3 provado).
Não põem as partes em causa a existência do referido contrato nem os termos do mesmo.
O que está em apreciação são os valores devidos pelas retribuições inerentes ao proporcionar do gozo temporário da coisa por outrem, e um valor de indemnização, no entender do tribunal recorrido (em parte da sentença que não foi objeto de impugnação pela recorrente quanto a esta natureza da obrigação) correspondentes a seis faturas respeitantes aos períodos de 19.10.2022 até 27.03.2023 e se esses valores, a serem devidos, são dívidas da massa insolvente.
Importa, em primeiro lugar, analisar a questão da essencialidade do contrato em apreço e a declaração emitida pela devedora relativamente à consideração dessa natureza do contrato em apreço (facto 11).
Dispõe o art.º 17º - E, nos seus nºs 10, 11 e 12, do CIRE, respetivamente, que:
“10 - A partir da decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º -C e durante o período de suspensão das medidas de execução a que se referem os n.os 1 e 2, os credores não podem recusar cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente contratos executórios essenciais em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas.
11 - Entende-se por contratos executórios essenciais os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, incluindo quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços cuja suspensão levaria à paralisação da atividade da empresa.
12 - O preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante o período referido no n.º 10 que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, que venha a ser decretada nos dois anos posteriores ao termo do período de suspensão previsto nos n.os 1 e 2, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, quanto aos serviços públicos essenciais.”
Resultam assim do referido normativo legal, na parte citada, dois efeitos essenciais com relevância para os presentes autos,
- a partir da decisão de nomeação do administrador provisório no PER e durante o período de suspensão previsto no mesmo normativo nos seus nºs 1 e 2 (quatro meses, prorrogável por um), os credores não podem recusar cumprir, resolver, antecipar, ou alterar unilateralmente contratos executórios essenciais em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas;
- O preço dos bens ou serviços considerados essenciais à atividade da empresa, prestados durante o período referido no n.º 10 (durante o período da suspensão) que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência dessa mesma empresa que venha a ser decretada, como no caso dos autos, nos dois anos posteriores ao termo do período de suspensão.
O legislador dá-nos uma definição do que são esses contratos executórios essenciais no n.º 11 do preceito.
Discorda a recorrente que o contrato em apreço nos autos seja um contrato essencial para o exercício corrente da atividade da empresa e enquadrável no disposto no art.º 17º -E, n.º 11, do CIRE.
Refere a recorrida que se trata esta de uma questão nova, que não foi suscitada anteriormente pela recorrente, limitando-se a excecionar na ação que essa declaração era ineficaz por não submetida à autorização do administrador da insolvência.
Compulsada a contestação, constata-se que a ora recorrente, quanto a esta matéria, “limita-se” a impugnar o alegado no art.º 9º da petição inicial, respeitante à declaração emitida pela sociedade.
Na sentença proferida o tribunal a quo refere, quanto a esta matéria, que:
“In casu, conforme já foi oportunamente referido, no dia 26 de Agosto de 2021, entre a sociedade MULTIMADE, LDA. e a sociedade ULMA PORTUGAL, COFRAGENS E ANDAIMES, LDA. foi celebrado um acordo mediante o qual a Autora se obrigou a proporcionar à insolvente o gozo temporário de “material de apoio à construção”, mediante o pagamento de uma retribuição (cfr. FACTO 3.).
A Autora cumpriu com as suas obrigações contratuais, pois a mesma entregou os materiais de apoio à construção na respectiva obra da insolvente (cfr. FACTO 6.).
Conclui-se, assim, que se está perante um contrato de execução continuada que, à data dos factos, era necessário à continuação do exercício corrente da actividade da sociedade MULTIMADE, LDA., sendo, por conseguinte, enquadrável no disposto no artigo 17.-E, n.º 11, do CIRE.”
Apreciou assim o tribunal e bem, em nosso entender, na fundamentação de Direito, se, no caso, estamos perante um contrato que preenche os pressupostos no n.º 11, do normativo citado.
