Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SANDIÃES | ||
Descritores: | CONTRATO PROMESSA DIREITO DE PROPRIEDADE PROMITENTE-COMPRADOR AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - A mera circunstância de o promitente comprador passar a utilizar a fração prometida comprar, por si só, não o investe na posse apta à aquisição da propriedade por usucapião, exceto se, em momento posterior, se converter em posse em nome próprio, mediante a inversão do título de posse. - Para que se verifique eficácia translativa da posse correspondente ao direito de propriedade, do promitente vendedor para o promitente comprador, necessário é que se apure ser essa a intenção do promitente vendedor, designadamente por aquele já ter pago a totalidade do preço ou por as partes não terem o propósito de realizar o contrato definitivo. (sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa NM intentou ação declarativa de condenação contra Banco…, tendo formulado os seguintes pedidos: “A) Ser declarado o direito de propriedade do A, com base em execução especifica do 5º Andar Letra A, Fração Y, composto por uma habitação constituída por 3 divisões (T2) e arrecadação sob o numero 27 na cobertura, melhor descrito e identificado nas plantas juntas como anexo I, de acordo com o projeto de arquitectura aprovado. B) Ser declarado que a quantia de €134.036,02 correspondente às despesas efectuadas pelo A e respectivos juros vencidos é largamente superior à quantia que seria devida com base no contrato promessa que era de €110.000,00, assim se dispensando o A de efectuar qualquer pagamento ou depósito. Aliás, como abaixo se desenvolve o valor da fracção está desactualizado. C) Supletivamente, ser declarado o direito de propriedade sobre a fracção descrita em A) com base em usucapião; D) Com base no peticionado em B) e na redução do valor da fracção para €56.000,00 ser ainda declarado que lhe assiste o direito ao reconhecimento do direito de propriedade pelo valor de €56.000,00; sendo que soçobrando a quantia de €77.000,00 como única forma de ser ressarcido dos danos causados tem direito a que se lhe seja ainda atribuído o direito de propriedade sobre o 7º Andar A, correspondente à fracção AG, constituído por uma habitação e arrecadação nº 29 na cobertura com o valor de €56.000,00; bem como à Loja 2 destinada a comércio ou serviços correspondente à fracção A, sita na cave. E) Supletivamente, por se verificarem os respectivos pressupostos do enriquecimento sem causa tem o A direito a exigir o pagamento da quantia de €134,036,02 acrescida dos juros legais vincendos a contar da citação sobre a quantia de €71.570,00 bem como em custas e condigna procuradoria.” Para o efeito, alegou que celebrou contrato promessa de compra e venda da fração descrita em A) com a sociedade OT, S.A., tendo pago sinal e reforço. Posteriormente foram-lhe entregues as chaves do ar condicionado, da porta de segurança, da porta da arrecadação, da porta de entrada do edifício e da caixa do correio. Nesta sequência o A. passou a habitar a fração e a suportar todos os encargos, assim como fez obras na fração necessárias para aquele efeito. Pediu empréstimo bancário para pagar o remanescente do preço e fez os registos provisórios. O legal representante da sociedade OT desapareceu e deixou de diligenciar pela legalização do prédio e conclusão das obras. Apesar de constar que correu processo de insolvência da sociedade OT, nunca foi contatado pelo Administrador da Insolvência, nem o prédio ou a fração foram apreendidos. Na Conservatória do Registo Predial verifica-se que a hipoteca titulada pelo B foi liquidada em 22.02.2005 e que o R. Banco adquiriu a fração por compra. O R. apresentou contestação, por exceção (incompetência material e caducidade) e impugnação, e deduziu pedido reconvencional, nos seguintes termos: a) Ser declarado único e legítimo proprietário das frações. b) Ser o A. condenado a restituir a fração por si ocupada inteiramente livre e desimpedida de pessoas e bens ao R.. c) Ser o A. condenado a pagar ao R. a quantia indemnizatória de €8.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados a partir da citação. d) Ser o A. condenado a pagar ao R. a quantia mensal de €500,00, a contar da presente data, acrescida de juros à taxa legal, até à entrega efetiva da fração. Após atribuição da competência material ao juízo onde foi instaurada a ação, por decisão proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa, os autos prosseguiram. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que absolveu o R. da instância quanto ao pedido de execução específica, com fundamento na ilegitimidade do R. Mais foram julgados improcedentes os pedidos formulados nas alíneas A) e B) (este no que respeita à dispensa do depósito de preço), e deles absolvido o R. Foi delimitado o objeto do litígio. Os temas da prova foram enunciados por remissão para os articulados. Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide: 1. Julgar a ação totalmente improcedente. 2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em conformidade: a) Declarar que o R. Banco, é o proprietário da fração correspondente ao 5º Andar, Letra A, Fração Y, composto por uma habitação constituída por 3 divisões (T2) e arrecadação sob o nº 27 na cobertura; b) Condenar o A. a restituir a fração aludida em a) ao R., livre e devoluta de pessoas e bens; c) Condenar o A. a pagar ao R. uma indemnização pela ocupação da fração desde a data da notificação da reconvenção até à sua efetiva entrega, no valor mensal de €500,00, acrescida de juros à taxa de 4% até à presente data e à taxa legal desde a presente data até efetivo pagamento. Custas da ação pelo A. e da reconvenção pelo R., na proporção do respetivo vencimento.” O A. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “1ª Encontra-se incorretamente julgado os Pontos I, II, III, IV, V, VI dos Factos não provados, uma vez que que foi junto um orçamento pelo A que não foi minimamente impugnado, nem a alegação das concretas obras e valores foi objeto de contestação - Logo foi admitido por acordo o alegado na p.i. Teve de proceder à colocação do lavatório e sanitas da casa de banho o que despendeu uma quantia de 3.000,00€.; Compra e colocação de roupeiros: 6.000,00€; Teve de proceder à colocação de chão flutuante resistente em toda a área da habitação 68 m2, com um custo total de material e de mão de obra 5.000,00€; a colocação dos caixilhos, interruptores e lâmpadas a quantia de 2.000,00€; Na cozinha teve de adquirir os eletrodomésticos tendo um gasto coma compra de um frigorífico no valor de 1.200,00€; fogão elétrico 1.370,00€; máquina de lavar roupa 800,00€; máquina de lavar loiça 700,00€; micro-ondas 280,00€; forno elétrico 970,00€; esquentador 960,00€; perfazendo o total de 6.330,00€. Na aquisição e colocação dos móveis da cozinha da tipologia em L com uma ilha com prateleiras e portas na parte inferior e na parte superior com móveis em cerejeira com marca Pedro & Mantovani, despendeu a quantia de 15.000,00€, tal como orçamento que se protesta juntar como Doc. 4. Temos então em obras e matérias levados ao cabo o 2º C no final de 2006 despendeu a quantia de 49.330,00€; 2ª Encontram-se incorretamente julgados os pontos I), G), H), I) por quanto: Por um lado, foi alegado na p.i, e não contestado o seguinte: como o prédio tinha contador de obras foi necessário efetuar o ramal pela empresa EDP, no valor de 18.000,00€ em 2009; ou seja, de tal valor o A teve de suportar a quantia de 3.600,00 €; sobre qual por não prescindir são devidos juros legais 3.456,00€; bem como os vincendos até efetivo integral pagamento. 3ª Em 2007, os promitentes compradores tiveram ainda de proceder a ativação dos elevadores na instalação de alguns componentes em falta para possibilitar o uso no mínio de segurança, recordando que se trata de um prédio de 9 andares, com um custo total de 14.000,00€; sobre tal por não prescindir são devidos juros legais 2.688,00€; bem como os vincendos até efetivo integral pagamento. 4ª Desde 2006 até a presente data, o fornecimento de eletricidade das partes comuns tem vindo a ser pago exclusivamente pelo referido grupo promitentes proprietários, o que há razão de 300,00€ por mês perfaz o montante de 43.200,00€ até a presente data, o que é dividido por cinco se traduz num crédito líquido a favor do A de 8.600,40€. Sobre o valor vencido em 2007, são devidos juros legais até a presente data de 3.600,00€; 1/5 efetivamente suportado pelo A, no valor de 720,00€, são devidos juros legais até a presente data de 691,20€, e quanto ao ano 2008 a quantia de 7.603,20€. 5ª A título de fornecimento de água e limpeza duas vezes por semana das escadas, o referido grupo de cinco promitentes compradores têm despendido por mês 250,00€, o que confere ao A direito de exigir a quantia de 7.020,00€. Em obras necessárias a utilização da fração para habitação o que implica o fornecimento de água, eletricidade, limpeza das escadas, bem como manutenção do elevador e colocação do ramal da eletricidade, despendeu o A, a quantia total de singela de 22.240,00€, ao que acresce os juros vencidos até a presente data o valor de 15.139,60€; 6ª Alguém que é autorizado pelo Administrador de Insolvência a permanecer na fração autónoma prometida vender, com entrega imediata das chaves e com registo provisório do direito de propriedade a favor da instituição hipotecária e efetua obras no mesmo de dezenas de milhares de euros e que tinha a promessa de ver celebrada a escritura e pasme-se não nem objeto de apreensão nem conseguiu celebrar o contrato prometido; 7ª visto que a instituição hipotecária adjudicou para si sem indicação de valor todo o prédio retardando a emissão da licença de habitação só para impedir a escritura é manifesto que tal atuação fora da insolvência pela instituição hipotecária confere à Recorrente o direito a invocar o abuso de direito como gerador do direito de propriedade, do direito de indemnização e até do direito de compensação, inclusive com base em posse pacifica e continuada a ver reconhecido o direito de propriedade com base em usucapião visto que a Ré nada contestou nem fez qualquer prova em sentido contrário. 8ª Aliás, como pode ser salvaguardado o direito à extinção da obrigação de pagamento das rendas com base na invocada compensação com base na realização das obras necessárias, tanto mais que a cada direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo valer em juízo. 9ª Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. 10ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 11ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente. 12ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto. 13º Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 14ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica. 15ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt). 16ª Ao longo de 17 anos consecutivos o A comportou-se como dono da fração em causa, tanto mais que tendo a OR cessado a atividade e tendo o Administrador de Insolvência primado pela total ausência, nada tendo pago temos que o A e ora Recorrente tem direito ao reconhecimento do direito de propriedade com base em usucapião. 17ª No que respeita à Reconvenção a douta sentença julga em contradição com os fundamentos dado que ao sustentar que ao sustentar que em vez do Banco o A. deveria ter demandado o Administrador de Insolvência o Banco nunca poderia demandar o A, mas tão só o Administrador de Insolvência. 18ª Mais, nunca tendo o Banco exigido a entrega da fração em causa também nunca poderia exigir quaisquer juros com base na inexistência de mora. Aliás, a entrega das chaves impossibilita desde logo o Banco de exigir qualquer indemnização a quem como é o caso do A tem um título legitimo. Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a Ré no pedido.” O R. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: “I. O pedido de execução específica formulado em A), assim como o pedido formulado sob B), na parte relativa à dispensa de depósito do preço, foram já apreciados e julgados improcedentes, em sede de saneador-sentença, proferido em 09/02/2022 – vide douto despacho saneador a fls. dos autos (Refª 412958238), cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais. II. O douto despacho saneador não foi objeto de oportuno recurso de apelação autónoma, ao abrigo do disposto no artigo 644º nº 1 alínea b) do CPC, pelo que, encontra-se esgotado o poder jurisdicional quanto aqueles estes dois pedidos. III. O presente recurso deve pois, quanto a estas matérias, ser indeferido, por manifestamente extemporâneo. IV. As alegações a que se responde são ininteligíveis delas não se descortinando, designadamente, que concretas partes da douta sentença a quo é que as mesmas visam atacar, quais os fundamentos com base nos quais é pedida a revogação / alteração da decisão recorrida, nem que concretas disposições legais foram violadas pelo douto tribunal a quo; ou seja, qual é verdadeiramente o concreto objeto do recurso. V. Identicamente, as conclusões de recurso apresentam-se deficientes e obscuras, o que prejudica – para não dizer que inviabiliza - e muito, o direito de resposta do Apelado. VI. Não são ainda indicadas quais as concretas matérias relativamente às quais o Apelante considera inexistir fundamentação, nem quais são as contradições alegadamente existentes entre a decisão e a fundamentação alegadamente geradoras de nulidade da sentença. VII. Só com um enormíssimo esforço intelectual e muito boa vontade - e ainda porque a presente ação é, em quase tudo, semelhante a tantas outras que foram intentadas pelo Ilustre Mandatário do Apelante, contra o ora Apelado, em representação de outros promitentes-compradores na mesma situação do aqui Autor – é que o Apelado conseguiu apresentar uma resposta às presentes alegações. VIII. A única coisa que é facilmente apreensível das alegações em causa é o inconformismo do Apelante com o teor da douta sentença recorrida e a sua vontade em ver a mesma alterada / modificada, a seu favor, a qualquer custo. IX. O presente recurso deve ser indeferido com fundamento na ininteligibilidade do respetivo objeto. X. O Apelado não deu cumprimento às exigências formais previstas no artigo 640.º do CPC; o que prejudica o conhecimento do recurso da matéria de facto, devendo também nesta parte, ser indeferido, por inadmissível, o presente recurso. XI. Na hipótese de assim se não entender, sempre se dirá que se encontram corretamente julgados na douta sentença a quo os factos Não Provados, os factos indicados em I, II, III, IV, V, VI, da alínea d), o ponto I da alínea f) e ainda as alíneas g), h) e i). XII. A referida factualidade foi especificadamente impugnada, pelo Apelado, nos artigos 35º e 93º a 98º da respetiva da sua Contestação. XIII. O orçamento apresentado pelo Autor, na Réplica – mesmo na hipótese de se considerar que esse documento não foi impugnado – apenas faz prova da proposta de realização das obras, no mesmo, previstas e pelo valor ali estabelecido e não da sua adjudicação ou efectiva execução pelo proponente. XIV. Dos autos não resultou demonstrado que obras foram realizadas pelo Autor e, muito menos, que valores foram por este despendidos por conta das mesmas – vide factos provados 18 e 19. XV. O depoimento da testemunha HC não contraria nenhum dos factos que o Apelante julga incorretamente julgados como Não Provados; não só se tratou de um depoimento indireto (a testemunha apenas sabia o que lhe terá sido transmitido pelo próprio Autor), como tem um interesse idêntico ao do Autor em processo judicial, em tudo, similar ao dos presentes; depoimento prestado por esta testemunha não foi, por isso, isento e imparcial tendo sido livremente apreciado pelo douto Tribunal a quo. XVI. Não foi junta aos autos qualquer prova documental que atestasse as despesas alegadamente suportadas, pelo Autor, quer quanto às partes comuns, quer quanto à fração por este ocupada pelo que não resultou minimamente demonstrado o alegado crédito do Apelante. XVII. O Apelante não alcança o raciocínio gizado pelo Recorrente para chegar à conclusão de que o ora Apelado atuou em abuso de direito! XVIII. É manifesto que nenhuma atuação houve por parte do ora Apelado, na qualidade de credor hipotecário, fora do processo de insolvência. XIX. A aquisição pelo Apelado, da fração ocupada pelo Apelante ocorreu em estrito cumprimento das formalidades atinentes às diligências de venda levadas a cabo pelo Administrador de Insolvência, no processo de insolvência da sociedade promitente vendedora, pelo preço de venda que, ali, foi oportunamente fixado pelo mesmo. XX. Quaisquer direitos sobre a fração autónoma em apreço ou quaisquer alegados direitos de crédito decorrentes da celebração / incumprimento do contrato promessa de compra e venda da fração tinham que ter sido exercidos, pelo Apelado, em sede de processo de insolvência da sociedade promitente devedora, OT. XXI. O direito de propriedade do ora Apelado sobre a fração em apreço há muito que se encontra estabilizado na ordem jurídica. XXII. O Apelante não logrou provar deter qualquer crédito sobre o Apelado, muito menos, ter ocorrido enriquecimento deste, sem justa causa e em seu prejuízo. XXIII. Na estrita qualidade de promitente-comprador, o Autor não pode ser considerado como possuidor para efeitos de lhe poder ver reconhecido o direito de propriedade sobre a fração objeto dos autos, por via do instituto da usucapião - vide factos provados 3 e 17 e alínea k) dos factos não provados. XXIV. Não se alcança o sentido da putativa contradição existente entre a decisão e os fundamentos da sentença invocados pelo Apelante na parte da douta decisão a quo referente à reconvenção deduzida pelo Apelado contra o Apelante. XXV. Resultou provado que o Apelado é o efetivo proprietário do imóvel pelo que lhe assiste o direito a exigir do Apelante: i) o reconhecimento do seu direito de propriedade; ii) a restituição da fração que lhe pertence; o pagamento de uma indemnização pela privação do uso da fração calculada à razão mensal de €500,00, correspondente ao valor considerado provado pelo tribunal como sendo o valor pelo qual a fração em causa poderia ser arrendada – facto provado 27 – acrescida de juros de mora contados desde notificação da reconvenção ao Autor até à data da efetiva concretização da entrega do imóvel ao Apelado. XXVI. A douta sentença a quo não enferma de qualquer vício que importe a sua nulidade: pelo contrário, mostra-se irrepreensível: reproduziu a matéria dada como provada e como não provada, apreciou e explanou exaustivamente, a sua motivação fazendo uma análise crítica e detalhada de toda prova testemunhal produzida em audiência de julgamento concatenada com a demais prova documental carreada para os autos. XXVII. A douta sentença a quo deve, por conseguinte, manter-se nos exatos termos e com a fundamentação com que foi proferida pelo douto Tribunal de 1ª instância. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, e nos demais de Direito Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença proferida pelo tribunal a quo” * A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto: “1. Em escritura celebrada a 24.10.2017, o Administrador da Insolvência de OT, nomeado no âmbito do Processo de Insolvência que corre termos no Tribunal de Comércio de Lisboa – 2º Juízo, sob o nº 000, declarou que a referida sociedade OT foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado a 06.07.2007, e mais declarou vender ao Banco…, entre outras, a fração aludida em 2., pelo preço de €57.800,00. 2. Está inscrita, pela Ap. 2817, de 09.11.2017, a aquisição, por compra em processo de insolvência, a favor do R., da fração correspondente ao 5º andar A, habitação e arrecadação nº 27 na cobertura. 3. Em 2 de julho de 2006, o A. celebrou com a OT, um contrato de promessa de compra e venda, relativo ao 5º Andar, Letra A, Fração Y, composto por uma habitação constituída por 3 divisões (T2) e arrecadação, sob o nº 27, na cobertura (1º p.i.). 4. A OT prometeu transmitir ao A. tal fração livre de quaisquer ónus ou encargos (2º p.i.). 5. Como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade, o A. ficou obrigado a efetuar uma prestação pecuniária no montante de €111.500,00 (3º p.i.). 6. Ficou estipulado que o pagamento do preço seria realizado nos seguintes termos: a) em 16 de março de 2006, a quantia de €500,00, a título de sinal e princípio de pagamento, do que se deu quitação no contrato promessa; b) no dia 2 de junho de 2006, a quantia de €1.000,00; c) na data da celebração do contrato definitivo, a quantia de €110.000,00 (4º p.i.). 7. Foi ainda estipulado que a escritura de compra e venda seria celebrada até ao termo do prazo de 30 dias, contados da data de emissão, pela Câmara Municipal do …, da licença de utilização da edificação (5º p.i.). 8. No prazo de 5 dias após tal emissão, a OT deveria remeter ao A., por correio registado, cópia da mesma, e deveria informar o A. do dia, hora e local, para a realização da escritura, por carta registada, com a antecedência mínima de oito dias (6º p.i.). 9. Para esse efeito, o A. ficou obrigado a entregar à OT, nos 5 dias anteriores à data aprazada, todos os documentos necessários à celebração da escritura pública (7º p.i.). 10. Foi também acordado que, socorrendo-se o A. de financiamento bancário, deveria respeitar os prazos referidos nos números anteriores, designadamente os estabelecidos para a outorga da escritura pública (8º p.i.). 11. Foi ainda estabelecido que em caso de incumprimento definitivo da promessa de transmissão, o promitente faltoso ficava obrigado a indemnizar o promitente fiel nos termos previstos no artigo 442º do Código Civil ou, em alternativa, recorrer ao regime da execução específica previsto no artigo 830º do mesmo diploma (9º p.i.). 12. Consta, de igual modo, do contrato que “Pelo presente contrato a primeira contraente não transmite ao segundo a posse da fração identificada no Considerando C), pelo que este não poderá iniciar o seu uso e gozo autónomos” (65º cont.). 13. A OT procedeu à entrega ao A. das chaves do ar condicionado, das chaves da porta de segurança, das chaves da porta da arrecadação, das chaves da porta da entrada do edifício e das chaves da caixa do correio, o que teve lugar com a assinatura, por ambos os outorgantes, de uma declaração escrita nesse sentido, no dia 2 de outubro de 2006 (10º p.i.). 14. O A., imediatamente após a assinatura do contrato promessa, dirigiu-se ao Banco T, a fim de solicitar a concessão do empréstimo hipotecário para aquisição de casa própria, no valor de € 91.500,00 (11º p.i.). 15. Tal empréstimo foi autorizado, tendo o A. suportado despesas com a apresentação do pedido, a avaliação e os demais necessário (12º p.i.). 16. O legal representante da OT não voltou a ser visto e, muito menos, a estar contactável (13º p.i.). 17. O A., tendo recebido as chaves, iniciou a utilização da habitação (14º p.i.). 18. O A. comprou eletrodomésticos, em datas não apuradas e por preços não concretamente apurados (14º a 16º p.i.). 19. O A. diligenciou, juntamente com outros moradores, pelo fornecimento de eletricidade ao prédio, bem como pela sua limpeza (18º e 22º p.i.). 20. Foi inscrita na Conservatória do Registo Predial, em 13 de setembro de 2006, a aquisição provisória da fração, por compra, a favor do A. (28º p.i.). 21. Foi anunciada a venda da fração, em 2011, pelo preço de €56.000,00 (70º p.i.). 22. Por escritura pública de compra e venda, datada de 29 de dezembro de 2009, o Banco E, a quem o Banco …, sucedeu na titularidade dos respetivos ativos, por força da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, adquiriu – na qualidade de Credor Hipotecário – à Massa Insolvente da OT, pelo valor global de €3.357,041,00, os imóveis infra elencados: a) frações “A”, “D”, “F”, “O”, “R”, “U”, pertencentes ao prédio urbano …, situado na D, Lote 2, inscrito na matriz sob o artigo 1843; b) prédio rústico, sito em F., da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 105, secção AL; c) frações “A”, “J”, “Q”, “Z” do prédio urbano …, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3255; d) frações “A”, “ B”, “ C”, “D”, “E”, “F”, “H”, “J”, “K”, “M”, “N”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “U”, “V”, W”, “Z”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP” e “AQ” do prédio urbano, situado em …., inscrito na matriz sob o artigo 12571 (41º cont.). 23. Na escritura pública aludida em 1., o Banco … adquiriu – na qualidade de Credor Hipotecário – à Massa Insolvente da OT, pelo valor global de € 552.500,00, todos os imóveis infra elencados: a) frações “G”, “I”, “L”, “O”, “T”, “Y”, “X”, “AA”, “AB” e “AR” do prédio urbano, situado inscrito na matriz sob o artigo 12571 (42º cont.). 24. As frações foram adquiridas totalmente livres de ónus ou encargos (43º cont.). 25. Consignou-se nas escrituras que não foi a licença de utilização das frações por tal não ser exigível, nos termos do disposto no artigo 833.º, n.º 6 do CPC, aplicável por força do artigo 164.º, n.º 6 do CIRE (44º cont.). 26. A fração pode ser arrendada por cerca de € 500,00 por mês (120º cont.). Mais se provou que: 27. A fração foi declarada apreendida, no âmbito do processo de insolvência, em 31.12.2007.” * A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto: “a) O pedido de empréstimo correspondia ao Processo nº…, tendo sido acordado o pagamento em 480 prestações mensais, no valor unitário de €320,25 (11º p.i.). b) No valor de €5.000,00 (12º p.i.). c) A escritura de compra e venda encontrava-se marcada para o dia 4 de outubro de 2006, mas o legal representante da OT não compareceu (13º p.i.). d) O A. deparou-se com as seguintes anomalias: I) teve de proceder à colocação do lavatório e sanitas da casa de banho, para o que despendeu a quantia de €3.000,00; II) comprou e colocou roupeiros, tendo gasto €6.000,00; III) teve de proceder à colocação de chão flutuante resistente em toda a área da habitação (68 m2), com um custo total de material e de mão de obra de €5.000,00; IV) colocou caixilhos, interruptores e lâmpadas, tendo gasto a quantia de €2.000,00; V) os eletrodomésticos importaram no total de €6.330,00, sendo: frigorífico, €1.200,00; fogão elétrico, €1.370,00; máquina de lavar roupa, €800,00; máquina de lavar loiça, €700,00; micro-ondas, €280,00; forno elétrico, €970,00; esquentador, €960,00; VI) com a aquisição e colocação dos móveis da cozinha da tipologia em L, com uma ilha com prateleiras e portas na parte inferior e na parte superior, com móveis em cerejeira, da marca Pedro & Mantovani, despendeu a quantia de €15.000,00 (14º e 15º p.i.). e) O A. fez todas estas despesas até ao final do ano de 2016 (16º p.i.). f) Uma vez que o legal apresentante da OT desapareceu e deixou de diligenciar pela legalização do prédio, pelas obras de conservação e manutenção, o A., juntamente com cinco outros promitentes adquirentes, teve de suportar as obras necessárias, que se passam a descrever: I) como o prédio tinha contador de obras foi necessário efetuar o ramal pela empresa EDP, no valor de €18.000,00, em 2009, para o que teve o A. de suportar a quantia de €3.600,00 (18º p.i.). g) Em 2007, os promitentes compradores tiveram ainda de proceder à ativação dos elevadores e, por isso, à instalação de alguns componentes em falta, para possibilitar o uso com segurança, o que importou um custo total de €14.000,00, para o que o A. suportou €2.800,00 (19º p.i.). h) Desde 2006 até à presente data, o fornecimento de eletricidade às partes comuns tem vindo a ser pago exclusivamente pelo referido grupo de promitentes compradores, à razão de €300,00 por mês, perfazendo o montante de €43.200,00, relativamente ao qual o A. suportou €8.600,40 (20º p.i.). i) A título de fornecimento de água e limpeza, duas vezes por semana, das escadas, o referido grupo de cinco promitentes compradores tem despendido, por mês, €250,00, tendo o A. gasto €7.020,00 (22º p.i.). j) O A. efetuou todas as diligências e contactos destinados a efetivar a celebração da escritura da compra e venda (24º p.i.). k) O A. passou a ser visto como sendo o proprietário da fração em causa e legítimo possuidor (25º p.i.). l) Passou a responder pela fração e pelo prédio perante as autoridades, a EDP, os Serviços Municipalizados do …, as empresas de telefone, em suma, perante todos (26º p.i.). m) Nunca o Senhor Administrador de Insolvência se dirigiu ao A., nem por contacto pessoal, nem por telefone ou por escrito (28º p.i.). n) Nunca o Senhor Administrador de Insolvência tomou posse do prédio e, muito menos, da fração autónoma correspondente ao 5º A (30º p.i.). o) Nunca procedeu ao pagamento da eletricidade, nem da água das partes comuns (31º p.i.). p) Nunca procedeu ao pagamento das peças dos elevadores, nem da sua manutenção ou da limpeza das escadas e outras (32º p.i.). q) Desde outubro de 2017 até à presente data é o Banco …, que paga o IMI relativo à fração e até lá, após a declaração de insolvência da OT, foi a Massa Insolvente que sempre o liquidou (89º cont.).” * Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do NCPC). Importa, consignar o seguinte: A) O apelante tece, na motivação, considerações sobre o direito de retenção que assiste ao promitente comprador, no caso de traditio, aludindo ao AUJ nº 4/2014, sem, contudo, formular conclusão atinente a tal direito (de igual modo, na petição inicial não deduziu qualquer pedido com fundamento no direito de retenção). B) Na alegação de recurso o apelante esgrime argumentos com vista a que seja declarado o direito de propriedade a seu favor com base em execução específica da fração correspondente ao 5º andar A.. As conclusões são omissas quanto a este aspeto. Como se deixou já consignado, em sede de despacho saneador, o R. foi absolvido dos pedidos formulados nas al.s A) e B) (esta apenas quanto ao depósito do preço), por improcedência. O pedido formulado em A) da petição inicial reporta-se à declaração de propriedade da referida fração, com base em execução específica. A decisão proferida no despacho saneador não foi objeto de apelação autónoma, nos termos do disposto no art.º 644º, nº 1, al. b) do CPC, pelo que transitou em julgado, não sendo admissível o recurso dessa decisão com o recurso da sentença. Abrantes Geraldes, ob. citada, pág. 205-206, afirma “… a al. b) reporta-se apenas ao despacho saneador que, não pondo termo á causa, conhece do mérito relativamente a uma parcela do processado (máxime aprecia uma qualquer exceção perentória ou conhece de algum dos pedidos ou do pedido reconvencional) ou determina a extinção parcial da instância por qualquer outro motivo formal (…). …conhece do mérito da causa o despacho saneador (mesmo sem pôr termo ao processo, nos termos da al. a)), que julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou a algum dos réus ou julga procedente ou improcedente alguma exceção perentória (…)”. C) Mais alegou, na motivação, que “com base no peticionado em B) e na redução do valor da fração para € 56.350,00 ser ainda declarado que lhe assiste o direito ao reconhecimento do direito de propriedade pelo valor de € 56.350,00 sendo que soçobrando a quantia de € 77.686,02 como única forma de ser ressarcido dos danos causados