Ao contrário do que refere a recorrida neste recurso, não está em causa uma questão respeitante ao ónus da prova da R. mas sim da A.
Nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil (C.C.): “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
Ora na espécie, invocando a A. a existência entre a mesma e a ora insolvente de um contrato e de um contrato executório essencial, ou seja, no caso, de um contrato de locação que se manteve em vigor, devido ao facto de ter essa “qualidade” para a devedora,  determinativa do gozo dos bens que continuou a ser proporcionado pela autora e cuja contrapartida de retribuição é pedida nas faturas que foram emitidas, cumpria à mesma provar a factualidade respeitante à sua existência e inclusivamente a sua natureza, de acordo com o disposto no n.º 11, do art.º 17º - E, do CIRE, tratando-se estes de factos essenciais integrativos da sua causa de pedir, embora aqui já esteja em causa o ónus de alegar e não de prova (cf. art.º 5º, n.º 1, CPC).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2018: “Os factos não são por natureza constitutivos ou excetivos; são-no no contexto e em função da pretensão em causa. Para saber se estamos perante uma ou outra categoria de factos há que atender à previsão normativa aplicável (facti species) e ao efeito prático-jurídico pretendido de modo a determinar qual a função desses factos na economia do pedido.
Assim, em regra, quando o facto em causa, à luz daqueles parâmetros, se mostrar favorável à pretensão deduzida, será constitutivo. Quando for desfavorável, poderá ser meramente impugnativo, se for factualmente incompatível com um facto constitutivo ou com um facto excetivo e, portanto, instrumental em sede de contraprova (art.º 346.º do CC); ou será facto essencial impeditivo, modificativo ou extintivo se potenciar, respetivamente, um efeito jurídico que impeça, modifique ou extinga o efeito pretendido pelo autor.
Depois de assim concretamente definida a função constitutiva ou excetiva dos factos essenciais em causa, importa então equacionar a repartição do ónus da prova à luz das regras gerais do artigo 342.º do CC ou das regras especiais dos artigos 343.º e 344.º, n.º 1, do mesmo diploma ou dele constantes ou mesmo previstas em legislação especial ou avulsa.”[1]
Assim, no caso, entendemos que a factualidade inerente à prova de que está em causa um contrato com a natureza prevista no nº 11, do art.º 17º - E, do CIRE é uma factualidade favorável à pretensão da autora, pois só fazendo esta prova, poderia, no caso, obter a procedência das suas pretensões, ou seja é uma factualidade necessária à procedência das suas pretensões, desde logo relativamente à existência do próprio crédito.
Mas mesmo que assim não se entenda, sempre seria de considerar que o tribunal recorrido apreciou a questão e logo a reapreciação da questão em apreço não se afigura como uma questão nova perante este tribunal.
Vejamos então se estamos perante um contrato que preenche os pressupostos previsto no n.º 11, do art.º 17º E, do CIRE.
Contratos executórios mais não são, como refere Higina Castelo: “do que contratos bilaterais cujas prestações principais ainda se encontram por executar, total ou parcialmente, por ambas as partes.”[2], sendo que, no caso, ambas partes concordam que o contrato em referência ainda não se encontrava totalmente executado, tendo ambas as partes ainda obrigações por cumprir, tratando-se de um contrato de locação, contrato de execução continuada[3], em que uma das partes se obrigou a proporcionar à outra o gozo temporário de coisas, mediante o pagamento da correspondente retribuição (art.º 1022º, do C.C.).
Mas não basta, como refere Catarina Serra, que esses contratos sejam contratos em execução, eles devem ser ainda essenciais à empresa/à atividade da empresa, afirmando esta autora que a definição da lei: “confirma que apenas é pretendido sujeitar ao regime os contratos que sejam indispensáveis à continuação da actividade da empresa, sem os quais a actividade cessaria ou seria gravemente perturbada.”[4]
Refere ainda David Sequeira Dinis, a propósito desta questão, que: “Salvo melhor opinião, a referência à “necessidade” tem que ser entendida cum grano salis, de modo a prevenir que, nesse conceito, se acabem por incluir casos de mera conveniência.
Temos presente que o texto legal segue fielmente o da Diretiva, mas parece-nos que se deverá adotar uma interpretação exigente do conceito de necessidade, que afaste do âmbito da mesma a mera conveniência e o aproxime da ideia de indispensabilidade. Bem vistas as coisas, é esta a única forma de equilibrar a posição dos credores – que veem os seus direitos contratuais comprimidos – com a posição da empresa – que beneficia da Conferência PRR para a Justiça Económica 51 proteção dispensada pela lei. Se a proteção legal fosse ao ponto de abarcar casos de mera conveniência, então existiria um flagrante desequilíbrio entre as aludidas posições, infligindo-se um sacrifício indevido aos credores, sem justificação bastante.”.[5]
Tendo em atenção estes vários aspetos, vejamos no caso em concreto.
Na espécie, está em causa um contrato de locação de material de apoio à construção civil entregue numa obra da sociedade agora insolvente, cujo objeto social era nomeadamente construção civil e obras públicas.
Não obstante os parcos elementos dados pelos autos, resulta da própria natureza do contrato e dos materiais locados (vigas, pontais e cavaletes), que estaremos perante um contrato de execução continuada necessário à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, considerando o referido objeto social da empresa e atendendo à existência de uma obra na qual os materiais foram entregues, e os próprios materiais fornecidos, que tal como resulta da identificação dos mesmos constantes dos factos dados como provados nºs 18, 19,e 20, tratavam-se de materiais necessários para a obra em curso da insolvente.
Está pois em causa um contrato típico de locação, na modalidade de “aluguer”, necessário à continuação do exercício corrente da atividade da empresa que se dedica nomeadamente à construção civil e se encontrava a efetuar uma obra no Funchal para a qual contratou com a autora a locação dos materiais em apreço.
Assim, importa concluir encontrar-se preenchido o conceito previsto no n.º 11, do normativo citado e isto, tal como resulta do enunciado anteriormente, não apenas pelo facto de se tratar de um contrato celebrado em momento anterior ao PER, como refere a recorrente (Cls. G).
Importa desconsiderar, nesta sede, as referências feitas pelas partes às declarações das testemunhas, não tendo a matéria de facto sido impugnada e não estando em causa, nesta constatação, de que se trata, o contrato em apreço nos autos, de um contrato executório essencial, um facto que cumprisse ao tribunal consignar, mas sim matéria de direito. Não competia ao tribunal, ao contrário do que parece entender a recorrente, dar como “facto” provado que o contrato celebrado era um contrato de execução continuada  necessário para o exercício corrente da atividade da empresa, impondo-se sim, como o tribunal fez, entender, face aos factos dados que provados, que assim era ou não, concluindo, pois, em sede de apreciação de direito, que se tratava ou não de contrato que preenchia o conceito enunciado no n.º 11 do artigo 17º - E, do CIRE.
Questão diferente é a questão suscitada no que concerne à autorização por parte do administrador judicial provisório para a devedora emitir a declaração dada como provada no facto 11 – de que se tratava efetivamente de um contrato executório essencial.
Tal como refere Maria do Rosário Epifânio: “No PER a empresa conserva a possibilidade de praticar atos de disposição e de administração sobre os seus bens, com exceção de atos de especial relevo.”[6] Isso mesmo resulta do disposto no art.º 17º -E, n.º 5, do CIRE, que dispõe que: “Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos do n.º 5 do art.º 17º-C, a empresa fica impedida de praticar actos de especial relevo, tal como definidos no art.º 161º, sem que previamente obtenha autorização do administrador judicial provisório e concedida da mesma forma.”