tem direito a que se lhe seja ainda atribuído o direito de propriedade sobre o 7º Andar A, correspondente à fração AG, constituído por uma habitação e arrecadação nº 29 na cobertura com o valor de € 49.280,00 bem como a Loja 2 destinada a comércio correspondente à fração A, sita na cave”. As conclusões são omissas quanto a esta “argumentação”, a qual surge sem indicação de qualquer fundamento jurídico que dê cobertura a pedidos de atribuição de propriedade de frações autónomas de um prédio (duas delas não foram objeto do contrato promessa) como contrapartida de valores de despesas que alega ter suportado. * Constituindo as conclusões o objeto do recurso não se conhecerá do direito de retenção, da execução específica e do reconhecimento do direito de propriedade das três frações. As questões a decidir são as seguintes: 1. Da nulidade da sentença 2. Da impugnação da decisão de facto 3. Da aquisição do direito de propriedade (abuso de direito; usucapião) e do direito a indemnização (enriquecimento sem causa) 4. Do pedido reconvencional (contradição, título legítimo e juros de mora) 1. Das nulidades da sentença Na alegação do recurso o apelante aduziu o seguinte: “Por outro lado, a fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes. Proíbe-se, deste modo, esta fundamentação passiva, por simples adesão: as razões hão-de ser expostas num discurso próprio, assente numa análise e ponderação também próprias. A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.” Nas conclusões do recurso pode ler-se: “10ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 11ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.” As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º, nº 1 do CPC, que estabelece: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.” d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” A nulidade por falta de especificação de fundamentos de facto ou de direito apenas ocorre perante falta absoluta e não meramente deficiente ou incompleta. “A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação. O eventual desrespeito pelo procedimento previsto no n.º4 do art.º 607, do CPC, não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.” [1] Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, afirmava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. O apelante pretende imputar à sentença recorrida a nulidade por falta de fundamentação. Fê-lo em termos absolutamente genéricos. Sempre se dirá que na sentença foram elencados 27 factos provados e 17 factos não provados. Seguiu-se a fundamentação da decisão de facto, em 5 páginas, com análise crítica da prova. Impõe-se concluir que não se verifica falta absoluta de fundamentação, pelo que improcede a nulidade. 2. Da impugnação da decisão de facto Estabelece o art.º 640º do CPC: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pág. 165-169, escreve: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…) A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)” O apelado pugna pela rejeição do recurso da decisão de facto, com fundamento na inobservância do disposto no art.º 640º do CPC, por não constar das conclusões os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa sobre os pontos impugnados, nem a decisão que, no entender do apelante, deveria ter sido proferida quanto aos mesmos. Nas conclusões, o apelante especificou os concretos pontos de facto que pretende impugnar. E da motivação do recurso resulta que o apelante entende que tais factos devem ser alterados para provados, sustentando a sua posição na admissão por acordo e no orçamento junto aos autos (factos não provados da al. d), pontos I a VI) e, relativamente aos factos não provados das alíneas f), ponto I, g), h) e i), na admissão por acordo e no depoimento da testemunha Hugo Correia. Relativamente a esta efetuou transcrição de excerto do respetivo depoimento. Como acima se deixou explanado, o cumprimento dos ónus de especificação dos meios probatórios e da indicação da decisão que deveria ter sido proferida não tem que ser objeto das conclusões, sendo suficiente que conste da motivação, o que sucede. [2] Entende-se, pois, que estão suficientemente cumpridos os ónus exigidos pelo art.º 640º do CPC, pelo que cumpre apreciar. Os pontos I, II, III, IV, V e VI da alínea d) dos factos não provados foram alegados no art.º 15º da petição inicial. Tais factos foram expressamente impugnados no art.º 35º da contestação (e ainda no art.º 93º desta peça processual). Com a réplica foi junto um orçamento relativo a fornecimento e colocação de eletrodomésticos, pavimento flutuante, louças sanitárias, etc., no valor global de €49.544,40. Ora, como bem se assinalou na sentença recorrida “o orçamento demonstra apenas que foi elaborada uma proposta de realização de obras e fornecimento de equipamentos, mas não há prova de que tenha sido feita uma adjudicação e de que tenha havido execução. Compulsado, aliás, esse orçamento verificamos que consta do mesmo o custo total de €49.544,40, o que constitui um valor muito alto, pois corresponde, aproximadamente, a metade do valor de aquisição da fração. Ora, o A. apenas entregou, aquando da celebração do contrato promessa, a quantia de €1.500,00, a título de sinal, tendo contraído um empréstimo no valor de €91.500,00, o que muito contrasta com a alegada disponibilidade financeira para, dois meses depois do contrato promessa, suportar aquele encargo”. Relativamente aos valores despendidos pelo A. com móveis de cozinha e eletrodomésticos a testemunha HC limitou-se a apontar valores que lhe foram referidos pelo A. No tocante aos factos das al. f), ponto I, als. g), h) e i), alegados nos art.ºs 18º, 19º, 20º e 22º da p.i., foram alvo de impugnação nos art.