A propósito deste artigo, diz-se, com interesse, no Acórdão desta mesma secção de 21.05.2024, que: “Fica assim assegurado o normal funcionamento da empresa, não ficando os restivos gerentes/administradores impedidos do exercício das funções respetivas, mas salvaguarda-se o controlo desse exercício quando nos encontramos perante atos que sejam suscetíveis de assumir em termos económico-financeiros impacto relevante no património social, que responde pelas dívidas (arts. 817.º do Cód. Civil e 735.º do CPC) e que possam afetar negativamente a perspetiva dos credores de pagamento dos créditos.”[7]
Concluem Carvalho Fernandes e João Labareda, a propósito desta questão que: “[A] posição de quem contrata com o devedor em processo de revitalização é menos tutelada, quanto a atos de especial relevo, do que a de quem negoceia com o administrador de insolvência.”[8]
Importa assim, em primeiro lugar, averiguar se está em causa, na espécie, um ato de especial relevo, ou seja, no caso apreciar se a declaração/indicação por parte da empresa sujeita a PER  (à data), a um credor, de que determinado contrato, celebrado com este, era, para efeitos do disposto no art.º 17º - E, al. 10, do CIRE, com a definição prevista no art.º 11, do mesmo normativo legal, um contrato executório essencial, necessitava, como tal, de autorização do administrador judicial provisório.
Dá-nos o n.º 1, do art.º 161º, do CIRE, como enquadramento do que é um ato de especial relevo, a noção de que se trata: “da prática de acto jurídico que assuma especial relevo para o processo de insolvência.” Refere, por sua vez, o n.º 2, do mesmo normativo legal, que: “Na qualificação de um ato de especial relevo atende-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa.”
No n.º 3, do mesmo artigo, são enunciados, exemplificadamente, casos de atos de especial relevo, designadamente, na sua alínea e): “A celebração de novos contratos de execução duradoura.”.
No caso em concreto, está em causa a manutenção de um contrato, cuja celebração era anterior ao PER, contrato de locação de equipamentos, de execução continuada, e com o encargo mensal na ordem dos 3.000,00 € para a empresa (cfr. facto 23). 
Analisados estes factos, não podemos concluir estar em consideração, no ato a apreciar referido, um ato de especial relevo, por não estarem preenchidos os pressupostos mencionados no n.º 2, do art.º 161º, do CIRE, considerando o valor mensal em análise, inerente à manutenção do contrato em apreço, o facto de se tratar de um contrato celebrado em momento anterior à instauração do PER, e a própria natureza do contrato em discussão, não estando em causa nenhum dos exemplos mencionados no n.º 3, do art.º 161º.
De facto, os riscos envolvidos com a manutenção de um contrato desta natureza podem considerar-se claramente limitados, assim como as repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, não pondo em causa, de um ponto de vista de apreciação objetivo, as perspetivas de satisfação dos credores, assim como a suscetibilidade de recuperação da empresa, bem pelo contrário, permitindo a manutenção do contrato que a devedora continuasse a trabalhar na obra em curso no Funchal.
Cumpre ainda ter em consideração, como argumento coadjuvante, como se chama a atenção na sentença recorrida, que o legislador expressamente enuncia como tratando-se de um ato de especial relevo, na alínea e), do n.º 3, do art.º 161º, a celebração de novos contratos de execução duradoura[9], não estendendo esse exemplo, expressamente, à manutenção dos existentes. E entende-se a diferença; num caso constituem-se novas obrigações, numa situação económico- financeira de uma empresa já de si precária (no PER) e no outro mantêm-se obrigações já conhecidas e com as quais já se conta.
A interpretação da recorrente de que qualquer manifestação por parte do devedor, perante um credor ou outro contratante, de que pretende a manutenção de um contrato nas condições estabelecidas no art.º 17º -E, n.º 10, do CIRE, por entender tratar-se de um contrato executório essencial, necessitar sempre de autorização do administrador judicial provisório não colhe, impondo-se averiguar, caso a caso, a necessidade dessa autorização, face à previsão do disposto no n.º 5, do art.º 17º -E, do CIRE.
No que respeita à referida necessidade de fundamentação da declaração feita perante o credor, trata-se de uma exigência que a lei não impõe, podendo sim esta falta de fundamentação dificultar eventualmente o entendimento das razões pelas quais o devedor assim o considera.
Quanto ao argumento de que à data em que a declaração foi emitida a empresa não tinha já perspetivas de recuperação, nada se impõe retirar dessa argumentação, não constando dos factos provados (não impugnados pela recorrente), desde logo por não ser relevante para a decisão desta causa, as razões pelas quais a recuperanda entendeu posteriormente que não estava em condições de obter a aprovação de plano de recuperação ou se esta à data já estava ou não em situação de insolvência ou sem perspetivas de recuperação, tratando-se de uma alegação conclusiva da recorrente e sendo irrelevantes as transcrições dos depoimentos que refere nas alegações ou das referências feitas pelo juiz na mesma audiência.
Quanto à alegação da recorrida que o comportamento da recorrente pretendendo a invalidade/ineficácia da declaração emitida pela sociedade Multimade, Lda. constitui um evidente abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, importa referir que estão em causa, para o efeito, “duas entidades diversas”.
Uma a devedora que emitiu a declaração, outra a R. na presente ação, a massa insolvente representada pelo administrador de insolvência, tratando-se esta de um património autónomo que abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como todos os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, destinando-se o mesmo à satisfação dos credores da insolvência depois de pagas as suas dívidas (cf. art.º 46º, n.º 1, do CIRE).
Nos termos do art.º 81º, nº 1, do CIRE, a declaração de insolvência priva, em regra, imediatamente, o insolvente, por si ou pelos administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
O referido administrador assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência, nos termos do n.º 4, do mesmo normativo legal.
Concluímos assim que a gestão do referido património autónomo pertence ao administrador da insolvência, no âmbito do processo de insolvência, cabendo ao mesmo representar o devedor nos termos elencados.
Ora sendo a R., na presente ação, a massa insolvente, representada pelo administrador da insolvência, não podemos considerar existir aqui abuso de direito por parte desta “entidade” diversa do devedor, uma vez que não cabe ao mesmo, neste momento, a “gestão” do mencionado património, encontrando-se os seus poderes limitados, não estando assim em causa o exercício ilegítimo de um direito, pelo mesmo titular, por excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, na vertente mencionada pela recorrente (cf. art.º 334º, do C.C.).
Como refere Menezes Cordeiro: “Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire.”.[10]
Também a jurisprudência refere que: “O venire contra factum proprium constitui uma configuração do abuso de direito baseada num comportamento contraditório do agente, que actua de forma oposta ao que, num primeiro momento, havia claramente denunciado, gerando com a primeira acção legítima confiança no outro lado da relação jurídica.”[11]
Ora, face ao supra referido, temos desde logo no caso, como obstáculo à verificação desta configuração do abuso do direito, como referimos, a questão de não estar em causa, em rigor, a mesma “pessoa” ou o mesmo “agente”.
Quanto à questão de se considerar resolvido o contrato nos termos comunicados pela apelada à devedora em 19.10.2022, importa considerar que a resolução, em regra, visa extinguir um contrato com efeitos retroativos, efetivando-se mediante declaração à outra parte, motivando-se na invocação de facto fundado na lei ou em convenção, ocorrido posteriormente à celebração do contrato, sendo que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (cfr. respetivamente artºs 434º, nº 1, 436º, n.º 1, 432º, n.º 1 e 434º, n.º 2, do Código Civil.)
Se é certo que aqui foi feita essa declaração unilateral pela autora à devedora, que a recebeu (facto 8), invocando o não pagamento de algumas das prestações anteriores devidas pelo contrato, a própria lei impedia e impede, no caso, essa resolução, face ao disposto no já citado art.º 17º -E, n.º 10, do CIRE, concluindo-se como se fez supra que estava em causa um contrato executório essencial (n.º 11 do preceito), sendo o fundamento da resolução unicamente o não pagamento de dívidas constituídas antes do período de suspensão previsto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 17º -E, do CIRE. Importa, pois, considerar que essa resolução efetuada pela autora na mencionada data foi ineficaz. Não havendo efetiva resolução do contrato, o mesmo permaneceu vigente, continuando a produzir todos os seus efeitos.