ºs 35º e 93º da contestação. Acresce que o depoimento da testemunha HC, na parte transcrita, se reconduz a referir algumas circunstâncias por também ser promitente adquirente de fração no mesmo prédio. Com efeito, durante o depoimento foi sempre dizendo que o A. estava numa situação idêntica à sua, sendo esta a sua razão de ciência, e não o conhecimento direto dos factos que ao A. dizem respeito, com exceção dos valores globais pagos pelos diversos habitantes do prédio, para colocar elevador em funcionamento e acesso à eletricidade (ramal). Reportando-se os factos impugnados a um conjunto de despesas que o apelante alegou ter suportado (quer no interior da fração que habita, quer em relação ao prédio onde a mesma se insere), que incluem celebração de contratos com diversas entidades, importa frisar que nenhum documento foi junto, mormente contratos, faturas, recibos. O referido depoimento, sem qualquer suporte documental, é manifestamente insuficiente para fundar a prova das alegadas despesas. Em suma, os meios probatórios indicados pelo apelante não permitem as alterações pretendidas, pelo que improcede a impugnação da decisão de facto. 3. Da aquisição do direito de propriedade (abuso de direito; usucapião) e do direito a indemnização (enriquecimento sem causa) Perante a improcedência de impugnação da decisão de facto mantém-se a factualidade considerada provada e não provada na sentença (art.º 663º, nº 6 do CPC). Não restam dúvidas de que o acordo celebrado entre o apelante e a sociedade OT é um contrato promessa de compra e venda de fração autónoma, que veio a ser adquirida pelo R., ora apelado, em sede de processo de insolvência da OT. O apelante invocou o abuso de direito, visto que a instituição hipotecária adjudicou para si sem indicação de valor todo o prédio retardando a emissão da licença de habitação só para impedir a escritura, como gerador do direito de propriedade, do direito de indemnização e até do direito de compensação, inclusive com base em posse pacifica e continuada a ver reconhecido o direito de propriedade com base em usucapião visto que a Ré nada contestou nem fez qualquer prova em sentido contrário.” (sublinhados nossos) E, nas conclusões, afirmou “há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (…). Ao longo de 17 anos consecutivos o A comportou-se como dono da fração em causa, tanto mais que tendo a OT cessado a atividade e tendo o Administrador de Insolvência primado pela total ausência, nada tendo pago temos que o A e ora Recorrente tem direito ao reconhecimento do direito de propriedade com base em usucapião. O apelante confunde conceitos e institutos jurídicos. Estabelece o art.º 334º do CC que ”é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Tem sido entendido que o exercício do direito só poderá qualificar-se de abusivo quando exceda manifesta e clamorosamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos inequivocamente ofensivos da justiça ou do sentimento socialmente dominante. “Não basta, para se falar em abuso do direito, nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do CCivil, que o titular do direito, ao exercer o direito, se exceda. É necessário que se esteja perante uma situação gritante, ofensiva do sentimento ético-jurídico dominante, clamorosamente contrária aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais.” [3] O abuso de direito, na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. “Perante o preceituado neste artigo e na esteira dos ensinamentos de Manuel de Andrade, Vaz Serra e Antunes Varela, poder-se-á dizer, em síntese, que existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.” [4] Nenhum facto provado (designadamente os afirmados no recurso, que não fazem parte da factualidade apurada) permite concluir pela imputada atuação abusiva do apelado. Insiste o apelante pela atribuição do direito de propriedade da fração Y com fundamento em usucapião, por ao longo de 17 anos consecutivos se ter comportado como dono da fração em causa, a OT ter cessado a atividade e o Administrador de Insolvência primado pela total ausência. “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião” (art.º 1287° do CC). São, pois, requisitos cumulativos da usucapião: i) a posse do bem; ii) o decurso de certo período de tempo. A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade baseada na posse, numa posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade. Todavia, também relativamente aos respetivos factos, não logrou o apelante demonstrá-los – cfr. factos não provados das alíneas k), l), m), n), o), p), não impugnados no recurso. A circunstância de ter passado a utilizar a fração prometida comprar, após documento assinado pelos contraentes, no dia 2 de outubro de 2006, relativo à entrega de diversas chaves – não olvidando que o contrato promessa contém cláusula em que se estipulou que o promitente vendedor não transmite ao promitente comprador a posse da fração, pelo que este não poderia iniciar o seu uso e gozo autónomos - por si só, não o investe na posse apta à aquisição da propriedade por usucapião. “I. A qualificação da natureza da posse do promitente comprador que, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de um bem obtém a tradição deste, não emerge do contrato promessa, que não tem, por regra, eficácia translativa, decorrendo, antes, do acordo negocial de entrega antecipada e da efetiva entrega do bem pelo promitente vendedor tendo em vista a antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo, pelo que, para tanto, impõe-se valorar, caso a caso, os termos e o conteúdo do negócio, as circunstâncias que o rodearam e as vicissitudes que se seguiram à sua celebração. II. Assim, se dessa ponderação casuística resultar comprovada a intenção do promitente vendedor de transferir, desde logo, para o promitente comprador, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade, designadamente por o promitente comprador já ter pago a totalidade do preço ou por as partes, por razões específicas, não terem o propósito de realizar o contrato definitivo, impõe-se considerar o promitente comprador com tradição do imóvel como sendo um verdadeiro possuidor, o que determina, a seu favor, o início da contagem do prazo necessário para a verificação da usucapião, nos termos dos artigos 1251º, 1263º, al. b) e 1287º, todos do Código Civil. III. A posse do promitente comprador sobre o bem entregue pelo promitente vendedor, iniciada como precária só é apta a conduzir à usucapião se, supervenientemente, se converter em posse em nome próprio mediante a inversão do título de posse, prevista no artigo 1265º, do Código Civil, que pressupõe que aquele torne diretamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía, através da prática de atos positivos, inequívocos e reveladores, a sua intenção de passar a atuar como titular do direito de propriedade.” [5] Resulta da factualidade provada que o apelante pagou a quantia de €500,00, a título de sinal, ascendendo o preço da venda a €111.500,00 – a quantia paga é de montante irrisório face ao preço estipulado. Nenhum facto ou circunstância específica ficaram demonstrados, como a inexistência de vontade dos contratantes em celebrarem o contrato definitivo, que permita concluir pela transferência para o promitente comprador, ora apelante, da posse da fração correspondente ao direito de propriedade, nem pela inversão do título da posse (art.