São assim devidas as quantias peticionadas pela autora, como entendeu o tribunal recorrido, decorrentes da vigência desse contrato.
Analisemos agora a questão de as quantias em causa se tratarem de dívidas da massa insolvente.
Como já vimos anteriormente, enuncia o n.º 12, do já largamente citado art.º 17º -E, que o preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa, como será o caso (tratando-se de bens locados essenciais para o prosseguimento da atividade da empresa, que se dedica à construção civil, na obra em apreço, considerando a natureza desses bens e o objeto social a que se dedica a empresa), prestados durante o período referido no n.º 10 (como também é o caso, em parte), relativamente às faturas cujo pagamento é pedido, que não sejam objeto de pagamento (como não o foram aqui), é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, decretada no período mencionado no artigo (o que também foi o caso).
Entendemos aqui que na análise do n.º 12 do preceito não se poderá abstrair do disposto nos seus nºs 10 e 11, muito embora aquele, ao que se entende da sua redação, tenha um âmbito de aplicação mais alargado, não exigindo, este nº 12, que esse fornecimento de bens ou prestação de serviços esteja necessariamente integrado num contrato executório essencial. No entanto, essa consideração não poderá deixar de ter relevância, para concluirmos podermos estar perante um fornecimento de bens ou serviços, no âmbito desse contrato, com uma natureza de “essenciais à atividade da empresa” e, como tal, o preço devido por estes ser considerado dívida da massa insolvente.
Coloca-se no entanto ainda aqui a questão suscitada pela recorrente de que, nesta parte, só estariam incluídos os valores vencidos até ao fim da suspensão, que ocorreu com o encerramento do processo negocial, requerido em 16.12.2022 (data do despacho  que ordenou a imediata publicação da comunicação de encerramento do processo negocial no portal Citius – factos 12), sendo o remanescente qualificado como dívida da insolvente, ou seja, apenas seriam dívidas da massa insolvente os valores vencidos entre 30.11.2022 e 16.12.2022, e não os valores devidos até 31.12.2022, como entendeu a sentença recorrida no valor global de 8.010,11 €.
Importa aqui apreciar a questão do termo do período de suspensão.
Defende a recorrida que importa diferenciar o período de standstill e o período de negociações.
Não podemos deixar de concordar com a recorrida, até porque o legislador estabeleceu prazos diferentes numa e noutra situação (cf. art.º 17º-D, n.º 7, do CIRE).
No entanto, como salienta Catarina Serra, existe uma ligação funcional entre o período de suspensão e as negociações, tendo o período de suspensão uma função instrumental relativamente a estas.[12]
Efetivamente este período de standstill visa desde logo proteger a devedora relativamente às ações dos seus credores e estimular os mesmos a negociar com a devedora no PER, cooperando com esta, mas essa proteção só se justifica durante o período em que exista possibilidade de, negociando com esses mesmos credores, obter a recuperação da devedora[13].
Ora concluindo a empresa antecipadamente que não é possível alcançar um acordo com os credores, como foi o caso, esse período de suspensão, essa visada proteção, não deve manter-se.
Assim, não obstante o legislador não o prever expressamente, deve entender-se que o período de suspensão deve considerar-se reduzido, quando as negociações cessem mais cedo, designadamente porque se concluiu antecipadamente que não é possível alcançar acordo com os credores (art.º 17º -G, nº 1, 1ª parte).[14]
Importa assim afirmar que, nesta parte, assiste razão à recorrente. Reportando-se a 16.12.2022 o despacho  que ordenou a imediata publicação da comunicação de encerramento do processo negocial no portal Citius, apenas serão de considerar, como dívidas da massa insolvente, nos termos referidos no art.º 17º-E, n.º 12, do CIRE, os valores de retribuição da locação respeitantes ao período de suspensão, ou seja, entre 30 de novembro de 2022 e 16 de dezembro de 2022.
Vejamos então quanto às quantias posteriores. Defende a recorrente que, no período anterior à declaração de insolvência e posterior à denúncia do contrato, está em causa uma dívida da insolvente e não da massa insolvente.
Na espécie, na decisão proferida pelo tribunal recorrido, nesta parte não impugnada pela recorrente, entendeu-se que a denúncia do contrato em apreço, por parte do administrador de insolvência, ocorreu em 28.02.2023, ou seja em data posterior à declaração de insolvência que se reporta a 16.01.2023.
Estando em causa um contrato típico de locação, importa atender ao disposto no art.º 108º, n.º 1, do CIRE, que refere que: “A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o administrador de insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.”
Dispõe, por sua vez, o art.º 51º, n.º 1, al. f), do CIRE, que constituí dívida da massa insolvente, qualquer dívida resultante de contrato bilateral, como é o caso, cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior à declaração.
Estão em causa aqui os valores respeitantes ao período de 10 de Fevereiro de 2023 a 28 de Fevereiro de 2023, no valor global de 6.386,44 €.
Ora neste período, uma vez que o contrato ainda não tinha sido “recusado” pelo administrador da insolvência, a dívida é, como determina o artigo em referência, dívida da massa insolvente, não se verificando qualquer uma das exceções mencionadas na alínea f).
Como se refere, de forma clara, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29.09.2022, afirmações que subscrevemos:
“[T]endo o administrador de insolvência optado pela denúncia dos contratos, a obrigação de proceder ao pagamento dos alugueres vencidos até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia mantém-se, considerando que o que está em causa é o período de tempo já decorrido após a declaração de insolvência – cfr. artigo 172.º do CIRE.
Isto porque, a lei não veda a possibilidade de incluir o período de tempo que intercedeu entre a declaração de insolvência e a produção dos efeitos jurídicos da denúncia, sendo certo que os contratos de locação em análise não suspenderam os seus efeitos com a declaração de insolvência, mas sim até ser proferida deliberação por parte do administrador de insolvência a denunciar os mesmos.
Deste modo, resulta claro que, tendo optado o administrador de insolvência pela denúncia dos referidos contratos de locação celebrados com a insolvente – que integram a previsão do artigo 1022.º do Código Civil – as quantias vencidas, após a declaração de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia, indubitavelmente constituem dívidas da massa insolvente.”[15]
Quanto à quantia respeitante ao restante da retribuição de dezembro de 2022, estando abrangida pela exceção mencionada na última parte da citada alínea f), deve ser considerada dívida da insolvente (art.º 47º, n.º 1, do CIRE).
Resta a quantia de 2.922,61 €, que se reporta, como se refere na sentença recorrida, e não pondo a recorrente em causa que assim seja, à indemnização devida pela entrega intempestiva dos bens objeto do contrato (art.º 1045.º, n.º 1, do C.C.).[16]
Nos termos do art.º 51º, n.º 1 al. d), do CIRE, constituem dívidas da massa insolvente as resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções, como é o caso. Foi essa atuação tardia do administrador da insolvência em restituir os bens objeto do contrato denunciado que gerou a obrigação.
Com interesse, citamos mais uma vez o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora,  supra referido, que enuncia que: “As obrigações decorrentes do contrato de locação, nomeadamente, o dever de pagamento das rendas, restituição dos bens locados e a obrigação de pagamento da indemnização pela mora na restituição, que impendiam sobre a locatária/insolvente (cfr. artigo 1038.º do Código Civil), foram transferidas para a massa insolvente, por força do estatuído no artigo 108.º do CIRE.”.
Ora estando em causa uma obrigação respeitante à indemnização pelo atraso na restituição dos bens locados, como entendeu o tribunal recorrido, em matéria não impugnada pela recorrente, repete-se, cabe à massa insolvente suportar a mesma.