º 1265º do CC), pelo que não se verifica desde logo o requisito da posse. Afastada fica a aquisição por usucapião. Supletivamente pugna pelo pagamento da quantia de €134,036,02 acrescida dos juros legais vincendos a contar da citação sobre a quantia de €77.686,00, a título de enriquecimento sem causa, por entender que o R. tem um benefício injustificado quer com as obras necessárias no interior da fração quer com a manutenção e conservação de todo o prédio, indemnização que fundamenta em sede de benfeitorias. O art.º 1273º do CC, sob a epígrafe “Benfeitorias necessárias e úteis” dispõe que: “1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.” E o art.º 1275º, sob a epígrafe “Benfeitorias voluptuárias” dispõe que: “1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas. 2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.” O apelante pretende ser indemnizado pelas benfeitorias que alegou ter realizado na fração, no montante global de €134,036,02. O apelante apenas logrou demonstrar que comprou eletrodomésticos, em datas não apuradas e por preços não concretamente apurados (facto nº 18). Todos os demais, atinentes a trabalhos, obras, despesas, foram considerados não provados (cfr. al. d) a i). A aquisição e colocação de eletrodomésticos, atentas as regras da experiência, são suscetíveis de levantamento – sendo certo que não foi alegado, nem demonstrado, que tal levantamento sem detrimento não era possível. Enquanto facto constitutivo do direito à indemnização competia ao A. o respetivo ónus de alegação e prova (art.º 342º, nº 1 do CC). 4. Do pedido reconvencional (contradição, título legítimo e juros de mora) Vem atribuída contradição na fundamentação de direito do pedido reconvencional, por se sustentar que em vez do Banco … o A. deveria ter demandado o Administrador de Insolvência. Tal afirmação não consta da sentença recorrida, onde se pode ler o seguinte: “Porém, ocorreu, entretanto, a insolvência do promitente vendedor, sendo esse processo o próprio para se discutir o contrato promessa, onde o Administrador da Insolvência pode optar pelo seu cumprimento ou pela respetiva recusa (art.ºs 102º a 106º do CIRE). O R. é o novo proprietário, não lhe podendo ser exigido que cumpra esse contrato promessa, cuja contraparte é a sociedade insolvente, como já decidimos no despacho saneador, a respeito do pedido de execução específica. Entendemos, deste modo, que não assiste ao A. o direito a permanecer no imóvel.” Em termos conclusivos defende o apelante que “nunca tendo o R. exigido a entrega da fração em causa também nunca poderia exigir quaisquer juros com base na inexistência de mora. Aliás, a entrega das chaves impossibilita desde logo o Banco de exigir qualquer indemnização a quem como é o caso do A tem um título legitimo.” O título legítimo a que o apelante alude, significando direitos sobre a fração autónoma decorrentes da celebração e/ou incumprimento do contrato promessa de compra e venda da fração com a OT, entretanto declarada insolvente, deviam ter sido exercidos pelo A. no processo de insolvência da promitente vendedora, designadamente em sede de reclamação de créditos ou em ação contra a massa insolvente ou administrador da insolvência, nos termos dos artigos 102º, 104º e 106º do CIRE. Com a declaração de insolvência do promitente vendedor a fração autónoma, integrante da massa insolvente, foi apreendida, e devia ter sido entregue, sem prejuízo da reclamação do crédito, nos termos do disposto nos artºs 46º, 47º, nº 4, al. a), 149º e 150º do CIRE. Com a venda da fração ao ora R., no âmbito do processo de insolvência, e respetivo registo de aquisição da propriedade a seu favor, dúvidas não restam de que o R. é o proprietário da fração, a quem a mesma deve ser entregue. “Em regra, o regime geral das vendas realizadas em processo de insolvência e para liquidação do património, incluindo o cumprimento de um contrato-promessa, é o da venda do bem livre dos direitos de garantia que o onerem, nos termos do n.º 2 do artigo 824º do Código Civil, sendo que, em princípio, desta solução não advém qualquer prejuízo para o credor garantido porque a preferência no pagamento transfere-se para o produto da venda desse bem, nos termos do n.º 3 da mesma disposição (…).” [6] Foi o A. notificado do pedido reconvencional, em que se peticionou, além do mais, a entrega da fração, bem como a indemnização pela privação do uso, no valor mensal de €500,00, que veio a ser objeto de condenação, a partir daquela data, na procedência parcial do pedido reconvencional. “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” (art.º 804º, nº 1 do CC); “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.” (art.º 804º, nº 2 do CC). Nos termos do disposto no art.º 805º, nº 1 do CC “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.” “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora” (art.º 806º, nº 1 do CC). São, pois, devidos juros de mora pela não entrega da fração a partir da notificação do pedido reconvencional. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo do A./apelante. Lisboa, 22 de junho de 2023 Teresa Sandiães Octávio Diogo Ana Paula Nunes Duarte Olivença _______________________________________________________ [1] Ac. RE de 22-03-2018, in www.dgsi.pt. [2] Neste sentido v. Acs. do STJ de 29/10/2015, proc. nº 233/09, de 31/05/2016, proc. nº 1572/2012, www.dgsi.pt [3] Ac. do STJ de 04-07-2019, in www.dgsi.pt [4] Ac. STJ de 07-03-2019, www.dgsi.pt [5] Ac. STJ de 11/03/2021, proc. nº 3944/16.4T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt [6] Ac. RC de 28/06/2022, proc. nº 2265/20.2T8VIS-D.C1 |