Assim sendo, importa concluir que apenas assiste razão à recorrente em parte e que o recurso deverá improceder em parte, mantendo-se parcialmente a decisão recorrida, não se apreciando a requerida ampliação do recurso, apresentada pela recorrida, em caso de procedência do recurso, uma vez nenhuma alteração implica na parte julgada procedente neste recurso.
As custas deverão ser suportadas pela recorrente e pela recorrida, na proporção do seu decaimento (artºs 663º, n.º 2, 607º, n.º 6, 527º, nºs 1 e 2, 529º e 533º todos do CPC).

5.  Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e consequentemente:
- Mantém-se a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora  a quantia de 17.319,16€, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos (juros comerciais) até ao dia 02 de Agosto de 2024, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor de 10,5% desde 28.02.2023 (Aviso n.º 1672/2023, de 29/12), de 12% desde 01.07.2023 (Aviso n.º 14922/2023, de 09/08), de 12,5% desde 01.01.2024 (Aviso n.º 1850/2024, de 25/01) e de 12,25% desde 01.07.2024 (Aviso n.º 14751/2024/2, de 18/07), no valor global de 2.628,14€, bem como nos juros de mora vincendos até integral pagamento
- Revoga-se, em parte, a decisão proferida na parte em qualificou a totalidade dos créditos da Autora como dívidas da massa insolvente, excecionando dessa qualificação os créditos respeitantes ao valor referente à retribuição da locação respeitante aos dias 17 e seguintes do mês de dezembro de 2022, que se qualificam como dívidas da insolvente, mantendo-se no demais a sentença proferida.
Custas pela recorrente e recorrida na proporção do decaimento.
           
Lisboa, 11-11-2025,
Elisabete Assunção
Fátima Reis Silva
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[1] Proc. n.º 318/05.6TVPRT.P1.S1, Relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Contratos executórios e cláusulas ipso facto no âmbito do PER, Revista de Direito Comercial, 2022, pág. 832, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/contratos-executorios-e-clausulas-ipso-facto-no-ambito-do-per.
[3] O cumprimento das obrigações emergentes deste contrato de locação deferia-se ao longo do tempo.
[4] Lições de Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, pág. 517.
[5] As alterações ao Processo Especial de Revitalização: um novo processo?, ebook: O Plano de Recuperação e Resiliência para a Justiça Económica e a transposição da Diretiva 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, disponível em: https://justica.gov.pt/Portals/0/Ficheiros/Organismos/JUSTICA/E-bookCONF-PRR-VF2.pdf. Pág. 50.
[6] Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pág. 463.
[7] Proc. n.º 2500/23.5T8BRR-A.L1-1, Relatora Isabel Fonseca, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª edição, Quid Juris, Sociedade Editora, pág. 163.
[9] Sobre a natureza destes contratos cf. nota 13, pág. 842, do artigo citado supra (nota 2).
[10] António Menezes Cordeiro, Do abuso de direito: Estado das questões e perspetivas, Revista da Ordem dos Advogados, ano 2005, 65, Vol. II, Setembro, Capítulo 9, ponto II, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.07.2025, Proc. n.º 20405/23.8T8PRT.P1, Relator Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Obra citada (nota 4), pág. 510.
[13] Cf. as referências feitas pelo legislador a propósito da possibilidade prorrogação pelo juiz do pedido de suspensão (al. a), do n.º 2, do art.º 17º E) e levantamento da suspensão no decurso do período suplementar (al. a), do n.º 3, do mesmo normativo).
[14] Cf. neste sentido, Catarina Serra, obra citada (nota 4), pág. 510 e Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, II. Volume, 3ª edição, Almedina, pág. 169.
[15] Proc. n.º 300/21.6T8STR-D.E1, Relator Rui Machado e Moura, disponível em www.dgsi.pt.
[16] E não qualquer quantia devida por força da aplicação do disposto no art.º 108º, n.º 3, do CIRE, sendo que neste caso estaríamos perante um crédito sobre a insolvência.